Nova jurisprudência

Supremo Tribunal define terrorismo como crime comum

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6 de julho de 2005, 13h36

O Diário Oficial publicou na sexta-feira (1º/7) o acórdão do julgamento que definiu o terrorismo como crime comum no Brasil. A mesma decisão marcou outra mudança importante no entendimento do Supremo Tribunal Federal: o país só pode extraditar cidadãos de outros países que acatem a regra brasileira de impor, como pena máxima, 30 anos de prisão.

O caso concreto que ofereceu o contexto para as decisões foi o julgamento do pedido de extradição do seqüestrador do publicitário Washington Olivetto, o chileno Maurício Hernández Norambuena.

O relator do caso, ministro Celso de Mello afastou a hipótese de motivação política dos crimes cometidos por Norambuena e determinou que o terrorista não desfruta da proteção assegurada pela Constituição brasileira a presos políticos, que não podem ser extraditados para seus países de origem.

O STF concedera o pedido, condicionado à concordância por parte do Chile em comutar as duas penas de prisão perpétua a que Norambuena lá foi condenado, em pena de prisão de, no máximo 30 anos, conforme vedação constitucional de prisão perpétua no Brasil.

Assim, o Brasil passa a condicionar o país que solicitou a deportação, a que respeite a pena máxima de 30 anos conforme determina a Constituição brasileira. Até agora, essa limitação, que só era imposta para casos de pena de morte e pena de detenção com trabalhos forçados, terá de comutar a pena também no caso de prisão perpétua.

Esse entendimento significou uma mudança na jurisprudência que vigorava desde 1985, quando o Plenário negou a comutação da pena a um extraditando. Até agora apenas os ministros Celso de Mello, Marco Aurélio, Sepúlveda Pertence, Néri da Silveira comungavam desse pensamento. Com a renovação de ministros no atual governo, o placar mudou e apenas os ministros Nelson Jobim e Carlos Velloso ficaram contra.

A decisão final do caso coube ao presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, que determinou que Norambuena só sai do Brasil depois que cumprir aqui a pena a que foi condenado.

Leia a Ementa, o Acórdão, o Relatório e o Voto condutor da lavra do ministro Celso de Mello

26/08/2004 — TRIBUNAL PLENO

EXTRADIÇÃO 855-2 REPÚBLICA DO CHILE

RELATOR : MIN. CELSO DE MELLO

REQUERENTE : GOVERNO DO CHILE

ADVOGADO(A/S) : MANOEL FRANCISCO CLAVERY GUIDO E OUTROS

EXTRADITANDO : MAURICIO FERNANDEZ NORAMBUENA OU MAURICIO FERNÁNDEZ NORAMBUENA OU MAURICIO HERNÁNDEZ NORAMBUENA OU MAURICIO HERNANDEZ NORAMBUENA

ADVOGADO(A/S) : JAIME ALEJANDRO MOTTA SALAZAR

R E L A T Ó R I O

O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO — (Relator): A República do Chile, com fundamento em tratado bilateral de extradição, celebrado em 1935 e incorporado ao ordenamento jurídico brasileiro, mediante promulgação executiva (Decreto nº 1.888/37), postula, por intermédio de Nota Verbal (fls. 4/5), a entrega, ao Estado requerente, de Maurício Fernandez Norambuena, ou Maurício Fernández Norambuena, ou Maurício Hernández Norambuena, ou Maurício Hernandez Norambuena, súdito chileno, que foi condenado, naquele País, a 2 (duas) penas de prisão perpétua, pela prática dos crimes de homicídio, de formação de quadrilha armada e de extorsão mediante seqüestro, todos eles qualificados como atos delituosos de caráter terrorista.

A prisão cautelar de Maurício Fernandez Norambuena – que também foi condenado pela Justiça do Estado de São Paulo à pena de 30 (trinta) anos de reclusão, pela prática dos crimes de extorsão mediante seqüestro, de formação de quadrilha e de tortura (fls. 652/678 e 680/684) — foi por mim decretada nestes autos (fls. 471/473).

O ora extraditando – atualmente recolhido ao sistema prisional paulista (Centro de Reabilitação Penitenciária de Presidente Bernardes/SP) — foi interrogado, naquela comarca, por magistrado estadual de primeira instância (fls. 519/520), a quem deleguei a prática desse ato processual (fls. 495).

O súdito estrangeiro em questão, quando de seu interrogatório judicial, após haver informado que possuía defensor regularmente constituído, respondeu que deseja retornar ao seu País e submeter-se à autoridade do Poder Judiciário chileno, havendo esclarecido, ainda, que não foi julgado por Tribunal de exceção, tendo-lhe sido asseguradas as prerrogativas do contraditório e da ampla defesa, que exerceu mediante advogado próprio, sendo certo, finalmente, que os procedimentos criminais de que resultaram as 2 (duas) penas de prisão perpétua não transcorreram à sua revelia, pois não foi julgado “in absentia” (fls. 519/520).


O extraditando, ao oferecer a pertinente peça de defesa, subscrita por Advogado por ele regularmente constituído (fls. 497/498), propugnou pelo deferimento deste pedido extradicional, com a imediata efetivação de sua entrega pessoal à República do Chile, com prejuízo da condenação penal imposta pelo Poder Judiciário brasileiro, assim fundamentando, em seus aspectos essenciais, o pleito em questão (fls. 523/537):

“(…) o requerido manifestou desejo de ser extraditado, entendendo que há possibilidade de obter algum benefício para atenuar a pena que lhe foi imposta (duas prisões perpétuas).

Ao ser questionado sobre os processamentos dos feitos que redundaram em suas condenações, o requerido respondeu que fora julgado e processado por um órgão ordinário do Poder Judiciário Chileno; que teve direito ao contraditório e ampla defesa, assim como à assistência de um advogado.

……………………………………………

Quanto à natureza dos delitos pelos quais foi condenado, o requerido respondeu que essa qualificação fora dada pelos órgãos judicantes do Poder Judiciário Chileno.

……………………………………………

Considerando as respostas aos quesitos formulados por Vossa Excelência, fls. 432/441 (tradução oficial) e 446/451 (original), o teor do interrogatório, bem como o Vosso despacho de fls. 471/73, entendemos que não há óbice ao provimento do pedido de extradição. Senão vejamos:

• Os crimes foram definidos como crimes comuns pela justiça chilena, portanto não foram considerados delitos políticos ou de opinião;

• Os crimes têm pena superior a um ano;

• As penas não estão prescritas;

• O extraditando teve direito ao contraditório e ampla defesa;

• O tribunal que julgou o requerido não foi um tribunal de exceção;

• O tribunal que o julgou está inserto no ordenamento jurídico chileno, bem como na estrutura do poder judiciário daquele país;

• A pena de prisão perpétua, como assinalado por Vossa Excelência, considerando a jurisprudência predominante hoje nessa E. Corte, não constitui óbice ao presente pedido;

• A legislação aplicada ao caso continua em vigência no Chile;

O requerido, em seu interrogatório, manifestou o desejo de ser extraditado.

Portanto, em nosso entender, a extradição deve ser julgada procedente para determinar-se a entrega do requerido ao estado requerente.

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(…)embora a condenação do extraditando seja a duas penas de prisão perpétua no estado requerente, vale salientar que, após cumprir determinado quantum, poderá usufruir benefícios, conforme ele mesmo, requerido, declinou. Entretanto, se o extraditando tiver que cumprir a pena imposta no Brasil, integralmente, aí, sim, terá que descontar pena pelo resto de sua vida.

Saliente-se que o crime praticado no Brasil é hediondo, assim definido pela Lei 8.072/90. Tal legislação determina o cumprimento da pena em regime integralmente fechado.

Por outro lado, embora em primeira instância, pela MM juíza da 19ª Vara Criminal do Foro Central da Comarca de São Paulo/SP, o extraditando tenha sido condenado à pena de 16 anos de reclusão, deve ser salientado que o feito encontra-se em grau de recurso, interposto tanto pela acusação quanto pelo extraditando, que, aliás, foi réu confesso. É bem provável que o E. Tribunal de Justiça de São Paulo dê provimento ao recurso ministerial para aumentar a pena e reconhecer a vigência da Lei 8.072/90, o que não foi feito pela juíza ‘a quo’.

Pois bem, considerando que a pena deve ser sensivelmente majorada pelo E. Tribunal de Justiça de SP e que o extraditando tem pena de prisão perpétua – com possibilidade de benefício – a descontar no estado requerente, temos que a entrega do extraditando deve ser de imediato, ou quando muito, ao término do processo-crime a que responde no Brasil.

Demais disso, cabe observar que o extraditando já conta com 45 anos de idade.

O ordenamento constitucional brasileiro proíbe o apenamento perpétuo, inteligência do artigo 5º, XLVII, ‘b’. Ademais, conforme disposição do artigo 75, ‘caput’ e seus parágrafos, do Código Penal Brasileiro, o limite de cumprimento de penas no Brasil é de 30 anos.

Destarte, em razão dos dispositivos acima mencionados, a entrega do extraditando dever se dar imediatamente, ou, quando muito, após o deslinde do processo-crime a que responde no Brasil, pois caso contrário o extraditando cumprirá pena muito maior do que aquela admitida pelo ordenamento jurídico vigente no Brasil.

Face ao exposto, requer seja deferido o presente pedido de extradição, determinando-se a entrega imediata do extraditando ao estado requerente, nos termos do artigo 90 da Lei 6.815/80. Entretanto, caso diverso seja o Vosso entendimento, requer seja deferido o pedido deduzido para que a entrega do requerido ocorra após o deslinde do processo crime que responde no Brasil, consoante disposição do artigo 89 da Lei 6.815/80.” (grifei)


O eminente Procurador-Geral da República, por sua vez, ofereceu parecer cujo conteúdo assim se acha ementado (fls. 552):

Extradição executória. Condenação pelos delitos de homicídio, seqüestro e associação ilícita terrorista.

