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Testemunha em ação pode ter sigilo bancário quebrado

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6 de julho de 2005, 11h23

As testemunhas da ação podem ter seus sigilos quebrados. O entendimento é o de que a testemunha é considerada sujeito do processo e, por isso, se submete ao princípio de probidade processual e deve colaborar com o Poder Judiciário, como consta no artigo 14 do Código de Processo Civil.

A decisão foi tomada pela Seção Especializada em Dissídios Individuais do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo, que autorizou a quebra do sigilo bancário de duas testemunhas.

Um ex-empregado da Pró Home Comércio de Madeiras Ferragens e Utensílios entrou com processo na 34ª Vara do Trabalho de São Paulo pedindo pagamento de verbas devidas. Alegou que parte de sua remuneração era recebida “por fora”, pediu a incorporação desse valor ao salário e apresentou documentos de duas testemunhas que comprovariam isso. Com base no documento, o juiz da vara determinou a expedição de ofício ao Unibanco, ordenando a quebra do sigilo bancário das testemunhas, e solicitou informações sobre depósitos eventualmente existentes em suas contas-correntes.

As testemunhas ingressaram com Mandado de Segurança no TRT de São Paulo. Elas sustentaram que a quebra de sigilo bancário seria “completamente descabida e sem qualquer amparo legal”, acrescentando que “o conhecimento de quaisquer dados particulares seus, eventualmente fornecidos pelo banco, em nada vai ajudar ou mesmo se relacionar com as questões discutidas nos autos”.

De acordo com a juíza Vânia Paranhos, relatora do Mandado de Segurança no tribunal, outra testemunha na ação confirmou que “os pagamentos eram realizados por meio de cheques, sendo que o salário ‘por fora’ era pago da mesma forma, no mesmo dia do pagamento oficial e em valor coincidente”. Segundo a relatora, como os depoimentos das testemunhas no processo divergiam, “não houve nenhuma ilegalidade ou abusividade na determinação da quebra de sigilo bancário”.

Para ela, a determinação da 34ª Vara do Trabalho foi “pautada pela observância das cautelas legais e no interesse das partes, decorrente da liberdade de que dispõe o Juiz na condução do processo, nos termos do artigo 765, da Consolidação das Leis do Trabalho, mesmo porque a ninguém é dado eximir-se de colaborar com o Poder Judiciário, nos termos do artigo 339, do Código de Processo Civil”.

Por maioria, o tribunal manteve a quebra do sigilo bancário das testemunhas.

MS 11849.2004.000.02.00-0

Leia a Íntegra da decisão:

PROCESSO TRT/SP SDI 11849200400002000 (1849/2004-0)

