Adversário imbatível

Quem causa mais problemas à Justiça é o Poder Executivo

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12 de julho de 2005, 12h21

“Litigar contra o Estado é uma covardia. O Poder Executivo é extremamente forte, gigantesco. Dispõe de Forças Armadas, Ministério Público, delegados, Polícia Militar, marronzinho [fiscais do trânsito], INSS, tudo contra o indivíduo”. Por isso, o desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo, Celso Limongi, acha que o advogado tem sim de ter seu sigilo garantido. “Alguém tem de proteger o cidadão dos abusos do Estado”, disse o juiz em entrevista à equipe da Consultor Jurídico, na sede da revista.

Segundo Limongi, que é presidente da Apamagis — Associação Paulista de Magistrados, no estado de São Paulo, a Fazenda Pública é uma grande devedora, a prefeitura é outra, o INSS também é um grande devedor e todos esses processos vão entupindo a Justiça por culpa do próprio Executivo.

Na entrevista — da qual participaram os jornalistas da ConJur Maurício Cardoso, Rodrigo Haidar, Vicente Dianezi e Maria Fernanda Erdelyi — o desembargador afirmou que não é candidato à reeleição na Apamagis, mas disputará presidência do TJ paulista em dezembro deste ano.

Antes do fim de sua gestão na associação, que termina também em dezembro, Limongi ainda quer implementar a Tele Apamagis, uma televisão dentro do site da entidade, na internet. “Precisamos fazer essa integração entre Judiciário e sociedade. A sociedade precisa conhecer o Judiciário, precisa conhecer os seus juizes, é um direito e uma necessidade”.

Leia a entrevista

Conjur — As invasões aos escritórios de advocacia é uma questão que está sendo muito discutida, principalmente quanto aos seus limites e legalidade. Na sua opinião, quais são os limites?

Limongi — É preciso destacar o seguinte. Quem está sendo investigado? O advogado? Então, não há dúvida alguma que o mandado pode mesmo dirigir-se ao escritório do advogado e é possível proceder-se a busca e apreensão. Se a investigação se dirige ao cliente do advogado a situação é diferente. Da mesma forma que o médico tem garantia do sigilo, o advogado também tem. Ele não pode ser violado no exercício da sua profissão. E o advogado precisa de uma proteção mais forte, porque inúmeras vezes está lidando contra o abuso estatal. O advogado que trabalha em favor de alguém, às vezes, é sozinho, só depende dele defrontar contra um poder fortíssimo que é o poder estatal. A coação que se exerce contra o indivíduo é terrível, algemas e tudo mais. Há uma preocupação dos advogados nesse sentido e a própria Constituição considera a advocacia como uma função essencial na distribuição da Justiça.

Conjur — Muitas vezes o advogado está fazendo a defesa de um cliente que praticou sonegação fiscal. Por exemplo, o advogado toma conhecimento de que o cliente realmente sonegou impostos e tem em poder dele documentos que comprovariam essa sonegação. O advogado está participando do crime ou não?

Limongi — Não. Não vejo como participação do crime. Ele não está estimulando o cliente a praticar esse delito. Ele não colaborou para a prática desse delito, mas ele tem nas mãos uma prova de que aconteceu esse delito.

Conjur — Nesse caso, a busca e apreensão em escritórios de advocacia não poderia ser permitida?

Limongi — Eu acho que não deve ser feita busca e apreensão, porque o escritório do advogado é inviolável. Caso contrário, ninguém tem segurança. O que se conversa entre advogado e cliente não pode ser ouvido por que tem a inviolabilidade.

Conjur — Mesmo que ele tenha documentos que incriminam esse cliente.

Limongi — Ele não deve entregar. Eu parto desse princípio. Esse princípio deve ser respeitado. Se não ninguém tem segurança na sua defesa.

Conjur — O senhor disse que o advogado precisa de uma proteção maior. Então o senhor é a favor da criminalização dos crimes contra a quebra das prerrogativas?

Limongi — Eu não chegaria a tanto. Eu não gosto muito de criminalizar. Nos não devemos partir para essa solução mágica que é o Direito Penal. Tudo que se quer coibir joga-se na lei penal. Não é assim. Há medidas de ordem administrativa que podem ser colocadas em prática. Existe já a lei de abuso de autoridade. O Direito Penal já traz alguma coisa nesse sentido. O que se podia fazer talvez é readaptar essa lei de abuso de autoridade, que é uma lei muito antiga.