1. Pedido que atende os requisitos estabelecidos no Tratado de Extradição celebrado entre o Brasil e o Chile.

2. Não-caracterização de crimes políticos.

3. Mesmo que se trate de crimes políticos, incide o presente caso nas exceções estatuídas nos §§ 1º a 3º do art. 77 do Estatuto dos Estrangeiros.

4. Parecer pela concessão do pedido de extradição, devendo o Estado requerente assumir o compromisso formal de comutar, em pena não superior a 30 (trinta anos), a pena perpétua que fora condenado o ora extraditando, e, ainda, ressaltando que caberá ao Presidente da República decidir sobre a imediata efetivação, ou não, da ordem extradicional.” (grifei)

O Estado requerente, de outro lado, por intermédio de seus Advogados, postulou o deferimento do presente pedido de extradição, nos seguintes termos (fls. 601/607):

Com efeito, verifica-se dos autos que o pedido de extradição realizado pela República do Chile reúne todos os requisitos, condições e documentos exigidos pela Lei 6.815/80, bem como pelo Tratado de Extradição firmado entre a República do Chile e a República Federativa do Brasil (Decreto nº 1888, de 17 de agosto de 1937), havendo indicações seguras sobre o local, data, natureza e circunstâncias dos fatos delituosos (fls. 4/354 e 430/452).

Resta, ainda, evidenciada nos autos a competência da República do Chile para processar e julgar o crime praticado pelo extraditando, que é súdito chileno e naquele país cometeu os delitos dos quais fora condenado.

Verifica-se que o extraditando foi julgado e condenado pelos Tribunais Ordinários de Justiça da República do Chile, instaurados desde as origens da fundação da República que integram o Poder Judiciário e que, em conformidade com a Constituição Política da República do Chile e o Código Orgânico dos Tribunais, possuem com exclusividade a faculdade de conhecer das causas civis e criminais, de julgá-las e de fazer executar o julgado sobre todos os assuntos judiciais que se promovam na ordem temporal dentro do território da República do Chile, qualquer que seja a sua natureza ou a qualidade das pessoas que nelas intervenham. (…).

Desta forma, correto é afirmar que o ora extraditando foi condenado por autoridade judicial legalmente investida no cargo, não se tratando, portanto, de tribunal de exceção.

Observar-se, ainda, que foi assegurado ao extraditando o amplo direito de defesa e do contraditório, com acompanhamento de advogado durante toda a instrução criminal. Ademais, o ora extraditando esteve presente no juízo e foi notificado de todos os atos pertinentes ao processo desde o momento da sua detenção, ocorrida em 5 de agosto de 1993, até a sentença condenatória que transitou em julgado em 15 de abril de 1994, o que restou confirmado pelo próprio extraditando em interrogatório de fls. 519/520.

Verifica-se a inocorrência de prescrição para o caso concreto em ambas as legislações chilenas e brasileiras, tendo em vista: (i) que a prescrição executória no direito chileno é fixada em 15 (quinze) anos para o caso de condenação à prisão perpétua, começando a contar a partir da fuga do preso (artigos 97 e 98, do Código Penal Chileno) – neste caso a partir de 31 de dezembro de 1996; e (ii) que a prescrição da pretensão executória no direito brasileiro é fixada em no máximo 20 (vinte) anos, contada também a partir da data da evasão do preso (artigos 109, I, e 112, do Código Penal Brasileiro). Portanto, não há que se sustentar a incidência da prescrição da pretensão executória para o presente caso.

Ressalta-se que os crimes praticados pelo extraditando não incidem nas restrições estabelecidas pela lei brasileira (artigo 77, VII, da Lei 6.815/80) e pelo Tratado de Extradição celebrado entre o Brasil e o Chile (Artigo V), restando cumprida a exigência de dupla tipicidade para o pedido extradicional, uma vez que os fatos atribuídos ao executado revestem-se de tipicidade penal na República do Chile como delitos contra a segurança do Estado, e, no Brasil, nas figuras típicas do Código Penal Brasileiro de homicídio (artigo 121) e extorsão mediante seqüestro (artigo 159).

……………………………………………

Mesmo que se considere ter havido a ocorrência de crimes políticos, deve-se evocar as exceções estatuídas no artigo 77, parágrafos 1º e 3º, da Lei 6.815/80, que impõem, respectivamente: (i) observar que não impede a extradição quando o fato constituir, principalmente, infração de lei penal comum, ou quando o crime comum, conexo ao delito político, constituir o fato principal (tal regra também é acolhida pelo Tratado de Extradição firmado entre a República do Chile e a República Federativa do Brasil, em seu artigo V); e (ii) que o Egrégio Supremo Tribunal Federal poderá deixar de considerar crimes políticos os atentados aos Chefes de Estado ou quaisquer autoridades, bem assim os atos de anarquismo, terrorismo, sabotagem, seqüestro de pessoa, ou que importem propaganda de guerra ou de processos violentos para subverter a ordem política ou social.

Outro requisito para o pleito extradicional devidamente observado no pedido realizado pelo Estado requerente é o da pena mínima, pois a lei brasileira não comina aos crimes cometidos pelo extraditando uma pena igual ou inferior a um ano de prisão.

No que se refere a eventual exigência do compromisso formal do Estado requerente para a realização da extradição, especificamente no que concerne à comutação da pena de prisão perpétua em pena privativa de liberdade pelo prazo máximo de 30 (trinta) anos, cumpre observar que este Egrégio Tribunal, por diversos momentos, acirrou intenso debate sobre o assunto.

Porém, a partir do julgamento da extradição de nº 426, de 1985, o Egrégio Supremo Tribunal Federal norteou suas decisões no sentido de que improcede a alegação de ressalva para comutação da pena quando esta for de caráter perpétuo, pois a legislação não prevê esta alteração da pena como um dos pressupostos para a entrega do extraditando (RTJ 115/969 158/407).

Portanto, não deve prosperar a observação realizada pelo ilustre Procurador Geral da República às fls. 552/562, o qual opina pela formalização, por parte da República do Chile, de compromisso de comutar em pena não superior a 30 (trinta) anos à pena perpétua que fora condenado o ora extraditando para a concessão da extradição.

No que tange ao Acordo de Extradição celebrado entre os Estados Partes do Mercosul, a República da Bolívia e a República do Chile (1998), observa-se que tal diploma foi aprovado pelo Congresso Nacional por meio do Decreto Legislativo nº 35, de 11 de abril de 2002, e dispõe que ‘o Estado Parte requerente não aplicará ao extraditando, em nenhum caso, a pena de morte ou a pena perpétua privativa de liberdade’ (artigo XIII, 1), impondo-se, em tal hipótese, ao Estado Parte, para conseguir a extradição, que assuma o compromisso formal de comutar, em pena temporária (não superior a trinta anos, no caso do Brasil), a sanção revestida da nota da perpetuidade (artigo XIII, 2).

Impõe-se, contudo, o esclarecimento de que o referido Acordo não foi ratificado pelo Presidente da Republica até a presente data. Ora, deve-se observar que a edição do decreto legislativo (DL nº 35/2002), aprovando o Acordo, não contém uma ordem de execução do Acordo no território nacional, uma vez que somente ao Presidente da República cabe decidir sobre sua ratificação (artigo 84, da Constituição Federal). Com efeito, somente com a promulgação do Acordo através de decreto do Chefe do Executivo receberá este ato normativo a ordem de execução, passando, assim, a ser aplicado de forma geral e obrigatória.

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Cumpre, ainda, ressaltar que o Acordo em comento também não foi devidamente ratificado pela República do Chile, sendo certo que sequer foi dado início ao processo legislativo para sua aprovação no Congresso Nacional. Ou seja, referido Acordo não pode ser considerado norma válida, vigente e eficaz nem no Brasil, tal como acima aduzido, tampouco na República do Chile.

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Portanto, não deve prosperar uma eventual exigência de compromisso formal da República do Chile para comutar, em pena não superior a 30 (trinta) anos, à pena perpétua que fora condenado o extraditando, uma vez que não há base legal a sustentar tal exigência, tendo em vista que o Acordo de Extradição celebrado em 1998, entre os Estados Partes do Mercosul, a República da Bolívia e a República do Chile não foi devidamente promulgado, através de Decreto, pelo Presidente da República.

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No que se refere ao processo criminal do qual responde o extraditando perante a justiça brasileira por extorsão mediante seqüestro do empresário Washington Luiz Olivetto (fls. 372/414), cumpre esclarecer que, no dia 13 de novembro de 2003, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo julgou a apelação criminal nº 397.278-3/0-00, em que restou exasperada a reprimenda fixada no primeiro grau de jurisdição para o crime de extorsão mediante seqüestro, e, em concurso material, condenou o extraditando e outros acusados nos crimes de bando ou quadrilha (artigo 8º da Lei nº 8.072/90) e de tortura (artigo 1º, I, ‘a’, II, da Lei nº 9.544/97), fixando as penas no total de 30 (trinta) anos de reclusão (cópia anexa – Documento 01).

Nesse sentido, considerando a decisão referida no item 27 acima, condenando o extraditando à pena de 30 (trinta) anos de reclusão, caberá ao Presidente da República avaliar a conveniência de executar ou não o processo judicial e decidir de acordo com o que dispõem os artigos 89 e 67, da Lei nº 6.815/80.” (grifei)


Cumpre registrar, ainda, por necessário, que o ora extraditando foi condenado, pelo E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, à pena de 30 (trinta) anos de reclusão, por incurso nos arts. 158, § 2º e 288 do Código Penal, e art. 1º, incisos I, “a” e II da Lei nº 9.544/97, que qualificam os delitos de extorsão mediante seqüestro, de formação de quadrilha ou bando e de tortura (fls. 652/678).

Cabe assinalar, finalmente, que a referida condenação já transitou em julgado (fls. 650/651).

É o relatório.

