Crime financeiro

Justiça aceita denúncia do MPF contra Edemar Cid Ferreira

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6 de julho de 2005, 17h15

O juiz Fausto de Sanctis da 6ª Vara Criminal Federal de São Paulo aceitou denúncia oferecida Ministério Público Federal, em São Paulo, contra ex-controlador do Banco Santos, Edemar Cid Ferreira e outros 18 ex-dirigentes da instituição. Eles são acusados de lavagem de dinheiro, formação de quadrilha e gestão fraudulenta.

Ferreira e o ex-superintendente do banco Mário Arcângelo Martinelli também estão sendo processados por manter contas ilegalmente no exterior. Com a decisão do juiz de receber a denúncia, os bens do banqueiro que foram apreendidos no começo deste ano continuam à disposição da Justiça. Os depoimentos dos réus estão marcados para acontecer entre os dias 22 e 26 de agosto.

O processo de intervenção no Banco Santos começou em maio de 2004. A decisão foi tomada tendo em vista que os ativos da instituição não cobrem 50% das dívidas com os credores do banco. Pela Lei 6.024, o Banco Central, nesses casos, tem de fazer a liquidação da instituição.

Outro motivo que levou à liquidação foi o insucesso das negociações entre os credores do banco para viabilizar uma solução que permitisse sua reabertura. De acordo com o BC, o Banco Santos tinha em fevereiro um passivo a descoberto de R$ 2,236 bilhões. No início do processo de intervenção, o BC estimava que esse passivo a descoberto fosse de aproximadamente R$ 703 milhões.

Os correntistas e investidores da instituição, entre eles várias prefeituras, fundos de pensão e empresas, têm poucas chances de reaver seus depósitos, já que o controlador do banco não tem ativos suficientes para cobrir o débito.

Desde dezembro, a consultoria Valora, contratada por Edemar Cid Ferreira, tentava costurar um acordo entre o controlador e os credores. Com a liquidação, o Ministério Público Federal em São Paulo deve propor uma ação de responsabilidade sobre a quebra do banco. Ferreira poderá ser responsabilizado criminalmente.

Desde a intervenção, descobriu-se uma série de irregularidades, Várias operações obscuras de concessão de empréstimos a empresas em dificuldades financeiras no Brasil foram feitas em troca de compra de papéis e investimentos nas empresas sediadas em paraísos fiscais. Descobriu-se também que os bens mais valiosos do banqueiro, como sua mansão no bairro do Morumbi, avaliada em R$ 50 milhões, estavam em nome de empresas situadas em paraísos fiscais.

Na maioria das empresas, a mulher do banqueiro, Márcia Cid Ferreira, aparece como a principal executiva. Pouco antes de o BC intervir em seu banco, Ferreira iniciou uma ambiciosa operação para transformá-lo num banco de varejo.

Leia a íntegra da denúncia

Excelentíssimo Senhor Juiz Federal da 6ª Vara Criminal da 1ª

Subseção Judiciária do Estado de São Paulo

O Ministério Público Federal, pelo Procurador da República signatário, vem respeitosamente à presença de Vossa Excelência oferecer

DENÚNCIA em face de:

1. Edemar Cid Ferreira, qualificado às fls. 2138 dos autos de inquérito policial, Fundador e presidente do Banco Santos S.A. Idealizador das fraudes perpetradas, cercou-se de profissionais especializados e a eles determinou as metas do conglomerado. Definiu os planos de expansão do Banco, e garantiu, com falsos dados contábeis e resultados positivos artificiais, bem como uma política de marketing agressiva e cara, uma boa imagem junto ao público e a algumas agências de avaliação de riscos. Determinou a criação do Bank of Europe e de dezenas de empresas nacionais e off shore utilizadas nas operações de reciprocidade e compensação de créditos, bem como, juntamente com Mário, Álvaro, Ricardo e Rodrigo, e com a participação de Clive e Ary, definia e controlava o fluxo financeiro clandestino de recursos para ou do Exterior através dessas empresas. Integrava o comitê de crédito.

2. Mário Arcângelo Martinelli, qualificado às fls. 2116 dos autos de inquérito policial, Superintendente do Banco, integrava um comitê executivo não oficial formado por Edemar, seu filho Rodrigo, seu sobrinho Ricardo e Álvaro, órgão este que tinha uma visão abrangente da instituição e definia as estratégias operacionais. Integrava o comitê de crédito. Diretor da Alsace Lorraine. Definia, em conjunto com Álvaro Zucheli, quem seriam os procuradores das off shores. Montou as empresas não financeiras e movimentava suas contas correntes. Definia, juntamente com os outros membros do comitê, os fluxos financeiros, a origem e o destino de valores.

3. Álvaro Zucheli Cabral, qualificado às fls. 2126 dos autos de inquérito policial, Diretor Administrativo. Integrava o comitê executivo do Banco. Definia, em conjunto com Mário Martinelli, quem seriam os procuradores das empresas off shore. Integrava o comitê de crédito. Definia qual empresa deveria ser utilizada para a realização de determinada operação de reciprocidade. Montou as empresas não financeiras e movimentava suas contas correntes. Assinou contratos de mútuo e outros documentos envolvendo operações de reciprocidade. Era o responsável pela gestão de todas as empresas não-financeiras não reconhecidas como integrantes do conglomerado. Definia, juntamente com os outros membros do comitê, os fluxos financeiros, a origem e o destino de valores.


4. Ricardo Ferreira de Souza e Silva, qualificado às fls. 2157 dos autos de inquérito policial, Sobrinho de Edemar Cid Ferreira. Integrava o comitê executivo informal do Banco. Consta, juntamente com Edemar, como organizador do BoE. Foi procurador do BoE. Definia, juntamente com os outros membros do comitê, os fluxos financeiros, a origem e o destino de valores. Participou na criação das empresa PDR e Rutherford, utilizadas nas operações recíprocas. Movimentava as contas correntes das empresas não financeiras.

5. Rodrigo Rodrigues de Cid Ferreira, qualificado às fls. 2149 dos autos de inquérito policial, Filho de Edemar Cid Ferreira. Integrava o comitê executivo informal da instituição financeira. Responsável pela Prime Capital e Prime Securities, tentativas de Edemar em estabelecer um base de sua organização nos Estados Unidos. Definia, juntamente com os outros membros do comitê, os fluxos financeiros, a origem e o destino de valores. Tinha assento em alguns comitês do Banco, como o de crédito. Era tido por funcionários e diretores como dirigente da instituição financeira.

6. Clive José Vieira Botelho, qualificado às fls. 1798 dos autos de inquérito policial, Diretor de Tesouraria no período dos fatos. Com o estabelecimento de trabalho em conjunto entre as áreas de Operações Estruturadas e Tesouraria, Benjamim Botelho, responsável por operações de grande porte ficou subordinado a Clive, que autorizava pagamentos e transferências com total conhecimento do caráter clandestino das operações realizadas.

7. Ary Cesar Gracioso Cordeiro, qualificado às fls. 1806 dos autos de inquérito policial, Diretor de Contabilidade entre 1993 e 2000, participou das fraudes nos balanços contábeis da instituição. Estabeleceu em prédio separado, uma unidade contábil independente para tratar da contabilidade das empresas não-financeiras do grupo, atribuindo tal atividade a pessoa de sua confiança, conforme depoimento de fls.2284/2300. Tinha conhecimento das operações de reciprocidade desenvolvidas pelo Banco e das operações contábeis artificiais necessárias a dissimulação dessas transações.

8. André Pizelli Ramos, qualificado às fls. 1706 dos autos de inquérito policial, Funcionário do banco desde 1995, exerceu a função de diretor de planejamento e controle até setembro de 2003, passando, a partir de então, a vice-presidente da Procid. Possuia uma visão estratégica do Banco, tendo conhecimento das operações de reciprocidade e dos resultados do Banco, obtidos a partir de fraudes contábeis. Como vice-presidente da Procid, autorizou a emissão de debêntures a serem vendidas a clientes do Banco em operações de reciprocidade. Autorizou também a emissão das denominadas “cartas de conforto” vinculadas a algumas dessas operações.

9. Ricardo Lucena de Oliveira, qualificado às fls. 1824 dos autos de inquérito policial, Diretor de controladoria do Banco Santos S.A. entre janeiro de 2002 e outubro de 2003, sendo responsável pela controladoria fiscal, contábil e tributária, auditoria interna e compliance. Embora tivesse conhecimento das irregularidades contábeis e das que envolviam operações recíprocas com as empresas não-financeiras, as omitiu do órgão fiscalizador, permitindo que as fraudes perpetradas na instituição permanecessem desconhecidas do investidor e do Banco Central e possibilitando a dissimulação da origem dos capitais oriundos da gestão fraudulenta do Banco.