Conjur — Em alguns casos não é abusivo o uso das algemas? Quando elas devem ser usadas?

Limongi — A algema tem que ser usada se necessária. É claro que uma pessoa de idade, doente, não vai reagir, por exemplo, o Lalau [juiz Nicolau dos Santos Neto]. Elas devem ser usadas quando o individuo é perigoso. Perigoso no sentido de violência. O estelionatário pode ser perigoso e não violento. Ele é um indivíduo perigoso no sentido de que pratica o mal, mas apenas violência se coíbe com o uso da algema.


Conjur — Além da questão dos advogados, especificamente temos visto também uma grande seqüência de operações espetaculares da Polícia Federal. Houve nesses últimos anos mais de mil prisões preventivas. O senhor diria que nesse afã de combater a corrupção, principalmente, ou crimes de colarinho branco, tem havido certo exagero?

Limongi — Eu parto do princípio que as autoridades devem agir da forma mais discreta possível. Seja o juiz, seja o delegado de polícia, o juiz federal, o agente federal. As autoridades devem agir de forma serena. Eu sou visceralmente contra esses espetáculos televisivos. A imprensa chega junto com a polícia sabendo de antemão que diligência vai ser praticada. Por outro lado, é muito louvável o trabalho da Justiça Federal, da Polícia Federal no sentido de montar as operações que temos visto, com tanto êxito. É preciso realmente coibir a prática do crime. Tanto a Polícia Federal, Justiça Federal, como a Justiça Estadual, trabalham para que seja coibida a prática de delitos.

Conjur — Há uma crise entre Justiça Federal e Justiça Estadual em São Paulo, depois do episódio de Catanduva [a Justiça Federal mandou a Polícia Federal, cumprindo mandado e armada, devolver quatro mil processos ao fórum de Catanduva]?

Limongi — Não vejo como crise. Há episódios de alguma divergência, mas não no sentido de confronto. Às vezes acontece, como foi nesse caso de Catanduva, em que policiais ingressaram no fórum armados de metralhadoras, o que a Polícia Federal e a Justiça nega. Mas meus colegas viram, assistiram e encontraram dentro do cartório agente federal armado de metralhadora. Ainda acompanhados de viatura da Polícia Militar, que dava cobertura a isso. E o próprio mandado da juíza federal determinava que se identificasse o destinatário e que o obrigasse a receber esses processos. Foi realmente mando militar a entrega dos processos no fórum de Catanduva. Isso foi um episódio. E estamos apurando o que de fato aconteceu. Quem determinou, quais autoridades participaram dessa diligência. Ninguém quer fazer injustiça, mas nós não podemos admitir que autoridades entrem armadas nos fóruns estaduais. Não tem cabimento que entre juízes haja necessidade de emprego de arma de grosso calibre.

Conjur — Qual será o desfecho desse episódio?

Limongi — Eu não sei o que vai acontecer, mas já há representação do Tribunal de Justiça e acredito que essa representação apure os fatos e certamente será dada uma solução adequada e justa.

Conjur — Vai ser representada também no CNJ?

Limongi — Em principio não. Eu particularmente não faria isso porque sempre fui contra a criação de um conselho de controle externo como o CNJ, que traz pessoas estranhas à magistratura. Eu não gostaria de me ver forçado a buscar uma solução junto ao CNJ.

Conjur — Porque contra o controle externo?

Limongi — Porque o controle externo significa redução na independência da magistratura. Nós estamos no Brasil. Há uma indicação política no CNJ, independentemente do valor dos homens que estão compondo esse Conselho. Falando num CNJ abstratamente considerado, como eu posso admitir que dois cidadãos sejam indicados, um pelo Senado, outro pela Câmara, principalmente depois que tivemos conhecimento de todo esse cortejo de atos de corrupção. Como a gente vai dar legitimidade para a reforma da Previdência, a reforma do Judiciário, criação do CNJ, se assistimos a esse desfile de pessoas e políticos na televisão, acusando e trazendo provas de atos de corrupção.

Conjur — Como o senhor vê a atuação do CNJ, suas decisões?