V O T O

O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO — (Relator): Trata-se de pedido extradicional, de caráter executório, que objetiva a entrega, à República do Chile, de Maurício Fernandez Norambuena, ou Maurício Fernández Norambuena, ou Maurício Hernández Norambuena, ou Maurício Hernandez Norambuena, que foi condenado, naquele País, a 2 (duas) penas de prisão perpétua, pela prática dos crimes de homicídio, de associação ilícita e de extorsão mediante seqüestro, todos eles qualificados como atos delituosos de caráter terrorista.

O pedido extradicional reveste-se de base jurídica. Fundamenta-se na existência de tratado de extradição celebrado pelo Estado requerente com a República Federativa do Brasil (Decreto nº 1.888/37). O tratado em questão confere pleno suporte jurídico à ação extradicional ora promovida pela República do Chile. Acha-se satisfeito, portanto, um dos pressupostos essenciais inerentes à apreciação do pedido de extradição.

Os fatos delituosos ensejadores da formulação deste pleito extradicional, por sua vez, submetem-se à competência penal exclusiva da Justiça do Estado requerente, a quem incumbe, sem o concurso da jurisdição dos tribunais brasileiros, processar e julgar o extraditando.

De outro lado, e no que concerne à prescrição penal pertinente aos crimes imputados ao ora extraditando, cabe esclarecer, referentemente a tais delitos, que ainda não se verificou, quanto a eles, a prescrição penal, quer segundo a lei chilena, quer conforme o direito brasileiro.

A prescrição penal correspondente aos delitos ensejadores deste pedido extradicional consuma-se, no Brasil, “in abstracto”, em 20 (vinte) anos, no que se refere aos delitos de homicídio doloso (CP, art. 109, I, c/c o art. 121, “caput” e § 2º) e de extorsão mediante seqüestro (CP, art. 109, I, c/c o art. 159, “caput”), e em 12 (doze) anos, no que concerne ao crime de quadrilha armada (CP, art. 109, III, c/c o art. 288, parágrafo único).

No caso ora em exame, o decreto penal condenatório imposto ao ora extraditando, preso desde 05/08/93 (fls. 437), sobreveio nos meses de janeiro e de fevereiro de 1994 (fls. 127), que se qualificam, na espécie, quanto aos três delitos objeto da condenação judicial, como causas interruptivas da prescrição penal, seja em face do direito positivo chileno, seja em face do Código Penal Brasileiro, razão pela qual não se registrou, na espécie, a prescrição “in abstracto” da pretensão punitiva do Estado.

Como assinalado, impuseram-se, ao ora extraditando, em ordem sucessiva de execução (fls. 73), duas penas de prisão perpétua, cuja prescrição “in concretonão poderá ultrapassar, em nosso sistema jurídico, o lapso temporal de 20 (vinte) anos (CP, art. 109, I, c/c o art. 110, “caput”).

No que se refere ao ordenamento penal chileno, a prescrição da pretensão executória, tratando-se de pena de prisão perpétua, consumar-se-á em 15 (quinze) anos, consoante dispõe o art. 97 do estatuto penal do Estado requerente (fls. 134).

Vê-se, pois, tendo-se em vista as datas mencionadas, que ainda não se consumou a prescrição penal em face de qualquer dos ordenamentos normativos em referência.

Cabe registrar, neste ponto, que o ora extraditando evadiu-se do sistema prisional chileno, quando já havia cumprido 3 (três) anos e 4 (quatro) meses das penas que lhe foram impostas.

Essa evasão ocorreu em 31/12/96, fazendo com que a prescrição penal, na espécie, passe a reger-se pelo prazo residual, vale dizer, “pelo tempo que resta da pena” (CP, art. 113).

Tratando-se de pena de prisão perpétua, já decidiu esta Corte que, “Ainda (…) que se devesse tomar por base a pena de 30 anos – máximo admitido na lei brasileira (…)” (RTJ 184/430-431, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE), mesmo assim o período residual, já descontado o lapso efetivamente já cumprido (3 anos e 4 meses), será de 26 (vinte e seis) anos e 8 (oito) meses de prisão, o que fará com que o cálculo da prescrição penal continue a reger-se pela norma inscrita no art. 109, I do Código Penal Brasileiro.


Correta, pois, no ponto, a observação da douta Procuradoria-Geral da República (fls. 560/561):

“Prosseguindo-se na análise detida do pleito extradicional, não se verifica a ocorrência de prescrição, seja em face da legislação estrangeira chilena, seja da brasileira. A prescrição da pretensão executória no direito chileno está fixada em 15 (quinze) anos para o caso de condenação à prisão perpétua (art. 97 do CP do Chile) e começa a contar a partir da fuga do preso (art. 98 do mesmo diploma), ou seja, no presente caso, 31 de dezembro de 1996. Já a legislação brasileira fixa a prescrição da pretensão executória em no máximo 20 (vinte) anos (art. 109, I, do CP brasileiro) que também passa a ser contada a partir da data da evasão do recluso (art. 112 do CP). Transcorridos menos de 7 (sete) anos da fuga do ora extraditando, não há que se sustentar a incidência da prescrição da pretensão executória.

O pedido atende, assim, os requisitos legais para sua concessão, em consonância com a jurisprudência desse Excelso Supremo Tribunal Federal:

‘EXTRADIÇÃO EXECUTÓRIA – EVASÃO DO EXTRADITANDO, APÓS CUMPRIR MAIS DE 15 ANOS DA PRISÃO PERPÉTUA IMPOSTA – PRESCRIÇÃO INEXISTENTE – 1. A vedação constitucional da pena de caráter perpétuo – segundo a corrente majoritária no STF, da qual dissente o relator – não impõe condicionar-se a extradição ao compromisso de comutar-se, no Estado requerente, aquela a que esteja sujeito o extraditando. 2. De qualquer modo, para efeitos extradicionais, o prazo prescricional máximo a considerar-se é de 20 anos, conforme o art. 109, I, C. Pen., que incide sempre que a pena aplicada ou o máximo da pena cominada seja superior a 12 anos de privação da liberdade, regra da qual não cabe excetuar a hipótese de ser de prisão perpétua a pena, conforme o direito estrangeiro, a ser levado em conta. 3. Ainda, porém, que se devesse tomar por base a pena de 30 anos – máximo admitido na Lei brasileira —, não se teria consumado, no caso concreto, a aventada prescrição da pretensão executória, a calcular-se, então, segundo a pena remanescente superior a 12 anos, que, mesmo nessa hipótese, restaria ao extraditando cumprir.’ (Ext 843-IT, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE – DJU 28.02.2003 – p. 9).”

Conclui-se, desse modo, que se acha plenamente atendida, na espécie, a exigência da dupla punibilidade.

Impende analisar, agora, se a pretensão extradicional deduzida pela República do Chile também satisfaz a exigência concernente ao postulado da dupla tipicidade.

As sentenças penais chilenas qualificaram os crimes de homicídio, de extorsão mediante seqüestro e de formação de quadrilha, cuja prática motivou a condenação imposta ao ora extraditando, como delitos de natureza “terrorista”, em face da legislação vigente na República do Chile (Lei nº 18.314/84).

Tenho para mim que a discussão em torno da previsão, ou não, pelo ordenamento jurídico brasileiro, da figura penal concernente ao delito de práticas terroristas, revela-se de todo prescindível à resolução da presente ação extradicional.

É que os delitos de homicídio, extorsão mediante seqüestro e de formação de quadrilha armada, independentemente de sua qualificação como delitos de índole terrorista, encontram plena correspondência típica no Código Penal Brasileiro (arts. 121, 158 e 288, parágrafo único), cabendo esclarecer que, pela legislação penal comum chilena, o delito de homicídio é também punível com a pena de prisão perpétua (art. 391, 1º), enquanto que os crimes de extorsão mediante seqüestro, sem morte da vítima (art. 433, 2º) e de formação de quadrilha (art. 293) comportam pena máxima de 20 (vinte) anos de prisão (art. 56).

Cabe indagar, mesmo assim, considerada a exigência da dupla incriminação (Lei nº 6.815/80, art. 77, II e Decreto nº 1.888/37), se a atribuição de caráter terrorista aos delitos subjacentes a este pedido extradicional teria o condão de fazer incidir, na espécie, a cláusula de vedação inscrita no art. 5º, LII da Constituição Federal, em ordem a obstar a entrega do súdito estrangeiro ora reclamado.

Ou, em outros termos, cumpre analisar se as infrações penais que motivaram as condenações impostas ao ora extraditando, embora guardando correspondência típica com a legislação penal ordinária existente em ambos os países, podem ser consideradas delitos desvestidos de caráter político, especialmente em face do que proclama a Constituição da República, tanto em seu art. 4º, inciso VIII, que erigiu o repúdio ao terrorismo como um dos grandes vetores de atuação do Brasil no cenário internacional, quanto em seu art. 5º, XLIII, que considerou a prática do terrorismo, para efeito de repressão no plano doméstico, como delito inafiançável e insuscetível de graça ou anistia.


A natureza dos delitos pelos quais o extraditando foi condenado levou-me a formular, por cautela, um questionário dirigido às autoridades da República do Chile, para que se esclarecessem as circunstâncias que reputei juridicamente relevantes ao exame da presente causa extradicional.