10. Gustavo Durazzo, qualificado às fls. 1777 dos autos de inquérito policial, Diretor de controladoria do Banco Santos S.A. entre novembro de 2003 e novembro de 2004, sendo responsável pela controladoria fiscal, contábil e tributária, auditoria interna e compliance. Embora tivesse conhecimento das irregularidades contábeis e das que envolviam operações recíprocas com as empresas não-financeiras, as omitiu do órgão fiscalizador, permitindo que as fraudes perpetradas na instituição permanecessem desconhecidas do investidor e do Banco Central e possibilitando a dissimulação da origem dos capitais oriundos da gestão fraudulenta do Banco.

11. Marcello Bernardinn, qualificado às fls. 2104 dos autos de inquérito policial, Diretor comercial geral do Banco Santos S.A. no período dos fatos e integrante do comitê de crédito da instituição, possuindo, como diretor estatutário, direito a voto. Instruiu seus diretores e officers na cooptação de clientes e participou de diversas reuniões do comitê, aprovando reiteradas operações de crédito com reciprocidade consubstanciadas nas POCs (propostas de operação de crédito). Sabia da existência e finalidade das empresas não-financeiras vinculadas ao grupo.Participou da estruturação da Alsace Lorraine, assinando como seu diretor. Também assinou notas promissórias da empresa Unipart.

12. Carlos Endre Pavel, qualificado às fls. 1634 dos autos de inquérito policial, Diretor comercial do Banco Santos S.A. no período dos fatos e integrante do comitê de crédito da instituição, possuindo, como diretor estatutário, direito a voto. Instruiu seus officers na cooptação de clientes e participou de diversas reuniões do comitê, aprovando reiteradas operações de crédito com reciprocidade consubstanciadas nas POCs (propostas de operação de crédito). Sabia da existência e finalidade das empresas não-financeiras vinculadas ao grupo.


13. Francisco Sérgio Ribeiro Bahia, qualificado às fls. 1640 dos autos de inquérito policial, Diretor comercial do Banco Santos S.A. no período dos fatos e integrante do comitê de crédito da instituição, possuindo, como diretor estatutário, direito a voto. Instruiu seus officers na cooptação de clientes e participou de diversas reuniões do comitê, aprovando reiteradas operações de crédito com reciprocidade consubstanciadas nas POCs (propostas de operação de crédito). Sabia da existência e finalidade das empresas não-financeiras vinculadas ao grupo.

14. Antônio Rubens de Almeida Neto, qualificado às fls. 1673 dos autos de inquérito policial, Diretor comercial do Banco Santos S.A. no período dos fatos e integrante do comitê de crédito da instituição, possuindo, como diretor estatutário, direito a voto. Instruiu seus officers na cooptação de clientes e participou de diversas reuniões do comitê, aprovando reiteradas operações de crédito com reciprocidade consubstanciadas nas POCs (propostas de operação de crédito). Sabia da existência e finalidade das empresas não-financeiras vinculadas ao grupo.

15. Eliseu José Petrone, qualificado às fls. 1783 dos autos de inquérito policial, Diretor comercial do Banco Santos S.A. no período dos fatos e integrante do comitê de crédito da instituição, possuindo, como diretor estatutário, direito a voto. Instruiu seus officers na cooptação de clientes e participou de diversas reuniões do comitê, aprovando reiteradas operações de crédito com reciprocidade consubstanciadas nas POCs (propostas de operação de crédito). Sabia da existência e finalidade das empresas não-financeiras vinculadas ao grupo.

16. Fernando de Assis Pereira, qualificado às fls. 1791 dos autos de inquérito policial, Diretor comercial do Banco Santos S.A. no período dos fatos e integrante do comitê de crédito da instituição, possuindo, como diretor estatutário, direito a voto. Instruiu seus officers na cooptação de clientes e participou de diversas reuniões do comitê, aprovando reiteradas operações de crédito com reciprocidade consubstanciadas nas POCs (propostas de operação de crédito). Sabia da existência e finalidade das empresas não-financeiras vinculadas ao grupo.

17. Márcio Daher, qualificado às fls. 2237 dos autos de inquérito policial, Diretor comercial do Banco Santos S.A. no período dos fatos e integrante do comitê de crédito da instituição, possuindo, como diretor estatutário, direito a voto. Instruiu seus officers na cooptação de clientes e participou de diversas reuniões do comitê, aprovando reiteradas operações de crédito com reciprocidade consubstanciadas nas POCs (propostas de operação de crédito). Sabia da existência e finalidade das empresas não-financeiras vinculadas ao grupo.

18. Ney Muniz, qualificado às fls. 1660 dos autos de inquérito policial, Diretor de crédito do Banco Santos S.A. no período dos fatos e integrante do comitê de crédito da instituição, possuindo, como diretor estatutário, direito a voto. Instruiu seus officers na cooptação de clientes e participou de diversas reuniões do comitê, aprovando reiteradas operações de crédito com reciprocidade consubstanciadas nas POCs (propostas de operação de crédito). Sabia da existência e finalidade das empresas não-financeiras vinculadas ao grupo.

19. Márcio Serpejante Peppe, qualificado às fls. 1666 dos autos de inquérito policial, Diretor de crédito do Banco Santos S.A. no período dos fatos e integrante do comitê de crédito da instituição, possuindo, como diretor estatutário, direito a voto. Instruiu seus officers na cooptação de clientes e participou de diversas reuniões do comitê, aprovando reiteradas operações de crédito com reciprocidade consubstanciadas nas POCs (propostas de operação de crédito). Sabia da existência e finalidade das empresas não-financeiras vinculadas ao grupo.

pelos fatos a seguir descritos:

1. Mecanismos de desvio de recursos do Banco

Entre 1995 e 12 de novembro de 2004, data da intervenção decretada pelo Banco Central do Brasil, os acima nominados, pré-ajustados e com unidade de desígnios, conceberam, realizaram e fizeram operar sob a denominação de Banco Santos S.A., doravante também denominado de Banco, uma estrutura financeira de objetivos espúrios dotada de um conjunto de mecanismos fraudulentos a seguir descritos.

Além de seu quadro regular de empregados, os administradores do Banco Santos S.A. arregimentaram um numeroso grupo de profissionais autônomos denominados officers, com atuação em vários estados do País, e cuja função era a de contatar industriais, comerciantes, fazendeiros e empresários dos mais diversos segmentos de mercado, oferecendo-lhes produtos da instituição financeira. No decorrer das investigações, vários officers foram ouvidos (fls. 308/310, 311/313, 317/318, 323/325, 364/366, 376/377,736/738 e 822/825 dos autos principais).


Seguindo determinação dos gerentes comerciais, os officers vinculavam a concessão desses empréstimos e financiamentos a outras operações que o empresário, futuro cliente, deveria necessariamente realizar com o banco.

Tal prática — usualmente denominada de operações recíprocas, operações mútuas ou operações casadas — por si só, constitui-se em ilícito administrativo(1) , ilícito civil(2) e infração penal(3) .

Os empresários, atraídos por menores taxas de juros ou melhores condições de pagamento em relação às normalmente encontradas no mercado ou, por outro lado, incapazes de obter financiamentos em outras instituições financeiras em função de restrições cadastrais ou insuficiência de garantias, acabavam por aceitar as condições oferecidas pelos officers para a concretização das transações financeiras.

Premido muitas vezes pela necessidade de liqüidar operações anteriores e, conseqüentemente, manter o fluxo financeiro clandestino da instituição, o Banco Santos S.A. oferecia, em algumas operações casadas, um rendimento tal que este acabaria por pagar, por si só, o custo do investimento principal, garantindo com isso a anuência dos clientes que acabavam também por se beneficiar com a operação, obtendo dinheiro a baixo custo ou custo zero.

A reiterada exigência de reciprocidade nas operações realizadas pelo Banco foi confirmada, durante a investigação policial, pelos clientes (relação às fls.2505/2506 do relatório policial), pelos officers e ex-funcionários (relação às fls.2508/2509 do relatório policial) e pelos próprios diretores que integravam o comitê de crédito da instituição (relação às fls.2509/2510 do relatório policial) e avaliavam as propostas de operação de crédito, denominadas POCs.

O relatório de fls.2339/2363, assinado por contador da Polícia Federal, também descreve, de maneira detalhada, entre outros temas, as operações de reciprocidade realizadas pelo Banco.

O Banco Central, através dos procedimentos Pt 0401258731 (apensos nºs 3 a 7) e e Pt 0501283598 (apensos nºs 33 a 44), constatou e detalhou o enorme volume de operações recíprocas realizadas pelos denunciados.

