Abuso de intimidade

Estilista chamada de relapsa ganha indenização de R$ 43 mil

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8 de julho de 2005, 13h54

O empregador não pode atingir a dignidade do empregado, apesar de ele sofrer algumas limitações ao seu direito de intimidade. O entendimento é dos juízes da 6ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo, que negou Recurso Ordinário da Empório Donna Confecções contra decisão em favor de uma estilista contratada para desenvolver novos produtos para a marca.

A estilista entrou com processo na 38ª Vara do Trabalho de São Paulo pedindo indenização por danos morais. Alegou que, assim que a empresa tomou conhecimento de sua gravidez, começou um "processo de perseguição, humilhação e aborrecimentos", que teria como objetivo obrigá-la a pedir demissão, abrindo mão da estabilidade assegurada pela Constituição Federal. As informações são do TRT de São Paulo.

Segundo a estilista, ela teria sido exposta a “situação vexatória” por ter se recusado a assinar pedido de afastamento até o final da estabilidade. Também disse que, em outra ocasião, transtornado com o atraso na entrega de uma nova coleção, o sócio proprietário da empresa passou a xingá-la de desorganizada e relapsa. Ele teria afirmado, ainda, que o setor sob a responsabilidade da estilista seria "uma zona", "um puteiro".

A informação foi contestada pelo patrão, que alegou estar "nervoso com a falta de vários modelos e várias coleções".

A vara condenou a confecção a indenizar a ex-funcionária. A empresa recorreu ao tribunal do trabalho paulista, por entender que a estilista não provou as acusações.

Segundo o juiz Valdir Florindo, relator do Recurso Ordinário no tribunal, "o simples fato de exigir da reclamante o afastamento temporário de suas atividades até o término da estabilidade configurou a violação a um dos maiores direitos do empregado, qual seja, o de trabalhar".

De acordo com o relator, "não se discute que o empregado, ao ser submetido ao poder diretivo do empregador, sofre algumas limitações em seu direito à intimidade. O que é inadmissível, contudo, é que a ação do empregador se amplie de maneira a ferir a dignidade da pessoa humana".

Para o juiz Valdir, "foi exatamente o que ocorreu nos autos, onde a recorrente passou a submeter a empregada a situações de constrangimento e evidente discriminação, praticando ilícitos que atingem sua dignidade, e também sua integridade física, já que a autora encontrava-se grávida".

Por unanimidade, a 6ª Turma condenou a confecção a pagar indenização de R$ 43 mil à ex-empregada, pelos danos morais sofridos.

RO 01818.2003.038.02.00-2

Leia a íntegra da decisão

PROCESSO Nº: 01818.2003.038.02.00-2 6ª TURMA

RECORRENTE: EMPÓRIO DONNA CONFECÇÕES LTDA.

RECORRIDA: MARIA ILAURA DE LIMA LOPES

38ª VARA DO TRABALHO DE SÃO PAULO

EMENTA: DESRESPEITO AOS VALORES DA EMINENTE DIGNIDADE HUMANA. DANO MORAL CONFIGURADO.

É salutar que, na vida em sociedade, e na relação de emprego a questão não é diferente, estamos sujeitos a sofrer ou causar danos, sejam eles de ordem moral ou material, e nem por isso estamos imunes à devida reparação, hoje elevada à estatura constitucional.

Por seu turno, o trabalho e o lucro são preocupações de todos. Contudo, deve haver a prioridade da pessoa humana sobre o capital, sob pena de se desestimular a promoção humana de todos os que trabalharam e colaboraram para a eficiência do sucesso empresarial.

Ora, a dignidade humana é um bem juridicamente tutelado, que deve ser preservado e que deve prevalecer em detrimento dos interesses de maus empregadores. O que é preciso o empregador conciliar, é seu legítimo interesse em defesa do patrimônio, ao lado do indispensável respeito à dignidade do trabalhador.

Não se discute que o empregado, ao ser submetido ao poder diretivo do empregador, sofre algumas limitações em seu direito à intimidade. O que é inadmissível, contudo, é que a ação do empregador se amplie de maneira a ferir a dignidade da pessoa humana.

Foi exatamente o que ocorreu nos autos em epígrafe, onde a recorrente passou a submeter a empregada a situações de constrangimento e evidente discriminação, praticando ilícitos que atingem sua dignidade, e também sua integridade física, já que a autora encontrava-se grávida.


As atitudes descritas nos autos revelam notória ofensa à personalidade da reclamante, seus sentimentos, sua honra, enfim, bens que integram a estrutura da personalidade do homem. E, por tais razões, há que ser mantida a condenação imposta pela sentença ora guerreada.

RELATÓRIO

A reclamante postula através da presente demanda (fls. 03/10), a percepção de indenização por danos morais, indenização do período estabilitário e indenização adicional face à inobservância da data base da categoria, o que foi contestado pela reclamada às fls. 46/52.

A ação foi julgada procedente em parte às fls. 81/85, para condenar a reclamada ao pagamento de indenização por danos morais.

A reclamada interpõe recurso ordinário às fls. 87/92 aduzindo que não há falar em indenização por danos morais, eis que não comprovados os fatos narrados na prefacial.

Preparo às fls. 93/94.

Contra-razões apresentadas pela reclamante às fls. 97/102.

O Ministério Público do Trabalho teve vista dos autos à fl. 103.

É o relatório, em síntese.

VOTO

1. Conheço do apelo ordinário interposto, eis que presentes os pressupostos de admissibilidade.

2. Dano moral:

Não prospera a irresignação recursal.

A autora noticiou em sua prefacial, que assim que a recorrente tomou conhecimento de seu estado gravídico, iniciou-se um processo de perseguição, humilhação, menoscabo, aborrecimentos, …com o objetivo inconfessável daquela solicitar a demissão e abrir mão da estabilidade por gravidez.