Eis o conteúdo do questionário que dirigi às autoridades competentes do Estado requerente (fls. 357/359):

(a) qual a natureza do órgão que julgou e condenou o ora extraditando, bem assim qual a posição desse mesmo órgão na estrutura institucional do Poder Judiciário chileno, e, ainda, se tal órgão teria sido, ou não, instituído ‘ex post facto’;

(b) se assegurou, ao ora extraditando, no processo de que resultou a sua condenação penal, o efetivo exercício do direito de defesa e dos recursos a ele inerentes;

(c) se o julgamento do ora extraditando ocorreu ‘in absentia’, ou se ele esteve presente a todos os atos e termos do procedimento penal;

(d) se o pedido extradicional — considerado o que se contém na Nota Verbal nº 119 (fls. 04) — envolve, unicamente, o delito de homicídio que vitimou o Senador Jaime Guzmán Errázuriz (fls. 7/32) ou se, neste pedido de extradição, acha-se também incluída a condenação penal pelo crime de seqüestro de Cristián Edwards Del Rio (fls. 33/74), pois os documentos produzidos pelo Estado requerente contêm cópia da sentença proferida a propósito desta última condenação (fls. 33/74 e 202/278);

(e) se a legislação penal que foi aplicada ao ora extraditando ainda está em vigor na República do Chile;

(f) se o ordenamento penal chileno prevê, ou não, no caso do ora extraditando, a possibilidade de redução — após cumprimento por determinado período de tempo — da pena de prisão perpétua que lhe foi imposta;

(g) se o ora extraditando, ao oferecer defesa no processo penal que motiva este pedido de extradição, alegou, ou não, em alguma fase do processo, o caráter político dos ilícitos penais que lhe foram atribuídos;

(h) como os Tribunais chilenos — caso afirmativa a resposta ao quesito anterior — apreciaram a questão da criminalidade política;

(i) se a República do Chile já depositou o instrumento de ratificação pertinente ao Acordo de Extradição que celebrou, ao lado da Bolívia, com os Estados integrantes do Mercosul, especialmente em face do que dispõe o Artigo XIII, n. 1, dessa convenção multilateral.”

A República do Chile, por intermédio de sua Egrégia Corte Suprema de Justiça, respondeu às questões que lhe foram dirigidas (fls. 430/452).

Esclareceu-se, então, quanto à primeira indagação, que o órgão judiciário que julgou a causa penal instaurada contra o extraditando não é Tribunal de exceção, eis que compõe, em caráter permanente, a estrutura institucional do Poder Judiciário chileno, não havendo sido instituído “ex post facto”, nem sido organizado “ad hoc”, tratando-se, portanto, de órgão da justiça comum (fls. 436/437).

Salientou-se, ainda, referentemente à segunda indagação, que foi assegurada, ao ora extraditando, a observância do devido processo legal, tendo-lhe sido conferidas todas as prerrogativas processuais de caráter fundamental, havendo, inclusive, sido esgotadas todas as vias recursais pertinentes (fls. 437/438).

Registrou-se, de outro lado, no que se refere à terceira indagação, que o extraditando não foi julgado “in absentia”, e que “esteve presente no juízo e desde o momento da detenção – ocorrida em 05 de agosto de 1993 – até que a sentença condenatória transitou em julgado – 15 de abril de 1994 – foi notificado de todos os atos pertinentes do processo, mantendo-se privado de liberdade” (fls. 437).

Acentuou-se, também, em resposta à quarta indagação, que o pedido de extradição ora em exame refere-se tanto ao homicídio do Senador Jaime Guzmán Errázuriz quanto à sentença condenatória pelo seqüestro de Cristián Edwards Del Rio (fls. 438).

O próprio Estado requerente, em petição subscrita por seus Advogados, sustentou, quanto ao tema, que “Ambos delitos foram julgados originariamente em um único processo, de nº 39.800-91, pois foram acumulados” (fls. 601 — grifei).

Informou-se, quanto à quinta indagação, que continua em vigor a legislação penal que fundamentou o juízo condenatório contra o ora extraditando (fls. 438).


Esclareceu-se, ainda, em resposta à sexta indagação, que a legislação chilena permite a redução das penas de prisão perpétua que foram impostas ao ora extraditando (fls. 439).

A República do Chile afirmou, também, em suas informações, no que pertine à sétima e à oitava indagações, que o súdito estrangeiro em questão, ao invocar o caráter político dos ilícitos penais que lhe foram imputados, teria efetuado uma confissão de seus crimes, sustentando, ainda, o Estado requerente, que não existe, na legislação chilena, “uma figura penal típica que considere como elemento do tipo a motivação política” (fls. 439/440).

Salientou-se, por fim, em resposta à nona indagação, que a República do Chile ainda não ratificou o Acordo de Extradição que celebrou, ao lado da Bolívia, com os Estados integrantes do Mercosul (fls. 440).

O ora extraditado, considerando as respostas dadas às indagações que venho de mencionar, e concordando com os esclarecimentos dados pelas autoridades chilenas, expendeu as seguintes considerações (fls. 527/528):

“Considerando as respostas aos quesitos formulados por Vossa Excelência, fls. 432/441 (tradução oficial) e 446/451 (original), o teor do interrogatório, bem como o Vosso despacho de fls. 471/73, entendemos que não há óbice ao provimento do pedido de extradição. Senão vejamos:

• Os crimes foram definidos como crimes comuns pela justiça chilena, portanto não foram considerados delitos políticos ou de opinião;

• Os crimes têm pena superior a um ano;

• As penas não estão prescritas;

• O extraditando teve direito ao contraditório e ampla defesa;

• O tribunal que julgou o requerido não foi um tribunal de exceção;

• O tribunal que o julgou está inserto no ordenamento jurídico chileno, bem como na estrutura do poder judiciário daquele país;

• A pena de prisão perpétua, como assinalado por Vossa Excelência, considerando a jurisprudência predominante hoje nessa E. Corte, não constitui óbice ao presente pedido;

• A legislação aplicada ao caso continua em vigência no Chile;

• O requerido, em seu interrogatório, manifestou o desejo de ser extraditado.

Portanto, em nosso entender, a extradição deve ser julgada procedente para determinar-se a entrega do requerido ao estado requerente.”

Tenho para mim, em resposta à indagação sobre se os delitos revestidos de caráter terrorista subsumem-se à noção de criminalidade política, que esta não os abrange, considerados os novos parâmetros consagrados pela vigente Constituição da República, notadamente em função do que a Lei Fundamental do Brasil prescreve em seu art. 4º, inciso VIII, em norma que definiu o repúdio ao terrorismo como um dos princípios essenciais que devem orientar o Estado brasileiro no âmbito de suas relações internacionais, além do que dispõe o art. 5º, inciso XLIII de nossa Carta Política, que determinou uma pauta de valores a serem protegidos na esfera interna, mediante qualificação da prática do terrorismo como delito inafiançável e insuscetível da clemência soberana do Estado.

Vê-se, desse modo, que os novos parâmetros constitucionais inscritos no art. 4º, VIII e no art. 5º, XLIII da Constituição da República demonstram que o Estado brasileiro assumiu, perante a Nação, expressivo compromisso de frontal hostilidade às práticas terroristas, tanto que, ao proclamar os princípios fundamentais que regem as relações internacionais do Brasil, enfatizou, de modo inequívoco, o seu repúdio ao terrorismo e, mais do que isso, a Constituição do Brasil também determinou ao legislador comum que dispensasse, ao autor do crime de terrorismo, tratamento penal mais severo, compatível com aquele já previsto para os delitos hediondos.

Essas diretrizes constitucionais, que põem em evidência a posição explícita do Estado brasileiro, de frontal repúdio ao terrorismo, têm o condão de desautorizar qualquer inferência que busque atribuir, às práticas terroristas, um tratamento benigno de que resulte o estabelecimento, em torno do terrorista, de um inadmissível círculo de proteção que o torne imune ao poder extradicional do Estado brasileiro, notadamente se tiver em consideração a relevantíssima circunstância de que a Assembléia Nacional Constituinte formulou um claro e inequívoco juízo de desvalor em relação a quaisquer atos delituosos impregnados de índole terrorista, a estes não reconhecendo a dignidade de que muitas vezes se acha impregnada a prática da criminalidade política.


O total desprezo constitucionalmente manifestado pelo Estado brasileiro aos delitos de índole terrorista impede que se aplique, a estes, a norma de proteção constante do art. 5º, LII da Constituição, que veda a extradição de estrangeiro por crime político.

E a razão desse entendimento apóia-se na circunstância de que o terrorismo constitui um atentado às próprias instituições democráticas, o que autoriza excluí-lo da benignidade de tratamento que foi conferida, pela Constituição do Brasil, aos atos configuradores de criminalidade política.

Esse particular aspecto projeta-se, de modo veemente, em declarações internacionais subscritas pelo Brasil, como aquela aprovada na Vigésima Terceira Reunião de Consulta de Ministros de Relações Exteriores dos Países integrantes do sistema interamericano, ocasião em que a Organização dos Estados Americanos, tendo presente a necessidade de fazer preservar a integridade do princípio democrático, censurou e repudiou a prática do terrorismo, fazendo constar, dos “consideranda” pertinentes à Resolução nº 01/2001, o que se segue:

REAFIRMANDO a rejeição absoluta, por parte dos povos e dos governos das Américas, dos atos e atividades terroristas que atentam contra a democracia e a segurança dos Estados do Hemisfério;

……………………………………………

CONVENCIDA de que a resposta dos Estados membros à situação atual exige que se apliquem ou adotem, de acordo com sua legislação nacional, medidas urgentes, no âmbito nacional e internacional, para combater as ameaças à paz, à democracia e à segurança do Hemisfério resultantes de atos terroristas e que se submetam à justiça os autores, organizadores e patrocinadores desses atos, bem como as pessoas que lhes proporcionem assistência, apoio ou proteção;

CONSIDERANDO TAMBÉM que a Carta Democrática Interamericana, aprovada no Vigésimo Oitavo Período Extraordinário de Sessões da Assembléia Geral em 11 de setembro de 2001, reconhece o compromisso dos Estados membros de promover e defender a democracia e que nenhum Estado democrático pode permanecer indiferente à clara ameaça que o terrorismo representa para as instituições e liberdades democráticas;

……………………………………………

LEVANDO EM CONTA a responsabilidade de todos os Estados de cooperar na identificação, julgamento e punição de todos os responsáveis por atos terroristas, que constituem crimes da maior gravidade e a necessidade imperativa de acelerar os processos de extradição nos casos em que esta for procedente.” (grifei)

O estatuto da criminalidade política, por isso mesmo, não se revela aplicável nem se mostra extensível, em sua projeção jurídico-constitucional, aos atos delituosos que traduzam práticas terroristas, sejam aquelas cometidas por particulares, sejam aquelas perpetradas com o apoio oficial do próprio aparato governamental, à semelhança do que se registrou, no Cone Sul, com a adoção, pelos regimes militares sul-americanos, do modelo desprezível do terrorismo de Estado.