A elevadíssima freqüência dessas operações casadas também pode ser observada através das petições iniciais de ações promovidas pelos devedores do Banco em face da instituição financeira e de suas empresas coligadas não-financeiras. Esses documentos, encaminhados, conforme determinação judicial, diretamente pelo interventor do Banco Santos S.A. ao Ministério Público Federal encontram-se acostados aos 15 (quinze) volumes agora encaminhados ao Juízo.

No apenso nº 33 relativo às operações com recursos do BNDES, observa-se, às fls.8, que, na data-base de 31.12.2003, a carteira de repasses de recursos desse banco de desenvolvimento correspondia a 33% (trinta e três por cento) da carteira total de crédito e coobrigações do Banco, o que equivalia, à época, a R$ 1.158.066,00 (um milhão, cento e cinqüenta e oito mil e sessenta e seis reais). Esta carteira do BNDES compunha-se, por sua vez, de 33% (trinta e três por cento) de operações do FINAME — Agência Especial de Financiamento Industrial e 67% (sessenta e sete por cento) de operações envolvendo a linha de crédito BNDES-exim.

No item 3.3 do relatório apresentado pelo interventor do Banco Santos S.A. (fls. 19 apenso nº 45) consta que, em 12.11.04, data da intervenção, o Banco registrava operações ativas envolvendo recursos do BNDES num montante de R$ 988.000.000,00 (novecentos e oitenta e oito milhões de reais), representadas por 804 (oitocentos e quatro) contratos Finame, 122 (cento e vinte dois) contratos BNDES- Exim e 65 (sessenta e cinco) contratos BNDES-Automático. Também se confirma nesse relatório a existência de um elevadíssimo número de casos de reciprocidade relativos às operações de repasses do BNDES, com a exigência de aplicação em títulos de emissão de empresas não-financeiras.

As operações com reciprocidade também ocupam os itens 5.1, 5.2 e 5.3 do supracitado relatório (fls. 34/37 do documento), no qual o interventor termina por recomendar ao DELIQ (Departamento de Liquidações do Bacen) a decretação da liquidação extrajudicial do Banco (fls.62/63). O interventor foi ouvido às fls.264/267, confirmando as práticas fraudulentas da direção da instituição financeira.

Ademais, tornando ainda mais obscuras e reprováveis, condutas já consideradas ilícitas, tais operações recíprocas que supostamente deveriam ser realizadas com a própria instituição financeira, eram, na verdade, concretizadas com empresas estranhas à estrutura oficial do conglomerado financeiro, embora fossem apresentadas aos clientes como integrantes do “Grupo Banco Santos S.A.”.

Assim, visando-se dificultar a vinculação de tais operações recíprocas ao Banco Santos S.A., criaram-se várias empresas “de fachada”, também conhecidas como paper companies (companhias que existem só no papel) nacionais, a saber:


— Agrobusiness Corretora e Assessoria Agropecuária Ltda.

— Delta Serviços e Participações Ltda.

— PDR Corretora de Mercadorias S/S Ltda.

— Quality Negócios e Participações Ltda.

— Santospar Investimentos, Participações e Negócios S.A.

— Contaserv Serviços Ltda.

— Sanvest Participações S.A.

— Pillar Construção, Comércio e Serviços Ltda.

— Cruz e Aragon Assessoria Pecuária Ltda.

— Naga Consultoria Financeira Ltda.

Algumas empresas que efetivamente pertenciam ao grupo como a Invest Santos Negócios e Participações Ltda., a Procid Participações e Negócios S.A., controladora do Banco Santos S.A., e a Santos Corretora também chegaram a ser utilizadas, embora com menor freqüência, em operações recíprocas.

Os nomes dessas empresas aparecem na planilha intitulada “Garantias “M” em Vigência” (fls.1276/1290), na coluna “Tp.Aplic.”, ou seja, “Tipo de Aplicação”. Essa planilha, encontrada após a intervenção nos computadores do Banco Santos S.A. e requisitada pelo Juízo ao interventor, mostra os porcentuais de exigibilidade das operações recíprocas realizadas com centenas de clientes.

Os elementos a seguir indicados demonstram porquê essas empresas eram apenas instrumentos criados para a perpetração de fraudes:

a) A maioria das pessoas cujos nomes aparecem nos contratos sociais das empresas supracitadas foi ouvida. Elas declararam que cederam seus nomes a pedido de Edemar Cid Ferreira ou dos demais integrantes do comitê executivo informal do Banco. Não são, na realidade, “laranjas” na acepção restrita do termo, uma vez que eram pagos periodicamente para tanto.

Nesse sentido são os depoimentos de Pedro Paulo de Sena Madureira (fls.849: procurador da Quality e sócio da Sanvest), Alexandro Sodré da Cruz e Paulo Rodrigo de Souza Silva (fls.367 e 720, respectivamente: sócios da PDR), Jorge Martins Silva (fls.722: sócio da Agrobusiness), Ronaldo Rabelo de Morais e Alessandra de Souza Petri (fls.920 e 1713, respectivamente: presidente e diretora da Santospar), Joaquim Gomes de Almeida e Angela Marcondes Barros (fls.2073 e 2075, respectivamente: sócios ou procuradores da Quality, Creditar e Finsec) e Ruy Ramazini (fls.845: sócio da Contaserv, além de outras empresas do grupo não mencionadas acima, quais sejam a Maremar, Atalanta, Alpha e Ajusta).

b) Muitas das empresas estão sediadas em endereços que, embora existentes, correspondem aos denominados “escritórios virtuais”, salas de poucos metros quadrados “ocupadas” por centenas de paper companies. Esses endereços, que correspondem às caixas postais das empresas off shore, estão localizados, em sua grande maioria, e provavelmente devido às menores alíquotas de tributos municipais, em Barueri, na Grande São Paulo. O relatório policial de fls.1537/1549 trata, inclusive de maneira fotográfica, dos domicílios de algumas dessas empresas e de seus supostos sócios.

No entanto, outras empresas, como a Naga, por exemplo, apresentam como domicílios, endereços de residências na periferia da cidade e, como tais, incompatíveis com suas supostas atividades, volume de operações e recursos movimentados.

c) Muitas das empresas foram constituídas sob orientação do mesmo advogado.

Outras empresas não financeiras que, de fato, integravam o Grupo, embora não reconhecidas como tal, apresentavam propósitos bem definidos, como a Alpha, através da qual eram freqüentemente realizados pagamentos de remuneração sob o denominação de “luvas”, bônus, etc. a diretores e officers ou a Rutherford, que, atuando no ramo de trading, entregava no Brasil moeda nacional e recebia moeda estrangeira no Exterior. A título de exemplos, temos os depoimentos de fls.584/586 e 634/636 dos autos principais, relativos a clientes da Rutherford. É de se observar que essa empresa nunca liquidou, no Brasil, os créditos recebidos do Banco através de contratos de várias naturezas. Como, segundo o depoente de fls.1381/1385, houve vários depósitos da Rutherford UK, empresa off shore coligada a empresa brasileira de mesmo nome, em conta da Alsace Lorraine, empresa off shore do Banco Santos, é de se concluir que houve compensação de valores, evadindo-se divisas do País.

As empresas acima relacionadas, foram utilizadas, então, na engenharia de diversos mecanismos de operações casadas, a seguir descritos:

A. Operações com debêntures

Exigia-se do cliente, como condição para a liberação dos recursos de um financiamento ou empréstimo, que parte dele fosse destinada à compra de debêntures emitidas por empresas nacionais que, como já se mencionou acima, eram apresentadas como integrantes do “Grupo Banco Santos S.A.”.

As empresas emitentes desses títulos eram, via de regra, a Santospar e a Sanvest, bem como, com menor volume de emissões, a Invest Santos, a Contaserv e a Procid. É de se ressaltar que, embora empresas como a Santospar e a Sanvest possuíssem, ao menos formalmente, administradores estranhos ao Banco Santos S.A., na verdade meros “laranjas” como acima descrito, as respectivas razões sociais foram idealizadas de modo a fazer crer a terceiros que lidavam com empresas formalmente vinculadas à instituição financeira.


Assim, depositado o valor correspondente ao financiamento concedido na conta do cliente, este imediatamente transferia o montante relativo à compra de debêntures para uma conta corrente indicada pelo Banco Santos S.A. e dava em penhor as debêntures adquiridas como garantia da operação realizada.

Assim, como a compra de debêntures comporta-se como um empréstimo que o comprador do título faz à empresa emissora, na verdade, o Banco Santos S.A. estava repassando valores a empresas não financeiras que, na realidade, eram controladas por ele, utilizando-se do cliente como intermediário na operação.

A.1 Exemplo: Fujiwara Equipamentos de Proteção Individual Ltda.

