Interesse coletivo

MP quer garantir telefone em órgãos públicos inadimplentes

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15 de julho de 2005, 19h40

Garantir a continuidade da prestação dos serviços de telefonia para entidades e órgãos públicos, mesmo com atraso no pagamento, é o objetivo da ação civil pública, proposta pelo Ministério Público Federal, em Santa Catarina. A ação, protocolada com pedido de liminar, é contra a Global Village Telecom, Brasil Telecom, e Anatel — Agência Nacional de Telecomunicações.

Para o procurador da República Carlos Augusto de Amorim Dutra, autor da ação os órgãos públicos federais, estaduais e municipais bem como as entidades prestadoras de serviços públicos essenciais em saúde, segurança, educação e transporte em atraso com os provedores, devem ser tratados de forma diversa, pois refletem interesses de toda a coletividade.

Durante a investigação, o MPF comprovou prejuízos em diversas cidades do estado de Santa Catarina, causados pela interrupção do serviço. Como exemplo citou o Hospital de Guarnição de Florianópolis, que ficou totalmente sem comunicação, dificultando a marcação de consulta, as situações de emergência e a comunicação com médicos.

“Situação pior passou a Delegacia da Capitania dos Portos de Itajaí. Mesmo ciente de que a telefonia fixa e móvel é peça fundamental na realização de operações de despacho de navios mercantes nacionais e internacionais, ou relevante serviço de busca e salvamento de vidas humanas no mar, no dia 12 de setembro de 2003, a concessionária cortou as comunicações fixas da Delegacia, dificultando a operação de salvamento de oito tripulantes do barco de Pesca Chile II. Um verdadeiro absurdo.”, condena Dutra.

Caso a ação seja julgada procedente, o procurador quer também que as concessionárias restabeleçam os serviços que se encontram suspensos, interrompidos ou desligados.

Leia a íntegra da ação civil pública

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DA VARA FEDERAL

SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE FLORIANÓPOLIS

SEÇÃO JUDICIÁRIA DE SANTA CATARINA

O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, por intermédio do Procurador da República signatário, no cumprimento de suas atribuições constitucionais e legais, com fulcro na Constituição Federal, arts. 127 e 129, incisos II e III; Lei Complementar n. º 75/93, art. 6º, inciso VII, alíneas “c” e “d”, e Lei 7.347/85, art. 5º, bem como com base no Procedimento Administrativo correlato ao Inquérito Civil Público de n. º 2091/03, que passa a integrar esta inicial, vem, perante Vossa Excelência, propor

AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA

em desfavor da

GLOBAL VILLAGE TELECOM (GVT), pessoa jurídica de direito privado, inscrita no CNPJ sob o nº 03.420.926/0001-24, representada por seu Diretor –Presidente, Senhor Amos Genish, com sede na Rua João Paulino Vieira Filho, 752, 2º andar, Novo Centro, Maringá, Estado do Paraná

BRASIL TELECOM S.A, pessoa jurídica de direito privado, inscrita no CNPJ sob o nº 76.535.764/0001-43, na pessoa de seu Presidente, Sr. Luiz Antônio da Costa Silva, com filial na Avenida Madre Benvenuta, 2080, Florianópolis, Estado de Santa Catarina, e sede em Brasília/DF, no SiA – SUL – ASP, Lote D, bloco B ; e

AGÊNCIA NACIONAL DE TELECOMUNICAÇÕES – ANATEL, autarquia em regime especial, vinculada ao Ministério das Comunicações, Empresas Vinculadas e Imprensa Nacional, portadora do CNPJ nº 02.030.715/0001-12, na pessoa de seu Presidente, Senhor Elifas Chaves Gurgel do Amaral, com endereço SAUS Quadra 06 Blocos E e H, Brasília/DF, CEP 70.070-940, pelos fundamentos fáticos e jurídicos a seguir expostos:

1 – DO OBJETO E DA NATUREZA DA AÇÃO.

A presente ação objetiva condenar as primeiras demandadas ao cumprimento de obrigação de não fazer (absterem-se de cortar os serviços telefônicos, por falta de pagamento, de entidades públicas prestadoras de serviços públicos), cujo desrespeito viola interesses da coletividade e dos usuários destes mesmos serviços. Ademais, intenta ver a referida autarquia federal – reguladora e fiscalizadora dos serviços de telefonia – condenada a exercer seu poder de Polícia, cominando as medidas repressivas e punitivas cabíveis sempre que aquelas empresas infringirem tal obrigação.

Para a presente demanda, é curial ter-se em mente seu viés preventivo (inibitório) que encontra fundamento, entre outros dispositivos constitucionais, no art. 5° XXXV, da Carta Magna.

Comenta Joaquim Felipe Spadoni a natureza desta ação:

Pode ser definida como aquela que tem por objetivo alcançar provimento judicial apto a impedir a prática futura de um ato ilícito, sua continuação ou repetição. Ela procura obstar, de forma definitiva, a violação instantânea ou continuada de um direito, já iniciada ou ainda apenas ameaçada, possibilitando que ele seja usufruído in natura pelo seu titular, tal como permite o ordenamento jurídico. (grifo nosso).


Pela ação inibitória, a parte pretende ver acolhida sua pretensão de impor ao réu uma obrigação cuja conduta positiva ou negativa que, se atendida, ou obtido judicialmente resultado prático equivalente ao adimplemento, impede uma futura violação e satisfaz, na forma específica, determinado interesse seu.

E a razão do caráter preventivo da presente ação decorre que, no tratamento dos direitos metaindividuais, o que importa, fundamentalmente, é evitar a ocorrência da lesão, vez que quando produzida, é definitiva, irreparável ou não podem os sujeitos titulares dos direitos violados serem compensados por reparação em pecúnia.

2 – DA LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL.

Sob a égide da Constituição de 1988, o Ministério Público tornou-se verdadeiramente o advogado da sociedade, incumbindo-lhe, nos termos do art. 127 da Carta Magna, a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.

O Código de Defesa do Consumidor estabelece em seus arts. 81 e 82 que o Ministério Público Federal é parte legítima para o ajuizamento de Ação Civil Pública em proteção dos interesses individuais homogêneos, nestes termos:

Art. 81 A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo.

Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:

[…]

III – interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum;

[…]

Art. 82 Para os fins do art. 81, parágrafo único, são legitimados concorrentemente:

I – o Ministério Público (grifo nosso).

Segundo as lições de Kazuo Watanabe, em Comentários ao Código de Defesa do Consumidor , art. 81, III, a defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo, sendo efetivado o exercício desta última (a título coletivo) quando se tratar, dentre outras hipóteses, de interesses individuais homogêneos, que devem ser entendidos como de origem comum.

A Lei Complementar n.º 75/93, art. 6º, inciso VII, alíneas “c” e “d”, prevê a legitimidade do Ministério Público Federal para a defesa dos interesses dos consumidores, dentre outros sociais e coletivos, in verbis:

Art. 6º Compete ao Ministério Público da União:

[…]

VII – promover o inquérito civil e a ação civil pública para:

c) a proteção dos interesses individuais indisponíveis, difusos e coletivos, relativos às comunidades indígenas, à família, à criança, ao adolescente, ao idoso, às minorias éticas e ao consumidor (grifo nosso).

d) outros interesses individuais indisponíveis, homogêneos, sociais, difusos e coletivos;

Conforme as disposições legais supracitadas, verifica-se que é indeclinável a legitimidade ativa do Ministério Público Federal para defender em juízo os interesses individuais homogêneos de consumidores. Aliás, nesse sentido tem decidido o STJ:

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LEGITIMIDADE. MINISTÉRIO PÚBLICO. CONTRATOS DE FINANCIAMENTO. SFH. CLÁUSULAS. CASA PRÓPRIA.

Esta Corte entende que o Ministério Público possui legitimidade ad causam para propor ação civil pública objetivando defender interesses individuais homogêneos, como no presente caso, em que o parquet alega abusivas cláusulas de contratos de financiamento para aquisição da casa própria firmados com instituição financeira vinculada ao Sistema Financeiro de Habitação – SFH, demonstrado o interesse social relevante.

Agravo regimental improvido.

(STJ – SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Classe: AARESP AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL – 229226 Processo: 199900806190 UF: RS Órgão Julgador: SEGUNDA TURMA Data da decisão: 04/03/2004).