Cabe referir, neste ponto, ante a sua inquestionável relevância político-jurídica, a assinatura, pelo Brasil, em 03/06/2002, em Barbados (32ª Assembléia Geral da OEA), da Convenção Interamericana Contra o Terrorismo, que traduziu um gesto conseqüente do Estado brasileiro, a evidenciar fidelidade e respeito aos novos paradigmas constitucionais consagrados no texto da Lei Fundamental promulgada em 1988, cuja interpretação, presente esse contexto, legitima a asserção de que qualquer tratamento favorável ao autor de atos terroristas, notadamente em sede extradicional, revela-se essencialmente incompatível com os valores que conformam a atividade do Poder Público, cujos agentes não podem demonstrar indiferença ética às gravíssimas conseqüências que derivam da prática criminosa do terrorismo, seja em âmbito nacional, seja no plano internacional.

Cumpre rememorar, bem por isso, significativa passagem da Exposição de Motivos, elaborada pelo então Ministro de Estado das Relações Exteriores, o eminente Professor CELSO LAFER, que instruiu a Mensagem presidencial, quando do encaminhamento, ao Congresso Nacional, para apreciação parlamentar, do texto da referida Convenção, ocasião em que se destacou, com especial ênfase, a afirmação de que a prática do terrorismo não pode ser qualificada como ato de criminalidade política:


¬¬¬

“A Convenção tem por objetivos contribuir para o desenvolvimento progressivo e codificação do direito internacional, a coordenação de ações com entidades internacionais competentes na esfera de delitos transnacionais e o fortalecimento e estabelecimento de novas formas de cooperação regional contra o terrorismo. Tendo em mente a consecução dessas metas, o texto estabelece compromissos para os seus signatários no tocante à adoção de medidas de prevenção, combate e erradicação do financiamento do terrorismo; combate a delitos prévios à lavagem de dinheiro; embargo e confisco de fundos e outros bens; cooperação entre autoridades encarregadas da aplicação da lei; cooperação fronteiriça; assistência judiciária mútua; traslado de pessoas sob custódia; denegação de assistência judiciária em vista de possível discriminação; jurisdição; inaplicabilidade de caracterização de ato terrorista como delito político, denegação de asilo e refúgio a pessoas suspeitas da prática de atos terroristas; capacitação e treinamento; cooperação através da OEA e reuniões de consulta.” (grifei)

A mencionada Exposição de Motivos, como se vê, traz, em seu texto, afirmação que se mostra essencial à descaracterização dos atos terroristas como crimes políticos.

Com efeito, o terrorista não ostenta a mesma dignidade do criminoso político. O terrorismo, na realidade, é caracterizado pela ausência de substrato ético, tal como assinala, em autorizado magistério, LUIS JIMÉNEZ DE ASÚA ( “Tratado de Derecho”, p. 185, 5ª ed., Tomo III, Editorial Losada, Buenos Aires):

“Los delitos terroristas, o más brevemente el terrorismo, como se acostumbra designarlos en los Congresos y Conferencias internacionales, no constituyen una figura homogénea ni caracterizada por fines altruistas ulteriores, sino por el medio ocasionado a grandes estragos, por la víctima, que puede ser un magnate o personaje, o, en contrapartida, personas desconocidas que accidentalmente se hallanen medios de transportes, plazas, calles, etc., y por el inmediato fin de causar intimadición pública (…)En verdad la figura se ha construido con fines de limitar la benignidad del trato que se otorga internacionalmeente a los delitos politicos (…).” (grifei)

Vem bem a propósito a advertência de PINTO FERREIRA (“Comentários à Constituição Brasileira”, vol. 1/53, 1989, Saraiva — grifei), cujo magistério salienta “que o delito terrorista está longe de possuir o conteúdo altruístico que envolve o delito político. Daí um grande e intenso movimento para permitir a extradição do terrorista político”.

Torna-se relevante observar que a descaracterização do terrorismo como delito político, tal como o reconheceu a Convenção Interamericana Contra o Terrorismo, representa uma clara tendência que se registra no plano do direito comparado, de que é exemplo expressivo a Constituição Espanhola (1978), cujo Artigo 13, nº 3 expressamente desqualifica, como crime de índole política, “los actos de terrorismo.”

Com a promulgação da vigente Constituição, o Brasil, como já assinalado, erigiu o repúdio ao terrorismo como um dos postulados fundamentais conformadores de sua atuação, quer no cenário internacional, quer no plano doméstico, legitimando, em conseqüência, com tal proclamação (art. 4º, VIII, e art. 5º, XLIII), a cláusula de exclusão inscrita no § 3º do art. 77 do Estatuto do Estrangeiro, em ordem a viabilizar o deferimento da extradição naquelas hipóteses em que o delito subjacente ao pleito extradicional mostrar-se impregnado de caráter terrorista

De inteira pertinência. a lição do saudoso e eminente Professor CELSO RIBEIRO BASTOS (“.Comentários à Constituição do Brasil.”, vol. 2/273-274, 3ª ed., 2004, Saraiva, obra em co-autoria com Ives Gandra Martins), .cujo teor vale reproduzir.:

“(…) Mais recentemente, contudo, dado o vulto assumido pelo terrorismo internacional, já assoma certa resistência. a considerar político todo. crime praticado com esse fundamento. É que no mais das vezes as praticas delituosas assumem aspectos revoltantes. e acabam por atingir pessoas inocentes, o que já faz brotar verdadeiro repúdio internacional ao terrorismo. e ao seqüestro.

……………………………………………

O que parece certo é que não basta. uma pitada mínima do ingrediente político para conferir o caráter de politicidade a um bárbaro crime, como, por exemplo, o de genocídio. Há de haver, pois, uma justa ponderação em cada caso concreto, a fim de excluir da proteção constitucional aquelas hipóteses em que o suposto elemento político está completamente abafado ou, se preferirmos, anulado por um forte teor de delinqüência comum.” (grifei)


Considero oportuno, ainda, delinearem-se as circunstâncias históricas que envolvem os fatos pelos quais se pleiteia a presente extradição e que evidenciam a natureza comum (e não política) dos eventos delituosos a que se refere este pleito extradicional.

Os crimes cometidos pelo ora extraditando ocorreram em abril de 1991 (homicídio do Senador Jaime Guzmán Errázuriz) e entre setembro de 1991 e fevereiro de 1992 (seqüestro de Cristián Edwards Del Rio e formação de quadrilha armada). Durante esse período, quando o General Augusto Pinochet não mais exercia a Chefia de Estado, a República do Chile já vivia, então, um momento de plena normalidade democrática. Os partidos políticos em geral, inclusive os de esquerda, já se encontravam em situação de absoluta legalidade e o povo chileno havia escolhido, em eleições livres, abertas e democráticas, o seu novo Presidente da República.

Com efeito, elegeu-se, então, em 14/12/89, por voto popular, o Presidente Patrício Aylwin Azócar, que tomou posse em 11/3/1990 como o primeiro Chefe de Estado chileno escolhido após a restauração da democracia naquele País.

Vê-se, pois, que os delitos cometidos pelo ora extraditando – em momento de plena vigência, no Chile, de um regime inquestionavelmente democrático – possuem a natureza de crimes comuns, valendo referir, bem por isso, a tal propósito, que o órgão judiciário prolator da condenação penal que motivou este processo de extradição atende, de maneira integral, ao principio do juiz natural (CF, art. 5º, XXXVII), não se cuidando de tribunal de exceção, nem de juízo instituído “ex post facto” ou organizado “ad hoc” para o julgamento de uma causa penal específica ou de um réu determinado.

Faz-se relevante tal observação, pois – não custa enfatizar — os Tribunais chilenos asseguraram, ao ora extraditando, em atmosfera de absoluta liberdade, o efetivo respeito a seus direitos e garantias processuais básicas, sem qualquer restrição ou limitação que pudesse deslegitimar o julgamento a que foi ele submetido.

Ou seja, o ora extraditando – em cujo favor foi respeitada a garantia do devido processo legal, com todas as conseqüências que lhe são inerentes —, foi julgado por juízes independentes e imparciais, que pronunciaram o veredicto condenatório em nome e sob a égide de um Estado verdadeiramente democrático.

O registro desse fato confere pertinência à observação feita por CARLOS AUGUSTO CANEDO GONÇALVES DA SILVA (“Crimes Políticos”, p. 70, 1993, Livraria Del Rey Editora), para quem “somente um Estado democrático possui autoridade para reprimir, desde que observadas as limitações expostas, a criminalidade política, quando manifestada através de violência” (grifei).

Em suma, e apreciando este primeiro aspecto da questão, entendo, Senhor Presidente, que os delitos cuja prática motivou este pedido de extradição não se qualificam como atos caracterizadores de criminalidade política, justificando-se, em conseqüência, a não-incidência, na espécie ora em exame, da cláusula benéfica inscrita no art. 5º, inciso LII da Constituição.

Cabe assinalar, de outro lado, que, mesmo que se configurassem a motivação e a natureza políticas dos crimes subjacentes ao presente pleito extradicional — o que se alega em caráter meramente argumentativo —, ainda assim inexistiria obstáculo ao deferimento da extradição, tendo em vista a norma inscrita no art. 77, § 3º do Estatuto do Estrangeiro, que assim dispõe:

“Art. 77. (…)

§ 3º — O Supremo Tribunal Federal poderá deixar de considerar crimes políticos os atentados contra Chefes de Estado ou quaisquer autoridades, bem assim os atos de anarquismo, terrorismo, sabotagem, seqüestro de pessoa, ou que importem propaganda de guerra ou de processos violentos para subverter a ordem política ou social.” (grifei)

Essa norma legal, tratando-se da prática de ato delituoso revestido de caráter terrorista, ajusta-se ao paradigma constitucional, que, fundado no texto da Constituição brasileira (art. 4º, VIII, e art. 5º, XLIII), consagrou o repúdio e a repressão ao terrorismo como vetores de interpretação e de conformação das atividades do Estado brasileiro, quer no âmbito doméstico, quer no plano das relações internacionais.


