Convento de Sarney

MPF quer que Sarney devolva prédio tombado ao Maranhão

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10 de julho de 2005, 14h46

O Ministério Público Federal no Maranhão entrou com ação na Justiça para contestar a doação do Convento das Mercês à Fundação José Sarney. Os procuradores pedem a reintegração do bem ao patrimônio do estado do Maranhão com base em um decreto-lei, assinado em 1937 pelo então presidente Getúlio Vargas, que impede que bens tombados pela União sejam doados a qualquer entidade de direito privado. Os advogados da Fundação José Sarney alegam que a ação não pode ser movida por procuradores federais porque o bem pertencia ao governo estadual.

Tombado pelo Patrimônio Histórico da União em 1974, o Convento das Mercês é um dos principais pontos turísticos do Centro Histórico de São Luís. O imóvel, de acordo com a escritura, tem mais de cinco mil metros quadrados de área construída e outros sete mil de área livre.

Em 6 de abril de 1990, o então governador maranhense João Alberto (PMDB) editou uma lei que autorizava a incorporação do convento aos bens da Fundação da Memória Republicana sem qualquer contrapartida da entidade criada pelo aliado político José Sarney. Três anos depois, a Assembléia Legislativa do Maranhão aprovaria uma lei ratificando a doação.

A Fundação da Memória Republicana foi instituída por José Sarney no dia 1º de fevereiro de 1990, um mês antes de deixar a Presidência da República e cerca de dois meses antes de receber de presente o Convento das Mercês. Entre os objetivos da entidade, registrados em cartório, está o de “organizar e perpetuar a memória dos presidentes da República tendo por base o acervo privado do presidente José Sarney”.

Ao fazer a doação do Convento das Mercês, João Alberto manteve as obras de restauração do prédio como parte do projeto Reviver. A recuperação do convento e do entorno foi feita entre 1987 e 1990 com recursos públicos. Como o trabalho não estava terminado quando o prédio foi doado, o estado do Maranhão se comprometeu, na escritura, a concluir a obra e a bancar as despesas. À fundação cabia apenas a obrigação de autorizar a permanência de operários e técnicos até que tudo ficasse pronto.

O Iphan — Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, órgão do Ministério da Cultura responsável pelo Patrimônio Histórico da União, não foi sequer notificado sobre a doação do imóvel à fundação como previa o decreto-lei de Getúlio Vargas para os casos de doações de bens tombados para entidades de direito público.

“Mesmo que o convento não tivesse sido doado, a falta de consulta ao Iphan já constitui irregularidade”, diz a procuradora federal Carolina da Hora Mesquita. “A lei estadual entregou para a entidade do ex-presidente José Sarney a posse, o domínio e a propriedade do imóvel para que seja utilizado de acordo com os seus interesses e finalidades. O máximo que poderia ter permitido era uma cessão, que manteria o imóvel como propriedade pública. Ainda assim, o processo exigiria uma concorrência para definir o melhor uso para o convento”.

Na opinião da procuradora, a doação caracteriza improbidade administrativa que teria de ser apurada pelo Ministério Público do Maranhão. “Só entramos no caso porque o bem é tombado pelo Iphan, ou seja, faz parte do Patrimônio Histórico Nacional. Enviei uma cópia da ação para o procurador-geral de Justiça do Maranhão, mas até agora não recebi resposta”, afirma a procuradora federal.

A entidade e o governo do Maranhão apresentaram à Justiça réplicas à denúncia dos procuradores há cerca de quinze dias em que destacam que a Fundação José Sarney, mesmo sendo privada, não tem fins lucrativos e exerce uma função social. O advogado José Carlos de Sousa Silva, presidente da Fundação José Sarney, se negou a falar sobre o assunto. “Não comento nada sobre esta ação”, se limitou a dizer, antes de desligar o telefone em seguida.

O senador José Sarney também foi procurado, por telefone, nas últimas duas semanas para comentar a doação do convento para a entidade da qual é procurador, mas não atendeu à reportagem.

O ex-governador João Alberto, hoje senador, foi o único que concordou em explicar a doação do convento à entidade do ex-presidente, mesmo licenciado do mandato por motivos de saúde. “Fico muito feliz de dizer que assinei a doação do imóvel. Cuidar de um prédio como aquele seria um problema para o Maranhão”, justifica. “Ninguém tem condições melhores do que o Sarney para manter aquele prédio bonito do jeito que está. A população está satisfeita de ver o convento como está e de acompanhar as atividades que lá acontecem”.

Se a idéia era reduzir os gastos do governo com a manutenção do convento, ela não foi bem compreendida pelos sucessores. Em 2004, o governo do Maranhão, por meio da Gerência de Estado da Cultura, assinou um convênio com a Fundação José Sarney que implica no investimento de R$ 80 mil mensais provenientes dos cofres públicos. Para receber o dinheiro a entidade se compromete a conservar o patrimônio imobiliário e o acervo de José Sarney — além de promover e incentivar atividades culturais e de pesquisa para o conhecimento, preservação e divulgação da obra do ex-presidente. No mais, não há qualquer contrapartida prevista.

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