Como se pode observar no apenso nº 32 (volumes 1 e 2), entre abril de 2003 e janeiro de 2004, a Fujiwara Equipamentos de Proteção Individual Ltda. celebrou com o Banco (fls.8) dois contratos de conta garantida (CCG) e três adiantamentos sobre contrato de câmbio (ACC). Tais instrumentos encontram-se às fls.110/146 e encontram-se relacionados na tabela abaixo:

Contrato………………………………….Valor (R$)

CCG nº 233.178-7……………………R$ 5.000.000,00

CCG nº 233.179-5……………………R$ 3.500.000,00

ACC 04/006219………………………R$ 1.377.200,00

ACC 04/006877………………………R$ 1.705.200,00

ACC 04/006877 (aditamento)…..R$ 2.900.000,00

Total …………………………………….R$ 14.482.400,00

A título de reciprocidade, a empresa adquiriu 7.729 (sete mil, setecentas e vinte e nove) debêntures (fls. 96/108) emitidas pela Santospar Investimentos, Participações e Negócios S.A., como pode ser observado na tabela a seguir.

Aquisição……..Cautela nº……Debêntures nº ………..Valor

04/04/03……………8…………….32036 a 36983…………R$ 4.948.000,00

16/12/03…………..22……………50387 a 51840…………R$ 1.454.000,00

18/12/03………….30…………….99130 a 100000……….R$ 871.000,00

12/01/04………….49…………….6354 a 6535…………….R$ 182.000,00

14/01/04…………52……………..4368 a 4641…………….R$ 274.000,00

R$ 7.729.000,00

Observa-se, portanto, que apenas com aquisição de debêntures (a empresa também adquiriu uma export note da Invest Santos), a reciprocidade exigida pelo Banco foi de mais de 50% (cinqüenta por cento), sendo que a empresa inclusive recebia extrato de sua “aplicação” em debêntures (fls.63) enviado pela Santospar. No entanto, observa-se, na parte superior do documento que o fax utilizado pertencia ao Banco.

Os valores creditados pelo Banco na conta corrente da Fujiwara junto à instituição por conta dos mútuos supracitados foram, então, transferidos nos montantes relacionados às aquisições de debêntures para a conta corrente da Santospar Investimentos, Participações e Negócios S.A.

B. Operações com export notes

Indicava-se ao cliente, como condição para a liberação dos recursos de um financiamento ou empréstimo, que parte dele fosse destinada à aquisição de export notes, também conhecidas como contratos de cessão de crédito de exportação das empresas Invest Santos, Quality, Delta, Naga, Cruz e Aragon, Pillar e Contaserv, entre outras.

Assim, depositado o valor correspondente ao financiamento concedido na conta do cliente, este imediatamente transferia o montante relativo à aquisição de export notes para uma conta corrente indicada pelo Banco Santos S.A.

Assim, a compra, consubstanciada na export note, de direitos creditícios associados a uma futura operação de exportação, mostrava-se como outro mecanismo simulado destinado a desviar recursos da instituição financeira.

B.1 Exemplo: H.Betarello Curtidora e Calçados Ltda.

Como se pode observar no apenso nº 27, em julho de 2004 a empresa procurou o Banco pleiteando um empréstimo de três milhões de reais. O Banco, no entanto, condicionou a liberação dos recursos pretendidos a aquisição de créditos de exportação cedidos por uma empresa apresentada como sendo do mesmo grupo empresarial, a Naga Consultoria Financeira Ltda, tendo a H.Betarello aceito a proposta.

Foram, então, firmados três instrumentos:

a) Contrato de financiamento mediante abertura de crédito nº 14400-8 (fls.32/43) no valor de R$ 6.114.600,00 (seis milhões, cento e quatorze mil e seiscentos reais), o que equivalia, pela cotação à época, a dois milhões de dólares, celebrado entre a H.Betarello e o Banco. Os recursos mutuados consistiam, em sua totalidade, de repasses do BNDES.

b) Instrumento particular de contrato de cessão de crédito de exportação (fls.28/29) no valor de US$ 1.028.698,96 (um milhão, vinte e oito mil, seiscentos e noventa e oito dólares e noventa e seis centavos de dólar), o que equivalia, a época, a R$ 2.950.000,00 (dois milhões, novecentos e cinqüenta mil reais), celebrado entre a H.Betarello e a Naga.


c) Contrato de Swap (fls.30/31), firmado entre a H.Betarello e a Naga, como forma de proteção contra as oscilações cambiais.

Para dar segurança ao mutuário, a Procid-Invest Participações e Negócios S.A., controladora do Banco Santos S.A., lhe enviou a carta acostada às fls. 27, usualmente denominada de “carta de conforto”, garantindo o cumprimento dos compromissos assumidos pela Naga.

Do total de R$ 6.114.600,00 (seis milhões, cento e quatorze mil e seiscentos reais) transferidos para sua conta corrente, a H.Betarello, em atenção à mensagem eletrônica de fls.23, repassou, mediante transferência eletrônica disponível — TED, o valor de R$ 2.950.000,00 (dois milhões, novecentos e cinqüenta mil reais) à Naga, creditando a conta corrente nº 31.907-4, mantida por essa empresa junto ao Banco Bradesco.

C. Operações com cédulas de produto rural (CPRs)

Por volta de maio de 2004, Flávio Calazans de Freitas (fls.424/428), ex-funcionário da Santos Corretora, foi procurado por Ricardo Ferreira de Souza e Silva, sobrinho de Edemar Cid Ferreira. Ricardo solicitou a Flávio que localizasse e adquirisse, a baixo custo, uma corretora de mercadorias para ser utilizada nas operações do Banco Santos S.A.

Consultado, Paulo Gustavo Arruda de Freitas (fls.970/974), amigo de Flávio à época, indicou-lhe a PDR Corretora de Mercadorias S/S Ltda., sediada em Mato Grosso do Sul, empresa que efetivamente veio a ser adquirida por Flávio que fez constar como sócios no respectivo contrato social, e com a anuência dos mesmos, o próprio Paulo, e Jackson Teodoro de Lima Oliveira, este substituído cerca de dois meses depois por Alexandre Sodré da Cruz.

Ato contínuo, a PDR abriu contas correntes em vários bancos, a saber, Banco Santos, Itaú, Bradesco e Caixa Econômica Federal, tendo Flávio afirmado em seu depoimento (fls.424/428), que elas eram movimentadas pela diretoria do Banco Santos S.A., principalmente por Ricardo e Álvaro Zuchelli Cabral.

Ademais, segundo Flávio, após a aquisição da PDR, outras empresas foram, a pedido de Edemar Cid Ferreira, incorporadas às operações fraudulentas do Banco Santos S.A., a saber, Agrobusiness Corretora e Assessoria Agropecuária, Naga Consultoria Financeira Ltda., Cruz e Aragon Assessoria Pecuária Ltda., Iguatemi Administração, Corretagem e Participação Ltda. e Pillar Construção, Comércio e Serviços Ltda., embora a PDR tenha sido, entre essas, a mais freqüentemente utilizada nas operações espúrias realizadas pela instituição financeira.

Passou-se então, através da PDR, a se exigir do cliente do Banco, a título da já mencionada reciprocidade bancária, operações envolvendo cédulas de produto rural (CPRs). Tais operações funcionavam da forma descrita a seguir.

Cooperativas agrícolas ou produtores rurais procuravam o Banco Santos S.A. em busca de crédito, ou eram procurados por seus officers, que lhes ofereciam produtos bancários variados (cédulas de crédito bancário — CCBs, contratos de financiamento de capital de giro, contratos de conta garantida — CCGs, etc.), subordinando a transação à emissão, pela cooperativa ou produtor rural, de cédulas de produto rural (CPRs).

Por orientação dos denunciados, essas cédulas eram emitidas tendo a PDR como beneficiário ou comprador. O pagamento do valor do título que, em operações não simuladas, deve ser feito integralmente e no ato de formalização do negócio era, em tais operações, parcelado. Convencionava-se que, a título do que se costumou denominar de “bonificação” ou “comissão”, uma porcentagem de aproximadamente 0,5% a 2,5%, dependendo da operação, era paga, no ato, ao emitente. Acordava-se também que alguns dias antes do vencimento da CPR, o restante do valor deveria ser pago ao emitente ou o título a ele devolvido. Tais cláusulas encontram-se previstas no documento intitulado “instrumento particular de emissão e aquisição de CPR e outras avenças”, celebrado entre os clientes da instituição financeira e a PDR. Vários desses documentos encontram-se acostados aos autos ou mencionados nas iniciais de ações promovidas pelos devedores do Banco Santos S.A.

Algumas vezes, para garantir ao emitente do título a devolução das respectivas CPRs, entregava-se a ele uma declaração, assinada pela Procid Invest Participações e Negócios S.A., em que se reafirmava o propósito de cumprir o estipulado, ou seja, a Procid avalizava a operação. Referia-se muitas vezes a esse documento como “carta de conforto”.

