Pra cima do tapete

Advogado faz representação ao CNJ contra decisões do STJ

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13 de julho de 2005, 16h39

Dos mais de 70 processos recebidos pelo Conselho Nacional de Justiça, um é uma campanha contra decisões do Superior Tribunal de Justiça na questão das licitações para empresas de lixo em São Paulo. Assinada pelo advogado paulista Antônio Luís Guimarães de Álvares Otero, a representação critica o STJ por atender excepcionalmente “a pleitos de grandes empresas da área de Construção Civil e de Coleta de Lixo”.

Nela, Otero cita as Medidas Cautelares 9.218, 6.575, 7.104 e 9.014 como “apenas algumas” ações em que “todos os esforços do Ministério Público Estadual de São Paulo em punir a irresponsabilidade e a improbidade administrativa aparentam estar resultando em nada”. Em todos os quatro processos, o STJ proferiu decisões favoráveis às empresas, entre elas a Qualix, a Enterpa, a CBPO, a Cavo e a Vega.

Na Medida Cautelar 9.218, por exemplo, o ministro Luiz Fux acatou pedido contra decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo. Os desembargadores haviam acolhido denúncia do MP paulista de improbidade administrativa em contratos de coleta de lixo na cidade. Os contratos para coleta de lixo em São Paulo têm sido alvo de diversas ações, que questionam desde o adiantamento feito pela Limpurb (departamento da prefeitura que cuida do setor) às empresas até a existência de responsabilidade civil por danos causados à municipalidade.

Para o advogado, as decisões favoráveis às empresas são “surpreendentes”. Em todas elas, o STJ reformou entendimento do tribunal paulista que condenou as empresas em “centenas de milhões e até bilhões” e à impossibilidade de firmar contrato com o Poder Público em prazos de até cinco anos. “As decisões do STJ, nos processos apontados, são excepcionalíssimas, o que costumam chamar de ‘teratológicas’”.

Segundo ele, os tribunais superiores brasileiros têm relativizado as condenações por improbidade administrativa e as grandes empresas não recebem qualquer controle ou abordagem pública moralmente justificável. Otero também critica a falta de integração de dados e de manutenção de “canais abertos” do Ministério Público com a sociedade.

A representação foi encaminhada pelo conselheiro Alexandre de Moraes ao corregedor do CNJ, Antônio de Pádua Ribeiro, que também é ministro do Superior Tribunal de Justiça. Segundo Moraes, a atenção às alegações se justifica porque Otero aponta “casos concretos, descreve o procedimento” que considera ilícito e “indica a possibilidade de obtenção de novas provas”.

Procurada pela revista Consultor Jurídico, a assessoria de imprensa do STJ informou que a afirmação de Otero não coincide com a realidade — há outros casos em que o tribunal julgou em favor do município e em detrimento de empresa de coleta de lixo. Como exemplo, cita a decisão que reformou sentença do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro que impedia a continuidade da coleta de lixo pela prefeitura de Cordeiro, no interior do estado. O entendimento do STJ foi contrário à empresa Serviço de Limpeza e Locação Canaã.

Leia a íntegra da representação

Sugere-se uma “cívica leitura” deste, onde se procura ser conciso e o menos técnico possível, já que traz informações de cunho e domínio público, imprescindíveis para a análise e o aprimoramento do Poder Judiciário brasileiro, que se encontra em profunda transformação. E é voz corrente que a participação da sociedade e a cobrança da cidadania se fazem fundamentais para que as transformações em andamento condigam com os anseios do povo brasileiro, que merece Instituições sólidas e não deseja mais surpresas.