Como precedentemente já assinalado, o Brasil, em clara demonstração de respeito à sua própria Constituição, e assumindo conduta que guarda inteira conformidade com o paradigma constitucional acima mencionado, deu conseqüência ao comando inscrito em nossa Carta Política e subscreveu a Convenção Interamericana Contra o Terrorismo, que descaracterizou, para efeitos extradicionais, a prática do ato terrorista como delito de natureza política.

Com efeito, a Convenção Interamericana Contra o Terrorismo, assinada em 03/6/2002, ao proclamar que “o terrorismo constitui uma grave ameaça para os valores democráticos e para a paz e a segurança internacionais”, reafirmou a necessidade da adoção, no sistema interamericano, de medidas eficazes para prevenir, punir e eliminar o terrorismo mediante a mais ampla cooperação internacional, estipulando, em seu Artigo 11, que, para efeito de extradição, nenhum dos crimes de índole terrorista “será considerado delito político ou delito conexo com um delito político ou um delito inspirado por motivos políticos”, estabelecendo, desse modo, nessa mesma cláusula convencional, a seguinte prescrição:

“Artigo 11

Inaplicabilidade da exceção por delito político

(…) Por conseguinte, não se poderá negar um pedido de extradição ou de assistência judiciária mútua pela única razão de que se relaciona (o ato terrorista) com um delito político ou com um delito conexo com um delito político ou com um delito inspirado por motivos políticos.” (grifei)

É por essa razão que CAROLINA CARDOSO GUIMARÃES LISBOA (“A Relação Extradicional no Direito Brasileiro”, p. 175, 2001, Del Rey), ao analisar a natureza do terrorismo no contexto dos processos extradicionais, põe em destaque o aspecto que se vem de referir, enfatizando, com absoluta correção, a legitimidade da opção feita pelo legislador constituinte, fundada em sua clara intenção de não dispensar, ao autor de atos terroristas, a benignidade do tratamento constitucionalmente reservado àquele que pratica o delito político:

“Na segunda parte do dispositivo do § 3º do artigo 77, o Estatuto autoriza o Supremo Tribunal Federal a deixar de considerar crimes políticos, e desse modo conceder a extradição, a prática dos crimes anti-sociais, assim chamados porque não visam um governo determinado, e sim a organização social comum aos Estados civilizados. Conseqüentemente, considera-se que esses delitos não devem ser excetuados da extradição, sendo esta a opinião seguida por vários tratados.

……………………………………………

Quanto ao terrorismo, verifica-se que a tendência atual é a de não considerá-lo crime político, e, no Brasil, a Constituição embasa a posição da lei ao repudiá-lo (artigo 4º, VIII) e condená-lo como crime inafiançável e insuscetível de graça ou anistia (artigo 5.º, XLIII).” (grifei)

Vale relembrar, no ponto, em magistério que revela igual percepção do tema, o entendimento do eminente Professor JOSÉ AFONSO DA SILVA (“Curso de Direito Constitucional Positivo”, p. 340/341, item n. 8, 22ª ed., 2003, Malheiros):

Cabe ao Supremo Tribunal Federal processar e julgar originariamente a extradição solicitada por Estado estrangeiro (art. 102, I, g). E a Lei 6.815/80 lhe atribui, com exclusividade, a apreciação do caráter da infração, dando-lhe ainda a faculdade de não considerar crimes políticos os atentados contra Chefes de Estado ou qualquer outra pessoa que exerça autoridade, assim como os atos de (…) terrorismo (…) (art. 77 § 2º e 3º) (…);apenas admite que o Supremo, dadas as circunstâncias de fato, possa reconhecer neles outra qualificação, quando, então, a extradição é suscetível de ser concedida. Quanto ao terrorismo bem certo é que a Constituição embasa a posição da lei, ao repudiá-lo (art. 4º, VIII) e condená-lo como crime inafiançável e insuscetível de graça ou anistia (art. 5º, XLIII).” (grifei)

Cumpre assinalar, também, por relevante, nesse mesmo sentido, o ensinamento de LUIZ ROBERTO ARAÚJO e de LUIZ REGIS PRADO (“Alguns Aspectos das Limitações ao Direito de Extraditar”, in Revista de Informação Legislativa, vol. 76/65-86, 84-85, 1982 — grifei):

“O ato terrorista pode ser entendido como todo aquele que tem como objetivo produzir terror ou intimidação em determinadas personalidades, em grupos de pessoas ou na população de um Estado, criando perigo comum para a integridade corporal ou visando atingir a liberdade das pessoas (seqüestros), mediante emprego de meios cuja natureza cause graves perturbações da ordem ou danos de grande monta. A Organização dos Estados Americanos aprovou convenção sobre terrorismo, considerando-o como crime de interesse internacional, independentemente dos fins com que foi praticado. O uso do terror como meio de intimidação tanto pode partir de pessoas que contestem um determinado governo, como do próprio governo, visando atingir os contestadores (terror estatal).


A proibição da extradição não incide sobre a denominada criminalidade terrorista. Nesse sentido se orientaram a Convenção de Genebra de 1937 e as Convenções de Haia (1970) e de Montreal (1971). O direito brasileiro não é insensível a esta tendência internacional, já que possibilita a extradição dos autores de atos terroristas. Um dos fundamentos da extradição do terrorista é precisamente evitar a possibilidade de serem encontrados locais que se convertam em verdadeiros redutos onde reine a impunidade.

……………………………………………

(…) Destaque-se que, pela nova legislação, o Supremo Tribunal Federal detém o poder de considerar ou não como crimes políticos os atentados contra chefes de Estado ou contra autoridades, bem como os atos de terrorismo (…) e seqüestro de pessoas (…). O terrorismo – conduta delitiva que, mediante atos de extrema violência ou grave intimidação, e com fim subversivo, trata de destruir o sistema político-social dominante – não se confunde, como pode parecer ao observador incauto, com o crime político. Em assim sendo, não se beneficia o terrorista, ao contrário do criminoso político, da possibilidade de não ser extraditado. (…) A extraditabilidade do terrorista evita o surgimento e a proliferação perniciosa de ‘santuários’ que lhes resguardem a impunidade.” (grifei)

Entendo, dessa forma, Senhor Presidente, que não se registra, na espécie ora em exame, qualquer causa, que, fundada na Constituição da República ou no Estatuto do Estrangeiro, justifique a aplicação, ao ora extraditando, da cláusula benéfica da criminalidade política.

Ninguém ignora que o direito constitucional positivo brasileiro, desde a República – e com exceção das Cartas de 1891 e 1937, que foram omissas a respeito – consagrou o princípio da inextraditabilidade dos estrangeiros, por crime político ou de opinião.

Essa tradição republicana foi confirmada pela nova Constituição do Brasil, que renovou, generosamente, uma vez mais, o seu compromisso de tolerância e de respeito aos que são perseguidos por causa de suas convicções e ações pessoais, motivadas por razões de ordem política, doutrinária ou filosófica.

“Não será concedida extradição de estrangeiro por crime político ou de opinião”eis a solene proclamação constitucional consubstanciada no artigo 5º, inciso LII, de nossa Lei Fundamental.

Dela emerge, nítido, em favor do estrangeiro, um direito público subjetivo oponível ao próprio Estado e de cogência inquestionável. , nesse preceito, uma insuperável limitação constitucional ao poder de extraditar do Estado brasileiro.

Daí a advertência de PONTES DE MIRANDA (“Comentários à Constituição de 1967, com a Emenda nº 1, de 1969”, tomo V/280, 2ª ed., 2ª tir., 1974, RT):

“Quanto à extradição de estrangeiros, a Constituição permite-a, exceto – e isso importa direito individual de estrangeiro, ainda não residentes no Brasil – se trata de crime político ou de opinião.” (grifei)

A extradição passiva de estrangeiros não se reveste, por isso mesmo, em nosso ordenamento positivo, de caráter absoluto, pois a ação do Estado sofre as limitações e os condicionamentos imperativamente estabelecidos pela ordem constitucional. Não pode ser concedida de modo indiscriminado (MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO, “Comentários à Constituição Brasileira”, p. 609, 5ª ed., 1984, Saraiva).

Torna-se evidente, desse modo, que, dentre os vários pressupostos legitimadores do deferimento do pedido de extradição, há um, de caráter negativo – e de indeclinável observância pelo Estado brasileiro —, que consiste em não se qualificar, o fato ensejador da pretensão extradicional, como delito de natureza política.

A noção de criminalidade política é ampla. Os autores costumam analisá-la em face de posições doutrinárias que reduzem a teoria do crime político a um dualismo conceitual, que distingue, de um lado, o crime político absoluto ou puro (é o crime político em sentido próprio) e, de outro, o crime político relativo ou misto (é o delito em sentido impróprio). Aquele, traduzindo-se em ações que atingem a personalidade do Estado, ou que buscam alterar-lhe ou afetar-lhe a ordem política e social (MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO, “op. cit.”, p. 609; FRANCISCO DE ASSIS TOLEDO, “Princípios Básicos de Direito Penal”, p. 135, item n. 119, 3ª ed., 1987, Savaiva, “inter plures”); este – o crime político em sentido impróprio – embora exprimindo uma concreta motivação político-social de seu agente, projeta-se em comportamentos geradores de uma lesão jurídica de índole comum.