O que se convencionou chamar de “bonificação” era, na verdade, um “aluguel” que se pagava ao produtor rural ou cooperativa agrícola pela utilização, em operações fraudulentas, da CPR de sua emissão. É de se observar que, via de regra, as cédulas de produto rural emitidas apresentam o nº 001/ano de emissão, ou seja, foi a primeira (e provavelmente a única) CPR emitida pelo produtor ou cooperativa que nunca teve tradição nessa prática. Temos aqui, pois, operações de aluguel de CPRs.


Como a cédula de produto rural é um título endossável, a PDR imediatamente a revendia ao Banco Santos S.A. ou a Santos Corretora de Câmbio e Valores S.A., que creditavam o valor correspondente na conta corrente nº 13.145-4 , mantida pela PDR no mesmo banco e movimentada pelos próprios administradores da instituição financeira.

Os valores correspondentes ao pagamento das supracitadas operações de compra de debêntures, export notes ou CPRs, e depositados pelos clientes em contas indicadas pelos denunciados eram, em seguida, fragmentados e transferidos, utilizando-se de transferências eletrônicas disponíveis — TEDs — para contas correntes de diversas pessoas físicas e jurídicas, pulverizando-se o montante desviado. Tal fragmentação de valores pode ser observada na tabela elaborada pela comissão de inquérito do Banco Central às fls.1254/1257 dos autos.

Às fls.2370/2377 dos autos principais, a comissão de inquérito instalada para apurar as atividades do Banco informou que além das empresas destinatárias de tais recursos não apresentarem atividades econômicas que justificassem tais recebimentos, as respectivas transferências de valores eram realizadas por meio de inúmeras transações diárias para várias contas, abertas pelo mesmo destinatário em diferentes bancos, sugerindo ter havido estruturação de transferências para evitar que fossem identificadas como atípicas ou incompatíveis.

As investigações demonstraram que várias das empresas que receberam tais créditos em suas contas correntes pertencem ou operam com doleiros ou empresas de factoring.

A título de exemplo, o sócio da Fator Comércio de Pedras Ltda. que, conforme relação às fls.1254/1257 recebeu cerca de trinta milhões de reais de várias empresas não financeiras do Grupo, foi ouvido às fls.1443/1444 dos autos, tendo afirmado que a empresa não existe de fato e que autorizou seu filho a utilizar seus dados pessoais na elaboração do respectivo contrato social. Por seu turno, seu filho Thiago Abdenor Lopes era sócio da CV Turismo Ltda., localizada em Governador Valadares. Autorizada judicialmente medida de busca e apreensão nas instalações dessa empresa, constata-se, pelos documentos acostados às fls.2528/2538, que a CV Turismo se tratava efetivamente de empresa destinada a operar no mercado clandestino de câmbio.

É de se observar, ainda, como mais um indício da simulação das operações de compra de créditos consubstanciados em debêntures, export notes e CPRs, que os valores relativos a CPMF debitados na conta do cliente por ocasião das transferências de recursos para as contas das empresas emitentes dos títulos eram posteriormente estornados, no sentido de não haver ônus adicional para o cliente do Banco.

C.1 Exemplo: Cooperativa Agroindustrial Alegrete Ltda

Conforme narram os autos compostos por petições iniciais de devedores do Banco com operações de reciprocidade em CPRs, a Cooperativa Agroindustrial Alegrete Ltda. (CAAL) contratou, em 29 de junho de 2004, um empréstimo de capital de giro no valor de R$ 1.874.000,00 (um milhão e oitocentos e setenta e quatro mil reais).

Para atender a exigência do Banco, a empresa emitiu a cédula de produto rural financeira nº 001/2004, no valor de R$ 36.800.000,00 (trinta e seis milhões e oitocentos mil reais) e assinou, então, também como exigência do Banco, um “instrumento particular de emissão e aquisição de cédulas de produto rural e outras avenças”, onde constava a PDR Corretora de Mercadorias S/S Ltda. como beneficiária da CPR.

Recebeu, então, 0,5% (meio por cento) do valor de face da CPR, ou seja, R$ 184.000,00 (cento e oitenta e quatro mil reais), ficando o título custodiada junto ao Banco. Visando tranquilizar a CAAL, que não detinha, aquela altura dos acontecimentos, nem a CPR nem o valor integral a ela correspondente, a Procid Invest Participações e Negócios S.A. com a ciência da PDR, emitiu uma carta, a denominada “carta de conforto”, comprometendo-se a devolver a CPR em questão.

A CAAL não soube informar o paradeiro da CPR. No entanto, seguindo o modus operandi acima descrito, ela foi endossada ao Banco que depositou o valor correspondente na conta corrente da PDR.

Além da PDR, outras empresas foram utilizadas pelo Banco nas operações com cédulas de produto rural, como a Delta Serviços e Participações Ltda., cuja razão social foi posteriormente alterada para Delta Agronegócios, Serviços e Participações Ltda., Omega Serviços e Participações Ltda. e Rutherford Trading S.A. (as duas últimas utilizadas, como se pode observar no apenso nº 75, na operação com a Cooperativa Agrícola Mista General Osório Ltda.).

D. Operações com “certificates of participation” e “promissory notes”

Em 1996, de forma quase que simultânea à criação do Banco Santos S.A., foi criado pelos acusados, conforme depoimento detalhado do ex-gerente da representante da instituição no Brasil às fls.2284/2300, o Bank of Europe Limited, doravante denominado de BoE, com sede na ilha de Antigua, notório paraíso fiscal. Como em Antigua o BoE não tinha presença física, seus arquivos eram mantidos no Uruguai, outro paraíso fiscal, aos cuidados da empresa Beauford Uruguai, criada para esse fim, como detalhado no depoimento supracitado.


O BoE foi criado para ser uma filial clandestina do Banco Santos S.A. no Exterior e fazer operar, numa versão internacional, as transações que, em nível nacional, utilizavam as empresa “de fachada” domésticas já citadas. Assim, enquanto, por exemplo, a Santospar e a Sanvest possuíam contas correntes no Banco Santos S.A., também seria necessário que empresas que pertencessem não oficialmente ao grupo, desta feita, empresas off shore, ou seja, domiciliadas no Exterior, fossem clientes do BoE.

Os depoimentos de ex-funcionários do Banco colhidos quando da instrução do inquérito policial, bem como a prova documental ali acostada dão conta de que o BoE efetivamente pertencia ao Banco. A título de exemplo, além do depoimento do ex-gerente da European, empresa representante do Banco no Brasil (fls.2284/2300), temos as mensagens eletrônicas de fls.1398/1410 e a ata de reunião de diretoria do BoE (ali denominado BofE), às fls. 1397, que apresenta a mesma estrutura gráfica da ata de reunião do Banco Santos (fls.1272/1273), além da coincidência das iniciais dos nomes de vários de seus membros permanentes.

A primeira empresa off shore largamente utilizada para os fins acima descritos foi a Unipart Investor International Limited, que operou entre 1997 e 2001, sendo sucedida, em seu papel, pela Alsace Lorraine. Outras empresas off shore, como a Folgent Investment, a Inversora Felten e muitas outras arroladas na relação de empresas sediadas em paraísos fiscais acostada aos autos também foram utilizadas pelos denunciados em operações financeiras internacionais espúrias.

Para representar o BoE no Brasil, foi concebida a Support Financial Services que em 2003 foi substituída pela European Advisors Limitada.

Da mesma forma que a operação recíproca nacional envolvia a compra, pelo cliente, de títulos, como debêntures ou cédulas de produto rural, as operações recíprocas internacionais valiam-se da aquisição de créditos consubstanciados em notas estruturadas, denominadas “participation”, ou notas promissórias (promissory notes) que empresas como Unipart inicialmente, e depois Alsace Lorraine, entre outras, detinham junto ao BoE. Da mesma maneira que a planilha “Garantias M em Vigência” relacionava as operações recíprocas nacionais, havia outra planilha similar, denominada de “M-pledge”, para as operações envovendo o BoE. Essa planilha pode ser vista às fls.1698/1700 dos autos.

Logo, era proposto ao futuro cliente do Banco Santos S.A. que, para a realização de determinada operação de crédito, parte do valor mutuado ou financiado deveria ser necessariamente utilizado na compra de tais créditos. Obviamente, assim como no caso de debêntures, export notes e CPRs, tais operações não passavam de meras simulações destinadas apenas a justificar o trânsito de valores.

Uma conta de titularidade do cliente era, então, aberta junto ao BoE e creditada, através de transferências internacionais em reais (amparadas, na época, pela circular 2.677/96 do Banco Central, atualmente revogada) realizadas pelo próprio cliente junto à instituição financeira nacional de sua preferência, a título de disponibilidade financeira no Exterior ou outra justificativa. A conta do cliente do Banco Santos S.A. no BoE também poderia ser por ele creditada através de transferências de recursos oriundos de outras contas correntes de sua titularidade ou de empresas off shore a ele associadas a qualquer título, mantidas por ele no Exterior com conhecimento ou não do Fisco.