No caso sub judice, constata-se que o conjunto dos órgãos públicos (de âmbito federal, estadual, municipal) bem como as entidades prestadoras de serviços públicos essenciais (saúde, segurança, educação, transporte, etc) aderentes do serviço de telefonia, todavia, em atraso com os provedores, refletem os interesses de uma gama de indivíduos com origem comum (usuários daqueles serviços primários e inadiáveis efetuados pelos referidos órgãos públicos e prestadoras de serviços de natureza pública), suficientes para caracterizar o interesse individual homogêneo e passível, portanto, de defesa judicial pelo Ministério Público Federal.

Daí resultar a legitimidade ativa do autor, amparada na Constituição Federal, arts. 127 e 129, incisos II e III; Lei Complementar n.º 75/93, art. 1º, 2º e 5º, inciso I, alíneas “c” e “h”; inciso III, alínea “b” e “e”; inciso V, alínea “b” e; art. 6º, inciso XIV, alínea “a”, “b” e “c”; Lei n.º 7.347/85, art. 5º, com as alterações introduzidas pelas Leis n.º 8.078/90 e 8.884/94.


A isso se acrescente que compete ao Ministério Público Federal a defesa dos direitos constitucionais do cidadão, visando a garantia do seu efetivo respeito pelos Poderes Públicos e pelos prestadores de serviços de relevância pública (Lei Complementar n. 75/93, art. 11), devendo, portanto, velar pela sua prestação eficaz e contínua.

3 – DA LEGITIMIDADE PASSIVA.

A GLOBAL VILLAGE TELECOM (GVT), autorizatária dos serviços de Telefonia Fixa Comutada (STFC), é legitimada passiva em razão de ser parte na relação de consumo entabulada com os órgãos públicos e entidades prestadoras de serviços públicos, dentre os quais, figura a Delegacia Federal da Agricultura, em mora com suas obrigações, à época da resposta ao ofício do Ministério Público Federal (DOC. ANEXO). De igual forma, a BRASIL TELECOM S.A, concessionária do mesmo serviço, contratante com inúmeros órgãos e prestadores de serviços públicos.

É de ver-se, ainda, em conformidade com as peças colacionadas no procedimento administrativo instaurado pelo Ministério Público, que as empresas acima referidas, por diversas ocasiões (fls. 135/138, 146, 150, 154/155, 156, 164, 169/170, 173, 177/178, 190/191, 192, 199, 205, 208, 210, 257/258, 262, 266), suspenderam, em razão do atraso no pagamento por parte daqueles usuários públicos (ou por erros da concessionária, mesmo estando as contas em dia), a execução dos seus serviços imprescindíveis e essenciais para que esses últimos desempenhassem adequadamente suas funções, de interesse essencial e relevante para os administrados, o que denota flagrante desrespeito ao disposto no art. 22 c/c o art. 42 do Código de Defesa do Consumidor, como ocorreu, inclusive, na própria Justiça Federal em Santa Catarina (DOC. ANEXO).

Por fim, tem-se que o litisconsórcio se impõe, pois a ANATEL, agência reguladora e fiscalizadora dos serviços públicos em comento, comunga com a GVT e a BRASIL TELECOM S.A. no descumprimento dos deveres com os consumidores, permitindo e respaldando os comportamentos abusivos praticados.

4 – DA COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL.

O art. 109, inciso I, da Constituição Federal, assim dispõe:

Art. 109 Aos juízes federais compete processar e julgar:

I – As causa que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés assistentes ou oponentes, exceto as de falências, as de acidente de trabalho, e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho.(grifo nosso)

Compete à União “explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os serviços de telecomunicações, nos termos da lei, que disporá sobre a organização dos serviços, a criação de um órgão regulador e outros aspectos institucionais” (Constituição Federal, art. 21, inciso XI).

Inegavelmente, a questão discutida nestes autos envolve interesses da União, a quem compete a exploração dos serviços de telecomunicações.

Outrossim, a Justiça Federal é competente para julgar a presente actio pelo fato da ANATEL constituir ente da Administração Pública Federal.

A posição passiva desta autarquia federal na relação processual é suficiente para definir a competência desse respeitável Juízo para processar e julgar o feito.

Finalmente, consigne-se que, sendo o dano ou a ameaça, continuação ou repetição de perpetração do ilícito fenômeno de âmbito estadual, competente para a causa é a Justiça Federal da Subseção Judiciária de Florianópolis, Capital do Estado, nos moldes do previsto na Lei n.º 8.078/90, art. 93, inciso II, a fim de que as decisões prolatadas nos autos possam ter abrangência em todo o território do Estado de Santa Catarina.

5 – DOS FATOS.

Objetivando verificar a existência de abusos perpetrados por concessionária do serviço de telecomunicações, somada à injustificável tolerância do órgão regulador e fiscalizador (ANATEL), o Representante do Ministério Público Federal em Santa Catarina instaurou procedimento administrativo correlato a inquérito civil público (PA n° 209/2003) para apurar a realização, por parte da autorizatária GLOBAL VILLAGE TELECOM (GVT) e da concessionária BRASIL TELECOM S.A., com a passividade da ANATEL, de cortes de linhas telefônicas, por inadimplemento, efetuados em desfavor de entidades prestadoras de serviços públicos, tudo nos termos da portaria de abertura do procedimento (DOC. ANEXO).

Visando instruir o procedimento de apuração, expediu-se ofício ao Diretor – Presidente da GVT e da BRASIL TELECOM S.A, solicitando informações sobre os órgãos públicos (federais, estaduais ou municipais) ou entidades prestadoras de serviços públicos que se encontravam em falta com suas responsabilidades frente às empresas e, se da falta, decorria suspensão do fornecimento. Somente a primeira (GVT) respondeu as informações requisitadas, consoante documento anexo (DOC. ANEXO). Com o mesmo intuito, oficiou-se a todos os órgãos públicos federais, à Secretaria de Estado da Administração e as Associações de Municípios existentes no Estado de Santa Catarina, cujas respostas instruem a presente inicial (DOCS. ANEXOS).


Concluídas as diligências, restou verificado que o procedimento drástico e abusivo da suspensão/interrupção do serviço de telefonia perpetrado pelas empresas não é exceção; pelo contrário, é regra, ocasionando calamidades e prejuízos incalculáveis para os cidadãos, diante da interrupção da prestação do serviço público por órgãos federais, estaduais e municipais.

Imensos prejuízos foram constatados com a interrupção em análise, a exemplo das informações prestadas pelo Município de Passos de Maia (DOC. ANEXO), que teve o serviço público de telefonia suspenso, e cujos prejuízos foram: impossibilidade de atendimento aos cidadãos no agendamento de consultas e exames de média e alta complexidade, bem como encaminhamentos de Tratamento Fora do Domicílio; falta de comunicação com os motoristas, hospitais e dificuldade na verificação de altas; contato com médicos de várias especialidades.

Outro exemplo inaceitável de suspensão do serviço público de telefonia foi o episódio vivenciado pelo Hospital de Guarnição de Florianópolis, que ficou totalmente sem comunicação, dificultando marcação de consultas (DOC. ANEXO).

Situação pior passou a Delegacia da Capitania dos Portos de Itajaí (DOC. ANEXO). Mesmo ciente de que a telefonia fixa e móvel é peça fundamental na coordenação, recebimento e transmissão de informações para que, além do serviço normal de atendimento ao público, também realize operações de despacho de navios mercantes nacionais e internacionais, sem se olvidar do relevante serviço de busca e salvamento da vida humana no mar, a concessionária, arbitrariamente, no dia 12 de setembro de 2003, cortou as comunicações fixas daquela Delegacia, dificultando sobremodo a operação de salvamento de 8 tripulantes do barco de Pesca Chile II, cujo sinistro ocorrera dias antes. Um verdadeiro absurdo!

Mais abusivos, ainda, foram as suspensões na prestação do serviço público essencial de telefonia no Poder Judiciário (Justiça Federal em Santa Catarina), conforme comprovam os documentos anexos (DOCS. ANEXOS), sem que houvessem quaisquer débitos junto à empresa de telefonia.

6 – DO DIREITO.

Os fundamentos da presente demanda, que inclusive busca defender não apenas os cidadãos mais o próprio PODER JUDICIÁRIO, estão presentes no ordenamento jurídico vigente, como será cabalmente demonstrado.

6.1 – Prevalência dos Princípios Constitucionais sobre as normas ilegais em que se fundam as demandadas.

A questão espraia-se na análise, mesmo que sucinta e preliminar, do que sejam princípios do direito. Fábio Ulhoa Coelho , na esteira do que elucida o administrativista Celso Antônio Bandeira de Mello, entende-os como preceitos gerais (expressos em dispositivos ou deles decorrentes) cujo comando se projeta em normas jurídicas atinentes à matéria, informando-as. Em suma, são alicerces do edifício jurídico cujo desrespeito implica pôr em risco os próprios fundamentos do Direito; têm a mesma natureza das normas jurídicas vez que também enunciam e prescrevem condutas.