MANDADO DE SEGURANÇA

IMPETRANTE: ALZENIR MARIA DOS SANTOS E FRANCISCA LEITÃO CARTAXO

IMPETRADO: ATO DO EXMº. SR. JUIZ DA MM. 34ª. VARA DO

TRABALHO DE SÃO PAULO

LITISCONSORTE: SÉRGIO RICARDO DA CRUZ

EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA. QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO DAS TESTEMUNHAS. INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO LEGAL. SEGURANÇA A QUE SE DENEGA. Embora aleguem as impetrantes que o ato emanado da D. Autoridade impetrada que determinou a quebra de sigilo bancário de suas contas-correntes tenha sido ilegal e arbitrário, uma vez que apenas foram ouvidas no processo como testemunhas da reclamada, não tendo participado da relação processual como partes no processo, entendo que a diligência adotada pelo MM. Juízo não merece qualquer reparo. E isso porque, tendo em vista os esclarecimentos prestados em audiência pelo informante do Juízo, no sentido de que era uma praxe na empresa o pagamento “extra-folha”, com o correspondente depósito nas respectivas contas dos funcionários e na mesma data do pagamento da folha oficial, a D. Autoridade impetrada buscou apurar a verdade de tais afirmações. Deve ser ressaltado que esta providência encontra-se em conformidade com o princípio da primazia da realidade, que informa o direito do trabalho, e com os princípios da proteção e da finalidade social, que se harmonizam e permitem que o Juiz, na busca de uma solução justa possa adotar uma atuação mais ativa no auxílio do trabalhador, sendo certo que o disposto no artigo 5.º do Decreto-lei n.º 4.657, de 4 de setembro de 1942 (Lei de Introdução ao Código Civil), permite que o Juiz, na aplicação da lei, possa corrigir uma injustiça. Assim, inexiste qualquer ilegalidade ou abusividade na determinação da quebra de sigilo bancário, uma vez que as testemunhas embora não sejam formalmente partes na relação processual, são consideradas sujeitos do processo, e, portanto, não podem se eximir de observar o princípio da probidade processual insculpido no artigo 14 do Código de Processo Civil, e tampouco de colaborar com o Poder Judiciário, nos termos do artigo 339, do Código de Processo Civil. Por outro lado, se essa diligência trará ou não algum benefício ao processo, somente a D. Autoridade impetrada poderá concluir após a verificação dos dados então solicitados, pelo que incensurável o ato praticado. Segurança a que se denega.


ALZENIR MARIA DOS SANTOS E FRANCISCA LEITÃO CARTAXO impetram o presente mandamus, com pedido de liminar, contra ato praticado pelo Exmº. Sr. Juiz da MM. 34.ª Vara do Trabalho de São Paulo, nos do processo n.º 2921/2003, em que contendem SÉRGIO RICARDO DA CRUZ e PRÓ HOME COMÉRCIO DE MADEIRAS FERRAGENS E UTENSÍLIOS LTDA.

Alegam as impetrantes que, nos autos acima mencionados, por ocasião da audiência em que foram ouvidas como testemunhas da empresa reclamada, finalizados os depoimentos, o advogado do reclamante, ora litisconsorte passivo necessário, requereu a juntada de um documento, que supostamente comprovaria a existência de valores pagos “extra-folha”, o que foi deferido pela D. Autoridade impetrada. Aduzem que o MM. Juízo impetrado, com fundamento no referido documento juntado pelo reclamante, determinou a expedição de ofício ao Banco Unibanco ordenando a quebra do sigilo bancário das testemunhas, ora impetrantes, e solicitando informações sobre depósitos eventualmente existentes em suas contas-correntes.

Asseveram que a quebra de sigilo bancário carece de amparo legal, uma vez que foram apenas ouvidas como testemunhas, não fazendo parte do referido processo, no qual não podem sequer defender-se e nem mesmo manifestar-se. Mencionam, também, que prestaram juramento e foram inquiridas pela D. Autoridade impetrada, inclusive quanto a alegada questão controversa sobre pagamentos “extra-folha” ao reclamante, sendo que ambas responderam que não recebiam salário por essa modalidade e não sabiam se o reclamante recebia ou não esse tipo de pagamento. Nessa conformidade, revela-se completamente descabida e sem qualquer amparo legal a quebra de sigilo das impetrantes, não apenas pelo fato de não serem parte no processo, como também em razão de restar incontroversa a questão relacionada ao não conhecimento de ambas sobre o salário pago “extra-folha” ao reclamante, mesmo porque o conhecimento de quaisquer dados particulares eventualmente fornecidos pelo Banco em nada vai ajudar ou mesmo se relacionar com as questões discutidas nos autos. Sustentam que o ato emanado da D. Autoridade impetrada fere direito líquido e certo delas, razão pela qual pretendem a concessão de liminar e, a final, a segurança definitiva, para que seja determinada a suspensão da expedição do ofício determinando a quebra do sigilo bancário das impetrantes ou, caso haja sido expedido, que o mesmo seja cancelado.

Juntaram procurações a fls. 7/8 e documentos a fls. 9/15.

Não concedida a liminar, nos termos do despacho de fls. 19.

