Saúde abalada

Trabalhadora intoxicada em posto de saúde ganha indenização

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6 de julho de 2005, 10h10

O Hospital Conceição foi condenado a pagar indenização de R$ 300 mil a uma agente de saúde intoxicada após a dedetização no posto de saúde do bairro Jardim Itu, em Porto Alegre. A decisão é do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região.

De acordo com o processo, os inseticidas usados foram formulados à base de produtos de alta toxidade, cuja utilização foi proibida em outros países. O hospital alegou que o contrato previa o uso de outro produto, de baixa toxidade. Assim, a responsabilidade pela intoxicação seria da empresa que fez o trabalho. As informações são do TRT gaúcho.

Alegou, ainda, o hospital, não haver provas de que o estado de saúde da trabalhadora, portadora de “hepatite C”, tenha sido agravado pela inalação dos produtos utilizados na desinsetização. Além disso, sugeriu a hipótese de a própria empregada não ter seguido as orientações de segurança recomendadas antes da aplicação do produto.

A relatora do processo no tribunal, juíza Maria Helena Mallmann, considerou os fatos graves, pois “trazem acusações contra a própria razão de ser do reclamado, qual seja o zelo com a saúde humana”.

Ela entendeu que ao hospital, como contratante, cabia fiscalizar o trabalho da empresa, principalmente “quando utilizados produtos químicos de extrema nocividade à saúde”. A juíza citou Pontes de Miranda: “O guardião é responsável não em virtude do ilusório poder de direção, mas porque, tirando proveito da coisa, deve em compensação suportar-lhe os riscos, quanto mais, expõe em perigo os prepostos”.

A juíza refutou a tese do hospital de que o pagamento pelo Instituto Nacional de Seguridade Social de benefício ao segurado exclui, por si só, a responsabilidade da empresa. “O seguro social, entretanto, não exime o empregador do dever de diligência, de garantir o direito ao ambiente de trabalho saudável e à redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde e segurança”, afirmou.

Os juízes da 8ª Turma consideraram que a conduta do hospital contribuiu de forma direta para a piora do quadro clínico da trabalhadora e determinaram o pagamento da indenização.

Processo: 01021-2001-026-04-00-2 RO

Leia a íntegra do acórdão

EMENTA: RECURSO ORDINÁRIO DA RECLAMANTE

NULIDADE DO PROCESSO. CERCEAMENTO DE DEFESA.

A despeito da reconsideração do despacho que determinara a realização de perícia médica por profissional indicado pelo INSS, há nos autos dados técnicos bastantes à formação do convencimento. Tem lugar a regra constante no inciso II do parágrafo único do art. 420 do Código de Processo Civil. Cerceio de defesa não configurado. Recurso não-provido, no aspecto.

INTOXICAÇÃO DECORRENTE DA AÇÃO DE INSETICIDA À BASE DE ORGANOFOSFORADO UTILIZADO EM DESRATIZAÇÃO, DESINSETIZAÇÃO E DEDETIZAÇÃO NAS DEPENDÊNCIAS DE POSTO DE SAÚDE DO BAIRRO JARDIM ITU, VINCULADO AO GRUPO HOSPITALAR CONCEIÇÃO. AGRAVAMENTO DA SAÚDE DA OBREIRA. NEXO DE CAUSALIDADE. DANOS MORAIS E MATERIAIS.

Nosocômio que contrata terceira empresa para proceder na desratização, desinsetização e dedetização de suas dependências. Procedimento que resultou na intoxicação de mais de centena de indivíduos, entre empregados e pacientes. Reclamante, agente de saúde, portadora do vírus da hepatite C, cujo estado de saúde apresentou violenta degeneração a partir da intoxicação por inseticida à base de organofosforado chlorpirifós, de alta toxidade. Incapacidade laborativa, que redundou em sua aposentação por invalidez. Nexo causal plenamente desenhado. Danos morais e materiais devidos. Recurso provido, em parte.

REQUERIMENTO FORMULADO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO.

Nulidade da contratação, por ausência de prestação de concurso público. Requerimento não conhecido, por versar acerca de matéria estranha ao processo.

VISTOS e relatados estes autos de RECURSO ORDINÁRIO, interposto de sentença proferida pelo MM. Juízo da 26ª Vara do Trabalho de Porto Alegre, sendo recorrente SIDONIA MOLON DA FONSECA e recorrido HOSPITAL NOSSA SENHORA DA CONCEIÇÃO S/A.

A reclamante, inconformada com a sentença das fls. 297/301, que julga a ação improcedente, interpõe Recurso Ordinário. Pelas razões das fls. 307/325, pugna pela reforma do julgado nos seguintes aspectos: nulidade do processo, por cerceamento de defesa; e, indenização por danos materiais e morais.

Com as contra-razões das fls. 328/331, sobem os autos ao TRT.

Dada a natureza jurídica do reclamado, integrante da Administração Pública Indireta, os autos são remetidos ao Ministério Público do Trabalho, que oficia pela decretação de nulidade da contratação da reclamante (parecer, fls. 337/342).

É o relatório.

ISTO POSTO:

I — RECURSO ORDINÁRIO DA RECLAMANTE

01. NULIDADE DO PROCESSO. CERCEAMENTO DE DEFESA


Pugna, a recorrente, pela nulidade do processo, por cerceamento de defesa, face ao contido no despacho da fl. 180 que, reconsiderando aquele consignado na fl. 153, item 3, indefere a realização de perícia médica. Sustenta que esse meio probatório se faz indispensável em processos em que se avalia problemas de saúde.

A reclamante visa a demonstrar os fatos veiculados na inicial por meio de perícia médica e, precisamente, o nexo de causalidade entre a intoxicação provocada por desinsetização realizada em seu local de trabalho e o conseqüente agravamento de seu estado de saúde.

Para tanto, o Juízo de origem determinara, inicialmente, a realização de perícia médica, com a expedição de ofício ao Instituto Nacional de Seguridade Social para a indicação de profissional habilitado (item 3, fl. 153). Fora facultada às partes a nomeação de assistente técnico. A reclamante apresentou quesitos, fls. 157/163.

No despacho da fl. 180 o Juízo de origem reconsidera o da fl. 153, item 3, apontando não mais ser necessária a avaliação técnica pois Em nada contribuirá tal perícia para o deslinde. O fundamento é o de que A prova dos danos narrados na inicial deve ser realizada por documentação hábil (prova pré-constituída) […].

Ato contínuo, a reclamante, na forma da petição das fls. 183/186, consigna seu protesto, por cerceamento de defesa. A sentença julga improcedente a demanda.

Conquanto se entenda que, efetivamente, as alegações da inicial, de per si, apontem para a necessidade de avaliação médica, há nos autos elementos técnicos bastantes à formação do convencimento. Conclui-se, pois, ser despicienda a realização de perícia, invocando-se a regra contida no inciso II do parágrafo único do art. 420 do CPC, de aplicação subsidiária. Nulidade do processo que não se decreta. Recurso não-provido.

02. INTOXICAÇÃO DECORRENTE DA AÇÃO DE ORGANOFOSFORADO UTILIZADO EM DESRATIZAÇÃO, DESINSETIZAÇÃO E DEDETIZAÇÃO NAS DEPENDÊNCIAS DE POSTO DE SAÚDE VINCULADO AO GRUPO HOSPITALAR CONCEIÇÃO. AGRAVAMENTO DA SAÚDE DA OBREIRA. NEXO DE CAUSALIDADE. DANOS MORAIS E MATERIAIS

A decisão de origem, concluindo inexistir nexo de causalidade entre a intoxicação sofrida pela reclamante no Posto de Saúde no qual trabalhava — oriunda da ação de pesticidas (organofosforados) aplicados no procedimento contratado pelo reclamado de desratização, dedetização e desinsetização — e o agravamento de seu estado de saúde sendo mero acidente de trabalho como reconhecido pelo órgão previdenciário, mas sem ter a dimensão a ele atribuída pela autora (fundamentos da sentença, fl. 300), julga a ação improcedente.

Contra tal comando rebela-se a reclamante. Sustenta, em suma, haver evidências concretas nos autos de que o seu estado de saúde somente se agravou em decorrência da dedetização realizada em junho de 1999, nas dependências do Posto de Saúde do Bairro Jardim Itu, seu local de trabalho. Insiste nas pretensões de indenização por danos morais e materiais.

A tese da inicial é a de que, embora interrompido em virtude de acidente de trabalho, o contrato de trabalho da reclamante data desde 06 de abril de 1992, tendo ela sempre laborado como agente de saúde, junto ao Posto de Saúde Comunitário mantido pelo reclamado no bairro Jardim Itu, em Porto Alegre. Afirma que desde 1993 tem ciência de ser portadora do vírus da hepatite C, o que não a impedira de continuar exercendo suas atividades. Diz que, a partir de 1998, iniciara tratamento com médico do próprio Grupo Hospitalar Conceição, Dr. Paulo Roberto Leirias de Almeida, a fim de, com a devida medicação, erradicar a doença, a qual, pelos sintomas que passou a apresentar, sugeria a evolução para cirrose hepática. Sustenta que nos dias 12 e 13 de junho de 1999 (sábado e domingo) foi promovida a dedetização das instalações do aludido posto de saúde, mediante os serviços de terceira empresa, supostamente especializada. Enfatiza que tal procedimento foi realizado com a utilização do produto organofosforado, pesticida de reconhecida capacidade tóxica, prejudicial à saúde humana, cuja utilização foi proibida em outros países.

Sublinha que a dedetização foi realizada sem os mais elementares cuidados de proteção à saúde dos funcionários e pacientes, sem a remoção e cobertura dos móveis e equipamentos, sem sequer serem guardados os copos e louças e talheres e, o que é pior, sem prévia orientação aos funcionários sobre os cuidados a serem adotados quanto do reinício das atividades — muitos sequer tinham conhecimento da atividade de dedetização que foi realizada — e sem a adoção de quaisquer cautelas, por parte da reclamada, para evitar intoxicações (fl. 04, item 3).

Assevera que, no dia 14 de junho de 1999 (segunda-feira), quando os empregados chegaram no Posto, encontraram-no ainda com resíduos visíveis dos produtos aplicados. Entretanto, à míngua de orientação, dirigiram-se aos seus diversos locais de trabalho para dar início às suas atividades, alguns chegando, até mesmo, a fazer e tomar café, com a utilização dos utensílios, copos e xícaras ali existentes e sem que tenham, sido previamente lavados (fl. 05).