Importando-se a noção acima para a seara do Direito Administrativo, o ato efetuado por empresa delegada do serviço de telecomunicações, no sentido de interromper seus serviços em razão da ausência da devida contraprestação por parte do consumidor – estes representados, no caso em tela, por órgãos públicos federais, estaduais e municipais e usuários que sejam prestadores de outros serviços públicos essenciais, sediados em Santa Catarina – destoa dos princípios retores daquele campo jurídico.

Segundo a agência reguladora e as concessionárias, o corte do serviço essencial de telefonia poderia ocorrer com base no art. 67 e seguintes, da Resolução 85/98, da ANATEL, que “aprova o Regulamento do Serviço Telefônico Fixo Comutado”:

Art. 67. A prestadora pode suspender o provimento do serviço ao Assinante que não honrar o pagamento de débito diretamente decorrente da utilização da modalidade do serviço prestado, após transcorridos 30 (trinta) dias de inadimplência.

§1º A inadimplência se caracteriza pelo não pagamento de débito objeto de documento de cobrança, de periodicidade regular, de prestação de serviço, sem contestação pelo Assinante.

§2º O débito que caracteriza a inadimplência do Assinante deve ser incorporado no documento de cobrança, de periodicidade regular, subseqüente.

§3º Deve ser destacada no documento de cobrança a que se refere o parágrafo anterior, a existência de débito vencido, explicitando seu valor e informando que o não pagamento poderá implicar em suspensão parcial do serviço.

§4º A Prestadora notificará ao Assinante, em até 15 (quinze) dias após o vencimento do primeiro documento de cobrança, de periodicidade regular, com débito, dos seus direitos de contestação do débito, em até 5 (cinco) dias úteis, e da possibilidade de suspensão parcial do serviço por inadimplência.


Art. 68. Transcorrido 30 (trinta) dias de inadimplência a Prestadora pode suspender,parcialmente, o provimento do STFC, com bloqueio das chamadas originadas.

Art. 69. A Prestadora, após um período mínimo de 30 (trinta) dias de suspensão parcial do provimento do STFC, permanecendo o Assinante inadimplente, pode proceder à suspensão total do provimento do STFC, inabilitando-o a originar e receber chamadas.

§ 1º Deve ser destacada no documento de cobrança de periodicidade regular, emitido pela Prestadora, a existência de débitos vencidos, explicitando seus valores e informando que o não pagamento poderá implicar na suspensão total do serviço.

§ 2º A Prestadora deve informar ao Assinante, com antecedência mínima de 15 (quinze) dias, a suspensão total do provimento do serviço.

Art. 70. Transcorridos 30 (trinta) dias de suspensão total do provimento do serviço em determinada modalidade do STFC, por inadimplência, a Prestadora pode rescindir o contrato de prestação de serviço.

Parágrafo único. Rescindido o contrato de prestação de serviço, por inadimplência, a Prestadora pode incluir o registro de débito em sistemas de proteção ao crédito.

Art. 75. O Assinante inadimplente pode efetuar a qualquer momento o pagamento do débito, acrescido dos encargos de mora, devendo a Prestadora retirar a informação de inadimplência e restabelecer o serviço em até 24 (vinte e quatro) horas após a declaração ou comprovação do pagamento pelo Assinante ou, ainda, do recebimento pela Prestadora de comprovação do pagamento via sistema bancário, se não houver sido rescindido o contrato de prestação de serviço.

No mesmo diapasão, a lei 8.987/95, que “dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos previsto no artigo 175 da Constituição Federal, e dá outras providências”, expressamente autoriza a suspensão das linhas telefônicas dos consumidores inadimplentes. Estatui seu artigo 6º:

Art. 6º. Toda concessão ou permissão pressupõe a prestação de serviço adequado ao pleno atendimento dos usuários, conforme estabelecido nesta Lei, nas normas pertinentes e no respectivo contrato.

[…]

§3º. Não se caracteriza como descontinuidade do serviço a sua interrupção em situação de emergência ou após o prévio aviso, quando:

I – motivada por razões de ordem técnica ou de segurança das instalações; e,

II – por inadimplemento do usuário, considerado o interesse da coletividade. (grifo nosso).

Tais previsões divorciam-se completamente dos princípios constitucionais administrativos encartados expressa ou implicitamente no artigo 37 da Carta Magna. Inicialmente, inobservaram a diretriz da continuidade do serviço público de excepcional importância, qualificado como ininterrupto, já que o atendimento da coletividade não pode ser prejudicado, mesmo que haja previsão da comunicação do futuro corte dos telefones aos Poderes Públicos competentes, formalizada por escrito e com antecedência mínima de 15 (quinze) dias.

Afiança Mário de Aguiar Moura :

Dentro da obrigatoriedade de serem tais serviços contínuos e permanentes, vem à baila a regra administrativa de corte de fornecimento, v.g., de água, eletricidade, linha telefônica, no caso de o usuário deixar de pagar as taxas impostas pelo Poder Público. Sou de parecer que tal ação da Administração viola o princípio da continuidade, ofendendo norma cogente de proteção ao consumidor.

Será ato contrário à lei e que enseja o remédio da restauração do serviço.[…].(grifo nosso).

Ainda, é de ver-se que as normas inculpidas nos artigos 67 e seguintes e 6º, §3º, II, respectivamente, da Resolução 85/98, da ANATEL, e da Lei 8987/95 afrontam outros princípios constitucionais, tais como o da supremacia do interesse público, proporcionalidade e legalidade.

Isso porque as espécies normativas atribuíram ao interesse privado e meramente pecuniário da autorizatária e da concessionária peso superior aos interesses públicos e dos cidadãos – consumidores em verem-se adequadamente atendidos pelos demais prestadores de serviços inadiáveis da comunidade. O fato de o serviço público ser prestado por particular, in casu, pela GVT e BRASIL TELECOM S.A. não elide a finalidade precípua de satisfazer os relevantes interesses dos administrados (que necessitam dos serviços prestados pelos órgãos públicos), os quais não podem ser sacrificados em nome de interesses econômicos privados de quem quer que seja.

Além disso, meio por elas prescrito – suspensão das telecomunicações – para a satisfação do direito de crédito, no caso sub judice, da GVT e da BRASIL TELECOM S.A., é ato que importa em ultrapassar o necessário para alcançar esse objetivo. Lapidar a respeito o magistério de Celso Antônio Bandeira de Mello :


Logo, o plus, o excesso acaso existente, não milita em benefício de ninguém. Representa, portanto, apenas um agravo inútil aos direitos de cada qual. Percebe-se, então, que as medidas desproporcionais ao resultado legitimamente alvejável são, desde logo, condutas ilógicas, incongruentes. Ressentindo-se deste efeito, além de demonstrarem menoscabo pela situação jurídica do administrado, traindo a persistência da velha concepção de uma relação soberano – súdito (ao invés de Estado-cidadão), exibem, ao mesmo tempo, sua inadequação ao escopo legal.

Mais à frente, conclui:

Donde, atos desproporcionais são ilegais e, por isso, fulmináveis pelo Poder Judiciário, que, sendo provocado, deverá invalidá-los quando impossível anular unicamente a demasia, o excesso detectado.

A legalidade, em decorrência, é extrapolada, vez que há os meios judiciais cabíveis para buscar o adimplemento das dívidas junto àqueles consumidores faltantes. As credoras devem, no mínimo, aguardar o pronunciamento da Justiça, não podendo exigir de imediato o pagamento do consumidor inadimplente sob a ameaça do corte de linhas telefônicas, o que denota que não podem paralisar o seu serviço – que é indispensável -, bruscamente e sem motivo justificado, principalmente quando os usuários (consumidores) são órgãos federais, estaduais e municipais que prestam relevantes e indispensáveis serviços públicos dos quais usufruem, inclusive, as próprias concessionárias de telefonia.

Ademais, tal prática ocasiona uma lesão ao direito dos consumidores, dificultando o direito de acesso deles à justiça para a discussão do débito, além do que consolida vantagem manifestamente excessiva para o fornecedor. Já decidiu o Superior Tribunal de Justiça (STJ), no que tange ao análogo e essencial serviço de energia elétrica:

(STJ-146594) ADMINISTRATIVO. CORTE NO FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS. AGRAVO REGIMENTAL. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTOS PARA INFIRMAR A DECISÃO AGRAVADA. DESPROVIMENTO.