Realizado o depósito, tais recursos eram, então, transferidos à contas correntes mantidas no BoE pelas empresas off shore do grupo, tendo sido a Alsace Lorraine a maior tomadora desde 2001.

Nessa operação estruturada, era como se a Alsace Lorraine, por conta de um empréstimo tomado ao BoE, emitisse como garantia uma nota promissória (promissory note). O BoE, por seu turno, vendia ao cliente um título denominado certificado de participação (certificate of participation ou simplesmente participation) no mesmo valor daquele ativo. Assim, de maneira indireta e valendo-se de simulações, o valor depositado pelo cliente a título de reciprocidade era transferido para a conta da Alsace Lorraine no BoE. Ademais, através de um instrumento denominado “pledge of collateral agreement”, o BoE comprometia-se a emitir cartas de crédito tendo como beneficiário o Banco Santos S.A., caso os compromissos que o cliente tinha com o Banco Santos S.A. no Brasil não fossem honrados.

Os documentos de fls.1838/1990 bem como as declarações do ex-gerente da European às fls.2284/2300 descrevem em detalhes a criação e operação do BoE como filial clandestina do Banco num paraíso fiscal.

Observa-se às fls. 14,15 e 50 do apenso nº 13 que os diretores da Alsace Lorraine eram Álvaro Zucheli Cabral, Mário Arcangelo Martinelli e Marcelo Bernardini. É o que também demonstra a procuração de fls. 12, outorgada por Álvaro Zucheli Cabral e Mário Arcangelo Martinelli.


O relatório de fls.1991/2008 da força tarefa CC5 de Curitiba a respeito das transações realizadas pelo BoE, bem como a informação técnica de fls. 2366/2369 onde se identificam as transações onde o BoE aparece como beneficiário ou ordenante em transferências internacionais de recursos (wire transfer), dão conta do enorme volume de recursos movimentados pela instituição, bem como do relacionamento com alguns dos mais notórios doleiros identificados na operação Banestado. Nesse sentido também os extratos de contas correntes abertas junto ao BoE e acostadas às fls.1958/1959 dos autos.

É de se observar, ainda, o intenso relacionamento do Banco Santos com o BSI (Banca della Svizzera Italiana). Este, através de sua agência nas Bahamas, emprestou, em agosto de 2002, US$ 12.211.500,00 (doze milhões, duzentos e onze mil e quinhentos dólares) a Brasil Connects, empresa de Edemar Cid Ferreira que, em maio de 2004, também recebeu aportes de dividendos do Banco no montante de R$ 40.650.000,00 (quarenta milhões e seiscentos e cinquenta mil reais). O depoimento de fls.2284/2300 dá conta de que o BSI e o Banco Santos eram representados não oficialmente em Miami por Edson Ferreira da Silva e que pelo BSI teria passado o maior volume de recursos desviados do BNDES.

Utilizando-se do mesmo mecanismo acima descrito, um grande número de empresas depositou recursos no BoE e adquiriu papéis de empresas off shore ligadas ao Banco Santos S.A., como forma de cumprir a reciprocidade exigida para as operações realizadas no País.

Tratava-se, na verdade, de uma outra forma de desvio de recursos do Banco. Ao invés de se valer de empresas nacionais “de fachada” e títulos como debêntures, export notes ou cédulas de produto rural, valia-se, então, de paper companies sediadas em paraísos fiscais e uma nova modalidade de títulos, denominados certificados de participação ou notas promissórias. Entregava-se ao cliente no Brasil moeda nacional oriunda, em sua grande maioria, de linhas de crédito do BNDES e recebia-se, no exterior, a contrapartida, parcial ou integral, em moeda estrangeira, configurando-se uma operação de compensação de valores tão ao gosto de doleiros como acima já se mencionou.

D.1 Exemplo: Odebrecht S.A.

Conforme se pode observar às fls.2/63 do apenso nº 13, em 21 de maio de 2004, a Odebrecht S.A. obteve junto ao Banco um crédito no valor de R$ 47.720.000,00 (quarenta e sete milhões, setecentos e vinte mil reais), tendo a empresa emitido seis cédulas de crédito bancário – CCBs de nºs 13.765-6, 13.766-4, 13.767-2, 13-768-0, 13.769-9 e 13.770-2.

Em contrapartida, a Odebrecht Overseas Limited, com sede nas Bahamas e controlada pela Odebrecht S.A. abriu a conta corrente nº 100.0370 no BoE e ali depositou US$ 15.000.000,00 (quinze milhões de dólares), utilizados para a aquisição do “certificate of participation” ou certificado de participação nº 01978.2105/2004, título de emissão da Alsace Lorraine Investment Services Limited (fls. 56/57).

Ademais, a Odebrecht Overseas Limited assinou o documento intitulado “pledge of collateral agreement” (fls.59/62), através do qual a empresa off shore tornava-se a avalista da operação, autorizando o BoE (pledgee ou “credor caucionado”) a emitir cartas de crédito em benefício do Banco (lender ou financiador), caso a Odebrecht S.A. (borrower, tomadora ou mutuária) não adimplisse suas obrigações relativas às CCBs emitidas, oferecendo, como garantia, o certificado de participação custodiado no BoE.

O Banco, então, através dos documentos de fls.3/8, aceitou o referido certificado em contraprestação ao empréstimo concedido no Brasil.

Assim é que, através de uma série de documentos que visam apenas a conferir uma aparência de legitimidade à operação, o BoE serviu, nos mesmos moldes das operações conduzidas por doleiros, para a realização de simples compensação de valores. O cliente depositou, ainda que indiretamente valendo-se de contas correntes abertas pela Odebrecht Overseas Ltd. e Alsace Lorraine, moeda estrangeira na conta mantida pelo Banco Santos S.A. no BoE e o Banco Santos S.A. creditou, no Brasil, a conta corrente do cliente junto ao Banco Santos S.A. no valor correspondente, a título de empréstimo ou financiamento.

D.2 Exemplo: Biosintética Farmacêutica Ltda.

No apenso nº 81 consta operação semelhante, realizada com a empresa Biosintética Farmacêutica Ltda. no valor de R$ 30.000.000,00 (trinta milhões de reais), tendo sido proposto ao cliente que fossem depositados US$ 5.000.000,00 (cinco milhões de dólares) em conta corrente aberta para esse fim no BoE, sob a alegação de que, além de servir de garantia, através de mecanismo idêntico ao acima descrito, o BoE remuneraria a aplicação em taxas superiores aos custos do mútuo junto ao Banco. O depósito, nesse caso, foi feito pela empresa SINWOL S.A., com sede no Uruguai e que, segundo a Biosintética, seria seu atual fornecedor e antigo parceiro comercial.


D.3 Exemplo: Antilhas Embalagens, Editora e Gráfica S.A.

Nas transações realizadas com a empresa Antilhas Embalagens, Editora e Gráfica S.A. (apensos nºs 82 e 83, volumes 1 e 2), além de operações de aquisição dos aludidos certificados de participação realizados pela Clearwater Overseas Holding Limited, empresa off shore a ela associada, nos mesmos moldes descritos anteriormente, também houve, em ocasião anterior, a título de reciprocidade, a formalização de um instrumento denominado “nota corporativa estruturada” entre a Antilhas e o BSI (Banca della Svizzera Italiana) das Bahamas (fls.289/299), segundo o qual o cliente brasileiro, tendo transferido um milhão e meio de dólares para aquela instituição, autorizou que fossem adquiridas, com tal valor, notas promisórias da empresa Folgent Investment S.A. (fls.300), empresa off shore sediada no Uruguai e ligada ao Grupo Banco Santos S.A.

2. Mecanismos de mascaramento contábil

Para ocultar das autoridades monetárias e dos clientes da instituição financeira esse elevado volume de desvio de recursos, e garantir ao empreendimento uma imagem de sucesso e prosperidade, pelo menos junto ao público, a contabilidade do Banco deveria ser ideologicamente falsificada, contendo dados que não correspondessem à situação que acabou por levar à liquidação da instituição, com um passivo circulante e exigível a longo prazo de quase três bilhões de reais, conforme fls.56 do relatório do interventor no apenso nº 45.