Limongi — Eu sempre vou contestar as decisões do CNJ, porque eu não acho que seja um órgão legítimo, embora o Supremo houvesse reconhecido a sua constitucionalidade. Mas ele é composto de pessoas estranhas à magistratura e com indicação política. É um pé político dentro do Judiciário.

Conjur — Esse é um pensamento que predomina no TJ de São Paulo?

Limongi — Esse é o pensamento da grande maioria da magistratura nacional.

Conjur — E a magistratura pensa em cumprir as decisões do CNJ no aspecto administrativo e financeiro, por exemplo?

Limongi — Será que eu sou obrigado a cumprir as determinações administrativas do CNJ? Isso é uma interferência terrível dentro do tribunal. Eu não sou obrigado a comprar os computadores que eles queiram que compre. Eles vão me dar verba pra isso? O que eles vão trazer pra gente? Eu não sei se nós ficaremos tão submetidos às decisões do CNJ. É algo muito provocante. Nós ficamos numa situação de verdadeira dependência. Perdemos a finalidade da administração do Tribunal. E Eles querem a administração dos judiciários estaduais também, porque dos federais eles já têm. E a forma de eles intervirem no Judiciário Estadual foi pelo CNJ.


Conjur — O senhor falou de problemas do Judiciário. O Conselho não vem justamente pra traçar políticas e estratégias para resolver esses problemas?

Limongi — É o que a gente espera que aconteça. Também é inegável que o Conselho detem poderes extraordinários até de aposentar juízes. Eu acho isso uma coisa violenta. Aposentar o juiz mediante procedimento administrativo. Não sei se isso vai ser bom. Como nós temos visto esse mar de coisas horríveis que acontecem, como é que a gente pode confiar na honestidade de um procedimento administrativo com pessoas de fora. É muito perigoso. É muito fácil envolver juiz. Os juízes morrem de medo da Corregedoria.

Conjur — O senhor acha que as corregedorias funcionam?

Limongi — Funcionam. Pra juiz de primeiro grau funcionam. Pra juiz de segundo grau tem que ter o Conselho Nacional de Justiça sem os membros externos. Tem que ter para me fiscalizar porque eu posso atrasar o processo, posso não dar voto, posso acumular mil processos no meu gabinete. Senão, eu não cumpro a minha obrigação, denego a Justiça e não acontece nada.

Conjur — O TJ São Paulo não está de férias coletiva. Está cumprindo a Emenda 45 porque o CNJ disse que o dispositivo é auto-aplicado?

Limongi — Não. Está cumprindo porque a Constituição mandou. É necessário um período de recesso? É, para os próprios advogados. Os grandes escritórios de advocacia não precisam desse recesso. Eles têm um mundo de advogados trabalhando pra eles, então fazem um rodízio. Mas os pequenos escritórios de advocacia precisam desse recesso, para eles próprios descansarem. Porque senão os prazos estão correndo, as publicações no Diário Oficial saem, e eles não podem descansar nunca.

Conjur — Qual seria esse período?

Limongi — Que sejam 20 dias. É preciso 60 dias de férias para o juiz. Eu defendo o período de dois meses de férias para o juiz, porque a coisa é insuportável. O trabalho do juiz é descomunal. Primeiro, o grande volume de processos. Não é só o número de processos, é a complexidade de cada processo. Posso pegar um Habeas Corpus fininho e o maldito é complexo. Às vezes não, às vezes é muito simples e você resolve em dez minutos. Mas, por exemplo, você pega um processo de 17 volumes de uma incorporadora contra vários condôminos. Você tem dois volumes só de laudo contábil. O contado vem e faz dois volumes de laudo. Você, que não é técnico, tem que entender aquele negócio todo. Então você começa a estudar aquele laudo. Você não sabe se o assistente do autor tem razão ou se é o assistente técnico do réu que tem razão. Você, que não é contador, tem que resolver uma matéria da qual não tem conhecimento específico.

Conjur — Não seria o caso de o juiz ter um assistente.

Limongi — O juiz tem um assistente. É o perito de confiança dele. Você confia no perito? Essa é a questão. Estamos falando de perícia contábil. E as desapropriações? Perícia técnica de engenharia ou medicina? Na hora do parto, entortou o ombro da criança, e ela morreu. Você não sabe se é a Santa Casa de Misericórdia de Catanduva que foi falha, que não deu atendimento correto. Você tem que ficar falando como foi o parto. Não é só o volume, mas é a complexidade. Chega numa sexta-feira você está morto.