1. O corte no fornecimento de energia elétrica, como forma de compelir o usuário ao pagamento de tarifa ou multa, extrapola os limites da legalidade e malfere a cláusula pétrea que tutela a dignidade humana. Precedentes do STJ.

2. Ausência de motivos suficientes para a modificação do julgado. Manutenção da decisão agravada.

3. Agravo regimental desprovido.

(Agravo Regimental no Agravo de Instrumento nº 478911/RJ (2002/0134764-3), 1ª Turma do STJ, Rel. Min. Luiz Fux. j. 06.05.2003, unânime, DJU 19.05.2003, p. 144). (grifo nosso)

Faz-se necessário também comentar o descaso com o princípio da proibição do retrocesso em face das garantias fundamentais.

Com efeito, o direito do consumidor possui o status de direito constitucional e, como tal, não pode o legislador ordinário fazer regredir o grau da garantia fundamental que o protege – encartada no artigos 5˚, XXXII, da Lei Maior .

Quando a Lei de Concessão do Serviço Público – Lei 8987/95, na dicção do citado artigo 6º, §3º, inciso II – afirma que não se caracteriza como descontinuidade do serviço público a sua interrupção “ por inadimplemento do usuário, “considerado o interesse da coletividade”, pratica autêntico retrocesso ao direito do consumidor, haja vista a previsão do artigo 22 da Lei consumerista :

Art. 22. Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos.(grifo nosso).

Parágrafo único. Nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados, na forma prevista neste Código.

Se o direito do consumidor possui fundamentos de garantia fundamental (art. 5º XXXII) e é princípio da ordem econômica (art. 170, V, da Constituição Federal) a interrupção do serviço público essencial de telefonia, como dito, além de causar lesão, afeta a dignidade dos consumidores – em dissonância ao que dispõe o art 1º,III, da Lei Maior e art 1º do Código de Defesa do Consumidor -, configurando, em síntese, na autotutela do direito da GVT e BRASIL TELECOM S.A.

Neste sentido a jurisprudência:

(STJ-136973) ADMINISTRATIVO. DIREITO DO CONSUMIDOR. AUSÊNCIA DE PAGAMENTO DE TARIFA DE ENERGIA ELÉTRICA. INTERRUPÇÃO DO FORNECIMENTO. CORTE. IMPOSSIBILIDADE. ARTS. 22 E 42, DA LEI Nº 8.078/90 (CÓDIGO DE PROTEÇÃO E DEFESA DO CONSUMIDOR).

1. Recurso Especial interposto contra Acórdão que entendeu ser ilegal o corte de fornecimento de energia elétrica, em face de inadimplemento do Município recorrido.

2. Não resulta em se reconhecer como legítimo ato administrativo praticado pela empresa concessionária fornecedora de energia e consistente na interrupção do fornecimento da mesma em face de ausência de pagamento de fatura vencida.


3. A energia é, na atualidade, um bem essencial à população, constituindo-se serviço público indispensável subordinado ao princípio da continuidade de sua prestação, pelo que se torna impossível a sua interrupção.

4. O art. 22, do Código de Proteção e Defesa do Consumidor, assevera que “os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos”. O seu parágrafo único expõe que “nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados na forma prevista neste código”. Já o art. 42, do mesmo diploma legal, não permite, na cobrança de débitos, que o devedor seja exposto ao ridículo, nem que seja submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça. Os referidos dispositivos legais aplicam-se às empresas concessionárias de serviço público.

5. Não há de se prestigiar atuação da Justiça privada no Brasil, especialmente, quando exercida por credor econômica e financeiramente mais forte, em largas proporções, do que o devedor. Afronta, se assim fosse admitido, aos princípios constitucionais da inocência presumida e da ampla defesa.

6. O direito do cidadão de se utilizar dos serviços públicos essenciais para a sua vida em sociedade deve ser interpretado com vistas a beneficiar a quem deles se utiliza.

7. Caracterização do periculum in mora e do fumus boni iuris para sustentar deferimento de ação com o fim de impedir suspensão de fornecimento de energia.

8.Recurso Especial não provido.

Decisão:

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao recurso, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Francisco Falcão, Garcia Vieira e Humberto Gomes de Barros votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausente, ocasionalmente, o Sr. Ministro Luiz Fux.(grifo nosso).

Admitir a possibilidade de corte de telefones implica em flagrante retrocesso ao direito constitucional do consumidor, desatendendo o preceituado no mencionado art. 22 da Lei consumerista, que afirma que os fornecedores de serviço público são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes e “contínuos”. Se o princípio do retrocesso veda que lei posterior possa desconstituir qualquer garantia constitucional, qualquer lex posteriori estatuindo o contrário – como a lei nº 8987/95 e as regras da resolução que permitem a interrupção do serviço – reveste-se de flagrante inconstitucionalidade.

Curial ver-se que o art. 22 do CDC não ventilou qualquer exceção. Portanto, à GVT e BRASIL TELECOM S.A. não é facultado o expediente de paralisação do serviço de telefonia, sob pena de responder pelos danos causados.

Por fim, é sempre importante lembrar que o estatuto consumerista é um microssistema, com normas e princípios próprios, que não podem sofrer alterações por norma posterior e de mesma hierarquia. Sendo assim, questionável juridicamente a exceção contida no art. 6º, §3º, II, da Lei nº 8987/95 e art. 67 e seguintes da Resolução 85, da ANATEL, que possibilitam o corte do serviço de telefonia, desde que haja prévia comunicação ao consumidor, transformando em relativa a vedação de interrupção do serviço, a qual, pelo Código de Defesa do Consumidor, é absoluta.

O corte do serviço público e essencial de telefonia prestado pelas concessionárias ao Poder Público é, ainda, mais grave do que aquele feito ao usuário particular, como será cabalmente demonstrado.

– Dos serviços públicos essenciais.

Cabe, neste momento, delinear o que se enquadra como serviço público essencial. Elucida José Cretella Júnior•:

[…] pode haver serviço público “não essencial” e “serviço público essencial”, o mesmo ocorrendo com o serviço privado ou atividade privada, classificada em essencial ou não essencial. “A essencialidade da atividade é essencial” é proposição de nítido truísmo, porque é da natureza da coisa a existência do próprio atributo. “Essencialidade” envolve juízo de valor e, por isso, não se discute no plano lógico, mas apenas no jurídico. “Serviços ou atividades essenciais” são aqueles que a regra ordinária define como tal. E a lei tem de ser federal. (grifo nosso).

Com a mesma reflexão, ao analisar o artigo 22, da Lei 8078/90, corrobora o esposado Antônio Herman Benjamin :

O Código não disse o que entendia por serviços essenciais. Essencialidade, pelo menos neste ponto, há que ser interpretada em seu sentido vulgar, significando todo o serviço público indispensável à vida em comunidade, ou melhor, em uma sociedade de consumo. Incluem-se aí não só os serviços públicos stricto sensu (os de polícia, os de proteção, os de saúde) mas ainda os serviços de utilidade pública (os de transporte coletivo, os de energia elétrica, os de gás, os de telefone, os de correios).


A Lei Federal 7.783/89, que dispõe sobre o exercício do direito de greve, prevê:

Art. 10. São considerados serviços ou atividades essenciais:

I – tratamento e abastecimento de água; produção e distribuição de energia elétrica, gás e combustíveis;

II – assistência médica e hospitalar;

III – distribuição e comercialização de medicamentos e alimentos;

IV – funerários;

V – transporte coletivo;

VI – captação e tratamento de esgoto e lixo;

VII – telecomunicações;

VIII – guarda, uso e controle de substâncias radioativas, equipamentos e materiais nucleares;

IX – processamento de dados ligados a serviços essenciais;

X- tráfego aéreo;

XI – compensação bancária.

Art. 11. Nos serviços ou atividades essenciais, os sindicatos, os empregadores e os trabalhadores ficam obrigados, de comum acordo, a garantir, durante a greve, a prestação dos serviços indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade.

Parágrafo único. São necessidades inadiáveis da comunidade aquelas que, não atendidas, coloquem em perigo iminente a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população.(grifo nosso).

No âmbito das agências reguladoras, a ANEEL – Agência Nacional de Energia Elétrica, pela Resolução n. 456/2000, art 94, já reconhece:

Art. 94. A suspensão do fornecimento por falta de pagamento, a consumidor que preste serviço público ou essencial à população e cuja atividade sofra prejuízo, será comunicada por escrito, de forma específica, e com antecedência de 15 (quinze) dias ao Poder Público local, ou ao Poder Executivo Estadual, conforme fixado em lei.