Para tanto, os denunciados valeram-se dos seguintes artifícios:

A. Operações com opções flexíveis

Conforme descrito no procedimento administrativo do Banco Central nº Pt 0401270357, protocolado na Procuradoria da República em São Paulo sob nº 1.34.001.000442/2005-25 e que se encontra no apenso 29, volumes 1 e 2, os denunciados, entre 25 e 30 de junho de 2003, realizaram, conforme notas de negociação acostadas aos autos do procedimento, 32 (trinta e duas) operações de venda de opções flexíveis tipo Call Européia (opções de compra) com vencimento em 30.06.2004. Essas operações podem ser vistas na tabela I às fls. 4 dos referidos autos em apenso. Conforme pode ser observado nessa tabela, o valor unitário do prêmio pago pelos compradores oscilou entre R$ 8.400,00 (oito mil e quatrocentos reais) e R$ 8.700,00 (oito mil e setecentos reais) aproximadamente, gerando uma receita ao Banco de R$ 98.346.265,43 (noventa e oito milhões, trezentos e quarenta e seis mil, duzentos e sessenta e cinco reais e quarenta e três centavos).

Em 30.06.2003, após resgates antecipados realizados por alguns clientes, havia um saldo de R$ 88.370.428,67 (oitenta e oito milhões, trezentos e setenta mil, quatrocentos e vinte e oito reais e sessenta e sete centavos).

Nessa data, os denunciados adotaram um valor de mercado para essas opções, utilizando-se de método que não guardava qualquer relação com os valores negociados, contrariando o disposto na circular nº 3.082/02 do Bacen. Os novos valores dos prêmios calculados oscilou, então entre R$ 2.700,00 (dois mil e setecentos reais) e R$ 3.400,00 (três mil e quatrocentos reais), conforme pode ser visto na tabela II às fls.05 do apenso, gerando um novo valor total de prêmio de R$ 33.493.751,70 (trinta e três milhões, quatrocentos e noventa e três mil, setecentos e cinqüenta e um reais e setenta centavos).

Esse ajuste negativo de R$ 54.876.676,97 (cinqüenta e quatro milhões, oitocentos e setenta e seis mil, seiscentos e setenta e seis reais e noventa e sete centavos) no valor do prêmio negociado foi, então, contabilizado como lucro da operação.

É de se observar que essa parcela de R$ R$ 54.876.676,97 (cinqüenta e quatro milhões, oitocentos e setenta e seis mil, seiscentos e setenta e seis reais e noventa e sete centavos) correspondia, à época, a aproximadamente 63% (sessenta e três por cento) do resultado do Banco no primeiro semestre de 2003 e cerca de 11% (onze por cento) de seu patrimônio líquido. Esses valores indicam a relevância do ardil utilizado para a alavancagem artificial do resultado da instituição financeira e a conseqüente melhoria de sua imagem junto ao mercado, atraindo com isso novos clientes.

Embora, como mencionado acima, a data de vencimento das opções fosse 30.06.2004, todas elas foram resgatadas antecipadamente, entre 01.07.2003 e 08.08.2003, ou seja, logo após a divulgação dos falsos demonstrativos contábeis. Nenhum cliente, pois, exerceu seu direito de opção. Não obstante os valores amplamente favoráveis à instituição calculados pouco tempo antes, pode-se observar, pela tabela III, que o Banco, revertendo seu lucro contábil, pagou pelas opções o valor do prêmio na data de negociação acrescido de uma remuneração que conferiu à operação características de fundo de investimento em renda fixa.


Assim, é de se imaginar, pelas datas de negociação, vencimento e resgate e pelo comportamento harmônico dos empresários e do Banco que os clientes que compraram as opções flexíveis foram cooptados já com a promessa dos rendimentos que efetivamente realizaram e apenas com o propósito de gerar operações que possibilitassem, através da adoção de critérios inconsistentes, a manipulação de resultados e a fraude contábil.

B. Concessão de empréstimos de difícil liquidação

Conforme descrito no procedimento administrativo do Banco Central nº Pt 0401260430, protocolado na Procuradoria da República em São Paulo sob nº 1.34.001.000733/2005-13 e que se encontra no apenso 28, os denunciados, entre janeiro e abril de 2004, concederam créditos no montante de R$ 282.999.000,00 (duzentos e oitenta e dois milhões, novecentos e noventa e nove mil reais), valor que correspondia, á época, a cerca de 49% (quarenta e nove por cento) do patrimônio líquido da instituição financeira, a quatro empresas (Quality Negócios e Participações Ltda., Delta Serviços e Participações Ltda., Creditar Negócios e Participações Ltda. e Omega Serviços e Participações Ltda.) que investigações policiais posteriores constataram ser “paper companies” utilizadas pelos denunciados para a perpetração de fraudes contra o Sistema Financeiro Nacional, conforme se pode observar pelos elementos a seguir relacionados:

a) Todas as empresas possuem (fls.35/39, 125/131, 182/187 e 235/241 dos autos nº 28 em apenso) como sócios majoritários empresas off shore (Arletti Investments Incorporated, Lessard Investing Corp., Bluecrown International Corp. e Omega Capital Management Inc.) sediadas em paraísos fiscais (respectivamente, Ilhas Virgens Britânicas, Panamá e Bahamas).

b) Fábio Prado de Carvalho declarou ter cedido seu nome para a constituição da Omega Serviços e Participações Ltda. a pedido de Álvaro Zucheli Cabral (fls.937/939).

c) Todas as empresas estão sediadas em endereços que, embora existentes, correspondem aos denominados “escritórios virtuais”, salas de poucos metros quadrados “ocupadas” por centenas de paper companies, no mesmo edifício (Alameda Araguaia, 933 em Barueri).

d) Os contratos sociais das quatro empresas foram elaborados mediante a assessoria jurídica da mesma advogada, a saber, Glória Maria C.M.C. Porchat, que também participou da confecção do contrato social da Maremar Empreendimentos e Participações Ltda., empresa que, a princípio, tinha como sócios Edemar Cid Ferreira e seu sobrinho Ricardo Ferreira de Souza e Silva (fls.15/23 do apenso nº 80 – vol.I).

e) Em janeiro de 2004 (fls.10 dos autos em apenso), a Quality transferiu recursos para a Omega. Por seu turno, em fevereiro de 2004, a Creditar transferiu recursos para a Delta e para a Quality, o que demonstra o relacionamento entre as empresas.

f) A Omega e a Delta Serviços e Participações Ltda., posteriormente denominada Delta Agronegócios, Serviços e Participações Ltda. apresentam, nos bancos de dados da Receita Federal, os mesmos telefones de contato, a saber, 6168-9688 e 6163-1133.

g) A Creditar e a Sanvest apresentam nos bancos de dados da Receita Federal, o telefone de contato 3818-9000, cujo titular do direito de uso era, à época, o Banco Santos S.A.

h) A Quality apresenta, nos bancos de dados da Receita Federal, o telefone de contato 3171-3972, cujo titular do direito de uso era, à época, o Banco Santos S.A.

Na tabela a seguir pode-se observar os nomes e CNPJs das empresas, os valores mutuados e as datas dos contratos.

Empresa…….CNPJ……Crédito concedido …..Datas dos contratos

Quality Negócios e Participações Ltda………….04.149.804/0001-08

R$ 145.459…………….12.01.04 a 15.04.04

Delta Serviços e Participações Ltda……………..04.856.592/0001-07

R$ 60.337………………02.02.04 a 05.04.04

Creditar Negócios e Participações Ltda………..03.781.197/0001-31

R$ 56.761………………27.01.04 a 30.04.04

Omega Serviços e Participações Ltda………….05.518.309/0001-91

R$ 20.442………………05/04/04

Os recursos foram liberados através de contratos de limite de crédito/conta garantida (CCG), cédulas de crédito bancário (CCB) e contratos de mútuo, tendo sido vários desses contratos assinados por Álvaro Zucheli Cabral (fls. 50/51, 53/54, 61/64, 76/78, 138/140, 145/146, 148/149, 151/152, 193/195, 209/211, 215/217 e 245/247 dos autos nº 29 em apenso).

Como as supracitadas “paper companies” foram criadas por determinação dos integrantes do comitê executivo da instituição, os créditos foram concedidos sem qualquer análise econômico-financeira sendo, ademais, o risco de recuperação do crédito classificado nos níveis A e AA (fls.256/258), somente atribuíveis a empresas de grande porte e financeiramente saudáveis.


De maneira a iludir a autarquia, o público e os investidores em geral, os créditos foram comunicados à Central de Risco de Crédito do Banco Central (fls.277/280) como tendo sido concedidos a empresas de porte e cujos respectivos CNPJs em nada se assemelhavam aos das reais mutuárias a saber: Braskem S.A ( CNPJ 42.150.391/0001-70), Cosipa (CNPJ 02.790.893/0001-41), Cia. Brasileira de Distribuição (CNPJ 47.508.411/0001-56) e Odebrecht S.A. (CNPJ 15.105.588/0001-15), o que descarta a ocorrência de um reiterado e conveniente equívoco na transmissão das informações. Com essa falsa comunicação, evitava-se a exigência do Banco Central no sentido de que houvesse provisionamento de recursos para fazer frente a inadimplência das empresas mutuárias.