Consubstanciador desse entendimento, e expressivamente revelador desse dualismo conceitual, é o magistério de PIETRO LANZA (“Estradizione”, p. 245/246, 1910, Societá Editrice Libraria, Milano):


“Il reato politico può essere assoluto o relativo. Si ha delitto politico assoluto, o –come altri dice- -delitto politico puro, quando il fatto incriminato tendeva a turbare o a mutare l’ordine politico o sociale di uno Stato, senza che si via violato alcun diritto naturale (…). Si ha invece il reato politico relativo o misto, quando il fatto, oltre al turbamento politico, presenta anche una lesione giuridica d’indole comune. Possono aversi due forme di delitto politico relativo: la forma del reato complesso e la forma dei reati connessi. Si ha la prima, quando um fatto unico presenta uma doppia oggettività: politica l’una, comune l’altra. Così nel caso di una mina posta sotto una coserna (…). Si ha invece la forma della connessione, quando si tratta di due fatti separati, di un vero concorso materiale di reati, politico l’uno, comune l’altro, uniti soltanto da un nesso ideologico (…).”

É inegável a delicadeza do tema concernente aos crimes comuns conexos com os delitos políticos. Essa questão resolve-se pelo critério da preponderância ou da prevalência. Se os crimes comuns, dentro desse vínculo de conexidade, ostentarem caráter hegemônico, porque mais eminentes e expressivos, ou subordinantes, até, da prática dos ilícitos políticos, deixará de incidir qualquer causa obstativa do deferimento da postulação extradicional.

Impende assinalar, bem por isso, naquelas hipóteses em que o fato dominante – ainda que impregnado de motivação política – constitua, principalmente, infração da lei penal comum (Lei nº 6.815/80, art. 77, § 1º), que será lícito, a esta Corte, mediante concreta ponderação das situações peculiares de cada caso ocorrente, reconhecer a preponderância do delito comum, para efeito de deferimento do pedido extradicional.

Quer se analise a questão sob a perspectiva do § 1º do art. 77 do Estatuto do Estrangeiro (que põe em evidência, na espécie, o caráter preponderante da infração penal comum), quer se examine a matéria sob a égide do § 3º do art. 77 da Lei nº 6.815/80 (em virtude do qual a prática de atos terroristas, com a morte e o seqüestro de pessoas cometidos por quadrilha armada, como sucede no caso, descaracteriza a eventual natureza política dos delitos), o fato é que inocorre, a meu juízo, qualquer obstáculo ao acolhimento da postulação extradicional deduzida pela República do Chile, cujo ordenamento jurídico já se revelava capaz de assegurar, ao réu, a garantia plena de um julgamento imparcial, justo e independente, tal como o que se dispensou ao ora extraditando, em período de inquestionável normalidade democrática (1994), quando o Estado requerente era governado pelo Presidente Patrício Aylwin Azócar, que foi sucedido, poucos meses após, pelo Presidente Eduardo Frei Ruiz-Tagle, igualmente escolhido em pleito democrático e livre, mediante voto popular.

Cabe referir, neste ponto, o que corretamente observou, a respeito de questões como a ora em análise, o eminente Ministro NÉRI DA SILVEIRA, em douto voto que proferiu no julgamento da Ext 399/República Francesa (RTJ 108/18, 38 e 40/41), quando — ao examinar o significado e o alcance dos §§ 1º e 3º do art. 77 do Estatuto do Estrangeiro, em contexto no qual se destacava a prática de terrorismo, de atentado pessoal e de extorsão mediante seqüestro — assinalou:

“No regime vigente, entre nós, para a extradição de estrangeiro, embora, segundo o sistema tradicional, os delitos políticos impeçam-na, — consagram-se estas exceções: a) quando o fato constituir, principalmente, infração da lei penal comum; b) quando o crime comum, conexo ao delito político, constituir o fato principal; c) quando o STF negar a qualificação de crime político aos atentados contra Chefes de Estado ou qualquer outra pessoa investida de autoridade, bem como aos atos de anarquismo, terrorismo e sabotagem ou que importem em propaganda de guerra e processos violentos subversivos.

…………………………………………..

Ora, reservado ao Supremo Tribunal Federal (Lei nº 6.815/1980, art. 77, §§ 1º e 2º) apreciar o caráter da infração por que condenado o extraditando, no País requerente, e tendo em conta que esta Corte poderá, assim, deixar de considerar crime político o ato de anarquismo, terrorismo, sabotagem, seqüestro de pessoa (…).

Sob este aspecto, desde logo, cumpre entender que, no Brasil, não se adotou, legislativamente, o mesmo juízo valorativo, quanto a esses atos de terrorismo (…),tornando-se, dessa maneira, inequívoco o espírito de, nos crimes complexos, presente a dimensão do atentado à liberdade pessoal, da violência à pessoa, não se favorecerem os delinqüentes que, mesmo por motivação política, perpetraram crime que atentou também contra os bens da vida e da liberdade pessoal, nas hipóteses aludidas.


Compreendo que, no exercício dessa competência, ao dimensionar sua valorização, acerca do fato político, que esteja presente na perpetração do crime complexo, de que resultou a condenação do extraditando, não se pode deixar de considerar o espírito da legislação brasileira, que desaprova o terrorismo e o seqüestro. Se o STF pode, segundo a lei, não considerar crime político o ato de anarquismo, terrorismo, sabotagem e seqüestro de pessoa, ao examinar pedido de extradição, penso que, ao ajuizar, caso a caso, não pode desconsiderar os valores vigentes no espírito do sistema jurídico, que rege a vida brasileira.

A partir daí, estando certo que o seqüestro contra o Diretor da Fiat, na França, aconteceu, e por isso veio o extraditando a ser condenado, como cúmplice desse delito, quer se considere a motivação acolhida na decisão francesa, que a todos condenou, tendo-os antes como inspirados por razões de ladroagem internacional, consoante se lê no julgado, quer se admita a existência de forte motivação política, por razões de terrorismo, na Argentina, como se vê dos noticiários da imprensa, juntados aos autos, não parece possível olvidar, aqui, — mesmo concedendo a ocorrência da última hipótese advogada pela defesa, — que o seqüestro da vítima, por mais de trinta dias, é fato que, por sua natureza e gravidade, há de conduzir esta Corte, no exercício de seu juízo de apreciação do caráter da infração, a retirar-lhe, de qualquer sorte, o atributo de crime político, para que os responsáveis ou cúmplices pelo delito sejam punidos, na forma da legislação do País requerente. Não me parece que o STF, em matéria de terrorismo, sabotagem, anarquismo deva considerar os fatos senão na linha de reprovação internacional, porque esses delitos, em última análise, pela insegurança que trazem à vida dos povos, representam verdadeiros atentados à humanidade e desrespeito aos fundamentais direitos da pessoa humana de ser livre e viver em segurança, na vida social (…).” (grifei)

Desse modo, Senhor Presidente, e como precedentemente já acentuei, não vislumbro a incidência, na espécie, de qualquer obstáculo, que, fundado na Constituição da República ou no Estatuto do Estrangeiro, justifique a aplicação, ao ora extraditando, da cláusula benéfica da criminalidade política.

Passo a analisar, agora, a argüição formulada pelo ora extraditando, cuja defesa sustenta e postula seja ele imediatamente entregue às autoridades da República do Chile, com prejuízo da condenação penal – trinta (30) anos de reclusão (fls. 652) – que lhe foi imposta pelo Poder Judiciário brasileiro.

Cumpre observar, neste ponto, por necessário, que a faculdade conferida pelo art. 89 do Estatuto do Estrangeiro não se dirige ao Supremo Tribunal Federal — que não dispõe do poder de autorizar a ressalva contida na regra legal em questão —, mas tem por destinatário, por único destinatário, o próprio Presidente da República, a cuja inteira discrição submete-se o exercício do poder de ordenar, uma vez deferido o pedido extradicional por esta Corte, a imediata entrega do extraditando, não obstante esteja este, nos termos da nossa lei, ou sendo processado, ou, como no caso, sofrendo execução penal decorrente de condenação imposta pela Justiça brasileira.

Pertence, pois, ao Chefe do Poder Executivo da União — e somente a ele — a prerrogativa de determinar, nas situações referidas no art. 89 do Estatuto do Estrangeiro, a entrega imediata do extraditando ao Estado requerente. O Presidente da República, nesse contexto, é o único árbitro da conveniência, oportunidade, utilidade ou necessidade da efetivação dessa medida excepcional.

Esta Corte, ao julgar a Extradição 369, de que foi relator o eminente Ministro DJACI FALCÃO (DJ de 07/03/80), proclamou a exclusividade dessa prerrogativa presidencial, assinalando ser “da competência do Presidente da República deliberar sobre a conveniência da pronta efetivação da extradição”.

É por tal razão que o Supremo Tribunal Federal tem acentuado, a propósito do tema, que “Compete, exclusivamente, ao Presidente da República, uma vez deferido o pedido extradicional pelo Supremo Tribunal Federal, deliberar sobre a conveniência da entrega imediata do extraditando ao Estado requerente, não obstante o súdito estrangeiro esteja sendo processado criminalmente no Brasil ou aqui sofrendo execução penal em face de condenação imposta pela Justiça brasileira. Inteligência do art. 89 do Estatuto do Estrangeiro” (RTJ 155/34-35, Rel. Min. CELSO DE MELLO).


Essa orientação tem sido reiterada em sucessivas decisões plenárias proferidas por esta Suprema Corte (RTJ 134/1036, Rel. Min. MARCO AURÉLIO — RTJ 183/42-43, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.):

“A entrega do extraditando — que esteja sendo processado criminalmente no Brasil, ou que haja sofrido condenação penal imposta pela Justiça brasileira — depende, em princípio, da conclusão do processo ou do cumprimento da pena privativa de liberdade, exceto se o Presidente da República, com apoio em juízo discricionário, de caráter eminentemente político, fundado em razões de oportunidade, conveniência e/ou utilidade, exercer, na condição de Chefe de Estado, a prerrogativa excepcional que lhe permite determinar a imediata efetivação da ordem extradicional (…).Precedentes.”