Manifestação das impetrantes a fls. 20/21.

Manifestação do litisconsorte passivo necessário a fls. 25/27. Juntou procuração a fls. 28 e documentos a fls. 29/30.

Informações da D. Autoridade impetrada a fls. 32.

Parecer do D. Ministério Público do Trabalho a fls. 35/36, opinando pela concessão da segurança.

É o relatório.

V O T O

Insurgem-se as impetrantes contra ato praticado pela D. Autoridade impetrada, nos autos da reclamação trabalhista ajuizada perante a MM. 34.ª Vara do Trabalho de São Paulo, sob n.º 2921/2003. Alegam que, nos mencionados autos, por ocasião da audiência em que foram ouvidas como testemunhas da empresa reclamada, finalizados os depoimentos, o advogado do reclamante, ora litisconsorte passivo necessário, requereu a juntada de um documento, que supostamente comprovaria a existência de valores pagos “extra-folha”. Aduzem que o MM. Juízo impetrado, com base nesse documento determinou a expedição de ofício ao Banco Unibanco, ordenando a quebra do sigilo bancário das testemunhas, ora impetrantes, e solicitando informações sobre depósitos eventualmente existentes em suas contas-correntes.

Sustentam que a quebra de sigilo bancário revela-se completamente descabida e sem qualquer amparo legal, sendo certo que o conhecimento de quaisquer dados particulares seus, eventualmente fornecidos pelo Banco, em nada vai ajudar ou mesmo se relacionar com as questões discutidas nos autos, razão pela qual pleiteiam seja determinada a suspensão da expedição do ofício determinando a quebra do sigilo bancário ou, caso haja sido expedido, que o mesmo seja cancelado.

Ora, in casu, inexiste direito líquido e certo a ser tutelado pela via do Mandado de Segurança, conclusão que se depreende da simples análise das informações prestadas pela D. Autoridade impetrada a fls. 32, bem como dos elementos constantes dos autos.

Com efeito, o ilustre patrono do reclamante, ora litisconsorte passivo necessário, requereu em audiência a expedição de ofício ao Banco Unibanco para que informasse o destino do cheque no valor de R$ 5.832,89, emitido em 20 de dezembro de 2000, de titularidade de PRÓ HOME COMÉRCIO DE MADEIRAS FERRAGENS E UTENSÍLIOS LTDA, tendo sido indeferido seu pedido pela D. Autoridade impetrada, em razão dos esclarecimentos prestados pelo informante do Juízo quanto ao saque do cheque e posterior distribuição às respectivas contas.


O MM. Juízo impetrado determinou, então, a expedição de ofícios ao Banco Unibanco para que informasse os depósitos havidos em dezembro de 2000 nas contas bancárias n.º 131835-4 e 131637-4, respectivamente em nome de Alzenir Maria dos Santos e Francisca Leitão Cartaxo.

Quando da audiência para depoimento das partes e suas testemunhas, realizada aos 20 de maio de 2004, consoante documento juntado a fls. 11/14, foi esclarecido pelo Sr. Fabiano Conde Salomão, na qualidade de informante (fls. 12), que trabalhou para a reclamada de 4 de dezembro de 1995 a 4 de março de 2002, sendo que no setor de recursos humanos laborou por quase um ano ocupando o cargo de analista, época em que os pagamentos eram realizados por meio de cheques, sendo que o salário “por fora” era pago da mesma forma, no mesmo dia do pagamento oficial e em valor coincidente. Informou, ainda, que até o ano de 2001, todos os empregados, exceto os vendedores, recebiam salário “por fora”, como era de praxe na empresa, sendo que o mesmo era encarregado de sacar um cheque no valor total do salário “por fora” e depois proceder à divisão e depósito nas respectivas contas-correntes dos empregados.