Conjur — Naquele levantamento do STF, O Tribunal de São Paulo se saiu muito bem.

Limongi — Não, não se saiu nada bem porque nos tínhamos 550 mil processos represados. Não podia jamais acontecer isso, mas aconteceu. Por falta de planejamento, por falta de estrutura, por falta de orçamento. Então, o Judiciário tem a sua culpa, mas a culpa também cabe ao Executivo e ao Legislativo. Os cortes na lei orçamentária na Justiça são comuns. Nós também precisamos de verba para ter uma boa estrutura. Além disso, teve uma greve longa. Não podemos esquecer que existe um sistema judicial que é composto pelo juiz, pelo advogado, pelo promotor, e todos tem a culpa desse atraso.

Conjur — Qual é a culpa do advogado?

Limongi — A culpa do advogado é recorrer quando ele sabe muito bem que não tem razão. Usa recurso protelatório. O promotor insiste em recorrer quando ele sabe que o caso é de absolvição e que tinha que ser absolvido. Promotor atrasa processo, ele não tem prazo. O advogado é um pobre coitado que tem que cumprir prazo e sofre de doenças, às vezes sérias, por causa desse bendito prazo. O juiz também tem, o juiz fica sacrificado por causa do prazo. É uma coisa incomoda. Se você vai pra casa e leva os processos, você é um escravo.

Conjur — Mas o juiz não tem prazo.

Limongi — Claro que tem prazo. Para despacho de expediente são 48 horas e 10 dias para decisões interlocutórias e para sentenciar.

Conjur — O TJ estava com 550 mil represados. Como está essa fila de espera agora?

Limongi — Mais de 300 mil foram distribuídos. Claro que não foram julgados, mas já estão em andamento, começaram a ser julgados.


Conjur — A reforma do Judiciário pede pra que os processos sejam distribuídos automaticamente. O desembargador Luiz Pantaleão entrou com um pedido no TJ pra que o processo fosse distribuído exatamente ao juiz que vai relatar a causa. Hoje, quando se trata de um Habeas Corpus, ele vai primeiro pra segunda vice-presidência. O que o senhor acha dessa questão?

Limongi — Eu prefiro que o processo seja distribuído imediatamente ao relator. Mas nós precisamos de estrutura pra isso. Se me derem um processo para eu analisar uma liminar, eu faço isso e o processo vai ficar ali parado porque eu não tenho estrutura de cartório no meu gabinete. Eu tenho que ter uma pessoa que saiba fazer esse ofício e o expedir para o lugar certo. Como nós não temos estrutura, ainda é o vice-presidente que concede ou não a liminar. Mas isso eu não vejo como o maior problema. O grande problema seria se não houvesse a distribuição. Se ficasse aguardando, como se fazia antes.

Conjur — Sem querer jogar qualquer dúvida sobre o trabalho do atual 2º vice-presidente, mas, em tese, a partir do momento em que todas as liminares são distribuídas para uma única pessoa, essa pessoa não concentra muito poder? A gente sabe que já houve juizes acusados de venda de sentença.

Limongi — Estamos falando do dr. Jarbas Mazzoni, que está na Seção Criminal. Em tese, sim, a pessoa concentra poder.

Conjur — A maior corrupção se dá na área criminal?

Limongi— Não, se dá na área civil. Área civil é tudo. Dinheiro é tudo. poder econômico é tudo. Quem manda no mundo é o poder econômico. Depois vem a mídia. Que muitas vezes está ligada ao poder econômico. Aí é imbatível. Depois é que vem o poder político.

Conjur — Isso é regimental ou é prerrogativa do presidente?

Limongi — Isso é regimental. Na verdade, o correto é como o dr. Pantaleão fala. É que ainda não há uma estrutura adequada. Então não vamos fazer uma bobagem aí só para que processo seja distribuído dessa forma. É melhor esperar um pouquinho mais para que o relator despache as liminares.

Conjur — Quantos candidatos concorrem à presidência?

Limongi — Hoje somos quatro. Rui Pereira Camilo, que é o 3º vice-presidente, José Mario Cardinale, que é o corregedor-geral de Justiça e Mohamed Amaro, que é o 1º vice-presidente do tribunal.

Conjur — Quando o desembargador concorre à presidência do tribunal ele tem uma plataforma? Qual é a sua plataforma?