(RTJ 185/393-394, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

Outro não é o entendimento da doutrina, cujo magistério ressalta a posição arbitral do Chefe de Estado no tema referido. Para MIRTÔ FRAGA – cujo entendimento vale referir (“O Novo Estatuto do Estrangeiro Comentado”, p. 355, 1985, Forense) —, “…se conveniente ao interesse nacional, a entrega pode efetivar-se ainda que haja processo ou tenha havido condenação. Cabe ao Presidente da República decidir sobre a conveniência da pronta entrega do extraditando (…), porque é ele o juiz do interesse nacional” (grifei).

, no entanto, outra questão, que, por revestir-se de indiscutível relevância, revela-se apta, por si só, a justificar o deferimento, com restrição, da presente extradição.

Refiro-me ao fato de que o extraditando foi condenado, no Estado requerente, à pena de prisão perpétua.

Entendo, neste ponto, que a presente extradição deve reabrir, nesta Suprema Corte, a discussão em torno de tema fundamental: a necessidade de o Supremo Tribunal Federal, ao deferir o pedido de extradição, condicionar a efetivação desse ato, quando cabível a pena de prisão perpétua (como no caso), ao compromisso do Estado estrangeiro requerente de comutá-la em pena de prisão temporária não superior a trinta (30) anos de reclusão.

A questão ora em exame assume indiscutível relevo jurídico, pois consiste em definir, dentro do contexto emergente da presente causa, o tema pertinente às relações entre duas ordens normativas — uma, consubstanciada nos tratados internacionais (o tratado de extradição Brasil/Chile, no caso presente), e outra, fundada no estatuto constitucional — ordens normativas estas que se revelam claramente desiguais em grau de validade, de eficácia e de autoridade.

Na realidade, inexiste, na perspectiva do modelo constitucional vigente no Brasil, qualquer possibilidade de a ordem normativa externa superpor-se ao que prescreve, em caráter subordinante, a própria Lei Fundamental da República, como reconhece a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (RTJ 58/70 — RTJ 83/809 – RTJ 179/493-496, v.g.) e acentua o magistério da doutrina (JOSÉ ALFREDO BORGES, in Revista de Direito Tributário, vol. 27/28, p. 170-173; FRANCISCO CAMPOS, in RDA 47/452; ANTÔNIO ROBERTO SAMPAIO DÓRIA, “Da Lei Tributária no Tempo”, p. 41, 1968; GERALDO ATALIBA, “Apontamentos de Ciência das Finanças, Direito Financeiro e Tributário”, p. 110, 1969, RT; IRINEU STRENGER, “Curso de Direito Internacional Privado”, p. 108/112, 1978, Forense; JOSÉ FRANCISCO REZEK, “Direito dos Tratados”, p. 470/475, itens ns. 393-395, 1984, Forense, v.g.).

Não desconheço que esta Corte, em 1985, alterou orientação jurisprudencial que condicionava a entrega do extraditando à existência de compromisso formal — previamente assumido pelo Estado requerente — relativo à comutação da pena de prisão perpétua em sanção temporária de privação da liberdade (RTJ 108/18 — RTJ 111/16).

Com efeito, o julgamento da Ext 426-3, requerida pelo Governo dos Estados Unidos da América, levou o Supremo Tribunal Federal, por voto majoritário, a declarar “…improcedente a alegação de ressalva para a comutação de prisão perpétua em pena limitativa de liberdade, por falta de previsão na lei ou no tratado” (RTJ 115/969).

Não obstante a orientação firmada por esta Corte, não vejo — coerente com votos proferidos em anteriores processos extradicionais (Ext 486 — Ext 654 — Ext 703-ED — Ext 711 — Ext 773 — Ext 811 — Ext 838) — como dar precedência a prescrições de ordem meramente convencional (tratados internacionais) ou de natureza simplesmente legal sobre regras inscritas na Constituição, que vedam, dentre outras sanções penais, a cominação e a imposição de quaisquer penas de caráter perpétuo (CF, art. 5º, inciso XLVII, b).

Essa cogente, absoluta e incontornável proibição de índole constitucional configura, na realidade, o próprio fundamento da norma jurídica consubstanciada no art. 75 do Código Penal brasileiro que limita a trinta (30) anos o tempo máximo de cumprimento das penas privativas de liberdade (DAMÁSIO E. DE JESUS, “Código Penal Anotado”, p. 212, 5ª ed., 1995, Saraiva; CELSO DELMANTO, “Código Penal Comentado”, p. 121, 3ª ed., 1991, Renovar; JÚLIO FABBRINI MIRABETE, “Manual de Direito Penal”, vol. 1/320, item n. 7.6.7, 9ª ed., 1995, Atlas; ÁLVARO MAYRINK DA COSTA, “Direito Penal — Parte Geral”, vol. I, tomo II/579, 4ª ed., 1992, Forense; JORGE ALBERTO ROMEIRO, “Curso de Direito Penal Militar”, p. 196, item n. 114, 1994, Saraiva; LUIZ VICENTE CERNICCHIARO/PAULO JOSÉ DA COSTA JÚNIOR, “Direito Penal na Constituição”, p. 112-114, 1990, RT).

Daí o magistério de CELSO RIBEIRO BASTOS (“Comentários à Constituição do Brasil”, vol. 2º/242, 1989, Saraiva), para quem o legislador penal brasileiro “…captou muito bem o sentido do preceito da Lei Maior”, eis que, ao fixar o limite de ordem temporal mencionado (CP, art. 75), definiu o máximo penal juridicamente exeqüível em nosso País.

Cumpre rememorar, também, por oportuno, o ensinamento de CAROLINA CARDOSO GUIMARÃES LISBOA (“A Relação Extradicional no Direito Brasileiro”, p. 221, 2001, Del Rey), que expende, sobre o tema, precisa lição:

“(…) A proibição da aplicação de pena com caráter perpétuo é um direito individual garantido no Brasil pela Constituição da República aos que se encontram sob jurisdição brasileira, e, dessa forma, tais indivíduos não podem ver-se condenados a uma pena dessa espécie.

……………………………………………

No caso do Brasil, entendemos que os direitos humanos acima mencionados referem-se tanto aqueles reconhecidos expressamente pela atual Constituição, em seu artigo 5º, quanto os estabelecidos em tratados e convenções internacionais do qual o País seja parte (§ 2º do artigo 5º). Assim, havendo a possibilidade de violação de um direito individual reconhecido pelo ordenamento brasileiro, é de se recusar a extradição. Entretanto, no caso de tal violação respeitar à possibilidade de o extraditando sofrer pena de prisão perpétua no Estado requerente, entendemos que, verificada a legalidade da extradição, para que a entrega não seja recusada, o Estado requerente deve se comprometer a não aplicar tal penalidade, estabelecendo um prazo certo para a prisão.

……………………………………………

A proibição da aplicação de pena com caráter perpétuo é um direito individual garantido, no Brasil, pela Constituição da República aos que se encontram sob jurisdição brasileira, e, dessa forma, tais indivíduos não podem ver-se condenados a uma pena dessa espécie”. (grifei)

Cabe referir, finalmente, o magistério de ARTUR DE BRITO GUEIROS SOUZA (“As Novas Tendências do Direito Extradicional”, p. 172, 1998, Renovar), no sentido de que, “…devido à obrigatoriedade da detração da prisão provisória na pena definitiva – exigível do Estado requerente no processo de extradição – somado a outros argumentos de índole constitucional, podemos sustentar que a sanção de prisão perpétua – em tese ou em concreto – encontra-se excluída de nosso direito extradicional, competindo, dessa forma, ao Supremo Tribunal, o dever de condicionar a entrega do extraditando ao compromisso de comutação em questão” (grifei).

Irrepreensível, sob todos os aspectos, o douto voto vencido do eminente Ministro RAFAEL MAYER, proferido quando do julgamento da referida Ext 426/EUA, ocasião em que esse ilustre magistrado ponderou, com indiscutível correção, a propósito do tema, o que se segue:

Entendo que a razão da interpretação compreensiva, adotada pela Corte, reside em que repugna ao ordenamento jurídico brasileiro a aplicação, em tempo de paz, da pena de morte, bem assim a prisão perpétua, ambas as sanções tratadas geralmente, ‘pari passu’, nas legislações que adotam e na doutrina como integrantes da mesma categoria de penas eliminatórias. Trata-se de um reflexo, na aplicação das leis ou dos tratados, da supremacia do valor consagrado na proibição constitucional (…), não sendo admissível faça a entrega de alguém, submetido à sua jurisdição, para sofrer pena que, no País, não se aplicaria, por absoluta incompatibilidade com os seus preceitos.”

(RTJ 115/969, 972 — grifei)

Incensurável, também, no ponto, o douto parecer da lavra do eminente Procurador-Geral da República, que se manifestou pela necessidade de comutação, em pena não superior a 30 (trinta) anos de reclusão, das penas de prisão perpétua impostas ao ora extraditando (fls. 561).

Em suma, Senhor Presidente: entendo que deve ser deferido este pleito extradicional, seja porque os delitos a ele subjacentes não se qualificam como crimes de natureza política, seja porque o ora extraditando não foi julgado por tribunal de exceção, tendo sido observadas, ainda, em seu benefício, todas as exigências inerentes ao devido processo legal – o que basta, por si só, para autorizar a concessão da extradição (RTJ 177/485-488 – RTJ 185/393-394) —, ressalvando-se, apenas, a necessidade de a República do Chile assumir formal compromisso no sentido de comutar, em pena temporária (máximo de 30 (trinta) anos de reclusão), as penas de prisão perpétua impostas a Mauricio Fernandez Norambuena, em respeito ao que determina, de modo incontrastável, a Constituição brasileira (art. 5º, inciso XLVII, “b”).

Sendo assim, tendo em consideração as razões expostas, defiro, com restrição, o pedido extradicional, em ordem a autorizar a extradição do súdito estrangeiro, somente se o Estado requerente assumir, em caráter formal, perante o Governo brasileiro, o compromisso de comutar, em pena de prisão temporária (máximo de 30 anos), as penas de prisão perpétua aplicadas ao ora extraditando.

É o meu voto.

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