Disse, ainda, que em junho de 2.002, em face do atraso na confecção de sua coleção, o sócio proprietário da ré passou a xingar a Reclamante, em altos brados, perante suas colegas de trabalho e outros…, com os seguintes adjetivos: desorganizada, relapsa, o setor era uma zona, não é uma zona é um "puteiro" (fl. 04)

Informou, finalmente, que em data de 15 de abril de 2.003, em notória configuração de abuso de poder, sofreu situação vexatória por ter se recusado a assinar a declaração de fl. 25, através da qual a recorrente tentava lhe impedir de exercer seus misteres normalmente.

E referidos fatos foram robustamente comprovados ao longo da instrução processual. Válido transcrever, nesse sentido, que o próprio proprietário citado na prefacial, ao depor como testemunha do juízo, reconheceu à fl. 76 do processado, que em junho ou julho/2002, aproximadamente, o depoente estava às vésperas do lançamento da coleção de verão que estava atrasada para ser entregue ao cliente; que faltavam vários modelos e várias coleções e o depoente estava nervoso com a situação; que como estavam faltando vários modelos e o depoente estava nervoso este efetivamente falou que a empresa estava uma bagunça e que aquilo estava uma "zona".

E não obstante indigitado sócio tenha asseverado não ter se dirigido especificamente à recorrida, mas à empresa de forma genérica, a segunda testemunha ouvida em juízo a convite da empregada, comprovou de maneira inconteste que por volta do dia 18.06, aproximadamente, a depoente se dirigiu no setor de corte por volta das 12hs para varrer o setor; que então a depoente viu o sr. Cesar discutindo com a reclamante dizendo que a sala dela era um "puteiro", uma "zona" e que a reclamante não tinha capacidade de manter o cargo que trabalhava…

Esclareceu, ainda, que ficou um pouco assustada e voltou; que depois disso a depoente subiu e em seguida a reclamante subiu passando mal, pois estava nervosa; que então a reclamante tomou um copo de água com açucar e ligaram para o celular de seu marido; que havia outras pessoas na sala… (fl. 40).

Outrossim, e a exemplo do já asseverado pelo MM Juízo de origem em sua decisão de fls. 81/85, o simples fato de exigir da reclamante o afastamento temporário de suas atividades até o término da estabilidade (fls. 70 dos autos), configurou a violação a um dos maiores direitos do empregado, qual seja, o de trabalhar, conforme restou confessado às fls. 76 dos autos.

Ora, nos moldes preconizados pelo caput do artigo 5º da Constituição, são invioláveis o direito à liberdade e à igualdade, sendo assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, bem como o direito à indenização por dano moral, material ou a imagem.


Da mesma forma, o artigo 1º, da Lei nº 9.029, de 13 de abril de 1.995, proíbe a adoção de qualquer prática discriminatória por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar ou idade, aplicando-se ao caso em tela, ainda que por analogia, já que o rol do dispositivo em apreço não é taxativo, mas apenas exemplificativo.

Aliás, válido transcrever, a propósito, as palavras do Professor Estevão Mallet, que, com bastante propriedade, salientou que "Sem embargo das hipóteses mencionadas, o certo é que esse artigo 7º, inciso XXX, da Constituição, traça apenas parâmetros exemplificativos. A Constituição, pode-se claramente inferir isso do seu sistema, proíbe genericamente qualquer forma de discriminação.

Outras formas de discriminação acham-se mencionadas em dispositivos diversos, mas que tem toda a pertinência no campo do Direito do Trabalho."

É salutar que, na vida em sociedade, e na relação de emprego a questão não é diferente, estamos sujeitos a sofrer ou causar danos, sejam eles de ordem moral ou material, e nem por isso estamos imunes à devida reparação, hoje elevada à estatura constitucional.

Por seu turno, o trabalho e o lucro são preocupações de todos. Contudo, deve haver a prioridade da pessoa humana sobre o capital, sob pena de se desestimular a promoção humana de todos os que trabalharam e colaboraram para a eficiência do sucesso empresarial.

Ora, a dignidade humana é um bem juridicamente tutelado, que deve ser preservado e que deve prevalecer em detrimento dos interesses de maus empregadores. O que é preciso o empregador conciliar, é seu legítimo interesse em defesa do patrimônio, ao lado do indispensável respeito à dignidade do trabalhador.

Não se discute que o empregado, ao ser submetido ao poder diretivo do empregador, sofre algumas limitações em seu direito à intimidade. O que é inadmissível, contudo, é que a ação do empregador se amplie de maneira a ferir a dignidade da pessoa humana.

Foi exatamente o que ocorreu nos autos em epígrafe, onde a recorrente passou a submeter a empregada a situações de constrangimento e evidente discriminação, praticando ilícitos que atingem sua dignidade, e também sua integridade física, já que a autora encontrava-se grávida.

As atitudes descritas nos autos revelam notória ofensa à personalidade da reclamante, seus sentimentos, sua honra, enfim, bens que integram a estrutura da personalidade do homem. E, por tais razões, há que ser mantida a condenação imposta pela sentença ora guerreada.

Por fim, reputo razoável o valor arbitrado pelo MM Juízo de origem – equivalente a cinqüenta vezes a maior remuneração da trabalhadora – já que objetiva compensar o sofrimento e angústia evidentes, como revelados, mas em especial servir de sanção à recorrente para que não volte a praticar ilicitudes do gênero.

Nada a reformar.

CONCLUSÃO

Diante do exposto, admito o recurso ordinário da reclamada e, no mérito, nego-lhe provimento, nos termos da fundamentação.

É como voto.

VALDIR FLORINDO

Juiz Relator

 

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