Alega que todos os funcionários do local passaram a apresentar os sintomas típicos de envenenamento por absorção de organofosforado, tais como náuseas, irritação na garganta, tonturas, cansaço, dor de cabeça, sudorese e vômitos. A partir desse quadro, conforme aduz, o reclamado temporariamente fechou o posto para que o mesmo fosse higienizado, passando os empregados a ser atendidos pelo Serviço de Segurança e Medicina do Trabalho (SESMET), o qual constatou a intoxicação ocorrida. Enfatiza que a reclamante esteve afastada do trabalho, em benefício de auxílio-doença, por cinco meses, e que este somente não foi qualificado como acidentário por conta da recusa da reclamada em imediatamente emitir a Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT), o que somente veio a fazer em 01º de outubro de 2000, quando, daí sim, o benefício passou a ser concedido. Pondera que após o período de afastamento (5 meses) teve alta, retornando, porém, ao trabalho de forma precária, já que, as seqüelas oriundas do acidente determinaram diversos novos afastamentos, situação que persiste até então.

Sublinha que, por conta exclusiva da intoxicação denunciada, restou inviabilizado o tratamento com medicação que se iniciaria, apontando, a fim de comprovar essa assertiva, para laudo fornecido pelo médico do próprio Grupo Hospitalar Conceição. Essa situação, segundo enfatiza, desencadeou o agravamento de seu estado de saúde, culminando em cirrose hepática e encefalopatia, tendo, em 10 de setembro de 2000, realizado cirurgia de transplante de fígado.

Aduz que Por estes fatos e ainda, em decorrência da encefalopatia gerada pela ação do vírus da hepatite e que não pôde ser combatida por meio de medicamentos, por força da intoxicação sofrida, moléstia esta que tem como conseqüência a existência de lapsos na atividade consciente da reclamante, vulgarmente conhecidos como “brancos”, em decorrência dos quais a reclamante não se apercebe, momentaneamente, da realidade ao seu redor, encontra-se hoje, impossibilitada de trabalhar, sem perspectivas de voltar ao exercício da sua atividade que tanta satisfação lhe deva (fl. 07, item 6).

Aponta para prejuízos de ordem financeira, já que somente percebe o valor equivalente à prestação previdenciária, montante insuficiente para fazer frente às despesas com remédios e caros exames. Além disso, diz que, face a sua situação de invalidez, necessita de acompanhamento diário, inclusive para as mais corriqueiras atividades domésticas. Noticia, ainda, que em 25 de maio de 2000 sofrera acidente de automóvel, com danos físicos e materiais, ressalvando que este só se deu como reflexo da encefalopatia decorrente da intoxicação.

Entende que os fatos narrados implicam prejuízo de ordem moral e material. Invoca disposições legais, bem como entendimento doutrinário a amparar a sua tese. Formula os seguintes pedidos: a) Indenização pelos prejuízos materiais causados à reclamante, em valor que se requer seja arbitrado por esse MM. Juízo, em quantia mensal, não inferior à metade dos vencimentos mensais recebidos quando vigente a relação, em parcelas vencidas e vincendas; b) indenização das despesas havidas em decorrência do acidente de trânsito, no valor de R$ 2.000,00 em 25.05.00; c) Indenização por dano moral, em valor a ser arbitrado por esse MM. Juízo, em quanto não inferior a 500 vezes a remuneração mensal da reclamante enquanto na ativa; […] (fl. 16).

Pretende, ainda, à constituição de capital que assegure o pagamento de quantia mensal que vier a ser fixada na alínea “a” supra (ibidem, item 2), bem como seja declarado o direito da reclamante ao ressarcimento das demais despesas que vier a pagar, em decorrência do acidente de trânsito antes apontado (fl. 17, item 3).

A reclamada apresenta defesa, sustentando ter contratado a empresa Rotor System Ltda. para promover a desratização, desinsetização e dedetização das Unidades do Serviço Comunitário. Tal serviço ocorrera entre os dias 11 e 14 de junho de 1999. Sustenta que em 15 de junho, um dia após a execução dos trabalhos, os chefes das Unidades (Posto de Saúde), relataram ter sentido um forte cheiro de desinsetização, tendo a chefia do Serviço Comunitário, imediatamente suspendido os serviços nas Unidades onde ainda não tinham sido efetivados tais serviços (fl. 129, item 9).

Reconhece que no dia 16 de junho de 1999 vários empregados apresentaram sintomas de cefalia, náuseas, diarréia, dor abdominal, entre outros, tendo os encaminhado, imediatamente, ao Serviço Especializado de Segurança e Medicina do Trabalho do reclamado, providenciando no fechamento das Unidades, com a suspensão do atendimento médico à população. Pondera que contratara os serviços da Rotor System, mas para que fosse empregado o produto chamado piretróide, de baixa toxidade, e não o organofosforado.


Sinala que os esclarecimentos da citada empresa são no sentido de que o uso deste produto (organofosforado) foi aprovado e registrado no Ministério da Saúde e que as quantidades utilizadas equivalem à aplicação daquele (piretróide). E enfatiza que seguiu todas as orientações preconizadas pela empresa, bem como pelo Serviço Médico de pessoal. Se isso não foi suficiente e se efetivamente houve intoxicação, sendo esta decorrente dos produtos aplicados pela Rotor System, não cabe responsabilidade a Reclamada, como quer fazer crer a Reclamante (fl. 131).

Assevera ter prestado assistência a todas os empregados atingidos que apresentaram sintomas de intoxicação, em mais ou menos grau (ibidem), não podendo ser responsabilizada por culpa in eligendo ou in vigilando. Pondera não haver provas de que a inalação dos produtos utilizados tenha agravado o já debilitado estado de saúde da reclamante, e que talvez no seu caso, portadora de hepatite “c” tenha tido mais sensibilidade, porém, não significa que isso tenha aprofundado seu estado de saúde (item 20, fl. 132).

Alega que, se culpa houve, esta não pode ser atribuída ao reclamado, mas sim à Rotor System Ltda., ou, quem sabe, a própria Reclamante que não seguiu as orientações de segurança preconizadas a todos antes da aplicação dos produtos (item 21, ibidem).

Os fatos relatados na inicial, se devidamente comprovados, revestem-se da mais absoluta gravidade. Trata-se de lide trabalhista ajuizada contra o Hospital Nossa Senhora da Conceição, que congrega o Grupo Hospitalar Conceição — de notórios bons serviços médicos prestados em prol da comunidade gaúcha — trazendo no seu bojo acusações contra a própria razão de ser do reclamado, qual seja o zelo com a saúde humana.

Face a tese esposada na contestação, examina-se, em primeiro lugar, a alegada inexistência de responsabilidade do reclamado para o evento ocorrido — intoxicação oriunda da ação do produto organofosforado — esta, ao que se infere, incontroversa (v.g., itens 25 e 26, fl. 133).

Certo é que o reclamado contratou a empresa Rotor System Ltda. para promover a desratização, desinsetização e dedetização das Unidades do Serviço Comunitário, abrangendo aí o Posto de Saúde do Bairro Jardim Itu, local de trabalho da reclamante. Tal serviço, segundo alega, deu-se entre os dias 11 e 14 de junho de 1999. Faz-se a defesa no sentido de que a responsabilidade pelos fatos são inteiramente imputáveis à referida empresa, ou, quem sabe, a própria Reclamante que não seguiu as orientações de segurança preconizadas a todos antes da aplicação dos produtos (item 21, fl. 132).

A tese patronal não se sustenta. Por meio de processo licitatório, elegeu a empresa Rotor System Ltda (documentos das fls. 138/141) para a execução dos mencionados serviços que, pela sua própria natureza, exigem máximo zelo e rígida observância às regras de segurança. Ao reclamado, contratante do serviço, cabia-lhe, inequivocamente, fiscalizar o trabalho contratado, máxime quando utilizados produtos químicos, de extrema nocividade à saúde, como se verá a seguir. E, à evidência, a responsabilidade do reclamado, tratando-se de nosocômio, é ainda maior.

Ao empregador incumbe o desvelo, o legal dever de zelar pela incolumidade física e mental de seus empregados quando em exercício, mantendo-a intata — e, no caso do reclamado, nosocômio, também daqueles que estão sob seus cuidados. Sua responsabilidade, relativamente aos seus subordinados, é objetiva; sua culpa pressupõe a […] inexecução de um dever que o agente podia conhecer e observar (SAVATIER, apud, STOCO, Rui, Responsabilidade Civil e sua Interpretação Jurisprudencial, 2ª ed., Ed. RT: São Paulo, 1995, p. 51).

Trata-se do elemento “risco”, estatuído no caput do art. 2º da CLT. De invocar-se, também, o mega princípio tuitivo, coluna-mestra do Direito Obreiro, bem como o disposto no inciso XXVIII, art. 7º da Constituição Federal (direito do trabalhador a seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado quando incorrer em dolo ou culpa) e, por fim, a regra de ordem pública contida no art. 157, incisos I e II da CLT. O incontestável Pontes de Miranda, em seu Tratado de Direito Privado, vol. II, p. 209, elucida que Se assim é, para quem cria o perigo, mesmo que não tenha culpa com maior razão haverá de ser responsabilizado quem cria ou mantém em tráfego, em movimento, irradiação ou escoamento, algo que seja fonte de perigo. No mesmo sentido, Aguiar Dias, verbis: O guardião é responsável não em virtude do ilusório poder de direção, mas porque, tirando proveito da coisa, deve compensação suportar-lhe os riscos, quanto mais, expõe em perigo os prepostos (DIAS, Aguiar, Responsabilidade Civil, 5ª ed, Rio de Janeiro: Forense, vol. II, p. 33).


Não encontra guarida, também, a alegação de que o pagamento pelo Instituto Nacional de Seguridade Social, de benefício ao segurado, exclui, por si só, a responsabilidade da empresa, invocando-se o contido no art. 156 do Decreto nº 2172, de 05 de março de 1997 (O pagamento pela previdência social das prestações por acidente de trabalho não exclui a responsabilidade civil da empresa ou de terceiros). Invoca-se, também a doutrina de Sebastião Geraldo de Oliveira, verbis: O seguro social, entretanto, não exime o empregador do dever de diligência, de garantir o direito ao ambiente de trabalho saudável e à redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde e segurança. Assim, quando o empregador descuidado dos seus deveres concorrer para o evento do acidente com dolo ou culpa, fica caracterizado o ato ilícito, gerando direito à reparação de natureza civil, independente da cobertura previdenciária. A rigor a causa do acidente, nessa hipótese, não decorre do trabalho, mas do descumprimento dos deveres legais atribuídos ao empregador (OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de, Proteção Jurídica à Saúde do Trabalhador, São Paulo: LTr, 1996, p. 76).