Merece transcrição integral, inicialmente, um dos pensamentos do sempre corajoso Ministro Edson Vidigal, ilustre Presidente do STJ:

“Quem serve ao Estado serve ao público em geral. Ninguém dentre nós, no serviço público, é inimigo de ninguém. Bastam os inimigos do Povo, só por isso, também, nossos inimigos. Contra eles é que devemos estar fortes em nossa união. O Padre Antonio Vieira dizia que os sacerdotes são empregados de Deus. Assim, da mesma forma, o dinheiro que paga o salário do Presidente da República e dos seus Ministros, dos Deputados e dos Senadores, dos Ministros dos Tribunais é o mesmo que paga o salário de todos os outros servidores, do porteiro ao assessor mais graduado, do cabo ao general. Esse dinheiro vem de um único patrão para o qual trabalhamos, do qual somos empregados. Esse patrão é o contribuinte que paga impostos. Somos empregados do Povo brasileiro.” (fonte: http://www.serpro.gov.br/noticiasSERPRO/20040413_08)

Para a compreensão deste texto é justo e importante que seja feita pelo leitor, especialmente por aqueles que se interessem por cidadania, civismo e justiça, uma pesquisa de inteiro teor dos seguintes processos, todos extraídos do “site” do STJ, onde podem ser confirmados.


MEDIDA CAUTELAR Nº 9.218 – SP (2004/0163264-1)

MEDIDA CAUTELAR Nº 9.750 – SP (2005/0042483-6)

MEDIDA CAUTELAR Nº 6.575 – SP (2003/0105587-6)

MEDIDA CAUTELAR Nº 7.104 – SP (2003/0174757-7)

MEDIDA CAUTELAR Nº 9.014 – SP (2004/0140450-5)

Estes são apenas alguns processos a demonstrar que todos os esforços do Ministério Público Estadual de São Paulo, em punir a irresponsabilidade e a improbidade administrativa, aparentam estar resultando em nada, o que jamais é apresentado explicitamente à sociedade.

Coincidentemente, todos os processos dão atendimento excepcionalíssimo a pleitos de grandes empresas da área de Construção Civil e de Coleta de lixo, que inclusive são sócias, associadas ou consorciadas em diversas regiões do país.

As “medidas cautelares” acima arroladas, em geral, “suspendem de forma surpreendente e indefinidamente” a execução pelo MPE/SP das sentenças dos processos de improbidade, que já foram julgados pelo TJ/SP (2.ª Instância) e que resultaram na condenação das empresas citadas em centenas de milhões e até em bilhões, além de também não poderem contratar com o poder público.

Os referidos processos originam-se apenas da comarca de São Paulo, não se sabendo se ocorre o mesmo com outras grandes empresas (e de outros segmentos polêmicos, tais como eletricidade, telefonia, bancos e etc…) ou em outras comarcas, ou se nestas, as grandes empresas já conseguiram se consagrar como “probas” ou “blindadas” até a 2.ª Instância.

Frise-se que os MPs têm competência local e que suas ações não estão integradas em nenhum sistema de dados, o que não permite à sociedade brasileira o conhecimento logístico do enfrentamento da improbidade no Brasil. É uma pena que os MPs não tenham se integrado logisticamente, ainda que preservando suas particularidades operacionais e competências, e que não mantenha canais abertos de diálogo com a Sociedade.

Em tal sentido, talvez seja a mídia a única capaz a reunir os elementos necessários a apresentar à sociedade brasileira os efeitos das decisões que terminam por dar privilégios excepcionais aos poderosos. Até para que o recém criado Conselho Nacional de Justiça possa conhecer e corrigir desvios legais, que ainda não constam de qualquer planilha.

Destaque-se que parece não existir (pelo menos não é de conhecimento público) qualquer pesquisa feita pelos Tribunais Superiores sobre a real efetividade e eficácia das decisões judiciais, que intentam punir a improbidade no Brasil.

“Cabe parêntesis sobre noticias recentemente divulgadas pela mídia, onde o Presidente do STF declarou ter constatado por pesquisa, que pouquíssimas empresas (somente grandes e algumas, inclusive, do Governo) eram responsáveis por mais da metade das ações nos Tribunais. As mesmas notícias informaram também de reunião ocorrida entre o Presidente do STF com alguns dirigentes destas Empresas, a buscar uma solução. Não se sabe da divulgação oficial de nenhum resultado, mas, informalmente, o Presidente do STF comentou em recente debate na Folha de SP (sobre a reforma do Judiciário), que as Empresas nada pretendiam fazer a respeito, pois seus ajustes implicariam numa drástica diminuição de lucros, ou seja, não seriam “atuarial e economicamente” recomendáveis quaisquer ajustes a suas práticas e condutas, ainda que discutíveis.”

