Fundo da gaveta

Projeto de transparência é esquecido pelo governo federal

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7 de julho de 2005, 17h31

Em meio à crise política e ao conseqüente lançamento do pacote anticorrupção, uma medida para dar transparência aos atos do governo encontra-se parada há dois anos. Trata-se do anteprojeto de lei, assinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que prevê a abertura do inteiro teor dos dados do Siafi — Sistema Integrado de Administração Financeira ao público.

O Siafi acompanha e controla a execução orçamentária do governo federal. O acesso certos dados do sistema, atualmente, é restrito a alguns servidores da administração pública, por meio de senha pessoal.

Elaborada em 2003 e co-assinada pelo corregedor-geral da União Waldir Pires, a proposta encontra-se na assessoria jurídica da Casa Civil da Presidência da República, a quem cabe analisar o mérito, a constitucionalidade e a viabilidade jurídica de todos os pleitos a ela apresentados formalmente. Pelo que apurou a revista Consultor Jurídico, não há qualquer movimento na Casa Civil para encaminhar o projeto para votação.

De número 1.00.6500/2003-4, o processo não se encontra no sistema de protocolos e só é possível acessá-lo por meio de uma seção específica de pesquisa de processos. Ou seja, até agora ele não foi encaminhado a nenhum ministério do governo. Também não há qualquer informação sobre a proposta no Siafi ou no Ministério da Fazenda, órgão a que é ligado.

De acordo com o artigo 2º do projeto, as “informações constantes nos processos administrativos, nos expedientes oficiais e nos sistemas informatizados da administração pública federal são públicas, salvo aquelas que, por expressa determinação legal, sejam consideradas sigilosas”. No parágrafo 1º, dentre as informações listadas como integralmente públicas estão as que constam no Siafi.

A proposta não para por aí. No artigo 6º, o anteprojeto prevê que seis meses depois da publicação do decreto cada órgão ou entidade federal disponibilize aos interessados pelo menos uma estação eletrônica de consulta, com amplo acesso a seus sistemas de pesquisas de dados. Em outras palavras, a proposta não se limita a abrir os dados, mas determina o fornecimento dos meios necessários para o acesso do publico em geral.

A maior inovação da proposta, segundo o próprio anteprojeto, é colocar à disposição do público informações antes restritas a alguns servidores da administração. Na exposição de motivos para o projeto, ele vai mais adiante: “o primeiro momento é o simples e amplo acesso às informações constantes em documentos e sistemas eletrônicos da administração pública. Esse acesso há que ser feito de forma imotivada para que não haja qualquer coação à pretensão dos interessados e de forma a maximizar o universo de pretendentes”.

Leia a íntegra do anteprojeto

“MINUTA DE ANTEPROJETO DE DECRETO”

Dispõe sobre o controle social dos atos da Administração Pública Federal e dá outras providências.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 84, inciso IV, da Constituição Federal, e tendo em vista o disposto nos artigos 5º, incisos XXXIII, LXXIII e LXXVII, 37, caput, e 74, §2º, todos da Constituição Federal,

DECRETA:

Art. 1º O controle social dos atos de governo se dará mediante acesso dos cidadãos, partidos políticos, associações e sindicatos às informações da administração pública federal, direta e indireta, integrantes do Poder Executivo, e será regulado de acordo com o disposto neste Decreto.

Parágrafo único. O acesso às informações será efetuado de forma ampla e se destina, exclusivamente, à instrução de eventuais representações, denúncias ou ações judiciais, ficando condicionado o fornecimento de cópias de documentos à prévia protocolização desses expedientes.

Art. 2º As informações constantes nos processos administrativos, nos expedientes oficiais e nos sistemas informatizados da administração pública federal são públicas, salvo aquelas que, por expressa determinação legal, sejam consideradas sigilosas.

§1º São integralmente públicas as informações constantes :

I – no Sistema Integrado de Administração Financeira – SIAFI;

II – no Sistema Integrado de Administração de Recursos Humanos – SIAPE;

III – no Sistema Integrado de Administração de Serviços Gerais – SIASG;

IV – no Cadastro Informativo dos Créditos de Órgãos e Entidades Federais não Quitados – CADIN;

V – nos sistemas de controle de processos administrativos;

VI – nos sistemas que processam as folhas de pagamento de servidores ou funcionários públicos federais, de aposentados e pensionistas, e de ocupantes de funções e comissões públicas, do Poder Executivo;

VII – nos demais sistemas governamentais que registrem informações acerca da aplicação de recursos públicos e sobre o controle do patrimônio da administração pública.

§2º As bases de dados integrais do SIAFI dos exercícios financeiros encerrados serão disponibilizadas pelo Serviço Federal de Processamento de Dado (SERPRO) em meio magnético ótico – em formato compatível com os principais programas gerenciadores de banco de dados existentes no mercado – a quaisquer interessados, mediante recolhimento das respectivas custas ao Tesouro Nacional.

§3º A situação de sigilo só poderá obstar o acesso à informação pretendida mediante certidão motivada na qual constará, expressamente:

I – o fundamento legal que impõe o sigilo;

II – a informação pretendida pelo interessado;

III – o prazo que vigorará o sigilo;

IV – o nome e o cargo do servidor ou funcionário que atesta a situação de sigilo.

§4º Cabe recurso à autoridade ou órgão administrativo superior sobre a imposição de sigilo a que se refere o parágrafo anterior.

§5º O sigilo de parte da informação, presente em documento ou dado eletrônico, não pode obstar o acesso às demais informações de caráter público.

Art. 3º Os interessados devem comprovar perante o poder público sua legitimação jurídica para ter acesso às informações pretendidas – título eleitoral, no caso de cidadãos, e atos constitutivos ou registros civis, nos demais casos – ficando assegurada a prerrogativa de se fazer anotações e escritos em papel avulso.