Gratuita, de qualquer sorte, a afirmação patronal que procura impingir à reclamante — que à época dos fatos possuía 63 anos de idade — a responsabilidade pelos danos físicos por ela sofridos, mormente quando o próprio reclamado não diverge sobre a gama de trabalhadores afetados pela nociva ação do agente organofosforado. Invoca-se a Lei 8213/91, no sentido de que a responsabilidade do empregador persiste mesmo nos casos de culpa do empregado.

O inesquecível João Antonio Guilhembernard Pereira Leite, em suas pertinentes e sempre atuais lições acerca do acidente de trabalho, preleciona que A culpa (em sentido estrito) do trabalhador é irrelevante. Sua imprudência, negligência ou imperícia não cortam a relação de causa e efeito entre o trabalho e o acidente nem impedem a incidência das normas relativas ao infortúnios do trabalhador. […]. A importância das repercussões sociais do acidente do trabalho empurrou para o fundo do palco a discussão sobre a existência mesma de culpa. Inafastável a necessidade de acudir às vítimas dos acidentes do trabalho e imperativa a imputação a alguém da responsabilidade, conclui-se por afastar pura e simplesmente a culpa da vítima como excludente do evento contido na hipótese de incidência das regras legais, sem cogitar da possível inexistência de culpa na imprudência, imperícia ou negligência de quem trabalha para sobreviver e quase inevitavelmente, pela repetição automática decorrente do maquinismo e da divisão do trabalho, incorrerá em conduta que, à luz dos conceitos dominantes em direito privado, definir-se-á como culposa. […] Se é possível pôr em causa a existência mesma de culpa, de todo razoável e justo é desprezá-la, aceitando, apesar dela, o acidente do trabalho (LEITE, João Antonio Guilhembernard Pereira, Curso Elementar de Direito Previdenciário, São Paulo: LTr, 1977, pp. 208/209).

Somente nas hipóteses de dolo do empregado é que a responsabilidade patronal se esvazia. E, no caso, as alegações da defesa acerca da conduta culposa (em sentido amplo) da reclamante são gratuitas.

Passe-se, agora, a analisar a lide no que concerne aos elementos fáticos produzidos.

Indiscutível que o evento relatado na inicial e parcialmente confirmado na defesa, implicou tão importantes seqüelas para a saúde da obreira. E isso tanto é verdadeiro que o próprio órgão previdenciário, após a tardia emissão da CAT pelo reclamado, em 24 de outubro de 2000 (fls. 206/207), concedeu-lhe, naquele momento, o respectivo benefício previdenciário, restando caracterizada, à evidência, o necessário nexo causal para a sua obtenção. Passa-se a examinar, mesmo assim, outros caracteres não menos relevantes para o deslinde.

É um dado pacífico nos autos que a reclamante, portadora do vírus da hepatite C, desde 1993, laborara normalmente para o reclamado, como Agente de Saúde, junto à Unidade de Saúde Comunitária do Bairro Jardim Itu.

Certo, também, que iniciara em 1998 tratamento correspondente, mediante acompanhamento médico do Grupo Hospitalar Conceição, visando a erradicar a doença.

Dada à evolução da doença e diante do resultado da biópsia realizada em março de 1999, que revelara o quadro de hepatite crônica com atividade leve, pontes fibrosas porta-porta, sugestivo, mas não conclusivo de cirrose (laudo da fl. 24), foi proposto pelo médico responsável, Dr. Paulo Roberto Lerias de Almeida, o uso das drogas Interferon e Ribavirina, para tentar erradicar o vírus da Hepatite C e, assim, evitar a evolução da doença para uma fase de cirrose descompensada e/ou hepatocarcinoma (ibidem). E, de acordo com o que atesta o citado profissional no mesmo laudo (fl. 24), a reclamante Em 17/06/1999 compareceu à consulta para, tendo recebido as drogas acima prescritas, receber as últimas orientações antes de iniciá-las.


Todavia, antes que efetivamente começasse a usá-las, compareceu a consulta na data de 01/07/1999 com aumento do volume abdominal, que, à ecografia, comprovou a suspeita clínica de presença de ascite, caracterizando uma nova fase da doença — cirrose descompensada — que inviabilizaria o uso das drogas Interferon/Ribavirina. Relatava, nesta ocasião, espisódio de exposição à pesticidas ocorrido alguns dias antes (sic, ibidem, grifo nosso).

Declara, ainda, que, poucos dias depois, em 05 de julho, a reclamante foi hospitalizada, lá permanecendo até o dia 10 de julho de 1999. Ressalta que a alta se deu sem sinais de ascite, mantendo-se, a reclamante, em uso permanente de diuréticos e dieta restrita em sal, relatando, ainda, que Em fevereiro de 2000, após recidiva de ascite e evidências de deterioração da função hepática […], encaminhei-a à avaliação do Grupo de Transplante Hepático da Santa Casa de Porto Alegre, tendo sido subsequentemente incluída na lista de espera para transplante de fígado. Permaneceu em acompanhamento ambulatorial comigo até a data do transplante, ocorrido no início de setembro de 2000. Desde então, tem sido tratada e acompanhada pelo Grupo de Transplante Hepático (sic, ibidem, grifo nosso). Esse laudo é confeccionado em 05 de março de 2001.

Conforme atestado médico da fl. 200, de 18 de abril de 2002, emitido pela Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, a reclamante foi submetida a transplante de fígado, em 10 de setembro de 2000, estando internada nessa instituição para tratamento de rejeição aguda moderada, desde 02/04/02, devendo permanecer internada por tempo indeterminado.

O Instituto Nacional de Seguridade Social, reconhecendo a gravidade das lesões e a degeneração do estado de saúde da obreira, aposentou-a por invalidez, em 06 de agosto de 2002, consoante dão conta os documentos da fls. 274.

Na esteira do contexto acima evidenciado, conclui-se que o estado de saúde da obreira regrediu abruptamente a partir de junho de 1999, quando fora impedida de iniciar o tratamento com medicação — visando a erradicar o vírus da hepatite C —, por conta da trágica intoxicação que, diga-se, vitimou mais de centena de pessoas, entre os profissionais da saúde e pacientes do nosocômio, conforme dão conta os documentos das fls. 282/286.

O reclamado, veementemente, nega a existência de nexo de causalidade entre o acidente verificado com a dedetização e o agravamento da higidez da obreira. Sintetiza sua defesa, afirmando que o quadro clínico posterior ocorreu como conseqüência natural da ação do vírus da hepatite C, do qual a reclamante era portadora. Equivoca-se.

Preambularmente, impõe-se tecer, por relevante, algumas considerações sobre a conduta processual do reclamado.

Desde a petição das fls. 169/172, protocolizada em 22 de janeiro de 2002, a reclamante pretendera fosse a reclamada instada a juntar, sob pena de confissão, levantamento pericial das condições da intoxicação dos empregados do Grupo Hospitalar Conceição, trabalho técnico que alegara ser da lavra do Dr. Lenine Alves de Carvalho, por si contratado para tanto e que emitiu e entregou à reclamada, o seu laudo a respeito (item 4, fl. 171). O escopo probatório, evidentemente, era o de demonstrar o nexo de causa e efeito, nos termos da inicial.

Notificada para falar sobre a aludida petição, o reclamado sustentara que Quanto a juntada de um laudo médico elaborado com a colaboração do Dr. Lenine, desconhece a Reclamada da existência de tal documento (item 7, fl. 177).

Veja-se que, a esta altura dos acontecimentos, a reclamante já adunara aos autos, com a inicial, o documento da fl. 61 (oriundo do próprio Grupo Hospitalar Conceição), no qual é consignado um relato sobre os eventos subseqüentes à desinsetização das unidades do Serviço de Saúde Comunitária. Este documento registra, no item 2 (ATIVIDADES COM A POPULAÇÃO: ESCLARECIMENTOS E PROCEDIMENTOS DIANTE DE EXPOSIÇÃO), o seguinte, verbis: As equipes de Saúde solicitaram orientações sobre os esclarecimentos a serem dados à população sobre o ocorrido, de forma que se tenha o cuidado de não criar medos desnecessários, e ao mesmo tempo garantindo que possíveis contaminados possam receber os cuidados necessários. Existem algumas dúvidas técnicas a serem discutidas. Para isso haverá uma reunião amanhã com o Dr. Lenine, que resultará em uma orientação geral, por escrito. […] (fl. 61, grifo nosso).

Ato contínuo (petição fl. 186, item c), a reclamante reiterara o que antes havia formulado, no sentido de juntada do levantamento pericial realizado pelo Dr. Lenine Alves Carvalho.

O Juízo, entretanto, silenciara acerca do requerimento, somente o acolhendo, após novo pedido, consubstanciado na petição das fls. 197/199. E intimara o reclamado para que fosse apresentado o referido parecer técnico, sob as penas do art. 359 do CPC (despacho da fl. 202).


A despeito de tal comando, o reclamado alegara não dispor do mencionado laudo pericial produzido pelo Dr. Lenine, como afirma a Reclamante (fl. 205), mas já flexibilizando sua posição ao ressalvar que mesmo que o Dr. Lenine tivesse confeccionado a referida perícia, esta não auxiliaria o juízo, eis que a Reclamante já era portadora da patologia (hepatite “c” crônica), ao tempo dos fatos narrados na inicial (ibidem).

Em sua petição das fls. 211/214, a reclamante denunciara a conduta processual do reclamado, enfatizando que A exibição de tais documentos, fora requerida, com o objetivo de demonstrar o nexo causal entre o acidente ocorrido e as lesões sofridas pela reclamante, afigura-se, tanto mais necessária, quanto foi indeferida a realização de prova perici al que tinha esse objetivo. […] A recusa está fundada na alegada inexistência de tais documentos. Falta com a verdade, a reclamada, quando alega a inexistência destes documentos, havendo a recusa à exibição deve ser havida por ilegítima, com a aplicação à reclamada da penalidade ali prevista. […] o laudo de avaliação de acidente, realizado pela reclamada com a colaboração do Dr. Lenine Alves Carvalho, é documento de cuja existência tomaram conhecimento todos os empregados afetados pelo acidente e cujas condições de trabalho foram por aquele verificadas — inclusive as testemunhas arroladas no presente feito, prova esta que a reclamada parece desprezar quando pretende alterar a verdade dos fatos (inciso III do art. 17 do CPC) (fl. 212).