Limongi — Em primeiro lugar batalhar para que o Poder Judiciário mantenha relações amistosas com os demais poderes, até porque nós precisamos também do Executivo e do Legislativo. A questão do orçamento, por exemplo, que é o ponto nevrálgico do Judiciário. Nós precisamos de um orçamento compatível com as nossas necessidades. E não podemos pedir demais, porque não seria realista nem factível. Nós precisamos pedir aquilo que realmente necessitamos. O Judiciário precisa compreender que ele é um dos poderes e que esse contato com outros poderes não contamina, não traz doença alguma, não vai fazer mal algum, e é salutar sem dúvida.

Conjur — O que mais o senhor defende?

Limongi — Eu acho que o juiz não tem apoio técnico. Uma das coisas que eu vejo nos grandes escritórios de advocacia é que eles contam com matemáticos, contabilistas, financistas, estatísticos. E eles são altamente especializados, ao passo que o juiz não tem nada disso. A cada processo, ele precisa estudar muito pra poder decidir, porque ele não é especialista. Ao passo que o advogado não. Ele é especializado.

Conjur — Então o senhor quer reforçar o quadro técnico.

Limongi — Sim, mas acho que o juiz também precisa de conhecimento de contabilidade, finanças, economia, psicologia, filosofia, porque às vezes, ele não tem noção do impacto da sua decisão nos cofres públicos, no meio ambiente, numa família. Ele pensa que está certo, mas se esquece do que pode acontecer depois da sua decisão. Defendo um núcleo técnico, jurídico, econômico, financeiro, dando apoio ao juiz. Algo que ele pudesse consultar, até para ver do ponto de vista financeiro, por exemplo, o que vai acontecer com a sua decisão. Acho também que os juízes de primeiro grau precisam ter um assistente jurídico. Isso existe nos outros estados. Não é justo que o juiz trabalhe como trabalha. O juiz não tem hora extra.

Conjur — Em São Paulo, o juiz trabalha sozinho?

Limongi — Solitário. O desembargador hoje tem dois assistentes. Até dois, três meses atrás, nós tínhamos um só. No Brasil inteiro se têm três assistentes. O Rio Grande do Sul tem a maior produção porque há muitos anos eles têm três assistentes.

Conjur — Outro ponto importante seria a tecnologia, a informatização. Como está questão no TJ paulista?

Limongi — Informatização é fundamental. A globalização exige a informatização. Eu lamento dizer, mas nesse quesito o Tribunal de São Paulo é dos mais atrasados. Mas nós estamos melhorando muito. O presidente Tâmbara, nesse ponto, e em vários outros pontos, foi muito progressista. Acho que ele foi um grande presidente.


Conjur — Aqui também tem uma questão orçamentária, não?

Limongi — No Rio de Janeiro, eles conseguiram por uma lei estadual para que as custas do processo viessem para o Judiciário diretamente. Então, o que entra de dinheiro é fantástico a ponto de o presidente do Tribunal do Rio dar para cada um dos 850 juízes de primeiro grau um laptop, com dinheiro do tribunal. Hoje eles são efetivamente os melhores, estão muito bem estruturados. Está na minha plataforma informatizar. E a gente consegue isso, porque nós temos dinheiro pra fazer.

Conjur — Como se faz uma campanha no tribunal?

Limongi — A campanha é feita de corpo a corpo. É conversando com os colegas. Hoje, eu acho que é preciso mostrar a sua plataforma de governo. Para a próxima eleição no TJ paulista serão 360 eleitores.

Conjur — E é assim tradicionalmente? Não existe uma regra pela antiguidade?

Limongi — Normalmente era assim. Em São Paulo era sempre o mais antigo que assumia a Presidência, por uma questão de tradição. Mas, agora, com 360 desembargadores, com a fusão dos tribunais de alçada, com o pessoal mais jovem, com a possibilidade de eleição de metade do órgão especial, agora não podemos falar mais dos mais antigos. Tem que ser aquele que tem mais vocação pra realizações dentro do tribunal.

Conjur — Com o aumento da complexidade das relações, cada vez se exige mais o serviço de Justiça. Com isso, o Judiciário não está cada vez mais desenvolvendo um papel político?