Parágrafo único. Para fins de aplicação do disposto no “caput” deste artigo, exemplifica-se como serviço público ou essencial o desenvolvido nas unidades consumidoras a seguir indicadas:

I – unidade operacional do serviço público de tratamento de água e esgotos;

II – unidade operacional de processamento de gás liqüefeito de petróleo e de combustíveis;

III – unidade operacional de distribuição de gás canalizado;

IV- unidade operacional de transporte coletivo que utilize energia elétrica;

V – unidade operacional do serviço público de tratamento de lixo;

VI – unidade operacional do serviço de telecomunicações; e

VII – centro de controle público de tráfego aéreo, marítimo e rodoferroviário.

De forma reflexa, a Portaria 03/99, da Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça, considera nulas de pleno direito cláusulas entabuladas que:

3. Permitam ao fornecedor de serviço essencial (água, energia elétrica, telefonia) incluir na conta, sem autorização expressa do consumidor, a cobrança de outros serviços. […](grifo nosso).

6.3 – O corte do fornecimento do serviço essencial de telefonia aos órgãos públicos

A suspensão da prestação do serviço público essencial de telefonia ao Poder Público e aos órgãos que prestam, do mesmo modo, serviços públicos essenciais à população, não pode ser permitido, sob nenhuma hipótese.

No caso, trata-se de serviços que, pela sua natureza de públicos e essenciais, não podem ser interrompidos, exigindo o Código de Defesa do Consumidor, art. 22, a continuidade de sua prestação.

Ora, se o consumidor é pessoa jurídica de direito público (Poder Público) ou prestador de serviço de relevância pública, os serviços que presta à população são, por sua natureza essenciais, visto que objetivam a satisfação do interesse coletivo. Por essa razão, em hipótese alguma deve ser permitida a sua total paralisação ou, no caso da presente ação, a suspensão do serviço de telefonia, mesmo que haja inadimplência e a notificação prévia do ente público.

Cumpre aduzir que a característica de essencialidade fica ainda mais evidente no caso dos denominados serviços uti universi, como saúde, educação, segurança, transporte e outros.

Nesse sentido, preciosas as lições dos autores do anteprojeto do Código do Consumidor :

Por outro lado, se o usuário do serviço for pessoa jurídica de Direito Público, a interrupção do fornecimento é inadmissível, porque, além de estar em causa o interesse público – cuja supremacia é indiscutível em termos principiológicos –, o ente público pode invocar, em sentido diametralmente oposto, o postulado da continuidade dos serviços que presta à população em geral.

E prosseguem os autores em nota de rodapé:

Em lapidar acórdão, a 1ª Turma do STJ deixou assentado o seguinte: “O corte de energia autorizado pelo CDC e pela legislação pertinente é previsto uti singuli, vale dizer: da concessionária versus o consumidor isolado e inadimplente; previsão inextensível à Administração Pública por forçado princípio da continuidade, derivado do cânone maior da supremacia do interesse público” (cf. AGRMC nº 2001/00921137-1, rel. min. Luiz Fux).”


Inegavelmente, deve-se fazer uma distinção de tratamento de acordo com a espécie de consumidor: particular ou coletividade. A esse respeito, merece transcrição as preciosas ponderações da Doutora Larissa Riskowsky Bentes Betke, Procuradora do Município de São Paulo, em ação cautelar recentemente proposta perante a Vara da Fazenda Pública da Capital de São Paulo, em que se discutiu a impossibilidade do corte do serviço público essencial de energia elétrica (e que se aplica ao caso sub judice), nos seguintes termos:

[…]

Em suma, deve-se fazer uma distinção de tratamento de acordo com a espécie de usuário, se particular isolado ou se uma coletividade de pessoas, representada pelo ente público que figura na relação como destinatário final.

No primeiro caso, impõem-se a prévia notificação do usuário inadimplente, em obediência ao artigo 6º, § 3º, da Lei nº 8.987/93, o que é questionável, como já expusemos, sob pena de ficar caracterizada a descontinuidade de serviço público essencial, sujeitando-se, o infrator, a ressarcir o prejudicado pelos danos materiais e morais experimentados com a conduta ilegal.

A interrupção abrupta, por outro lado, também configura prática proibida, vedada pelo art. 42 do Código de Defesa do Consumidor, em razão do evidente constrangimento a que é exposto o consumidor, com vistas à cobrança de dívida, o que sujeita o infrator a sanções administrativas e penais.

No entanto, sendo o consumidor pessoa jurídica de direito público, como no caso dos autos, repita-se, a interrupção do fornecimento é inadmissível, por ser inerente aos serviços prestados pelo Poder Público a sua essencialidade. Neste caso, deverá a prestadora de serviços proceder à religação da energia, como especificado no Regulamento da ANEEL prevê, no item “Direitos”, tópico 13, nestes termos: “No caso de suspensão de fornecimento indevida, o concessionário deverá providenciar a religação, em qualquer ônus, no prazo máximo de 4 (quatro) horas após o pedido, […]”.

Em que pesem opiniões em contrário, a idéia da continuidade da prestação do serviço público ao Poder Público deve, data maxima venia, ser considerada como ABSOLUTA, devendo a concessionária buscar os MEIOS JUDICIAIS cabíveis para o recebimento dos valores que lhes são porventura devidos.

Outrossim, descabida a argumentação de enriquecimento ilícito e incentivo ao inadimplemento generalizado do usuário do serviço público diante do inadimplemento temporário das tarifas, haja vista que os valores devidos poderão ser cobrados pelos meios judiciais cabíveis, sem que haja para a coletividade solução de continuidade no funcionamento dos órgãos e serviços públicos, ou mesmo a precariedade na prestação deste serviço, em razão da falta do necessário contato telefônico entre os órgãos, com fornecedores etc.

Entender de modo diferente é aceitar a possibilidade da SUSPENSÃO de fornecimento pelo Estado à concessionária do serviço público essencial de telefonia dos serviços públicos em geral, e que são, também, essenciais, como os de água, luz, segurança pública, atendimentos nos órgãos administrativos, prestação jurisdicional, só para citar alguns, caso esta esteja inadimplente com o pagamento de tributos ou com alguma pendência com o Estado.

Poder-se-á imaginar a absurda idéia de que, sob a alegação de atraso ou inadimplência por parte da concessionária do serviço público essencial de telefonia do pagamento dos tributos que, regularmente, deve ao Poder Público, Vossa Excelência suspendesse a prestação jurisdicional, até que fosse solucionada a questão? As solicitações de socorro feitas à polícia ou aos bombeiros não poderiam ser atendidas?

Ora, aceitar a possibilidade de suspensão do serviço de telefonia ao Poder Público, em razão do atraso no pagamento de conta, é também possibilitar a interrupção da prestação pelo Estado de serviços públicos à concessionária, caso esta esteja em débito como tributos, em geral (impostos, contribuições etc.).

Assim, ilustre Julgador, é forçoso reconhecer que, nos moldes da Constituição Federal, art. 21, inciso XII, as atividades desenvolvidas pelo Poder Público se constituem em valores superiores, e não podem sofrer qualquer processo de solução de continuidade, devendo as concessionárias do serviço público de telefonia, em caso de inadimplência do Estado, buscar o pagamento do que lhes é devido, por intermédio da cobrança judicial, e, não de auto executoriedade indireta, colocando em perigo a própria sobrevivência da população.

Ora, se a lei ou qualquer ato da ANATEL não pode excluir da apreciação do Poder Judiciário a simples ameaça a direito, não se pode admitir que a concessionária do serviço público essencial de telefonia se arrogue o poder de fazer justiça com suas próprias mãos. Seria prestigiar a “justiça privada” no Brasil, especificamente quando exercida por credor econômica e financeiramente forte (e no exercício de uma atividade essencial).


6.4 – Da relação de consumo e das violações ao Código de Defesa do Consumidor.

Os serviços de telefonia são, sem dúvida, relações de consumo, considerados os usuários de tal serviço consumidores, eis que:

Art 2˚ Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final

Parágrafo único. Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo.

A GVT e a BRASIL TELECOM S.A são contratantes prestadores de serviço público, situação jurídica vislumbrada no artigo 3˚ do mesmo diploma:

Art. 3˚ Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

O parágrafo 2˚ do artigo acima explicita:

§2˚ Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista

Atente-se que, na presente demanda, em verdade, há duas relações jurídicas: a travada entre as demandadas (GVT e BRASIL TELECOM S.A.) e os órgãos públicos prestadores de outros serviços indispensáveis e a destes para com a população em geral.