Desde a petição protocolizada em 22 de janeiro de 2002, a reclamante defendera a tese de que foi confeccionado parecer técnico sobre a noticiada intoxicação, da lavra do Dr. Lenine Alves de Carvalho. Esse fato sempre fora contestado pelo reclamado que alegara a inexistência desse levantamento.

Em 05 de julho de 2002 a reclamante obteve fotocópia parcial do Relatório Final de Consultoria (fls. 221/260), esta realizada pelo epidemiologista Dr. Lenine Alves de Carvalho, confeccionado em 31 de janeiro de 2000, consistente no laudo de INVESTIGAÇÃO EPIDEMIOLÓGICA DE INTOXICAÇÃO PELO AGROTÓXICO CHLORPIRIFÓS, EMPREGADO PARA DESINSETIZAÇÃO DE 8 (OITO) POSTOS DE SAÚDE DA DSC/GHC E MONITORAMENTO BIOLÓGICO DOS INDIVÍDUOS ENVOLVIDOS NO EPISÓDIO (fl. 228, grifamos).

Trata-se de levantamento científico, de cunho confidencial, assinado pelo Dr. Lenine, Consultor em Toxicologia de Agrotóxicos, possuindo como objetivo prestar contas, ao Contratante e aos indivíduos expostos, das informações e conclusões mais significativas alcançadas no decorrer desta Consultoria (fl. 233, grifamos).

Esclarece, tal laudo, que essas informações foram obtidas por meio de uma investigação epidemiológica, que possibilitou a realização de um monitoramento biológico dos expostos por um período de 90 dias […] (ibidem). Traça como principal finalidade da investigação detectar, nos Postos de Saúde, o grupo de expostos que deveria ser acompanhado dentro do período de 90 dias, segundo os critérios expostos no item 3.2.2 (fl. 324). Enfatiza, o mencionado cientista, que Como resultado da investigação, o Consultor decidiu apresentar uma proposta de continuidade do monitoramento, visto o risco de seqüelas relacionadas à intoxicação, a partir da identificação do grupo de expostos que deveria ser acompanhado por períodos mais prolongados (além de noventa dias).

Tal intento demandou uma revisão sobre o assunto, no sentido de esclarecer ao Consulente e aos indivíduos expostos os mecanismos toxicológicos envolvidos numa intoxicação por um OF e, mais precisamente, pelo agente causador, o Chlorpirifós (ibidem, grifo nosso).

Instada a falar sobre a petição da reclamante, bem como sobre o laudo do Dr. Lenine, o reclamado manifesta-se conforme fls. 264/265. Seus argumentos impressionam.

Além de sustentar a intempestividade da juntada do laudo, pondera que o mesmo foi obtido por meios ilícitos, insistindo na tese de que desconhece o laudo (fl. 265). Tão abjeta é a tese patronal, que sua própria testemunha, Dr. Paulo Roberto Leirias de Almeida, profissional da reclamada e que assistia a reclamante até a cirurgia de transplante de fígado, declara ter conhecimento superficial do trabalho realizado pelo Dr. Lenine junto aos funcionários expostos ao pesticida (fl. 293).

Também a Sra. Edelves Rodrigues, testemunha da reclamante e que para a Hospital Conceição trabalha desde 1990, como assistente social, relata que a reclamada fez um contato com o Dr. Lenine, para acompanhamento dos casos dos funcionários, fazendo um monitoramento (fl. 294). Demais disso, em seu laudo investigatório, o Dr. Lenine sempre qualifica o Grupo Hospitalar Conceição como contratante, se autodenominando de consulente. São elementos de prova importantes e que infirmam as alegações patronais.


No mais, a defesa do reclamado relativamente à questão de fundo debatida nos presentes não surpreende.

Malgrado os gravíssimos fatos denunciados na inicial, o reclamado não demonstra via documental ter diligenciado com mínimo siso visando a preservar à saúde e o bem-estar da reclamante. Sequer indícios há no sentido de que tenha amparado a reclamante – pessoa que à época dos fatos possuía 63 anos de idade – nos momentos subseqüentes ao infortúnio.

A propósito, e somente visando a reforçar tal entendimento, a matéria constante na Revista Galileu, de distribuição nacional (fotocópias anexadas nas fls. 282/286), acerca da intoxicação ocorrida nas dependências do reclamado, com a manchete A intoxicação abafada (grifamos) enfocando, em especial, o caso da ex-empregada, Sra. Sidônia Malon da Fonseca, ora reclamante. E somente para que não pairem dúvidas acerca da autenticidade desse documento, invoca-se a mesma matéria disponível na internet, visualizada no sítio http://revistagalileu.globo.com/Galileu/0,6993,ECT456968-1718,00.html.

A conduta culposa foi fundamental para a avassaladora degeneração do quadro clínico da reclamante, como a seguir se verá.

Do conjunto da prova coligida, há elementos bastantes a que se conclua pelo nexo de causalidade, este imprescindível a amparar a tese obreira. A propósito, como já salientado alhures, o próprio órgão previdenciário reconhece existente esse imprescindível requisito, tanto que a aposentou por invalidez.

Consoante exaustivamente já consignado, mesmo antes do sinistro evidenciado pela intoxicação coletiva decorrente da desratização, desinsetização e dedetização no Posto de Saúde do Bairro Jardim Itu, a reclamante já era portadora do vírus da hepatite C.

Da mesma sorte, dada a evolução da doença e diante do resultado da biópsia realizada em março de 1999, que revelara o quadro de hepatite crônica com atividade leve, pontes fibrosas porta-porta, sugestivo, mas não conclusivo de cirrose (laudo médico, fl. 24), foi proposto pelo médico responsável, Dr. Paulo Roberto Lerias de Almeida (que mais tarde veio a ser única testemunha da reclamada), o uso das drogas Interferon e Ribavirina, para tentar erradicar o vírus da Hepatite C e, assim, evitar a evolução da doença para uma fase de cirrose descompensada e/ou hepatocarcinoma (ibidem).

Este mesmo profissional atesta que a reclamante Em 17/06/1999 compareceu à consulta para, tendo recebido as drogas acima prescritas, receber as últimas orientações antes de iniciá-las. Todavia, antes que efetivamente começasse a usá-las, compareceu a consulta na data de 01/07/1999 com aumento do volume abdominal, que, à ecografia, comprovou a suspeita clínica de presença de ascite, caracterizando uma nova fase da doença — cirrose descompensada — que inviabilizaria o uso das drogas Interferon/Ribavirina. Relatava, nesta ocasião, espisódio de exposição à pesticidas ocorrido alguns dias antes (sic, ibidem, grifo nosso).

Também declara que, poucos dias depois, em 05 de julho, a reclamante foi hospitalizada, lá permanecendo até o dia 10 de julho de 1999, ressaltando que Em fevereiro de 2000, após recidiva de ascite e evidências de deterioração da função hepática […], encaminhei-a à avaliação do Grupo de Transplante Hepático da Santa Casa de Porto Alegre, tendo sido subsequentemente incluída na lista de espera para transplante de fígado. Permaneceu em acompanhamento ambulatorial comigo até a data do transplante, ocorrido no início de setembro de 2000. Desde então, tem sido tratada e acompanhada pelo Grupo de Transplante Hepático (sic, ibidem, grifo nosso).

De reiterar-se que a reclamante foi submetida a transplante de fígado no dia 10 de setembro de 2000 (prontuário médico da fl. 79 e atestado da fl. 200).

O procedimento contratado junto à empresa Rotor System Ltda foi realizado no Posto de Saúde do Bairro Jardim Itu, precisamente no dia 12 de junho de 1999 (sábado), conforme dá conta o quadro nº 1, item 1 do laudo do Dr. Lenine (fl. 232). A própria reclamada reconhece em sua contestação que um dia após a execução dos trabalhos, os chefes das Unidades (Posto de Saúde), relataram que sentiram forte cheiro de desinsetização (item 9, fl. 129).

O citado epidemiologista relata que Durante os dias subseqüentes, em 5 (cinco) PS (postos de saúde) que haviam recebido aplicação do(s) produto(s), foram ocorrendo queixas difusas, porém de agravo semelhante, por parte de vários funcionários, agravo esse possivelmente relacionado ao forte cheiro deixado no ambiente, após a aplicação (fl. 232).

E graves são os fatos que se extraem do depoimento da testemunha convidada a depor pela reclamante, Sra. Edelves Rodrigues, assistente social e atual chefe do Posto de Saúde do Bairro Jardim Itu, que, além de revelar dados temporais importantes, bem traduzem o descaso e a incúria patronal.


Relata que a empresa dedetizadora esteve no posto na sexta-feira (dia 11/6/1999), informando que necessitava que alguém abrisse o posto no sábado (dia 12/6/1999), para fazer a dedetização; que não houve comunicação a respeito da dedetização e dos procedimentos a serem adotados após esta; que ficaram sabendo da dedetização pela empresa que prestaria o serviço; quando retornaram para o trabalho na segunda-feira (14/06/1999), o que a depoente fez cedo da manhã, encontraram um bilhete da colega que abrira o posto no sábado, junto ao relógio ponto, dizendo que não era para limpar nada, para que o produto agisse mais; que passaram pano úmido para retirar o veneno empoçado para poderem prestar atendimento ao público; na segunda-feira (14/06/1999) todos trabalharam normalmente; na terça (15/06/1999) todos se queixavam de sintoma de gripe, com coriza e dor de cabeça; na quarta-feira (16/07/1999) ficaram sabendo que em outra unidade de saúde os funcionários tinham sido atendidos na emergência do Hospital Cristo Redentor, possivelmente em razão dos venenos; que em razão da demanda do trabalho, continuaram trabalhando na quarta-feira; que na quinta-feira (17/06/1999) todos no posto estavam se sentindo muito mal, sendo que alguns tinham sido atendidos no Hospital Cristo Redentor e outros no serviço médico do trabalho; que nesse dia, às 12h, a chefia resolveu fechar o posto; que contataram a chefia diretamente acima, que já tinha conhecimento dos fatos em razão dos outros postos de saúde, bem como contataram o Centro de Informação Toxicológica — CIT, sendo que a depoente tomou a iniciativa de contatar com o Dr. Lenine, seu conhecido, que trabalhava na área de toxicologia; o Sr. Lenine recomendou que não entrasse mais na área, colocando seus serviços à disposição; a reclamada fez um contrato com o Dr. Lenine, para acompanhamento dos casos dos funcionários, fazendo um monitoramento (fl. 294 grifamos, além de inserir e sublinhar as datas entre parênteses, para uma melhor compreensão do aspecto cronológico).