Limongi — Sem dúvida há uma atividade densamente política no Judiciário. O Ministério Público, como defensor da sociedade, propondo sempre ações civis públicas em razão de má administração, de improbidade administrativa e ao final o juiz profere a sua sentença e condena o administrador. Às vezes o prefeito é tirado do cargo em razão da atuação do próprio juiz. Então, o juiz exerce sim uma função política muito forte hoje e há também um controle da constitucionalidade que é feita em caráter concentrado pelo Supremo, mas existe também um controle difuso. O juiz de Cardoso, a 565 quilômetros de São Paulo — eu posso falar com tranqüilidade porque eu já fui juiz lá — pode proferir uma sentença reconhecendo a inconstitucionalidade de uma lei, e isso significa que ele é um legislador negativo. Então, essa função do juiz de fiscalizar a constitucionalidade das leis é uma função muito relevante sob o aspecto jurídico mesmo. O Judiciário é muitas vezes o legislador positivo quando ele fala esta lei é constitucional e negativo quando ele retira do ordenamento jurídico essa lei.

Conjur — E com a qualidade dos nossos legisladores…

Limongi — Nós sempre temos grandes problemas. No interior do estado de São Paulo, as câmaras de vereadores produzem boas leis, mas elas não têm atribuição para legislar sobre aquele caso, a competência é privativa do prefeito. Então, nós somos obrigados a declarar a inconstitucionalidade dessa lei. Isso é todo dia, toda quarta-feira nós julgamos dezenas e dezenas de leis inconstitucionais. Declaramos a inconstitucionalidade de leis municipais. Muitas vezes são muita boas, com muito boa intenção. Mas não adianta.

Conjur — Há uma tendência de se querer resolver tudo com leis.

Limongi — O nosso legislador penal tem essa mania. É uma forma demagógica de passar para a sociedade que o legislador está resolvendo tudo, porque ele baixa uma lei. Define crimes hediondos, regime integralmente fechado, sem fiança, e daí em diante. Não adianta ele determinar uma pena altíssima porque depois o juiz não vai poder aplicar essa pena. Isso a gente chama de “Direito Penal Mágico”, simbólico. Realmente é demagogia pura do legislador. Um bom exemplo é a falsificação de remédios. Teve uma época que falsificar remédios tinha pena altíssima, dez anos de reclusão. Só que eles a fizeram valer também para falsificação de cosméticos, com dez anos de reclusão. Eu não daria uma pena dessa. Falsificação de esmalte de unha, não dá pra comparar.

Conjur — Qual é a sua posição a respeito da súmula vinculante?

Limongi — Eu acho que a súmula vinculante não vai resolver nada. É verdade que os tribunais já obedecem a súmula. Não era obrigatório porque até agora não era vinculante, mas os tribunais decidiam de acordo com as súmulas, na maioria das vezes. Basta que o advogado diga “este fato aqui sob julgamento não se enquadra na súmula”. Pronto, está aí uma discussão que vai chegar ao Supremo. O pior é que o Poder Executivo é um poder extremamente forte, gigantesco. Dispõe de Forças Armadas, Ministério Público, delegado, Polícia Militar, marronzinho [fiscais de trânsito], o INSS, tudo contra o indivíduo. Não dá. Litigar contra o Estado é uma covardia. Para você tirar um simples alvará numa prefeitura tem que haver uma intervenção do Judiciário. O Executivo não paga, é caloteiro, e dá o maior trabalho para o Judiciário. É o maior cliente disparado. No estado de São Paulo a Fazenda Pública deve, a prefeitura é outra grande devedora, o INSS também é um grande devedor e isso tudo vai pro Supremo e o entope desses processos, por culpa do próprio Executivo.


Conjur — No Rio de Janeiro, 80% dos processos em curso no estado é representado por defensor público. Aqui em São Paulo a defensoria ainda está sendo criada, mas temos o dativo. O senhor sabe esse percentual de ações de dativos aqui em São Paulo?

Limongi — É muita coisa. No interior do estado, em processos penais, é só dativo. Ninguém tem advogado constituído.

Conjur — A súmula vinculante não vai resolver o principal problema, que é o excesso de processos que acaba gerando uma morosidade incrível da Justiça. A reforma processual, como está proposta hoje, ajudaria a sanar o problema?

