Urna furada

Paschoal Thomeu perde ação de indenização contra a Globo

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11 de julho de 2005, 13h48

O deputado estadual em São Paulo Paschoal Thomeu (PTB) perdeu ação de indenização por danos morais e materiais contra a TV Globo. Thomeu alegou que a emissora atrapalhou sua candidatura à prefeitura de Guarulhos em 2000, com a veiculação de notícias sobre representação do Ministério Público Eleitoral contra ele. A sentença é do juiz Lucas Tambor Bueno, da 39ª Vara Cível do Fórum João Mendes Jr, em São Paulo.

Segundo o deputado, ele liderava as pesquisas de intenção de votos quando o Ministério Público Eleitoral ofereceu representação contra sua candidatura com o objetivo de demonstrar que, durante o período eleitoral, teria pedido votos com a promessa de pagar cirurgias de laqueadura e vasectomia.

A defesa da Globo, representada pelo advogado Marcelo Habis, do escritório Camargo Aranha Advogados Associados, alegou que a emissora não se afastou dos limites da liberdade de imprensa e que as denúncias de troca de votos por cirurgias realmente existiam. O advogado afirmou que a Globo tem o direito de exercer atividade sem embaraço à plena liberdade de informação jornalística e que noticiou os fatos em decorrência da representação oferecida pelo Ministério Público Eleitoral.

O juiz defendeu que a culpa é um dos pressupostos da responsabilidade civil e, para que haja obrigação de indenizar, não basta que o autor do fato danoso tenha procedido ilicitamente, violando direito de outro ou infringindo norma jurídica por interesses particulares.

“A obrigação de indenizar não existe, em regra, só porque o agente causador do dano procedeu objetivamente mal. É essencial que ele tenha agido com culpa: por ação ou omissão voluntária, por negligência ou imprudência, como expressamente se exige no artigo 186 do Código Civil. Agir com culpa significa atuar o agente em termos de, pessoalmente, merecer a censura ou reprovação do Direito”, explicou Bueno.

Para o juiz, não houve abuso da emissora no exercício da comunicação, que noticiou os fatos descritos na representação oferecida pelo Ministério Público Eleitoral dentro dos limites constitucionais e legais. Segundo Bueno, também não ficou provado que o deputado teria perdido as eleições municipais por conta das notícias veiculadas pela TV Globo.

Leia a íntegra da sentença

Processo 000.00.650076-5

Indenização (ordinário)

PASCHOAL THOMEU — TV GLOBO LTDA

Vistos, etc.

PASCHOAL THOMEU ajuizou a presente Ação de Indenização por Danos Morais e Materiais contra TV GLOBO LTDA alegando, em síntese, que se candidatou ao cargo de Prefeito Municipal de Guarulhos nas eleições de 2000. Relata que liderava as pesquisas de intenção de votos com larga vantagem sobre os demais candidatos, contudo, nas noventa e seis horas que antecederam ao pleito, o Ministério Público Eleitoral ofereceu representação contra sua candidatura com o objetivo de demonstrar que durante o período eleitoral teria praticado troca de votos por cirurgias de laqueadura e vasectomia.

Sustenta que a requerida, de forma tendenciosa, a partir de 27 de setembro de 2000, passou a veicular notícias acerca da representação formulada, que foram reexibidas e fizeram com que despencasse nas pesquisas, na véspera da eleição, e perdesse o pleito eleitoral. Aduz que foi exposto à mídia por aproximadamente quatro dias seguidos e que a requerida agiu com a intenção deliberada de prejudicá-lo.

Relata que houve negligência da requerida em relação à apuração dos fatos e, por conseguinte, experimentou danos materiais no valor total de R$ 1.326.748,97 e morais. Postula a condenação da requerida ao pagamento de indenização pelos danos que sofreu (fls. 02/89). Instruiu a inicial com documentos (fls. 90/787).

Regularmente citada (fls. 792), a requerida apresentou resposta, sob a forma de contestação (fls. 826/848), sustentando, em resumo, que não se afastou dos limites da liberdade de imprensa e que as denúncias de troca de votos realmente existiam. Assevera que tem o direito de exercer atividade sem embaraço à plena liberdade de informação jornalística e que noticiou os fatos em decorrência da representação oferecida pelo Ministério Público Eleitoral. Aduz que noticiou os fatos com animus narrandi e que não agiu de forma parcial. Alega, ainda, que eventual indenização deve ser fixada com base na Lei de Imprensa. Pugna a improcedência da ação. Acostou documentos aos autos (fls. 850/1139). Houve réplica (fls. 1141/1147). A conciliação, embora tentada, restou infrutífera. Na seqüência, o feito foi saneado, ocasião em que foi deferida a prova pericial (fls. 1153/1154). Veio aos autos cópia da r. sentença prolatada nos autos do processo eleitoral proposto pelo Ministério Público Eleitoral (fls. 1190/1195). A prova pericial foi produzida (fls. 1199/1219) e as partes se manifestaram sobre ela (fls. 1249/1250 e 1255/1256). O perito judicial nomeado prestou esclarecimentos (fls. 1259/1260). Encerrada a instrução processual (fls. 1295), as partes apresentaram memoriais escritos (fls. 1299/1304 e 1306/1313). Cópia do v. acórdão prolatado no processo eleitoral veio aos autos (fls. 1328/1348) e o autor se manifestou (fls. 1351/1354). O autor noticiou que interpôs Recurso Especial contra o v. acórdão e posteriormente foi noticiado o trânsito em julgado da decisão (fls. 1372 e 1374).