Verifica-se, portanto, que o Posto de Saúde em que trabalhava a reclamante seguiu em funcionamento durante os dias subseqüentes à dedetização, mesmo após a verificação de manifestos sinais de veneno e de mal-estar entre a comunidade e os empregados.

A gravidade dos acontecimentos no Posto de Saúde do Bairro Jardim Itu tomou dimensões tão significativas, que, somente quando a situação se tornou insustentável, com todos se sentindo muito mal, é que o local foi fechado, e assim mesmo manteve-se de portas abertas até às 12h. Trata-se de fato da mais absoluta relevância para a esclarecimento da lide.

Não houve qualquer esclarecimento junto aos empregados dos procedimentos a serem realizados após a desinsetização. Uma cautela patronal mínima sequer restou evidenciado nos autos. Ao revés, a prova oral retrotranscrita corrobora a tese da inicial acerca da negligência do empregador acerca da incolumidade física de seus empregados.

O aspecto cronológico, na espécie, é de suma importância. Veja-se que o médico até então responsável pelo tratamento da reclamante, Dr. Paulo Roberto Leirias de Almeida, em seu laudo da fl. 24, declara expressamente que a reclamante compareceu para consulta, em 17 de junho de 1999 (quinta-feira), visando a receber as últimas orientações antes de iniciar o importante tratamento com a medicação Interferon/Ribavirina. Entretanto, quando do seu retorno em 1º de julho de 1999, com aumento de volume abdominal — que à ecografia restou comprovada a presença de ascite, caracterizando uma nova fase da doença: cirrose descompensada (ibidem) — foi inviabilizado o tratamento à base das drogas recomendadas e que tinham por fito erradicar o vírus da hepatite C.

Então, diante desses caracteres, desenhado está que o reclamado, conquanto o relato de seus empregados que no primeiro dia útil posterior à desinsetização já acusaram forte cheiro de veneno, manteve em funcionamento o Posto de Saúde do Bairro Jardim Itu por mais quatro dias (17/6/1999).

A gama de efeitos maléficos à saúde ocasionados pela ação dos inseticidas à base de organofosforados utilizados na dedetização, redundou o afastamento temporário de alguns empregados, sendo que há alguns que estão até hoje afastados (depoimento da testemunha Edelves Rodrigues, assistente social da reclamada, grifo nosso, fl. 294), infirmando a tese da contestação de que Todos os seus colegas, em circunstâncias idênticas à Reclamante, gozam de boa saúde, nada podendo imputar-lhe sobre seqüelas decorrentes da inalação do referido produto (item 23, fl. 132).

Nesse sentido, a testemunha Ione Nichele, líder comunitária no Bairro Jardim Itu, declara que nem todos os funcionários continuaram trabalhando no posto, após a dedetização; que há uma psicóloga que está afastada em razão de problemas de saúde, estando impedida de caminhar (fl. 295, grifo nosso).


Chama a atenção o documento da fl. 23, também subscrito pelo Dr. Paulo Lerias de Almeida. Nele é atestado que, para fins de perícia médica, que a Sra. Sidonia M. Fonseca é portadora de Cirrose associada ao vírus de Hepatite C; já apresentou descompensação por 2 vezes sob a forma de ascite. Encontra-se na lista de espera para transplante hepático. Atesto, ainda, que a primeira descompensação, ocorrida em julho de 1999, foi precipitada por quadro de intoxicação ocupacional por organofosforado (grifo nosso, sublilnhamos).

Esse atestado é confeccionado em 10 de julho de 2000, quando a reclamante sequer havia aforado a presente. E tal assume relevância, na medida em que àquela época o referido profissional — de resto, um especialista em hepatologia, com mestrado na área (fl. 292) — o produzira com a mais livre isenção de ânimo, presume-se.

Data maxima venia do entendimento esposado na origem, o nexo de causa (ação do produto organofosforado, utilizado na desinsetização) e efeito (degeneração da saúde da reclamante), encontra-se sobejamente desenhado. E essa circunstância salta aos olhos ao deparar-mos com a conclusão inserta no parecer do Dr. Lenine, no sentido de que O início e a duração dos sintomas da intoxicação dependem da toxicidade inerente ao produto, da dose, da rota de exposição e dos fatores individuais que aumentem a suscebilidade ao produto: alcoolismo, condições nutricionais, doença hepática preexistente, […] entre outros (fl. 235, grifamos). E esclarece que A avaliação da atividade de algumas enzimas hepáticas justifica-se pela tendência de alterações relatadas na bibliografia (OMS, 1991 — entre outras), no caso de intoxicações por OF (organofosforados) (fl. 241, grifamos).

O testemunho do Dr. Paulo Leirias de Almeida, cujos fundamentos sentenciais tiveram por base os dados técnicos nele contidos, deve ser examinado com reservas. No início do seu depoimento, a testemunha traz dados técnicos, cujos termos científicos foram didaticamente “explicados”.

Relata que, verbis: o termo hipertensão portal é indicativo do quadro de cirrose; o depoente prescreveu tratamento com Interfon e ribavirina, drogas antivirais indicadas para o quadro da reclamante, de hepatite crônica; que essas drogas são indicadas para tratamento do hepatite, seja inicial, intermediário ou avançado, como era o caso da reclamante; as drogas buscam erradicar o vírus e impedir a evolução da doença; o uso das drogas antivirais só não tem mais lugar quando o paciente está em fase descompensada, isto é, cirrose com complicações, em estágio mais avançado que o da cirrose; que neste caso as drogas são contraindicadas; a depoente chegou a receber os medicamentos da Secretaria da Saúde; como de praxe, a reclamante já dispondo dos medicamentos, a reclamante fez consulta “pré-tratamento”; que duas semanas depois a reclamante faz nova consulta, relatando que não iniciara o tratamento porque sofrera exposição ocupacional à pesticidas, relatando que não estava se sentindo bem; nessa consulta o depoente constatara quadro de ascite, indicativo de cirrose descompensada; o depoente suspendeu o uso da medicação, que não havia sido iniciado; se tivesse sido iniciado o tratamento com os medicamentos, este seria interrompido; a reclamante foi internada para tratamento da complicação acima referida (fls. 292/293).

De reiterar-se que se trata de especialista na área da hepatologia, tendo fornecido dados importantes ao deslinde. Conclui-se, a partir desse depoimento, que “ascite” é indicativo de “cirrose descompensada”, que por sua vez é o “estágio mais avançado da cirrose; cirrose com complicações”.

Não surpreende, também — ao contrário do entendimento esposado na sentença —, que a testemunha declare que a evolução do quadro da reclamante, seja a evolução natural da hepatite “c” sem o uso das drogas acima referidas (ibidem).

Ora, a medicação prescrita tinha por fito erradicar a doença. Sem ela, o quadro clínico da reclamante naturalmente se agravaria.

A testemunha também declara expressamente que em 50% dos casos, em média, após o uso das drogas, o vírus é eliminado e que a chance da doença não progredir, estacionando, é grande, sem que ocorra a cura total (fl. 293, grifo nosso, sublinhamos).

Veja-se: o mesmo profissional que em 10 de julho de 2000 (quando ainda não ajuizada a demanda) — atestara que a primeira descompensação, ocorrida em julho de 1999, foi precipitada por quadro de intoxicação ocupacional por organofosforado (fl. 23, grifo nosso) é o mesmo que em 12 de julho de 2003 (ao ser inquirido como testemunha), responde que a suspensão do uso da medicação decorreu do quadro de ascite (estágio mais avançado da cirrose; “descompensação”), sem ter relação com o quadro de intoxicação; a ascite não pode decorrer da intoxicação ao pesticida; […]; que não há relação entre os efeitos de uma exposição à organofosforado, com a piora da doença no fígado; o depoente pode concluir que o quadro apresentado pela reclamante, na consulta do dia 01.07.1999, de cirrose descompensada, era de uma evolução natural da doença (fl. 293, grifamos e sublinhamos).


As informações do Dr. Paulo Leirias são absolutamente colidentes. A primeira, constante no atestado da fl. 23, produzido antes do ajuizamento da ação, dá conta de que a primeira descompensação (ascite) foi precipitada por quadro de intoxicação ocupacional decorrente da ação de organofosforado; a segunda, consignada no depoimento do médico (fl. 293) no sentido de que a descompensação não teve relação com o quadro de intoxicação, tendo a testemunha enfatizado que a ascite não pode decorrer da intoxicação ao pesticida (sublinhamos).

A testemunha, pois, demonstra inequívoco esforço em desvincular a intoxicação evidenciada nas Unidades de Saúde do reclamado com o agravamento do quadro clínico da reclamante. A robustez dos elementos de convicção dos autos amparam seja acolhido o apelo.

É incontroverso que o processo de dedetização foi realizado com a utilização de inseticida à base de Chlorpirifós, do grupo químico pertencente aos organofosforados.

Os contornos da gravidade da intoxicação dos empregados do reclamado foram tão significativos que chegou a ser proposto, inicialmente, a formação de um grupo de especialistas – neurologista, psiquiatra, clínico geral e um médico do Serviço de Saúde Comunitária — para acompanhamento e avaliação das pessoas intoxicadas, pelo tempo que fosse necessário. Essa intenção encontra-se estampada no documento da fl. 62, produzido pelo Especialista em Toxicologia do Grupo Hospitalar Conceição — Chefia do Serviço de Saúde Comunitária, no item ESCLARECIMENTOS ÀS EQUIPES DE SAÚDE E À POPULAÇÃO A RESPEITO DA EXPOSIÇÃO AO ORGANOFOSFORADO CHLORPIRIFÓS, onde também são consignados alguns dos sintomas decorrentes da exposição ao agente, tais como cefaléia, tontura, náuseas, vômitos, diarréia, dores abdominais, “gripe”, tosse, rinorréia, lacrimejamento, além de irritabilidade, ansiedade, distúrbio do sono, aumento do ritmo respiratório, dispnéia, opressão no peito, falta de apetite, defecação involuntária, bradicardia, hipotensão, visão borrada, diurese involuntária, lacrimejamento, salivação, transpiração excessiva, fadiga, fraqueza muscular, contrações musculares, cãibras, enfraquecimento muscular, confusão, inquietude, dificuldade de concentração, tremores, soluços.

Não há provas, entretanto, de que os atingidos pela intoxicação tenham sido monitorados como inicialmente propunha a Chefia do Serviço de Saúde Comunitária.