Limongi — Eu acho que alguma coisa resolve sim. Em termos de celeridade de processo resolve. Mas é difícil imaginar que alguém que perca tenha que pagar a quantia que foi condenado pra poder recorrer. Você não tem dinheiro mesmo, ficaria sem recurso. Isso é ruim. Afinal, todos devem ter o direito ao recurso. Mas essas medidas de ordem processual são necessárias, sem as quais não poderá se pensar em celeridade de processo.

Conjur — Na tentativa de aliviar o sistema e de dar mais celeridade para a Justiça, seria o caso da diminuição de recursos, instâncias, entrâncias, da burocracia? O que o senhor defende?

Limongi — Exatamente isso tudo. A diminuição de entrância é mais de ordem interna do Tribunal, temos o projeto para fazer isso aqui em São Paulo. A diminuição de instância também é importante. Nós temos o Supremo, o Superior Tribunal de Justiça, o Tribunal de Justiça, mais de quatro instâncias. Nós não temos mais o duplo grau de jurisdição, é o quádruplo grau de jurisdição. É preciso dar fim a isso. E, para que isso aconteça, é preciso que os juizes tenham grande capacidade técnica, que sejam bons profissionais. Para se ter bons profissionais, a idade mínima de concurso deveria subir. O profissional de direito tem que ser muito bom.

Conjur — Hoje, realmente, notamos juízes ruins em muitos casos.

Limongi — Os juizes não são bem preparados. Isso porque temos um grande número de faculdades, o ensino é deficitário desde o ensino fundamental, isso tudo implica na atividade do juiz. O advogado, quando elabora uma petição inepta, o juiz tem que declarar inepto. Tem que começar tudo de novo com outro advogado talvez. Isso atrasa o processo e vemos todo dia.

Conjur — A imprensa e a população influenciam ou direcionam as decisões da Justiça?

Limongi — A imprensa e a sociedade pressionam. Eu acho que os juízes se sentem sim, de certa forma, pressionados pela imprensa e pelo clamor público. Aqui no Brasil, diferentemente do que acontece na Europa, o juiz não conta com a confiança da sociedade. Isso é um problema. Tudo o que o juiz fizer, para a população, ele faz porque quer favorecer alguém ou prejudicar alguém. Não é isso. O juiz joga tudo na sua sentença, ele é realmente imparcial. Mas as pessoas que perdem a ação não se conformam e quem ganhou acha que demorou muito.

Conjur — No caso do assassinato do índio pataxó por aqueles cinco rapazes de Brasília, a juíza deu uma sentença dizendo que não era homicídio doloso e sim lesão corporal seguida de morte. A imprensa saiu falando.

Limongi — Absolutamente certa a decisão no meu modo de entender. Quando soltaram o juiz Nicolau, a mesma coisa. Qual razão de ele estar preso? Ele não é um homem violento, não precisa ser algemado, mas ele era juiz. Ele tinha que pagar por isso. Pagou mais do que qualquer outro. Estava doente e preso.

Conjur — O juiz deveria estar indiferente ao clamor popular?

Limongi — A gente pode levar em consideração o clamor popular, muitas vezes é uma coisa justa. É caso a caso. Justiça é feita com casos concretos.

Conjur — Fale um pouco da Apamagis, dos planos, idéias e implementações que ainda serão feitas?

Limongi — Eu fico na Apamagis até o fim do ano e como eu sou candidato à presidência do Tribunal não fica bem sair também como candidato à Apamagis, até porque há incompatibilidade entre as duas presidências. Uma é oficial e a outra é de defesa dos interesses da magistratura. Uma coisa que eu vou fazer ainda na Apamagis é a Tele Apamagis, uma televisão dentro do site da associação, só pela internet. Além disso, também programas em canais de televisão. Precisamos fazer essa integração entre Judiciário e sociedade. A sociedade precisa conhecer o Judiciário, precisa conhecer seus juizes, é um direito e uma necessidade. Se a sociedade tiver conhecimento das agruras do juiz, dos seus anseios, ideais, ela vai ver que esses ideais são os mesmos dela, que é ter a melhor Justiça possível.

Conjur — Do que foi feito até agora, o senhor apontaria alguma grande conquista da Apamagis na sua gestão?

Limongi — A Apamagis, do ponto de vista de defesa institucional, cresceu muito no cenário nacional. Hoje a Apamagis é muito mais respeitada, é ouvida, buscada, procurada, com cerca de 2.800 associados.

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