É o relatório. DECIDO.

A questão, por não demandar maior dilação probatória, comporta julgamento no estado em que se encontra. Nunca é demais ressaltar, aliás, que as partes, após a produção da prova pericial, se manifestaram pelo julgamento do processo de plano (fls. 1249/1250 e 1293). Colocado isto, não havendo preliminares a apreciar, passa-se a analisar o mérito da presente ação. Ensina Carlos Roberto Gonçalves, conceituando a culpa, que: A culpa é um dos pressupostos da responsabilidade civil. Nesse sentido, preceitua o art. 186 do Código Civil que a ação ou omissão do agente seja voluntária ou que haja, pelo menos, negligência ou imprudência. Para que haja obrigação de indenizar, não basta que o autor do fato danoso tenha procedido ilicitamente, violando um direito (subjetivo) de outrem ou infringindo uma norma jurídica tuteladora de interesses particulares.

A obrigação de indenizar não existe, em regra, só porque o agente causador do dano procedeu objetivamente mal. É essencial que ele tenha agido com culpa: por ação ou omissão voluntária, por negligência ou imprudência, como expressamente se exige no art. 186 do Código Civil. Agir com culpa significa atuar o agente em termos de, pessoalmente, merecer a censura ou reprovação do Direito. E o agente só pode ser pessoalmente censurado, ou reprovado na sua conduta, quando, em face das circunstâncias concretas da situação, caiba afirmar que ele podia e devia ter agido de outro modo (in Responsabilidade Civil, editora Saraiva, 2.003, 8ª edição, pág. 474/475).

Ao discorrer sobre o liame de causalidade, o mesmo autor doutrina que: Um dos pressupostos da responsabilidade civil é a existência de um nexo causal entre o fato ilícito e o dano por ele produzido. Sem essa relação de causalidade não se admite a obrigação de indenizar. O art. 186 do Código Civil a exige expressamente, ao atribuir a obrigação de reparar o dano àquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, causar prejuízo a outrem. O dano só pode gerar responsabilidade quando seja possível estabelecer um nexo causal entre ele e o seu autor, ou, como diz Savatier, um dano só produz responsabilidade, quando ele tem por causa uma falta cometida ou um risco legalmente sancionado (in Responsabilidade Civil, editora Saraiva, 2.003, 8ª edição, pág. 520).

Os documentos alinhavados aos autos demonstram que a requerida, a partir do dia 27 de setembro de 2000, nas vésperas do pleito eleitoral daquele ano, de fato, noticiou intensamente em seus telejornais, por intermédio de seus vários repórteres, que o Ministério Público Eleitoral havia oferecido representação contra o autor, então candidato à Prefeitura Municipal de Guarulhos, acusando-o de ter trocado operações de laqueadura e vasectomia por votos. Noticiou, também, por algumas vezes, que o Ministério Público Eleitoral havia pedido a cassação da candidatura do autor e que a Justiça Eleitoral de Guarulhos tinha algumas horas, chegando inclusive a mencionar o prazo de 48 horas, para decidir se aceitava ou não o pleito de cassação formulado pelo parquet.

Assim, para o deslinde da causa, necessário se faz analisar se a requerida agiu de forma lícita ou ilícita ao veicular os fatos narrados na representação oferecida pelo Ministério Público Eleitoral e, em caso de conduta ilícita, se deu causa aos danos que o autor aduz ter sofrido. Pese a irresignação do autor, o conjunto probatório é uníssono em demonstrar que a requerida, ao veicular as notícias sobre a representação oferecida pelo Ministério Público Eleitoral, bem como sobre o pedido de cassação de candidatura existente, agiu nitidamente em consonância com o direito à liberdade de imprensa e à informação que, na qualidade de veículo de comunicação, possui, por força do art. 5°, incisos IV, IX e XIII, da Constituição Federal e da legislação ordinária vigente. Nota-se que a degravação da fita, realizada por perito da confiança do juízo (fls. 1199/1219), não tem o condão de demonstrar qualquer existência de abuso no exercício da comunicação por parte da requerida. Ao contrário, revela que esta noticiou, ainda que por várias vezes e por vários dias, os fatos descritos na representação oferecida pelo Ministério Público Eleitoral com patente animus narrandi, dentro dos limites constitucionais e legais inerentes à matéria. E mais, mister se faz ressaltar que as partes acostaram aos autos documentos hábeis a revelar que os fatos descritos na petição inicial não foram noticiados somente pela requerida, mas sim, ao que tudo indica, pela imprensa jornalística de uma forma geral, escrita e falada.