Por conseguinte, torna-se certo que da falta daqueles órgãos públicos com suas obrigações junto à GVT e BRASIL TELECOM S.A e, por conseqüência, da decisão destas últimas no sentido de suspender as linhas telefônicas, decorrem vicissitudes que afetam toda a coletividade, dada a natureza da essencialidade tanto do serviço de telecomunicações em si mesmo, como dos prestados por órgãos públicos que têm os telefones como instrumento para execução de seus serviços.

Neste tocante, o Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 4˚,VII, inserto em capítulo relacionado à Política Nacional de relações de consumo, propugna racionalização e melhoria dos serviços públicos.

Mais à frente garante:

Art. 6˚ São direitos básicos do consumidor:

[…]

IV – a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços;

[…]

X – a adequada e eficaz prestação dos serviços públicos em geral.”(grifo nosso).

Hely Lopes Meirelles abaliza:

[…] os direitos do usuário são, hoje, reconhecidos em qualquer serviço público ou de utilidade pública como fundamento para a exigibilidade de sua prestação nas condições regulamentares e em igualdade com os demais utentes. São direitos cívicos, de conteúdo positivo, consistentes no poder de exigir da Administração ou de seu delegado o serviço que um ou outro se obrigou a prestar individualmente aos usuários. São direitos públicos subjetivos de exercício pessoal quando se tratar de serviço uti singuli e o usuário estiver na área de sua prestação. Tais direitos rendem ensejo às ações correspondentes, inclusive mandado de segurança, conforme seja a prestação a exigir ou a lesão a reparar judicialmente.

No que tange à prática abusiva a que se visa obstar, provocadora de um desequilíbrio na relação de consumo e que lesiona as partes menos favorecidas da relação de consumo, incluindo-se aqui os cidadãos – consumidores, a lei 8078/90 é assaz expressa. Transcreve-se novamente seu art. 22, norma cogente que vem na esteira do artigo 175, V , do Texto Magno:

Art. 22. Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos.

Parágrafo único. Nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados, na forma prevista neste Código.

A previsão do artigo 22 em exame, a bem da verdade, fez a adequação de conhecidos princípios jurídicos de Direito Administrativo às relações de consumo, razão de, no exercício da cidadania, qualquer pessoa, física ou jurídica, ter o inalienável direito de, pelas vias processuais cabíveis, exigir do Poder Judiciário, que não age de ofício, as providências que a hipótese requeira, mesmo porque nem a lei pode excluir da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito (art. 5º, XXXV, da C.F.).

Vale-se novamente do magistério de Antônio Herman Benjamin :

Uma vez que a Administração não esteja cumprindo as quatro obrigações básicas enumeradas pelo art. 22 (adequação, eficiência, segurança e continuidade), o consumidor é legitimado para, em juízo, exigir que sejam as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las.


Atento às regras de ordem pública, ainda dispõe o artigo 42, do CDC:

Art. 42. Na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça.

Sobre este dispositivo, comenta Hélio Gama: E o constrangimento de que fala o CDC é aquela imposição de situações que venham a atormentar o devedor, fazendo com que as agruras da cobrança que sofra se transformem em condenação adicional ou acessória

Não discrepa a jurisprudência:

(STJ-124416) DIREITO DO CONSUMIDOR. ENERGIA ELÉTRICA. INTERRUPÇÃO DO FORNECIMENTO. ARTS. 22 E 42, DA LEI Nº 8.078/90 (CÓDIGO DE PROTEÇÃO E DEFESA DO CONSUMIDOR).

1. Recurso Especial interposto contra Acórdão que entendeu ser ilegal o corte de fornecimento de energia elétrica, em face do não pagamento de fatura vencida.

2. O art. 22, do Código de Proteção e Defesa do Consumidor, assevera que “os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos”. O seu parágrafo único expõe que “nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados na forma prevista neste código”.

3. Já o art. 42, do mesmo diploma legal, não permite, na cobrança de débitos, que o devedor seja exposto ao ridículo, nem que seja submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça.

4. Caracterização do periculum in mora e do fumus boni iuris para sustentar deferimento de ação com o fim de impedir suspensão de fornecimento de energia a uma empresa.

5. Juízo emitido no âmbito das circunstâncias supra-reveladas que se prestigia.

6. Recurso Especial improvido.

Decisão:

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da PRIMEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao recurso, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Francisco Falcão, Luiz Fux, Garcia Vieira e Humberto Gomes de Barros votaram com o Sr. Ministro Relator.

(Recurso Especial nº 353796/MA (2001/0128309-3), 1ª Turma do STJ, Rel. Min. José Delgado. j. 11.12.2001, Publ. DJ 04.03.2002 p. 209). (grifo nosso).

E a lei do consumidor repudiou a tal ponto a cobrança vexatória a ponto de tipificá-la como conduta criminosa, verbis:

Art. 71. Utilizar, na cobrança de dívida, de ameaça, coação, constrangimento físico ou moral, afirmações falsas, incorretas ou enganosas ou de qualquer outro procedimento que exponha o consumidor, injustificadamente, a ridículo ou interfira com seu trabalho, descanso ou lazer:

Pena – detenção de 3 (três) meses a 1 (um) ano e multa.

Não fosse a contrariedade com os princípios constitucionais administrativos, tem-se que, pela visão do Código de Defesa do Consumidor, a relação de consumo entabulada entre a autorizatária (GVT) e a concessionária (BRASIL TELECOM S.A.) e os órgãos públicos prestadores de outros imprescindíveis serviços públicos não pode contemplar cláusula abusiva, qual seja, suspensão dos serviços de telefonia, por falta ou mora no pagamento.

O Código de Defesa do Consumidor é claro ao determinar que são nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que estejam em desacordo com o sistema de proteção ao consumidor. Assim, cabíveis para a presente actio a inteligência do art. 51:

Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos ou serviços que:

[…]

IV – estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou eqüidade;

[…]

XV – estejam em desacordo com o sistema de proteção do consumidor;

[…]

§1º Presume-se exagerada, entre outros casos a vantagem que:

[…]

III – se mostra excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso. (grifo nosso).

Ora, resta cristalino que a decisão unilateral das demandadas prestadoras do serviço, em suspenderem o seu fornecimento, por falta ou atraso no pagamento, com a permissividade da ANATEL, está em desacordo com o sistema de proteção ao consumidor. Também é cediço que as normas ensanchadoras do desligamento, nas circunstâncias descritas, não respaldam o superior interesse público da continuidade dos serviços essenciais acima explicitados.

Importantes as lições da Doutora Luciana Marcelino Martins, em ação civil pública proposta perante a Seção Judiciária no Estado de Pernambuco (ACP n. 20038300011322-1), ocasião em que a ilustre Procuradora da Republica sustentou que as condutas das concessionárias e da ANATEL afrontam a diversos princípios constitucionais:


Numa concessão de serviço público, é evidente que o interesse público primário, de toda a coletividade, deve prevalecer em face do interesse público particular, de caráter meramente pecuniário, do concessionário. Afinal de contas, trata-se de um serviço público, ainda que prestado por particular, que, portanto, foi instituído com a precípua finalidade de satisfazer interesses relevantes dos administrados, os quais não podem ser sacrificados em nome de interesses econômicos privados de quem quer que seja.

Contudo, a lei vislumbrou a possibilidade de haver a suspensão no fornecimento do referido serviço público. No entanto, condicionou a suspensão por inadimplemento do usuário, ao interesse da coletividade. Vejamos a Lei nº 8.987/85

5.6 – Da violação ao Princípio da Proporcionalidade:

O princípio da proporcionalidade visa, em última análise, a contenção do arbítrio e a moderação do exercício do poder, em favor da proteção dos direitos do cidadão. Neste sentido, ele tem sido utilizado, tal como o princípio da razoabilidade, com o qual por vezes se confunde, como poderoso instrumento para aferição da conformidade das leis e dos atos administrativos com os ditames da razão e da justiça.

Tal princípio pode ser desdobrado em três subprincípios, que devem ser concomitantemente atendidos pelas normas e demais atos estatais. São eles, a adequação, a necessidade ou exigibilidade e a proporcionalidade em sentido estrito. De acordo com o magistério de Gilmar Ferreira Mendes, “o pressuposto da adequação (Geisnetheit) exige que as medidas interventivas adotadas mostrem-se aptas a atingir os objetivos pretendidos. O requisito da necessidade ou da exigibilidade (Notwendigkeit oder Erforderlichkeit) significa que nenhum meio menos gravoso para o indivíduo revelar-se-ia igualmente eficaz na consecução dos objetivos pretendidos” (Direitos Fundamentais e Controle da Constitucionalidade. São Paulo: IBDC, 1998, p. 68).