Alicerça o fundamento retro-expendido, acerca da omissão patronal no trato dos afetados pela intoxicação, a escassez de elementos de prova quanto à necessária assistência às vítimas. Nesse sentido, o monitoramento realizado pelo Dr. Lenine não se presta para tanto, máxime quando objetivara apenas investigar a intoxicação dos envolvidos após a desinsetização.

A ação nociva dos organofosforados, em especial, do chlorpirifós, está plenamente desenhada nos autos.

O Dr. Lenine Alves de Carvalho, Bioquímico, Mestre em Epidemiologia pela Universidade de Londres, Técnico da Escola de Saúde Pública da Secretaria da Saúde e do Meio Ambiente do Estado do Rio Grande do Sul, reconhecido pela luta contra a utilização, no Brasil, dos organofosforados — cuja aplicação também se dá na lavoura, como agrotóxico — em muito contribuiu para fundamentar a Representação apresentada pelos Deputados Federais Fernando Dantas Ferro, Adão Pretto e Miguel Rossetto (aquele pertencente ao Estado de Pernambuco e estes ao Estado do Rio Grande do Sul), visando à proibição da comercialização dos organosforados, utilizados indiscriminadamente nas lavouras de todo o país – daí decorrendo, segundo estudos, o alto índice de suicídios na comunidade fumageira da região de Venâncio Aires/RS (matéria disponível na internet, no sítio http://www.preservacaolimeira.com.br/agrotoxicos/ferro5.htm).

Por pertinente, o discurso proferido no Congresso Nacional, em 09 de setembro de 1996, pelo citado Deputado Pernambucano, disponível na íntegra no sítio http://www.pt.org.br/pt/textos/ferro6.htm, e cuja transcrição se impõe na parte em que relata os efeitos comportamentais decorrentes da exposição aos organosfosforados — cujos dados técnicos foram extraídos de trabalho apresentado pelo Dr. Lenine e de outros cientistas, como Letícia Rodrigues da Silva, João Werner Falk e Sebastião Pinheiro —, verbis: Efeitos Comportamentais.

Considerados como efeitos subagudos resultantes de intoxicação aguda, ou de exposições contínuas a baixos níveis de agrotóxicos organofosforados, que se acumulam através do tempo, ocasionando intoxicações leves e moderadas. Eles se apresentam em muitos casos como efeitos crônicos sobre o Sistema Nervoso Central, especialmente do tipo neuro-comportamental, como insônia ou sono perturbado, ansiedade, retardo de reações, dificuldade de concentração e uma variedade de seqüelas psiquiátricas: apatia, irritabilidade, depressão, esquizofrenia. O grupo prevalente de sintomas compreende perda de concentração, dificuldade de raciocínio e, principalmente, falhas de memória. Os quadros de depressão também são freqüentes, conforme a Organização Mundial de Saúde.


Renomados toxicologistas, como Ângelo Zanaga Trapé (Unicamp), Hérnan Sandoval (Chile), German Córey (México),apontam os organofosforados como degenerativos do Sistema Nervoso Central. Robert Rodnitzky, da Universidade de Iowa (EUA), em estudo epidemiológico realizado com trabalhadores expostos a organofosforados conclui que a intoxicação resulta em substanciais disfunções do Sistema Nervoso Central, incluindo ataxias, tremores, vertigens, convulsões, coma, ansiedade, confusão, irritabilidade, depressão, falhas de memória e dificuldade de concentração. Gherson & Shaw reporta síndromes esquizofrênicas às exposições com organofosforados (grifos nossos).

A propósito dos efeitos comportamentais decorrentes dos organofosforados, a testemunha da reclamada, Dr. Paulo Roberto Leirias, verbis: que os organofosforados podem trazer inúmeros efeitos na saúde da pessoa, atingindo a área neurológica e comportamental (psicológica), conforme literatura que o depoente tem conhecimento (fl. 293).

A própria inicial junta literatura sobre toxicologia que, de resto, é no sentido de que os clorpirifós (utilizado pela empresa contratada na desinsetização), do grupo químico dos organofosforados, atuam como inibidores de colinesterase, impedindo a ação desta enzima sobre a acetilcolina (fl. 64).

Verifica-se que a Colinesterase é uma das enzimas importantes necessárias para o funcionamento adequado do sistema nervoso dos seres humanos […]. A exposição humana a substâncias químicas inibidoras da colinesterase pode ser resultado de inalação, ingestão ou contato pelos olhos ou pela pele durante a fabricação, mistura ou aplicação destes pesticidas (item O que é a colinesterase?, fl. 53).

É também esclarecido que Existem centros de condução elétrica, denominados “sinapses”, em todo o sistema nervoso dos humanos […]. Músculos, glândulas e fibras nervosas denominadas “neurônios” são estimulados ou inibidos pelo constante disparo de sinais através destas sinapses (ibidem, item Como funciona a inibição da colinesterase?).

Também, no resumo do cabeçalho da fl. 54, é esclarecido que a exposição a organofosforados pode resultar em acúmulo de acetilcolina, inibição da colinesterase, disparo constante de mensagens elétricas, sintomas potenciais de espasmos, tremores, paralisia respiratória, convulsões e, em casos extremos, morte (grifamos, sublinhamos).

Igualmente importante, a matéria disponível na internet, no sítio do Sindicato dos Professores do Rio Grande do Sul — SINPRO/RS, http://www.sinpro-rs.org.br/extra/jun01/reportagemcapa1.asp.

Já de acordo com o sítio http://www.ecoagencia.com.br/a2/_a2/000000ee.htm, O clorpirifós é um organofosforado altamente tóxico. No Brasil é usado tanto na agricultura, como no meio urbano (para fins domissanitário). Em parecer sobre o assunto, o médico Lenine Alves de Carvalho, consultor em Toxicologia de Agrotóxicos, informa que “o mecanismo bioquímico da intoxicação por compostos organofosforados, a exemplo do clorpirifós, causa o bloqueio da enzima acetlcolinestease nos terminais nervosos”.

Em intoxicações leves e moderadas, explica, os efeitos sobre o sistema nervoso central incluem tensão e ansiedade, seguidos de insônia e transtornos do sono, chegando pesadelos. Pode causar, também, intoxicações, cefaléia, tremor, sonolência, dificuldade de concentração, lentidão para recordar fatos e confusão. “Em exposições massivas”, complementa o médico, “podem ocorrer casos fatais e graves de coma e depressão do centro respiratório”. Os procuradores da República pedem, ainda, que a ANVISA cancele todos os registros vigentes de produtos saneantes à base do clorpirifós.

Na Suprema Corte de Justiça do Estados Unidos, há um processo judicial de absolvição de um jardineiro condenado à morte em instância inferior, pelo homicídio de sua empregadora. A defesa comprovou ter ele agido inconscientemente, face à intoxicação por Chlorpyriphós (DURSBAN-DOW), inseticida também utilizado no Posto de Saúde do B. Jardim Itu, com o qual periodicamente trabalhava e que culminou por alterar o seu padrão comportamental. Esse caso encontra-se estampado no RELATÓRIO AZUL, da comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa do RS, sobre estudos dos efeitos dos organofosforados, em especial na comunidade fumageira do Rio Grande do Sul.

O texto foi elaborado em março de 1996, por João Werner Falk (Médico, Professor do Departamento de Medicina Social da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul), por Lenine Alves de Carvalho (cujo currículo já foi citado), por Letícia Rodrigues da Silva (Advogada e Pesquisadora, integrante do Movimento de Direitos Humanos de Venâncio Aires/RS) e por Sebastião Pinheiro (Engenheiro Agrônomo e Florestal, Especialista em Química – Alemanha -, Técnico do Ibama), disponível no sítio www.galileu.globo.com/edic/133/agro2.doc.


Não menos importante e que revela a amplitude da utilização dos organofosforados, assim como os seus malefícios à saúde humana, é a informação contida no sítio http://conferencia.direitos.org.br/node/view/1315, no qual é denunciada, pelo Movimento dos Direitos Humanos, a intoxicação de milhares de empregados da FUNASA, os chamados “mata-mosquitos”, decorrente da indiscriminada e negligente utilização dos citados inseticidas, no combate à dengue em todo o Brasil.

Tal denúncia motivou à realização de uma audiência pública na Subcomissão da Saúde da Comissão de Assuntos Sociais do Senado Federal, com denúncia formalizada pela Bióloga Fátima de Souza, matéria disponível no jornal do senado, no sítio http://www2.senado.gov.br/jornal/noticia.asp?codNoticia=22616&dataEdicaoVer=20040616&dataEdicaoAtual=20040817&codEditoria=22&nomeEditoria=Comiss%F5es, e cuja transcrição se impõe, verbis: A bióloga Fátima Ferreira de Souza, da Superintendência de Campanhas de Saúde Pública do Ministério da Saúde e da Feema, denunciou que há um número impossível de calcular de funcionários que trabalhavam no combate à dengue contaminados com organofosforados, DDT, Malathion, Folithion e outros produtos altamente tóxicos e que foram demitidos pelo governo em 1999. Fátima de Souza participou de audiência pública na Subcomissão de Saúde da Comissão de Assuntos Sociais para debater a intoxicação de agentes de saúde. A subcomissão é presidida pelo senador Papaléo Paes (PMDB-AP) e tem como relator o senador Mão Santa (PMDB-PI).

Segundo Fátima de Souza, os contratos de trabalho eram temporários e começaram a ser assinados pela Fundação Nacional de Saúde (Funasa) em 1986, quando houve uma grande epidemia de dengue no país. “Não houve qualquer treinamento para esses trabalhadores, nenhuma orientação sobre o uso dos inseticidas, os filtros usados não eram trocados, não havia luvas, e o uniforme era apenas uma calça cáqui com camiseta de malha tipo Hering com logotipo da Funasa, uma bolsa de plástico e nada mais”, acusou. Segundo ela, vários desses produtos são derivados do gás sarin, que é letal, e foi usado, por exemplo, por um grupo de fanáticos da seita autodenominada Verdade Suprema, no aeroporto de Tóquio, com vários mortos.

Segundo a denúncia, os trabalhadores, chamados de mata-mosquitos, foram demitidos sem o exame demissional exigido pela legislação (exame para determinar que o funcionário não adquiriu qualquer doença decorrente de contaminação), e que a maioria hoje sofre de doenças degenerativas dos nervos, do cérebro, do fígado, perda de memória e da capacidade de concentração, estresse agudo e perda das conexões nervosas e das sinapses.