O autor, entretanto, se insurge somente contra a conduta da requerida, imputando a ela, sem convencer, a responsabilidade por sua derrota nas urnas durante as eleições de 2000, entretanto se esquece que perdeu as eleições, em tese, por sua própria culpa e pela vontade dos eleitores guarulhenses. Isto porque, a representação oferecida pelo Ministério Público Eleitoral, apesar de julgada parcialmente procedente em primeira instância, foi acolhida integralmente pelo Egrégio Tribunal Regional Eleitoral, conforme consta do V.


Acórdão coligido a fls. 1328/1331, para inclusive cassar o registro da candidatura do autor, fato que suficientemente demonstra que em momento algum houve veiculação de notícia inverídica ou viciada. Não bastasse, apesar de afirmar na inicial, o autor em momento algum comprovou nos autos que as veiculações das notícias envolvendo sua candidatura à Prefeitura Municipal de Guarulhos foram feitas com o intuito de prejudicá-lo.

Não demonstrou também que perdeu as eleições em decorrência da conduta perpetrada pela requerida, que diga-se de passagem se limitou a noticiar fatos narrados pelo Ministério Público Eleitoral aos seus telespectadores. É certo desse modo que o autor não de desincumbiu do ônus de prova que lhe cabia preconizado no art. 333, inciso I, do Código de Processo Civil. restando incontroverso que não se desincumbiu do ônus de prova que lhe cabia, estabelecido no art. 333, inciso I, do Código de Processo Civil.

Observa-se que as pesquisas eleitorais, não raras as vezes, se modificam com a aproximação das eleições, ora por acontecimentos que prejudicam a imagem do candidato perante os eleitores, tais como as acusações formuladas pelo Ministério Público Eleitoral, ora em decorrência da diminuição do número de eleitores até então indecisos, restando incontroverso, portanto, que a liderança nas pesquisas antes das eleições não é sinônimo de vitória ou êxito. Aliás, a título de exemplo, assim ocorreu em várias eleições municipais na cidade de São Paulo, notadamente em relação ao cargo de prefeito municipal. Outrossim, importante argumentar que, ainda que os fatos não tivessem sido comprovados na representação oferecida pelo Ministério Público Eleitoral, situação que não ocorreu in casu, dado o teor do V. Acórdão de fls. 1328/1331, que acolheu integralmente o pedido do Ministério Público, por ter a requerida agido com puro animus narrandi e dentro dos limites da liberdade de imprensa que lhe é conferida, não poderia ser punida por sua conduta, haja vista que noticiou os fatos de forma lícita e imparcial, amparada por seu exercício regular de direito, assegurado pela Constituição Federal e pela legislação ordinária em vigor.

Destarte, por ter a requerida agido em consonância com seu exercício regular de direito, na medida em que se limitou a noticiar os fatos descritos na representação oferecida pelo Ministério Público Eleitoral com animus narrandi sem abusar de sua liberdade de imprensa, e por não haver prova de que agiu com intenção deliberada de prejudicar a pessoa do autor ou, ao menos, com imprudência, negligência ou imperícia para tal fim, não há como atribuir à requerida os danos materiais ou morais alegados na inicial, ainda que tenham eles existido.

Para fosse a requerida responsabilizada pelos danos que o autor afirma ter experimentado, quer morais, quer materiais, necessariamente teria ela que ter agido de forma ilícita, por intermédio de conduta dolosa ou culposa, o que segundo a prova dos autos não ocorreu. No caso vertente, todavia, patente a licitude da conduta da requerida e, por conseguinte, ausentes os elementos da responsabilidade civil, notadamente a falta de conduta dolosa ou culposa da requerida para a produção do resultado danoso sustentado na exordial. Tudo leva a crer, ademais, que a requerida, na verdade, agiu com o intuito de noticiar fato, de um lado, relevante que estava ocorrendo na política em Guarulhos, respaldada pelo direito à liberdade de imprensa, e, de outro lado, que vai de encontro com a democracia nacional, conquistada a duras penas pela população brasileira.

Assentado isto, a presente ação de indenização por danos materiais e morais não procede. Ante o exposto e por tudo o mais que dos autos consta, JULGO IMPROCEDENTE a presente Ação de Indenização por Danos Morais e Materiais ajuizada por PASCHOAL THOMEU contra TV GLOBO LTDA e, em decorrência da sucumbência, condeno o autor ao pagamento de custas, despesas processuais e honorários advocatícios da parte contrária, que fixo em 10% sobre o valor atribuído à causa. P.R.I.

São Paulo, 29 de junho de 2005.

LUCAS TAMBOR BUENO

Juiz de Direito

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