Já o subprincípio da proporcionalidade em sentido estrito significa que, numa ponderação entre custo e benefício, o ônus imposto por determinado ato estatal não pode ser superior aos benefícios que ele proporciona. Em outras palavras, uma norma jurídica será inválida, por contrariar o subprincípio da proporcionalidade em sentido estrito, sempre que se puder constatar que ela gera para os seus destinatários impactos negativos, que não são compensados pelas vantagens que acarreta.

Ora, no caso presente salta aos olhos a lesão ao subprincípio da proporcionalidade em sentido estrito. De fato, é óbvio que, sob a ótica constitucional, a proteção dos interesses da concessionária do serviço público, em receber o pagamento devido pela prestação dos seus serviços de fornecimento de telefonia não pode prevalecer de modo absoluto sobre o interesse de toda a coletividade na prestação de serviços públicos essenciais, como os voltados à saúde pública, segurança, educação, etc. É evidente que a TELEMAR ao proceder a suspensão e a ANATEL, ao permitir o corte de telefone em todo e qualquer serviço público essencial, pela falta de pagamento da tarifa devida, valoraram de forma flagrantemente equivocada os interesses em disputa, ferindo de morte o princípio da proporcionalidade.

Observa-se que há uma ofensa clara aos interesses da sociedade. Diante do não pagamento, e do ponto de vista puramente prático, dispõe a empresa de vários meios para tentar obter a prestação por parte do consumidor. Pode simplesmente cortar o serviço, como vem fazendo a TELEMAR, o que traz uma série de prejuízos ao usuário, mas pode também promover a execução forçada do débito. Para a escolha, importante a utilização do princípio da proporcionalidade, que traz a idéia da adequação entre os fins buscados e as medidas tomadas. Segundo lição de Celso Antônio Bandeira de Mello, in Curso de Direito Administrativo, São Paulo, Editora Malheiros, 2001:

“Este princípio enuncia a idéia (…) de que as competências administrativas só podem ser validamente exercidas na extensão e intensidade proporcionais ao que seja realmente demandado para cumprimento da finalidade do interesse público a que estão atreladas.

Segue-se que os atos cujos conteúdos ultrapassam o necessário para alcançar o objetivo que justifica o uso da competência ficam maculados de ilegitimidade, porquanto desbordam do âmbito da competência; ou seja, superam os limites que naquele caso lhes corresponderiam.” (grifamos).

Assim, se a finalidade que se persegue é obter o pagamento por parte do usuário, e é possível obter esse resultado por meio de execução do débito, a opção por um meio mais gravoso fere o princípio da proporcionalidade, por exceder ele ao necessário.

5.7 – Conclusões:

Se todo esse raciocínio aplica-se a qualquer consumidor particular, em relação aos órgãos públicos e entidades prestadoras de serviço público fica ainda mais claro a ilegalidade nas condutas das rés, uma vez que a Lei nº 8.987/95, art. 6º, § 3º, II, dispõe que deve ser considerado o interesse da coletividade, na eventualidade de descontinuidade do serviço em face de inadimplemento.


Os órgãos públicos são unidades que compõem as diversas pessoas jurídicas que integram a Administração Pública. Tanto os órgãos públicos como as entidades prestadoras de serviço público exercem funções tipicamente públicas e, portanto, de interesse de toda a sociedade. Assim, ao limitarem a sua atuação de qualquer forma, está-se limitando um serviço que beneficia a todos. Ademais, não se deve esquecer que existem outros meios para efetivar as cobranças, incluindo a via do Poder Judiciário. Nesse sentido, o julgado abaixo:

“Ementa

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. CORTE NO FORNECIMENTO DE ÁGUA. ESTADO INADIMPLENTE. IMPOSSIBILIDADE. MEDIDA CAUTELAR PROCEDENTE.

– O corte no fornecimento de água em prédios do Estado atinge não somente aquele ente da Federação, mas o próprio cidadão, porquanto a inviabilidade da utilização do prédio e a conseqüente deficiência na prestação dos serviços decorrentes atingem diretamente todos os munícipes.

– O corte, utilizado pela Companhia para obrigar o usuário ao pagamento de tarifa, extrapola os limites da legalidade, existindo outros meios para buscar o adimplemento do débito.

Precedentes.

Medida cautelar procedente.”

(STJ – 1ª Turma, MC 2543, Rel. Min. Francisco Falcão, DJ 11/06/2001, pág. 94).

No caso específico do serviço de telefonia, com a sua suspensão nos órgãos públicos, está sendo dificultada a sua comunicação com outras pessoas, inclusive com os administrados, que são os destinatários do serviço. Impede-se que os órgãos prestem o serviço de forma adequada, que eles atendam ao inicialmente referido no art. 175 da Constituição Federal.

O serviço de telefonia não pode ser enquadrado como não essencial tomando-se em consideração os órgãos públicos e entidades prestadoras de serviço público, que se utilizam do telefone para manter contato com a população, que são os destinatários de seus serviços.

Assim, diante de tudo o que foi exposto, fica clara a ilegalidade e a violação dos princípios constitucionais na conduta de suspender o serviço de telefonia nos órgãos públicos e entidades prestadoras de serviço público por inadimplemento, uma vez que utilizam a forma mais gravosa para promover o pagamento do débito (quando poderiam promover a execução), e impedem tais órgãos de prestarem seus serviços de forma adequada.

Em Santa Catarina, esses abusos aconteceram e continuam acontecendo, visto que já foi suspenso o serviço de telefonia em atividades essenciais (e, até, em atividades de Poder do Estado), como, por exemplo, no Poder Judiciário – Justiça Federal em Santa Catarina (com o pagamento sem atraso), no Exército Brasileiro – 10º Batalhão de Engenharia de Construção e no 62º Batalhão de Infantaria (este, com a conta em dia), Município de Passos Maia, Ministério do Exército – Hospital da Guarnição de Florianópolis, Município de Rio do Oeste, Instituto Nacional do Seguro Social, Marinha do Brasil – Escola de Aprendizes-Marinheiros de Santa Catarina e Capitania dos Portos de Santa Catarina (NESTA, INCLUSIVE, PREJUDICANDO OPERAÇÃO DE SALVAMENTO DE NÁUFRAGOS), Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, Municípios de Alfredo Wagner, Governador Celso Ramos, Major Gercino, Santo Amaro da Imperatriz, Canelinha e São João Batista, Exército Brasileiro – 3ª Companhia do 63º Batalhão de Infantaria, Ministério da Fazenda – Secretaria da Receita Federal, Município de Arvoredo, Município de Canoinhas, Município de Matos Costa, Procuradoria da República no Estado de Santa Catarina (ameaça de corte), Ministério da Educação – Centro Federal de Educação Tecnológica de Santa Catarina, Município de Indaial e Exército Brasileiro – 23º Batalhão de Infantaria.

Poder Judiciário, Exército Brasileiro, Capitania dos Portos, Centro de Educação, estes são, apenas, alguns exemplos de órgãos que sofreram corte de fornecimento do serviço público essencial de telefonia no Estado de Santa Catarina!

É preciso que a Justiça Federal dê um basta a esta flagrante ilegalidade.

7 – DA NECESSIDADE DA ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA.

Torna-se necessária a antecipação dos efeitos da tutela para que seja possível, de imediato, a imposição de uma obrigação negativa tendente a impedir que a GVT e BRASIL TELECOM S.A interrompam seus serviços em relação aos órgãos públicos inadimplentes e prestadores de outros serviços inadiáveis para a comunidade.

O Código de Processo Civil, art. 273, incisos I e II, permite que Vossa Excelência antecipe, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendidos pelos cidadãos – consumidores catarinenses no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação.

In casu, todos os requisitos exigidos pela lei processual para o deferimento da tutela antecipada encontram-se preenchidos.


A plausibilidade do direito é mais do que contundente, ante os fatos descritos e provados nesta exordial. A verossimilhança das alegações para a concessão da antecipação da tutela, bem como as provas inequívocas são robustas: decorrem da própria natureza dos fatos, reforçada pelas provas documentais acostadas, bem como dos argumentos jurídicos anteriormente deduzidos.

Oportuna as palavras de Luiz Guilherme Marinoni e Arenhart :

A verossimilhança a ser exigida pelo juiz, contudo, deve observar: (i) o valor do bem jurídico ameaçado, (ii) a dificuldade de o autor provar sua alegação, (iii) a credibilidade da alegação, de acordo com as regras de experiência, e (iv) a própria urgência descrita (…) (grifo nosso).