O atual presidente da Funasa, Valdi Camárcio Bezerra, disse que o órgão não tem mais responsabilidade no combate às doenças endêmicas transmitidas por insetos – a responsabilidade é agora de estados e municípios. Bezerra garantiu que a Funasa tem supervisionado a aplicação dos inseticidas e, conforme ele, tudo é feito de acordo com as especificações da Organização Mundial de Saúde. “Desde 1985 não se usa o DDT e nem organofosforados, mas os piretróides, de toxidade muito menor e de mais fácil controle”, afirmou. Participaram da reunião da subcomissão os senadores Papaléo Paes, Mão Santa e Maria do Carmo (PFL-SE), Serys Slhessarenko (PT-MT), Flávio Arns (PT-PR) e Reginaldo Duarte (PSDB-CE) (grifos nossos).

Derradeiramente, invoca-se a AÇÃO CIVIL PÚBLICA movida pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (5ª Vara Federal do Rio Grande do Sul, sob o nº 2004.71.00.020735-2) contra a Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA, com o intuito de compelir a entidade a suspender os registros dos produtos químicos formulados à base de organofosforado clorpirifós e de impedir a concessão de novos registros.

Motivada por antecipação de tutela recentemente concedida em tal processo, a ANVISA editou a Resolução – RDC nº 206, de 23 de agosto de 2004, com circulação no DJU em 24 de agosto último, com o seguinte teor, verbis:

Art. 1º. Determinar a suspensão dos registros de produtos saneantes domissanitários à base do ingrediente ativo Organofosforado Clorpirifós, a fim de que, a partir da vigência desta Resolução, suspendam-se os efeitos e as atividades decorrentes dos registros desses produtos, dentre estas, industrializar, produzir, distribuir, comercializar expor a venda ou entregar ao consumo.

Parágrafo único. Fica também a cargo dos responsáveis por essas atividades a guardar segregada desses Produtos.

Art. 2º. Determinar a não-concessão de novos registros de produtos saneantes domissanitários à base do ingrediente ativo Organofosforado Clorpirifós.

[…].

Art. 4º. Serão adotados os procedimentos, providências e medidas técnicas cabíveis para tornar efetiva a antecipação de tutela concedida na Ação Civil Pública em epígrafe.


Art. 5º. Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação (grifos nossos).

Somente para não passar in albis, relevante registrar que o reclamado, Hospital Nossa Senhora da Conceição S/A, move Ação Ordinária de Indenização contra a Desentupidora Rotor System Ltda, que tramita junto a 8ª Vara Cível de Porto Alegre (1º Juizado), sob o nº 104066197. Essa informação, que já veiculara a Revista Galileu, consoante dão conta as fotocópias anexadas ao feito, confirma-se pela internet, no sítio do Tribunal de Justiça deste Estado — www.tj.rs.gov.br.

Todos estes dados complementam e reforçam o entendimento de que, contrariamente ao decidido na origem, a intoxicação oriunda da dedetização constituiu causa para a degeneração do quadro clínico da reclamante, que culminou com o agravamento de sua doença hepática, redundando, também, distúrbios mentais, como a encefalopatia.

A propósito desta última, os depoimentos colhidos revelam que após a dedetização a reclamante passou a apresentar lapsos mentais, os chamados “brancos”, verbis: […] que a reclamante, ao que a depoente recorda, chegou a retornar algumas vezes ao trabalho, por alguns períodos; nesses períodos a reclamante demonstrava vontade de voltar a trabalhar, porém os colegas percebiam que a reclamante não tinha condições de trabalhar, em razão de lapsos; […]; que também com relação ao trabalho a reclamante não conseguia terminar as tarefas determinadas, como por exemplo, as visitas domiciliares aos pacientes (fls. 294/295, depoimento de Edelves Rodrigues); […] que a reclamante era uma pessoa muito dinâmica, realizando trabalhos importantes na área da saúde no posto, e atualmente a reclamante não está mais trabalhando; a depoente notou, quando veio para a audiência com a reclamante, que a reclamante precisou de orientação para atravessar a rua; que a depoente comentou com a testemunha anterior que a depoente fica preocupada com o fato da reclamante sair sozinha para a rua; a depoente sabe que a reclamante sempre tem uma pessoa lhe acompanhando quando está em casa (fl. 295, depoimento de Ione Nichele).

De resto, os efeitos comportamentais decorrentes da ação dos organofosforados resultam plenamente demonstrados nos autos.

O comprometimento de seu estado de saúde levou o Instituto Nacional de Seguridade Social a aposentá-la por invalidez, conforme dão conta os documentos das fls. 274/275.

Aferida a responsabilidade patronal, a existência de nexo de causalidade entre a conduta negligente do empregador e o resultado danoso, este consistente na piora do quadro clínico de saúde da obreira, passa-se ao exame das pretensões deduzidas – danos morais e materiais, respaldadas precipuamente no inciso XXVIII, art. 7º da Constituição da República.

Durante longo tempo se debateu na doutrina se o Direito pátrio, à luz do ordenamento jurídico então vigente, contemplava a possibilidade de indenização por atos que atingissem a moral e a imagem do indivíduo, visto que, afora a previsão genérica do art. 159 do Código Civil de 1916 — com correspondência atual no art. 186 da Lei 10.406/02) e algumas disposições específicas na chamada Lei de Imprensa, não existia expresso amparo legal a tal pretensão.

Sem embargo de posições em sentido contrário, entende-se que o patrimônio jurídico do indivíduo não é formado apenas pelos bens de natureza corpórea e que são economicamente mensuráveis, mas principalmente pela imagem que projeta no grupo social. Não menos relevante o conceito que tem sobre si mesmo e se tal patrimônio resulta atingido por ato de terceiro, seja culposo ou doloso, nascendo à obrigação para o faltoso, senão de reparar o dano causado, ao menos de minimizar os efeitos dele advindos.

Com o advento da Constituição da República não subsistem dúvidas de que o ordenamento jurídico nacional não apenas guarnece a imagem e a moral do cidadão, como abriga expressamente a possibilidade de indenização por danos causados a esta que se entende ser a parte imaterial de seu patrimônio pessoal, haja visto o que dispõe o art. 5º da Constituição Federal, em seus incisos V e X.

Guardadas algumas particularidades, a doutrina hodierna converge no sentido de que a idéia de dano moral tem por essência o abalo da imagem, a dor pessoal e o sofrimento íntimo do ofendido.

A vida humana não é apenas um conjunto de elementos materiais (SILVA, José Afonso da, Curso de Direito Constitucional Positivo, 11ª ed. São Paulo: Malheiros, 1996, p. 197). Segundo o magistério do festejado constitucionalista, verbis: A moral individual sintetiza a honra da pessoa, o bom nome, a boa fama, a reputação, que integram a vida humana como dimensão imaterial. Ela e seus componentes são atributos sem os quais a pessoa fica reduzida a uma condição animal de pequena significância (ob. cit. p. 198).


Carlos Alberto Bittar, a seu turno, qualifica como morais os danos em razão da esfera da subjetividade, ou do plano valorativo da pessoa na sociedade, em que repercute o fato violador, havendo-se, portanto, como tais, aqueles que atingem os aspectos mais íntimos da personalidade humana (o da intimidade e da consideração pessoal) (BITTAR, Carlos Alberto, Reparação Civil por Danos Morais, 1ª ed., São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, p. 41).

Orlando Gomes, citado por Rodolfo Pamplona Filho, em seu O Dano Moral na Relação de Emprego, SP: LTr, 1998, p. 36, ensina que, verbis: esse dano não é propriamente indenizável, visto como indenização significa eliminação do prejuízo e das conseqüências, o que não é possível quando se trata de dano extrapatrimonial. Prefere-se dizer que é compensável. Trata-se de compensação e não de ressarcimento.

A presente demanda revelou fatos estarrecedores: ao proceder na dedetização de suas instalações, o Grupo Hospitalar Conceição não houve por bem diligenciar minimanente na prevenção de eventuais acidentes, não orientando seus empregados quanto à real possibilidade de intoxicação pela ação dos pesticidas. Abandonou seus empregados à própria sorte, em especial, a reclamante, portadora do vírus da hepatite C.

A propósito dela, mulher determinada, de índole mobilizadora, líder comunitária que, a despeito de sua idade (63 anos à época da intoxicação) e da patologia da qual era portadora desde 1992, não se entregou às naturais agruras e vicissitudes inerentes a tal situação. Ao que se infere dos autos, sempre pautou sua conduta de forma modelar, tendo retornado ao trabalho mesmo após o episódio da intoxicação, sem entretanto, obter êxito, face às seqüelas decorrentes. Sua postura atuante junto à comunidade do Bairro Jardim Itu foram fundamentais para a instalação do Posto de Saúde.

Sua invalidez, não somente para o trabalho, mas também para as mais comezinhas tarefas do dia-a-dia, tais como fazer a sua higiene pessoal sem a intervenção de terceiros (depoimento de Margarete Lopes da Silva, fl. 296), ceifou seu ânimo, sua auto-estima.

O sofrimento de ordem moral e o menoscabo à dignidade da reclamante, como ser humano, restaram evidenciados e merecem ser reparados pelo reclamado, sob pena de se perpetrar violenta agressão ao princípio fundamental estatuído no art. 1º, inciso III da Constituição Federal. A condenação por dano moral, pois, impõe-se como forma de compensar a incapacidade laborativa da reclamante, o seu desconforto oriundo das mazelas decorrentes da intoxicação pelos pesticidas aplicados na dedetização e os correlatos efeitos na sua esfera moral.

A inicial consigna pedido, a título de danos morais, de um valor correspondente a, pelo menos, 500 (quinhentas) vezes a remuneração mensal da obreira.

A contestação, a seu turno, defende a tese de que o valor é exagerado, já que o montante postulado equivale a salário de mais 41 anos, entendendo ser o mesmo despropositado. Destaca que A reclamante possui 66 anos de idade, iria receber salário até a idade de 107 anos, consignando seu temor quanto à possível procedência do pedido (item 37, fl. 136).

Ao contrário do que pareceu ao reclamado, a pretensão deduzida vale-se de critério acertado, apontando como referência os valores mensais auferidos pela reclamante. O reclamado, ao que se infere, afirma que o peso da idade depõe contra a reclamante. Dá a entender que a sua diminuta expectativa de vida, não justifica se defira uma reparação nos moldes do postulado.