É ainda de se observar que, às fls.4/8 do procedimento nº 0401258731 (Apenso nº 6), os inspetores do Bacen, em avaliação do risco do grupo Santos para o Sistema Financeiro Nacional realizada em julho de 2004, identificaram a necessidade de reclassificação de risco de crédito de dezenas de operações que totalizavam, em 31.07.2004, R$ 520.042.000,00 (quinhentos e vinte milhões e quarenta e dois mil reais). A extensa tabela de ajustes demonstra que a sub-avaliação de risco de operações de crédito era prática comum do Banco.

Assim, além de se operar desvios de recursos no montante de quase duzentos e oitenta e três milhões de reais, estes foram contabilizados e divulgados como ativos correspondentes a créditos de fácil liquidação, o que bem demonstra, mais uma vez, o comportamento ardiloso dos denunciados.

C. Liquidação de créditos com recursos de origem desconhecida

Conforme o documento de fls.1767/1768, no primeiro semestre de 2000, cinqüenta milhões de reais em créditos de difícil liquidação, para os quais havia sido determinado pelo Bacen o integral provisionamento, foram liquidados com recursos oriundos de empresas off shore desconhecidas, sediadas nos paraísos fiscais de Grand Cayman, Barbados e Panamá e sem qualquer vínculo com os devedores, tendo sido contabilizado, no período, lucro de quatorze milhões de reais.

D. Lucro excessivo em operação de alienação de empresa

Conforme o documento de fls.1767/1768, em junho de 2001, o Banco alienou por cinquenta e um milhões de reais a sua controladora, a Procid, uma empresa de informática por ele até então controlada que apresentava patrimônio líquido de novecentos mil reais, auferindo-se, portanto, um lucro de cinquenta milhões e cem mil reais. Tal operação fez com que o Banco obtivesse resultado positivo em dezesseis milhões de reais no período.

3. Do retorno ao País de parte do capital desviado

Conforme relatório (fls. 2339/2363) elaborado pelo contador da Polícia Federal baseado no relatório RCAM131D – Câmbio Liquidado, fornecido pelo Sistema de Informações do Banco Central – DEINF, temos, na tabela a seguir, o resumo dos contratos de câmbio liquidados pelas empresas que compõem o “Grupo Banco Santos”.

Empresas…………………………………………..Total – USD

Alpha Negócios e Participações Ltda……………………………27.570.000,00

Atalanta Participações e Propriedades Ltda………………….51.748.000,00

Blumerix Empreendimentos e Participações Ltda………….7.100.000,00

Cid Ferreira Collection Empreendimentos Artísticos Ltda..2.560.000,00

Creditar Negócios e Participações Ltda………………………..16.900.000,00

Delta Agronegócios, Serviços e Participações Ltda…………4.390.000,00

Diamin Empreendimentos e Participações Ltda…………….7.557.000,00

E-Financial – Tecnologia e Serviços Ltda…………………….1.460.000,00

European Advisors – Consultoria Patrimonial Ltda…………..7.569.199,30

Finsec S.A………………………..98.909.000,00

Invest Santos Negócios, Administração e Participação S.A……………………………………………..56.544.305,92

Maremar Empreendimentos e Participações Ltda……….306.410.243,21

Omega Serviços e Participações Ltda……………………….2.999.680,00

Prime Capital Asset Management Ltda………………….2.911.526,50

Procid Participações e Negócios S.A…………………………3.382.865,00

Quality Negócios e Participações Ltda……………………….1.600.000,00

Rutherford Trading S.A…………………………………………..170.439.812,89

Sanvest Participações S.A………………………………………..15.295.000,00

Support Financial Services Representações Ltda………….5.465.532,25

Total……………………………………..790.812.165,07

Dessa forma, parte dos valores desviados do Banco reingressaram no País para manter o fluxo financeiro e lastrear, através de operações simuladas, o balanço da instituição, realizar pagamentos de officers e diretores, pagar despesas estranhas aos objeto social da instituição financeira, como as relacionadas a própria manutenção da mansão de seu presidente, e realizar investimentos em imóveis e objetos de arte e decoração, completando-se, assim, nessa fase de integração de capitais, o ciclo de lavagem de valores oriundos da gestão financeira da instituição financeira.


Pelo acima exposto:

1. Os denunciados:

a) Ao se associarem em quadrilha para o fim de cometer crimes contra o Sistema Financeiro Nacional e de lavagem de capitais, incorreram no art. 288 do Código Penal.

b) Pré ajustados e com unidade de desígnios, ao gerirem fraudulentamente instituição financeira mediante os artifícios abaixo relacionados, incorreram no art. 4º caput da Lei 7.492/86, c.c. art. 25 do mesmo diploma e art. 29 do Código Penal:

b1) Subordinar a concessão de crédito a realização de outra operação financeira, conduta tipificada no art 5º, II da Lei 8.137/90.

b2) Manter e movimentar valor paralelamente a contabilidade exigida pela legislação, conduta tipificada no art. 11 da Lei 7.492/86.

b3) Promover, sem autorização legal, a saída de moeda para o Exterior, conduta tipificada no art. 22 § único, primeira figura da Lei 7.492/86.

b4) Fazer inserir elemento falso em demonstrativo contábil, conduta tipificada no art.10 da Lei 7.492/86.

b5) Manter em erro investidor relativamente a situação financeira, prestando-lhe informação falsa, conduta tipificada no art. 6º da Lei 7.492/86.

b6) Deferir, utilizando-se de clientes como intermediários em operações recíprocas, empréstimos a empresas cujos controles eram exercidos pela direção do Banco, conduta tipificada no art. 17 da Lei 7.492/86.

b7) Aplicar, em finalidade diversa da prevista em lei, recursos provenientes do BNDES, conduta tipificada no art. 20 da Lei 7.492/86.

c) Pré ajustados e com unidade de desígnios, ao dissimularem a origem e a propriedade de valores provenientes de crimes contra o Sistema Financeiro Nacional, utilizando-se, entre outros mecanismos, da conversão de parte desses valores em ativos lícitos, a saber, imóveis e obras de arte, incorreram no art. 1º, VI e VII da Lei 9.613/98 c.c. § 4º do mesmo dispositivo e a Lei 9.034/95.

2. Edemar Cid Ferreira,

Ao manter depósitos na conta corrente particular nº 741084, no UBS de Zurique (fls.1911 dos autos principais) sem declará-los à Receita Federal, incorreu no art. 22 § único, última figura da Lei 7.492/86.

3. Mário Arcangelo Martineli,

Ao manter depósitos na conta corrente particular nº 52526, no PBIB International Bank Luxembourg (fls.2304 dos autos principais) sem declará-los à Receita Federal, incorreu no art. 22 § único, última figura da Lei 7.492/86.

Requeiro, portanto, a instauração de ação penal e citação dos acusados, prosseguindo-se nos demais atos processuais até ulterior condenação.

Requeiro, outrossim, a intimação das pessoas abaixo arroladas para deporem sobre os fatos sob as penas da lei.

São Paulo, 30 de junho de 2005

Sílvio Luís Martins de Oliveira

Procurador da República

Testemunhas:

1. Antonio Pereira de Souza – Comissão de Inquérito do Bacen (fls.2377)

2. Ailton Nunes de Lima e Silva – inspetor do Bacen (fls.1214)

3. Ricardo Russo Candido de Souza – ex-funcionário do Banco Santos (fls.2284)

4. Júlio Cesar Gregorin – ex-officer do Banco Santos (fls. 364)

5. Élvio Freixeda Filho – ex-officer do Banco Santos (fls. 822)

6. Flávio Calazans de Freitas – consultor financeiro (fls. 424)

7. Ritienne Karina Soglio – funcionária de empresa cliente do Banco (fls. 2232)

8. Renato Alex Casagrande Mincache – funcionário de empresa cliente do Banco (fls. 274)

Notas de rodapé

(1)Art. 17, da resolução nº 2.878 do Conselho Monetário Nacional: É vedada a contratação de quaisquer operações condicionadas ou vinculadas à realização de outras operações ou à aquisição de outros bens e serviços.

Art. 21, XXIII, da Lei 8.884/94: As seguintes condutas, além de outras, na medida em que configurem hipótese prevista no art. 20 e seus incisos, caracterizam infração da ordem econômica: subordinar a venda de um bem à aquisição de outro ou à utilização de um serviço, ou subordinar a prestação de um serviço à utilização de outro ou à aquisição de um bem.

(2)Art. 39, I, da Lei 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor): É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas, condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos.

(3) Art. 5º, II da Lei 8.137/90: constitui crime da mesma natureza [contra a Ordem Econômica] subordinar a venda de bem ou a utilização de serviço à aquisição de outro bem, ou ao uso de determinado serviço.

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