Observação crítica: Este parêntesis procura demonstrar que talvez não somente a improbidade administrativa esteja sendo relativizada pelos Tribunais Superiores, mas também as condutas e práticas coletivas e difusas das grandes empresas, que não recebem qualquer controle ou abordagem pública moralmente justificável. O que ocasiona uma óbvia corrida da Sociedade aos Tribunais, na defesa de seus direitos privados, quando o correto seria haver uma política pública que ofereça e garanta “na raiz” o cumprimento da lei, punindo severamente os abusos coletivos e difusos.

Voltando à impunidade da improbidade, tema do “ponto de vista” deste texto.

As decisões do STJ, nos processos apontados, são excepcionalíssimas, o que costumam chamar de “teratológicas” (etimologicamente significam o “estudo das monstruosidades ou narração de coisas maravilhosas” – v. Aurélio), por não se aplicarem às demais ações que tramitam no Judiciário. Se assim fosse, todos os brasileiros teriam o direito de rediscutir provas no STJ (vedado pelas Súmulas 5 e 7) e ganhariam uma “3.ª Instância Recursal”. É uma obviedade que prejudica o erário, ao excepcionar ou retardar a punibilidade no Brasil, por relativizar a lei (para poucos, em detrimento de todos os outros) e desprestigiar os Juízes de 1.ª e 2.ª Instância (que apreciaram por longos anos as provas, para proferir suas decisões).

Não se trata de retirar de ninguém o direito à defesa ou ao devido processo legal, ou mesmo fazer acusações injustas, já que as ações mencionadas (que tramitaram por anos a fio e chegaram a seu final) são públicas e de interesse público, possuindo condenações proferidas em 2.º grau, sendo certo ainda que este texto apenas difunde que as mesmas não têm prosperado no STJ, ao menos, as aqui referidas.


É um direito democrático da sociedade saber e refletir sobre tais decisões.

Assim como também cabe, democraticamente, indicar os motivos de convencimento do Tribunal Superior, que são os principais argumentos utilizados pelas referidas Empresas, a justificar a urgência e a pertinência no acolhimento de suas teses inovadoras para suspender as Execuções de sentenças condenatórias e que têm convencido a alguns Ministros do STJ. Que são, em resumo:

a) A súbita cessação de suas atividades terminaria por ser suportada ou arcada pela coletividade usuária dos serviços;

b) O considerável número de empregados que poderiam ser atingidos, direta e indiretamente, pela decisão.

c) A morte “civil” da empresa.

Embora sejam argumentos aparentemente relevantes, cabe ponderar:

a) O cumprimento da lei deve ser uma obrigação para todos os brasileiros, sem exceção;

b) As razões postas como ‘dilemas’ são riscos do negócio, tanto para as Empresas quanto para o Estado que as contratou, além do que o Estado, por possuir o monopólio legal, pode muito bem encontrar solução emergencial plenamente compatível;

c) Existe uma aparente falta de criatividade, no momento que o Tribunal aceita tais razões como um “dilema absoluto”, não divisível. Ainda que sejam aparentemente relevantes as razões das empresas, problemas graves podem sempre ter abordagem parcial ou fracionada, até mesmo “salomônica”, política e moralmente justificável. Exemplo: a condenação de ressarcimento ao erário poderia prosperar, independentemente da pena de vedação da contratação pelo poder público, que também poderia, por sua vez, ser aplicada de imediato para “todos” os contratos futuros. Ou seja, ainda que o STJ não permitisse ao MP executar imediatamente o todo das sentenças de 2º grau e tão somente suas partes inadiáveis, estaria prevenida a repetição do erro e os riscos ao erário, como acontece exata e atualmente com os contratos de lixo da cidade de São Paulo, que foram firmados com empresa “condenada”. (Vide processo 053.04.031823-3 da 8.ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo, onde o MPE/SP processa, por mais uma vez, de novo em 1ª Instância, a referida empresa condenada e outros, em uma ação de quase 10 BILHÕES / Vide também o Agravo relacionado interposto no TJ/SP que garantiu “em caráter liminar e coincidentemente por argumentos semelhantes” a manutenção, para empresa condenada, dos absurdos contratos tão gravosos à cidade de São Paulo);