Como pode-se concluir, inexiste a violação apontada pelas impetrantes, uma vez que o MM. Juízo impetrado ante os esclarecimentos prestados pelo informante, acima mencionados, buscou apurar a verdade de tais afirmações, em conformidade com o princípio da primazia da realidade, que informa o direito do trabalho, e com os princípios da proteção e da finalidade social, que se harmonizam e permitem que o Juiz, na busca de uma solução justa possa adotar uma atuação mais ativa no auxílio do trabalhador, devendo ser ressaltado, ainda, que o disposto no artigo 5.º do Decreto-lei n.º 4.657, de 4 de setembro de 1942 (Lei de Introdução ao Código Civil), permite que o Juiz, na aplicação da lei, possa corrigir uma injustiça.

Assim, tendo em vista que a afirmativa das testemunhas no sentido de que não recebiam pagamento “extra-folha” divergia do depoimento colhido do informante que afirmou que o pagamento “por fora” era de praxe na empresa, entendo que não houve nenhuma ilegalidade ou abusividade na determinação da quebra de sigilo bancário. E isso porque, as testemunhas embora não sejam formalmente partes na relação processual, são consideradas sujeitos do processo, pelo que não podem se eximir de observar o princípio da probidade processual insculpido no artigo 14 do Código de Processo Civil, in verbis:

“Art. 14. São deveres das partes e de todos aqueles que de qualquer forma participam do processo:

I – expor os fatos em juízo conforme a verdade;

II – proceder com lealdade e boa-fé;

III – não formular pretensões, nem alegar defesa, cientes de que são destituídos de fundamento;

IV – não produzir provas, nem praticar atos inúteis ou desnecessários à declaração ou defesa do direito;

V – cumprir com exatidão os provimentos mandamentais e não criar embaraços à efetivação de provimentos judiciais, de natureza antecipatória ou final. (…)”

De ser citada a doutrina de Carlos Henrique Bezerra Leite na obra “Curso de Direito Processual do Trabalho”, São Paulo, LTr, 2003, p. 253, nesse sentido:

“A ética processual deve ser observada não apenas pelos sujeitos da lide (partes) como também pelos sujeitos do processo (juiz, advogado, membro do Ministério Público, peritos, testemunhas, servidores públicos etc.)”

Como se pode perceber, o ato emanado da D. Autoridade impetrada trata-se de uma providência pautada pela observância das cautelas legais e no interesse das partes, decorrente da liberdade de que dispõe o Juiz na condução do processo, nos termos do artigo 765, da Consolidação das Leis do Trabalho, mesmo porque a ninguém é dado eximir-se de colaborar com o Poder Judiciário, nos termos do artigo 339, do Código de Processo Civil.

Por outro lado, se tal diligência trará ou não algum benefício ao processo, somente a D. Autoridade impetrada poderá concluir após a verificação dos dados então solicitados.

Ademais, não se pode olvidar que é o juiz quem dirige o processo, cabendo-lhe, com base no seu livre convencimento acerca dos fatos apresentados, indeferir as providências inúteis e determinar aquelas que entender necessárias para a solução do litígio, pelo que a diligência adotada in casu em hipótese alguma configurou qualquer arbitrariedade, mas tão-somente um juízo de valor diante do caso concreto.

Destarte, o ato judicial que determinou a expedição de ofícios ao Banco Unibanco para que informasse os depósitos havidos em dezembro de 2000 nas contas bancárias em nome de Alzenir Maria dos Santos e Francisca Leitão Cartaxo, na qualidade de testemunhas, não configura qualquer ofensa a direito líquido e certo das impetrantes, pelo que, não tendo as mesmas logrado demonstrar a relevância dos fundamentos da ação, nem o justificado receio da ineficácia do provimento jurisdicional pretendido, a denegação da segurança é medida que se impõe.

Pelo exposto, denego a segurança, nos termos da fundamentação supra.

Custas pelas impetrantes calculadas sobre o valor atribuído à causa de R$ 1.000,00 (mil reais), no importe de R$ 20,00 (vinte reais).

VANIA PARANHOS

Juíza Relatora

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