Ao contrário do que parece ao reclamado, a moral do indivíduo não se deslustra pela avançada idade. É diametralmente o oposto: na espécie, a reclamante, senhora que hoje possui 69 anos de idade (v. CTPS, fl. 26), teve ferido em cheio seu patrimônio moral. Veja-se que a dignidade do idoso, a ser garantida pela família, pela sociedade e pelo Estado, encontra previsão constitucional, art. 230. A propósito, também, a Lei 10.741, de 01º de outubro de 2003 (Estatuto do Idoso).

A presumida diminuta expectativa de vida da reclamante – além de soar como tese ignóbil – somente se presta para agravar a condenação e não para abrandá-la.

Considera-se, igualmente, a condição sócio-econômica das partes e, em especial, as repercussões avassaladoras no cotidiano da reclamante – extensão do dano.

Mostra-se adequado, portanto, arbitrar, como compensação pecuniária ao dano moral, não um valor estabelecido com base nos ganhos da reclamante — dada às naturais dificuldades em se apurar esse quantum, em liquidação — mas um montante fixo, que se arbitra em R$ 300.000,00 (trezentos mil reais), valor aquém do postulado, acolhendo-se em parte o apelo, no aspecto.

Da mesma forma, é o empregador responsável pela ofensa ao patrimônio material da obreira, consubstanciada na sua incapacidade laborativa, na dor física e na precipitação de sua jubilação. A propósito, a regra constante no art. 950 do Código Civil Brasileiro, de aplicação supletória, verbis: Se da ofensa resultar defeito pelo qual o ofendido não possa exercer o seu ofício ou profissão, ou se lhe diminua a capacidade de trabalho, a indenização, além das despesas do tratamento e lucros cessantes até ao fim da convalescença, incluirá pensão correspondente à importância do trabalho para que se inabilitou, ou da depreciação que ele sofreu (grifamos).


E nem há se cogitar da não-cumulação das pretensões, invocando-se a Súmula 37 do Superior Tribunal de Justiça, verbis: São cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral oriundos do mesmo fato.

Em recente julgamento, a 9ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça deste Estado, apreciando recurso de Apelação interposto por OPP Química S/A, confirmou a decisão de origem que condenou a empresa a indenizar seu empregado, Manoel Antonio Pires Rodrigues, por danos materiais e morais decorrentes da redução de sua capacidade auditiva, em razão do trabalho por ele desenvolvido.

A propósito, os brilhantes fundamentos consignados no voto do Relator, Desembargador Nereu José Giacomolli, verbis: […] Evidenciados os danos materiais havidos por conta do acidente do trabalho em questão, tenho que a pensão mensal devida há de se estabelecer de forma vitalícia, pois perenes são as seqüelas a serem suportadas pela vítima. Ora, se o dano resultante da lesão laborativa é de índole permanente, é evidente que a correspondente reparação só se extingue com a morte do trabalhador. Com efeito, não há que se falar em limitação de idade, na esteira de inúmeros precedentes acerca do tema, tanto desta Corte quanto do Colendo Superior Tribunal de Justiça (processo nº 70006985303, grifo nosso).

Após os revezes oriundos da degeneração de sua saúde, a reclamante enfrentou dissabores que repercutiram diretamente em seu modo de viver. Pelo quadro clínico evidenciado no feito, passou a necessitar de uma assistência especial (de terceira pessoa — empregada doméstica ou mesmo sua filha, fl. 296), com dietas específicas, medicação e exames laboratoriais diversos. E tais são conseqüências naturalmente presumíveis, em virtude de seu estado de saúde.

Por essa razão, e face o seu jubilamento antecipado, a reclamante, presume-se, teve sensível decréscimo em seus rendimentos, porquanto passou a perceber tão-somente o benefício previdenciário correspondente, sem poder complementá-lo — dada a sua condição de inválida — para fazer frente a todas as despesas que certamente passou a ter.

Observando todos esses elementos é que, visando a compensar os danos materiais evidenciados, condena-se o reclamado ao pagamento de uma pensão mensal, vitalícia, a ser depositada em conta-corrente aberta em nome da reclamante ou naquela que por ela vier a ser indicada — arbitrando-se, por razoável, e a contar de sua aposentadoria, o valor equivalente a 50% de seu benefício previdenciário, inclusive para fins de pagamento de 13º salário, em parcelas vencidas e vincendas. E, porque não contestada de forma especifica (fls. 127/137), bem assim visando a emprestar a presente condenação as condições de exeqüibilidade e segurança à reclamante, condena-se o reclamado a constituição de capital que assegure o pagamento mensal da referida pensão. O percentual aludido deve acompanhar os mesmos índices de correção fixados pelo Instituto Nacional do Seguro Social — INSS às aposentadorias, bem assim as mesmas datas.

Não vinga, entretanto, a pretensão aos danos materiais oriundos do acidente de trânsito em que se envolvera a reclamante. Com efeito, se é certo que estava acometida de encefalopatia — e desse mal a reclamante tinha ciência —, não menos verdade que ao dirigir veículo seu pelas ruas, sem totais condições de saúde, passou a assumir os riscos de seu ato. Assim, não há como imputar ao reclamado qualquer responsabilidade, na espécie.

Sobre as verbas deferidas, que possuem natureza meramente reparatória, ao contrário do pretendido na defesa (fl. 137), não incidem contribuições previdenciárias e fiscais. A compensação requerida, por igual, é de todo gratuita.

Recurso provido, em parte.

II – REQUERIMENTO FORMULADO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO

Em seu parecer das fls. 337/342, a D. Procuradoria do Trabalho oficia pela nulidade da contratação da reclamante, argumentando que Como se constata pelo exame dos autos, a reclamante/recorrida foi admitida em 06 de abril de 1992 sem prévia aprovação em concurso público (fl. 338), salientando, diante dessa circunstância, que, abster-se-á o Ministério Público do Trabalho de manifestar-se quanto ao mérito do recurso ordinário interposto.

Data maxima venia, consigna, o parecer em questão, tese manifestamente gratuita. Isso porque, a ausência de prestação de concurso público pela reclamante sequer foi alegada pelo reclamado, seu real empregador, presumindo-se, dessa forma, que a sua admissão observou os ditames constitucionais.

Impressiona que sobre as repercussões sociais decorrentes de intoxicação que vitimou expressivo número de empregados por culpa exclusiva do empregador o parquet não tenha se manifestado.

Do simples folhear dos autos jorram fatos de relevância incomum, atentatórios não somente à moral mas à incolumidade física dos empregados do reclamado e dos indivíduos atendidos no Posto de Saúde do Bairro Jardim Itu.


Inequivocamente, há um bem juridicamente superior, de cunho indisponível e que inescusavelmente passou despercebido pela D. Procuradoria do Trabalho.

Veja-se: as testemunhas ouvidas dão conta de que há outros empregados em situação semelhante a da reclamante (há alguns que estão até hoje afastados, testemunha Edelves Rodrigues, fl. 294; há uma psicóloga que está afastada em razão de problemas de saúde, estando impedida de caminhar, testemunha Ione Nichele, fl. 295).

O parecer, entretanto, prefere simplificar: propõe que se decrete a nulidade da contratação da reclamante. Sobre tal, tratando-se de requerimento estranho à lide, sequer merece ser conhecido.

De qualquer sorte, o requerimento proposto parece contrastar com a cautela manifestada pela então Subprocuradora Geral do Trabalho, Dr. Maria Aparecida Gurgel, que, em ofício enviado à redação da Revista Galileu, em 12 de dezembro de 2002, acerca da ação maléfica de organofosforados aplicados na lavoura, assim consigna, verbis:

Senhor Editor,

O Ministério Público do Trabalho – MPT detém atribuições constitucionais e legais na defesa judicial e extrajudicial dos interesses individuais indisponíveis dos trabalhadores e, especificamente com relação ao meio ambiente do trabalho, cuida de prevenir a sua saúde e segurança.

Comissão Especial foi criada no âmbito do MPT (Portaria no 220, de 6 de junho de 2001), objetivando estabelecer estratégias de atuação. Uma delas é priorizar os direitos dos trabalhadores rurais que manejam agrotóxicos.

Tomamos ciência, por meio de matéria veiculada nessa Revista, edição de agosto de 2002, de que os agrotóxicos organofosforados e ditiocarbamatos, utilizados, por exemplo, em culturas de fumo, batata, morango e tomate, estariam levando agricultores a doenças neurocomportamentais, à depressão e, em muitos casos, ao suicídio.

Tendo em vista que o problema foi novamente noticiado na edição de setembro de 2002, dando contas de que a Anvisa nada teria feito a respeito, alegando ausência de comprovação científica dos fatos, informamos que:

a) Solicitamos informações aos órgãos responsáveis pelas pesquisas, visando obter dados mais precisos e a fim de colher subsídios para uma possível atuação do Parquet nos Estados indicados. Aguardamos a manifestação das entidades.

b) No mesmo sentido, acionamos as representações deste Órgão nos Estados de São Paulo, Rio Grande do Sul e Minas Gerais, onde foram realizados estudos, conforme menciona a edição de agosto de 2002, para que investiguem a questão relacionada à saúde e segurança do trabalhador.

Colocamo-nos à disposição para maiores esclarecimentos e, se possível, desenvolvermos trabalho conjunto a fim de que sejam encontradas alternativas viáveis para a solução dos problemas apresentados (grifamos, Ofício 79/02-MPT-CCR-SST, disponível na internet no sítio http://revistagalileu.globo.com/Galileu/1,6993,ECT400569-1714,00.html)

Por tudo isso é que o requerimento formulado no parecer das fls. 337/342 não encontra guarida.

Ante o exposto, ACORDAM os Juízes da 8ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, por unanimidade, dar provimento parcial ao recurso ordinário da reclamante, para condenar o reclamado, Hospital Nossa Senhora da Conceição S/A, ao pagamento de uma indenização pecuniária por danos morais, em valor equivalente a R$ 300.000,00 (trezentos mil reais); danos materiais, a título de pensão mensal, vitalícia, a ser depositada em conta-corrente aberta em nome da reclamante ou naquela que por ela vier a ser indicada — o valor equivalente a 50% da sua aposentadoria mensal, inclusive para fins de pagamento de 13º salário, em parcelas vencidas — a contar da data de sua aposentadoria — e vincendas; e, condenar o reclamado a constituição de capital que assegure o pagamento mensal da referida pensão. Custas de R$ 6.000,00 (seis mil reais), pelo reclamado, calculadas sobre o valor da condenação que provisoriamente se arbitra em R$ 300.000,00 (trezentos mil reais).

Intimem-se.

Porto Alegre, 26 de agosto de 2004.

MARIA HELENA MALLMANN

Juíza no exercício da Presidência e Relatora

MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO

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