d) As decisões cautelares do STJ não se coadunam com os anseios democráticos e de austeridade da nação, e muito menos com o Processo Civil brasileiro, já que podem admitir rediscussão probatória e de mérito onde não mais se faz possível, assim como dar efeitos suspensivos a Recursos que ainda não existem formalmente no mundo jurídico (sem despachos de admissibilidade).

e) As excepcionalidades e teratologias do STJ ferem nossa segurança jurídica em muito mais do que a demora da prestação jurisdicional, já que podem constituir paradigma para todos os demais descontentes e inconformados com as decisões judiciais, que não só deveriam ter os mesmos direitos como poderão, muito bem, passar a alegá-los. Seria uma revolução na prática do direito brasileiro, decorrente da institucionalização processual e “jurisprudencial” da impunidade.

f) É incontornável a analogia e uma dramatização exemplificativa: As excepcionalidades apontadas, caso fossem estendidas à sociedade, poderiam significar a suspensão da prisão de assassino por ser pai de família, que as pequenas empresas não fossem executadas, porque não conseguiram faturar para pagar seus impostos e que ninguém falisse, por ter que dispensar empregados. Não é saudável. É lamentável. Chega a ser ridículo.

Ressalte-se que a mídia tem demonstrado os efeitos da corrupção no país, que parece ter se irradiado para dentro de nossas Instituições, ao encetar suas Concorrências e Concessões Públicas. Este é exatamente o caso das empresas arroladas, que participam quase tão somente de concorrências e concessões públicas.

E que a impunidade é a preocupação de todos, para que não mais possa se perpetuar, abertamente, a corrupção.

Caso a impunidade de hoje seja, novamente, um “dilema de amanhã”, estaremos fadados a viver em um faroeste, o que parece ter cansado a sociedade brasileira.

Costuma-se dizer que “decisões judiciais não se discutem, se cumprem”. Contudo tal assertiva cabe às partes dos processos e não à sociedade, que merece conhecer e avaliar a fundamentação excepcional de algumas decisões judiciais, que privilegiam poucos em detrimento das possibilidades e oportunidades de todos.

E os brasileiros devem saber o que fazem. E o que querem.

As observações feitas são críticas e, coincidentemente, também encontram eco e coerência com vários outros fatos atualíssimos da realidade nacional.

E que, por fim, apenas procuram provocar a reflexão sobre o ponto de vista de um comum cidadão brasileiro, que não detém quaisquer das capacidades ou competências, talentos, isenções ou obrigações das autoridades, mas tão somente o direito democrático de apresentar sua indignação cívica, sem pretender ser qualquer vestal.

Leia a resposta do conselheiro do CNJ

Nos termos do artigo 103-B da Constituição da República e do Regimento Interno do Conselho Nacional de Justiça, encaminhei sua reclamação ao Excelentíssimo Ministro-Corregedor do CNJ.

Excelentíssimo Sr. Corregedor, Ministro-conselherio Pádua Ribeiro, nos termos do Regimento Interno do CNJ, recentemente aprovado, encaminho à V. Exa, a “reclamação” enviada por mensagem eletrônica.

Parece-me, à primeira vista, que trata-se de encaminhamento que permite análise por parte de V. Exa, pois indentifica seu autor, aponta casos concretos, descreve o procedimento que o representante considera ilícito e indica a possibilidade de obtenção de novas provas.

Dessa forma, nos termos do artigo 103-B da Constituição Federal e do Regimento Interno do Conselho Nacional de Justiça, tomo a liberdade de enviar a presente reclamação para os fins de direito.

Sem mais para o momento, aproveito a oportunidade para renovar meus protestos de elevada estima e distinta consideração.

São Paulo, 30 de junho de 2005.

Alexandre de Moraes

Conselheiro

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