Dinheiro pela culatra

Explicada a origem, não é crime carregar malas de dinheiro

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11 de julho de 2005, 17h24

Carregar malas de dinheiro em moeda nacional não é crime, desde que o portador não tenha como destino o exterior. Já, portar altos valores em moeda estrangeira sem declará-los às autoridades competentes constitui indício de crime contra o sistema financeiro nacional.

Dois episódios ocorridos no espaço dos últimos quatro dias suscitaram a discussão. Nesta segunda-feira (11/7), a Polícia Federal flagrou no aeroporto de Brasília o deputado federal João Batista Ramos da Silva (PFL-SP), que embarcava para Goiânia carregando sete malas cheias de dinheiro em companhia de outras quatro pessoas — dois homens e duas mulheres. O deputado e seus acompanhantes não foram presos, mas encaminhados à Polícia Federal para prestar esclarecimentos.

Na sexta-feira (8/7), a Polícia Federal prendeu o assessor parlamentar José Adalberto Vieira da Silva, com R$ 200 mil em uma mala e outros US$ 100 mil escondidos na cueca.

O assessor foi preso em flagrante no aeroporto de Congonhas, em São Paulo, quando embarcava para Fortaleza. Vieira da Silva é assessor do deputado estadual do Ceará José Nobre Guimarães, irmão do ex-presidente do PT, José Genoino.

Dólares não declarados

Segundo o delegado federal Armando Rodrigues Coelho Neto, presidente da Federação Nacional dos Delegados da Polícia Federal, a prisão do assessor parlamentar tem base legal.

“Existe uma resolução do Banco Central que estabelece que é permitido circular com dólares em valor equivalente a R$ 10 mil. Acima desse valor, o dinheiro pode ser apreendido para averiguação”, afirma.

No caso específico, explica Coelho Neto, como o valor era dez vezes maior do que o que é permitido e o assessor não explicou de forma satisfatória a origem do dinheiro, há presunção de realização de câmbio paralelo. “Nesse caso, é preciso verificar primeiro qual é o montante e, em segundo lugar, se os dólares são verdadeiros”, disse.

Origem do dinheiro

Sobre o dinheiro pego com o deputado federal João Batista, a princípio, não há a ocorrência de qualquer crime. “Portar consigo moeda nacional dentro do país, independentemente do valor, não constitui crime”, afirma a procuradora da República e conselheira do Conselho Nacional do Ministério Público, Janice Ascari.

É necessário somente que quem leva o dinheiro saiba explicar sua origem. No caso do deputado, que é bispo da Igreja Universal do Reino de Deus, a explicação é a de que se trata de dinheiro de dízimo de fiéis. A Universal já emitiu nota em que corrobora a explicação.

“Haveria indícios de crime, no caso, de evasão de divisas, se o deputado estivesse embarcando para fora do país”, diz Janice. Mas, segundo a procuradora, “pode ser aberto um procedimento de investigação para averiguar a origem do dinheiro”.

O advogado Jair Jaloreto Júnior e o desembargador paulista Ivan Sartori corroboram a tese. Carregar grandes quantias em reais, desde que comprovada a origem do dinheiro, não configura crime contra o sistema financeiro nacional.

Lavagem e sonegação

No caso de João Batista, aparentemente o bispo-deputado transportava dinheiro em espécie arrecadado em suas igrejas, o que seria normal. Mas ter ou carregar altos valores de dinheiro em espécie, em muitos casos, atende a dois objetivos: sonegar impostos e lavar dinheiro.

“Se você deposita esse valor terá de declarar essa movimentação para a Receita Federal, porque o registro fica na conta. No Ministério Público, nos deparamos com casos de pessoas que declaram R$ 20 mil ao Imposto de Renda e movimentam R$ 1,5 milhão na conta bancária”, afirma Janice.

Outro especialista ouvido pela revista Consultor Jurídico afirmou que, no caso do deputado, dificilmente uma acusação se sustenta. Isso porque ele explicou a origem do dinheiro e, como a igreja tem imunidade tributária, não cabe sequer acusação por sonegação fiscal.

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