Evidenciada a plausibilidade do direito, bem como a verossimilhança das alegações, não há o que se questionar quanto ao fumus bonis iuris e o periculum in mora. É nítido que a não concessão da tutela antecipada causará prejuízos irreparáveis ou de difícil reparação não somente para aqueles órgãos públicos, como também à população dependente de seus imprescindíveis serviços.

Por fim, demonstrada a existência da situação de grave risco ao interesse público autorizadora da concessão da antecipação dos efeitos da tutela, haja vista que a interrupção do serviço público de telefonia prestado aos órgãos públicos (que, por sua vez, prestam também serviços essenciais aos cidadãos) configura, indiscutivelmente, lesão à ordem pública, em geral, e em especial à ordem pública administrativa.

8 – DOS REQUERIMENTOS.

Ex positis, requer e espera o Ministério Público Federal:

8.1 – Da antecipação dos efeitos da tutela

Diante do caráter imprescindível e urgente da providência, a concessão da TUTELA ANTECIPADA, determinando-se:

8.1.1 – que a GVT e a BRASIL TELECOM S.A. sejam compelidas a absterem-se da prática abusiva da interrupção ou ameaça de suspensão dos serviços de telefonia, por falta ou atraso de pagamento, e procedam ao imediato restabelecimento dos que se encontram suspensos, interrompidos ou desligados nas instalações:

a) do Poder Executivo, Legislativo – nas três esferas federativas -e do Poder Judiciário, Estadual e Federal, sem se olvidar do Ministério Público, Estadual e Federal, Defensoria Pública da União e Advocacia Geral da União sediados no Estado de Santa Catarina;

8.1.2 alternativamente, que seja impedida a interrupção abusiva ou ameaça de suspensão nos serviços de telefonia, nos seguintes órgãos públicos e entidades prestadoras dos serviços:

a) de segurança interna e externa, envolvendo delegacias e postos de polícia federais e estaduais, cadeias públicas, penitenciárias, presídios e congêneres, quartéis e instalações da Polícia Militar, Corpo de Bombeiros, Defesa Civil e dependências das Forças Armadas;

b) de saúde, como os hospitais públicos, postos de saúde, institutos de pesquisa e laboratórios, manicômios, farmácias populares, e os serviços de distribuição e comercialização de medicamentos, etc;

c) de educação, tais como as escolas públicas municipais, estaduais e federais de ensino fundamental e médio, Universidades públicas federais e estaduais, unidades do SENAC, SENAI, SESC, etc;

d) de assistência social, abrangendo creches, orfanatos, asilos, albergues e restaurantes públicos;

e) de tratamento e abastecimento de água e esgoto (CASAN), captação e tratamento do lixo (COMCAP);

f) desenvolvidos em centros e unidades de controle público de tráfego aéreo, marítimo e rodoferroviário;

g) de produção e distribuição de energia elétrica, gás e combustíveis;

h) funerários, envolvendo Instituto Médico Legal (IML), cemitérios, etc.

i) de transporte aéreo, fluvial, rodoviário e ferroviário coletivo;

j) telecomunicações e processamento de dados ligados a serviços essenciais;

k) bancários;

l) órgãos do Poder Judiciário, Ministério Público, Defensoria Públical e Forças Armadas (Exército, Marinha e Aeronáutica);

m) órgãos de fiscalização, tais como IBAMA, FATMA, Vigilância Sanitária etc.;

l) dos demais serviços que Vossa Excelência, nos moldes legais, repute como essenciais;

8.1.3 – que a ANATEL, até o trânsito em julgado da presente demanda, fiscalize o cumprimento da antecipação de tutela e todos os atos emanados da GVT e a BRASIL TELECOM S.A., nos termos do item 8.1, remetendo a esse respeitável Juízo relatório mensal das atividades;

8.1.4 – forte no art. 84, §4º, da lei 8078/90 e art. 11 da lei 7347/85, fixe-se à GVT e a BRASIL TELECOM S.A multa diária por descumprimento das determinações constantes no item 8.1, no valor de R$ 50.000,00 (cinco mil reais), a cada interrupção do serviço realizada no Estado de Santa Catarina, revertendo-se os valores cobrados ao Fundo de Direitos Difusos, ex vi do art. 13 da Lei 7.347/85;


8.2 – Do mérito

No mérito, requer e espera a Procuradoria da República em Santa Catarina:

– que seja julgado procedente o pedido, confirmando-se os efeitos da antecipação da tutela, aplicando-se multa diária pelo descumprimento do decisum:

condenando-se a GVT e a BRASIL TELECOM S.A. em obrigação de não fazer, consistente em não proceder à suspensão, interrupção e desligamento do serviço público essencial de telefonia nos órgãos públicos federais, estaduais e municipais, e entidades prestadoras de serviço público no Estado de Santa Catarina por atraso ou falta de pagamento de tarifa (item 8.1.1., “a”);

alternativamente, condenando-se a GVT e a BRASIL TELECOM S.A. em obrigação de não fazer no sentido de não interromperem seus serviços nas circunstâncias descritas na exordial, nos órgãos e entidades descritas no item 8.1.2, alíenas “a” a “i”,

condenando-se a ANATEL em obrigação de fazer, consistente no exercício do seu poder de polícia sobre os serviços de telefonia, passando a fiscalizar, autuar e sancionar as concessionárias rés sempre que promoverem ou ameaçarem, por falta ou atraso no pagamento de tarifa, o corte de linhas telefônicas dos usuários (consumidores) públicos federais, estaduais e municipais, entidades prestadoras de serviços públicos essenciais no Estado de Santa Catarina ou aqueles que Vossa Excelência repute como tais.

8.3 – Dos pedidos processuais

Requer e espera o Parquet Federal:

8.3.1 – a citação das requeridas na pessoa de seus representantes legais, nos endereços informados no início desta peça vestibular, para, querendo, contestarem a presente ação, sob pena de revelia;

8.3.2 – a divulgação da decisão em jornal de circulação estadual ou outro meio indicado por este respeitável juízo, para o amplo conhecimento dos lesados e informação ao público consumidor, em geral, como preceitua o art. 94, do Código de Defesa do Consumidor;

8.3.3 – a condenação das requeridas em honorários advocatícios e custas processuais cabíveis;

8..3.4 – provar o alegado por todos os meios admitidos em Direito (testemunhas, documentos, perícias etc.).

Dá-se à causa o valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais).

P. deferimento.

Florianópolis – SC, 13 de julho de 2005.

Carlos Augusto de Amorim Dutra

Procurados da República em Santa Catarina

ROL DE DOCUMENTOS

DOCUMENTOS QUE INSTRUÍRAM O PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO N. 2092/03 E PASSARAM A INTEGRAR A INICIAL DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA

01 – Portaria de instauração do procedimento administrativo no MPF/SC

02 – Ofício encaminhado a GVT.

03 – Ofício encaminhado a BRASIL TELECOM S.A.

04 – Ofícios encaminhados aos órgãos públicos federais, estaduais e municipais.

05 – Informações prestadas pela GVT confirmando a suspensão do serviço.

06 – Informações dos órgãos públicos que sofreram CORTE DO SERVIÇO

07 – Informações dos órgãos públicos que ainda não tiveram o serviço suspenso.

Notas de rodapé

1-SPADONI, Joaquim Felipe. Ação Inibitória: a ação preventiva prevista no art. 461 do CPC. São Paulo: RT, 2002. P. 66.

2-WATANABE, Kazuo. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001. p. 739-740.

3-COELHO, Fábio Ulhioa. Curso de Direito Civil . vol 1. 1ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 68.

4-MOURA, Mário Aguiar. O Poder Público como fornecedor perante o Código de Defesa do Consumidor. Repertório IOB de Jurisprudência, 2ª Quinzena de abril/92, p. 17.

5-MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 101

6-BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcellos et al. Comentários ao Código de Proteção ao Consumidor. São Paulo: Saraiva, 1991. p.111.

7-Código de Defesa do Consumidor, comentado pelos autores do anteprojeto. Ed. Forense Universitária: São Paulo: 89ª ed., p. 216

8-MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo brasileiro. 21˚ ed., São Paulo : Malheiros, 1996. p.301.

9-Art.175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços público.

Parágrafo único. A lei disporá sobre[…] IV – a obrigação de manter serviço adequado.

10-BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcellos et al. Comentários ao Código de Proteção ao Consumidor. São Paulo: Saraiva, 1991. p.111.

11-GAMA, Hélio Zaghetto. Curso de Direito do Consumidor. Rio de Janeiro: Forense, 1999. P. 92.

12-MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do Processo de Conhecimento. 2ª ed. São Paulo: RT, 2003. p. 245.

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