Art. 4º Os meios de acesso às informações públicas dar-se-ão, gratuitamente, pela concessão aos interessados de vista documental ou de consulta a sistema eletrônico de dados, mediante requerimento por escrito do interessado, sem necessidade de qualquer motivação e no prazo máximo de 48 (quarenta e oito) horas.

§1º Salvo nos casos de sigilo, é obrigatório o deferimento do pedido constante do “caput” deste artigo que deverá ser acompanhado por servidor ou funcionário da administração pública.

§2º Será expedido, em duas vias, certificado que comprove o acesso do interessado à informação pública disponibilizada.

Art. 5º As cópias de autos de processos administrativos ou de expedientes oficiais, bem como a impressão de documentos a partir dos sistemas eletrônicos de dados, serão deferidas mediante requerimento administrativo específico a ser instruído com as seguintes informações e documentos:

I – identificação do interessado e de seu endereço para correspondência;

II – indicação do órgão ou entidade pública encarregado de processar a representação, a denúncia ou a ação judicial protocolizada;

III – a indicação do número do processo administrativo e das respectivas folhas pretendidas, da referência do expediente oficial ou das telas de vídeo ou dos arquivos eletrônicos pretendidos pelo interessado;

IV – comprovante de protocolização da representação, denúncia ou da ação judicial; e

V – certificado a que alude o §2º do art. 4º.

Parágrafo Único. Os documentos a que se refere o “caput” serão encaminhados diretamente aos órgãos ou entidades públicas responsáveis pelo processamento da representação, da denúncia ou da ação judicial, em prazo nunca superior a 30 (trinta) dias, devendo o interessado ser notificado sobre o envio.

Art. 6º No prazo de seis meses a contar da publicação deste Decreto, cada órgão ou entidade pública federal disponibilizará aos interessados pelo menos uma estação eletrônica de trabalho, exclusivamente em modo consulta, com amplo acesso a seus sistemas de pesquisa de dados.

Parágrafo único. Deverão ser disponibilizadas senhas de acesso, bem como manuais de operação dos sistemas de forma a possibilitar aos interessados a realização de pesquisas.

Art. 7º Aplica-se o disposto no presente decreto às informações constante nos órgãos e entidades públicas dos estados e municípios referentes à aplicação de recursos federais repassados, na forma de transferências voluntárias ou legais.

Art. 8º A infringência a qualquer dos dispositivos deste Decreto será apurada, mediante denúncia, por parte da Controladoria Geral da União, sujeitando seus infratores às penalidades administrativas, civis e penais previstas em lei.

Art. 9º Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação, revogando-se as disposições em contrário.

Brasília, de de 2003; 182o da Independência e 115o da República.

LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA

Francisco Waldir Pires de Souza

“EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS”

O controle social dos atos de governo é um dos mecanismos mais eficazes de fiscalização em face de eventuais irregularidades ou ilegalidades presentes na administração pública federal. No entanto, inexiste um diploma normativo que regulamente, de forma pormenorizada, esse tipo de controle de forma a torná-lo mais eficaz e eficiente.

A presente minuta de decreto se propõe a isso e tem como propósito o aumento da transparência dos atos governamentais por meio de ampla disponibilização de acesso às informações constantes em documentos e sistemas eletrônicos públicos, por parte de cidadãos, partidos políticos, associações e sindicatos.

Algumas inovações podem ser enumeradas:

– Equipara o acesso às informações públicas de quaisquer interessados aos servidores e funcionários encarregados das funções de controle;

– Quebra uma tradição antiga e inoportuna de que o acesso às informações públicas devem ser motivadas;

– Deixa claro que o sigilo de informações constantes na administração pública federal só pode ser oponível ao amplo acesso ao dado pretendido pelo interessado com a expressa indicação do dispositivo legal que assegure o sigilo;

– Enumera, de forma expressa, os sistemas eletrônicos de dados da

administração que são integralmente públicos;

– Disponibiliza inteiro teor dos arquivos de dados do Sistema Integrado de Administração Federal (SIAFI) ao público em geral, tornando-o completamente transparente;

– Estende aos órgãos da administração pública, das esferas estadual e municipal, a possibilidade de se realizar controle social sempre que recursos públicos originariamente federais sejam aplicados por estes entes;

– Impõe aos órgãos da administração pública federal a obrigatoriedade de se disponibilizar maquinário e recursos materiais para que quaisquer interessados tenham efetivo acesso às informações do poder público em geral.

Há um aspecto importante a ser assinalado na presente proposta: a clara definição de três momentos para a realização do controle social.

O primeiro momento é o simples e amplo acesso às informações constantes em documentos e sistemas eletrônicos da administração pública. Esse acesso há que ser feito de forma imotivada para que não haja qualquer coação à pretensão dos interessados e de forma a maximizar o universo de pretendentes.

No segundo momento, de posse dos dados obtidos no primeiro momento – que configurem indícios de ilegalidades ou irregularidades – os interessados representam, denunciam ou ajuízam perante os órgãos competentes.

E, finalmente, somente no terceiro momento, é que a administração pública fica obrigada a encaminhar diretamente àqueles órgãos os documentos que comprovam o objeto da representação, denúncia ou ação judicial cabíveis.

Esse procedimento visa a garantir a seriedade do controle social, disponibilizando a informação documental só depois que for devidamente e formalizada a notícia da irregularidade ou ilegalidade constatado segundo o convencimento dos próprios interessados, evitando eventuais ocorrências de má-fé.

São essas, em síntese, os motivos que devem acompanhar a presente minuta de decreto, salientando-se que a mesma representa significativo avanço quanto à transparência dos atos governamentais e quanto à possibilidade ampliação do controle social que se deseja.

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