Dinheiro na cueca

Juíza manda soltar assessor preso com US$ 100 mil na cueca

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13 de julho de 2005, 20h22

A juíza Paula Mantovani Avelino, da 10ª Vara Criminal Federal de São Paulo, concedeu o pedido de relaxamento de prisão para o assessor parlamentar José Adalberto Vieira da Silva, preso na sexta-feira passada, na capital paulista, quando tentava embarcar para Fortaleza com R$ 200 mil numa mala e US$ 100 mil escondidos na cueca.

Vieira da Silva trabalhava como assessor parlamentar do deputado estadual José Nobre Guimarães, irmão do ex-presidente do PT José Genoino. No sábado (9/7), Guimarães, que era líder da bancada petista na Assembléia Legislativa no Ceará, anunciou a exoneração do funcionário.

Segundo a juíza, para que fosse mantida a prisão, seria necessário que o assessor portasse “instrumentos, armas, objetos ou papéis, dos quais se possa inferir que praticou uma infração”. No caso, não foram apreendidas armas, mas sim “dinheiro (nacional e estrangeiro), dois aparelhos de telefone celular, duas agendas e vários outros papéis”.

A juíza entendeu que “a posse de tais objetos, a princípio, é lícita, de sorte que o só fato de estarem em poder de alguém não tem o condão de indicar, de forma muito provável, que a pessoa em questão tenha cometido algum crime”.

Com esse entendimento, Paula Mantovani Avelino concedeu o pedido de relaxamento da prisão em flagrante e mandou expedir o alvará de soltura em benefício de Vieira da Silva.

Leia a liminar

10ª Vara Criminal Federal de São Paulo.

Autos nº 2005.61.81.006572-0

Vistos etc.

Trata-se de pedido de relaxamento de prisão em flagrante ou, alternativamente, concessão de liberdade provisória, formulado por José Adalberto Vieira da Silva.

A prisão ocorreu no aeroporto de Congonhas, por estar o peticionário portando moeda nacional em uma mala e moeda estrangeira amarrada ao corpo, quando tencionava embarcar para Fortaleza.

O primeiro pedido foi apreciado em plantão, tendo havido, posteriormente, decisão oriunda da 6º Vara Criminal Federal desta Subseção, que determinou a distribuição livre do procedimento.

Reiterados os pleitos iniciais, com a juntada de certidões judiciais, opinou o Ministério Público Federal pelo deferimento daqueles (fls. 52/53).

É a síntese do necessário.

Decido.

Merece ser acolhido o pedido de relaxamento.

Os casos em que se admite prisão em flagrante são previstos de forma expressa e estrita pelo art. 302 do Código de Processo Penal, nos seguintes termos:

“Art. 302. Considera-se em flagrante delito quem:

I – está cometendo a infração penal;

II – acaba de cometê-la;

III – é perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou qualquer pessoa, em situação que faça presumir ser autor da infração;

IV – é encontrado, logo depois, com instrumento, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele autor da infração.”

No caso dos autos, de pronto, pode ser afastada a possibilidade de subsunção nos três primeiros incisos, já que, no momento da prisão, não estava o autuado praticando qualquer conduta evidentemente típica, nem tinha ocorrido, ao que tudo indica, perseguição antecedente ao ato.

Afastadas, assim, as hipóteses de flagrante próprio e impróprio, resta analisar se sua conduta poderia ser enquadrada no inciso IV do artigo transcrito, que trata do chamado flagrante presumido ou ficto.

Nessa primeira análise, tenho que a resposta é negativa.

Com efeito, para que se configure a presunção legal, é necessário que o agente seja encontrado com instrumentos, armas, objetos ou papéis, dos quais ser possa inferir que praticou uma infração.

Na hipótese em tela, não foram apreendidas armas, mas sim dinheiro (nacional e estrangeiro), dois aparelhos de telefone celular, duas agendas e vários outros papéis, conforme consta do auto de apresentação e apreensão anexado às fls. 12/14 do procedimento em apenso.

Ora, a posse de tais objetos, a princípio, é lícita, de sorte que o só fato de estarem em poder de alguém não tem o condão de indicar, de forma muito provável, que a pessoa em questão tenha cometido algum crime.

No que tange especificamente à moeda, embora possa ser utilizada para o cometimento de infrações e por vezes seja até seu corpo de delito, não existem, no caso em apreço, indícios suficientes a ensejar tal presunção, nem em relação aos crimes pelos quais o peticionário foi autuado e nem a outros eventualmente possíveis.

Explico.

Em relação ao crime capitulado no art. 2º, I, da Lei nº 8.137/90, pode-se afirmar que é infração cuja materialidade se configura somente após ter o contribuinte feito a respetiva declaração de rendimentos, obrigação esta que deve ser desempenhada anualmente.

Referida declaração, contudo, não necessita ser transportada permanentemente pelo declarante e, em se tratando de soma auferida neste ano, somente será declarada no exercício subseqüente, de modo que o porte da anterior seria inócuo, ainda que fosse considerado obrigatório, o que não ocorre.

Poder-se-ia cogitar, então, da eventual prática do crime de moeda falsa, fato aventado pela Procuradora da República na manifestação de fl. 24.

Todavia, não foi esta a capitulação atribuída pela autoridade policial e, muito embora sua manifestação não vincule o Juízo, não há, neste momento, indícios suficientes que demonstrem sua existência, o que teria ocorrido se a falsificação fosse verificável em um primeiro exame, caso em que, provavelmente, teria sido incluída essa imputação no auto.

Conclui-se, assim, que, embora deva ser realizada a perícia correspondente, para regular investigação dos fatos, não há evidências que justifiquem a manutenção da prisão por esse motivo e nem é por isso que o peticionário está preso.

Por fim, no que respeita aos crimes financeiros, já foi a questão apreciada pelo D. Juízo da Vara Especializada.

De qualquer forma, ainda que não fosse este o caso, também não há provas da eventual prática do crime do art. 16 da Lei nº 7.492/86, já que, repito, a posse de dinheiro não pode ser equiparada à operação indevida de instituição financeira e nem, tampouco, a do art. 22, parágrafo único, da mesma lei, sequer citado no flagrante, uma vez que o preso tinha passagem comprada para Fortaleza e não para o exterior, não sendo Congonhas aeroporto internacional, como bem lembrado na decisão de fls.27/29.

Diante do acima explanado e considerando que as hipóteses que determinam a prisão em flagrante devem ter interpretação estrita, porque constituem exceção à regra constitucional de que ninguém será preso senão por ordem prévia da autoridade judiciária competente, não há possibilidade de se convalidar o ato constritivo efetuado.

Despicienda, por conseguinte, a análise do pedido de liberdade provisória.

Ante o exposto, acolho o parecer ministerial, para, nos termos do art. 5º, LXV, da Constituição Federal, deferir o pedido de relaxamento da prisão em flagrante.

Expeça-se, com urgência, alvará de soltura.

Traslade-se cópia dessa decisão para os autos apensados ao presente procedimento.

Cumpra-se. Intimem-se.

São Paulo, 13 de julho de 2005.

Paula Mantovani Avelino

Juíza Federal Substituta

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