Dívida verde

CSN é condenada a reparar danos ambientais do passado

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6 de julho de 2005, 18h22

A juíza federal Adriana Barreto de Carvalho Rizzoto, da 3ª Vara Federal de Volta Redonda, interior fluminense, condenou a CSN — Companhia Siderurgia Nacional a reparar os danos ambientais causados no passado pela sua atividade industrial. A principal usina da companhia, a Presidente Vargas, é apontada como responsável pela deterioração da bacia hidrográfica do Rio Paraíba do Sul. O valor da reparação, de acordo com a decisão da juíza, só será fixado “oportunamente em liquidação de sentença”.

Segundo a juíza, os danos ambientais causados pela CSN, além de confessados pela empresa, ficaram evidenciados em relatório feito pela Feema, o órgão estadual responsável pela fiscalização da aplicação das leis ambientais no Rio de Janeiro. Consta do documento que a poluição gerada pela CSN no passado situava-se no mesmo nível do gigantismo de sua produção.

“Verificou-se a geração de bilhões de toneladas de resíduos industriais, o lançamento de cerca de 35 mil toneladas/ano de poluente na atmosfera e a contaminação brutal das águas do Rio Paraíba do Sul, responsável pelo abastecimento de 10 milhões de pessoas. Alguns destes poluentes, encontrados em altas concentrações à jusante da CSN, eram cancerígenos e potenciais causadores de mutações genéticas e efeitos sistêmicos”, afirma.

Em sua decisão, Adriana Rizzoto ressalva a postura de vanguarda da empresa no respeito ao meio ambiente. “Cumpre salientar o fato notório de que, alguns anos após a privatização, a CSN, sob nova administração, passou a adotar política de gestão ambiental de vanguarda, bem como a investir seriamente em processos industriais mais limpos e eficientes”.

No entanto, a juíza afirma que a “interrupção da causa degradadora ao ecossistema com o ajustamento da conduta atual da empresa às exigências da legislação ambiental, entretanto, não exclui o dever da Ré de indenizar a comunidade pelos danos causados durante sucessivos anos de produção industrial ambientalmente irresponsável. Se, por um lado, a CSN finalmente parece ter-se enquadrado ambientalmente a padrões ético-ecológicos, por outro, é certo que demorou muito a fazê-lo”.

Para determinar o valor da indenização, a titular da 3ª Vara Federal de Volta Redonda diz que ela deve ser arbitrada com razoabilidade, em processo de liquidação, considerando-se a magnitude e a gravidade das seqüelas ecológicas que, de acordo com perícia ambiental a ser oportunamente realizada, forem comprovadamente imputáveis a atuação da siderúrgica na região.

Felizmente, afirma a magistrada, a CSN atualmente “dispõe de recursos financeiros mais do que suficientes para, à luz do princípio da solidariedade, apagar todos os vestígios de seu trágico passado poluidor”. As demonstrações financeiras da empresa, ainda segundo a juíza, apontam resultados recorde, tanto do ponto de vista operacional quanto financeiro.

O lucro líquido da empresa em 2004 atingiu R$ 2 bilhões e a geração de caixa somou R$ 4,8 bilhões, no terceiro ano consecutivo de superação de desempenho (folhas 1.460). “Estes indicadores demonstram que a CSN é capaz de, confortavelmente, resgatar o seu lamentável passivo ambiental, transformando a Cidade do Aço, além de fonte de lucros bilionários, em exemplo mundial de recuperação ecológica e conduta ambientalmente responsável”, conclui.

Leia a íntegra da decisão

Processo 2004.5104000084-1

JUSTIÇA FEDERAL

Seção Judiciária do Rio de Janeiro

3ª VARA FEDERAL DE VOLTA REDONDA

AÇÃO CIVIL PÚBLICA

AUTOR: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL E OUTROS

RÉU: CIA / SIDERÚRGICA NACIONAL – CSN

JUÍZA FEDERAL TITULAR: ADRIANA BARRETTO DE CARVALHO

RIZZOTTO

S E N T E N Ç A

Trata-se de ação civil pública inicialmente proposta pelo ESTADO DO RIO DE JANEIRO em face da COMPANHIA SIDERÚRGICA NACIONAL – CSN objetivando a condenação da Ré a cumprir as obrigações de fazer definidas nos termos de compromisso celebrados com a FEEMA em 1986 e 1987, bem como na minuta de termo de compromisso de fl. 227. Requer, outrossim, a condenação da CSN ao pagamento de indenização a ser oportunamente fixada, relativa a recomposição do ecossistema atingido pela sua atividade industrial. Como causa de pedir a prestação jurisdicional, alega, em resumo, que a CSN é o principal agente de degradação ambiental da bacia hidrográfica do Rio Paraíba do Sul. Sustenta que a Ré é a responsável pela quase totalidade da poluição do ar e da água, bem como pela produção de resíduos industriais tóxicos. Aduz que nos anos de 1986 e 1987, foram assinados 2 (dois) termos de compromisso entre a CSN e a FEEMA, objetivando reduzir a carga poluente emitida pela primeira a padrões aceitáveis. Entretanto, apenas cerca de 1/3 dos ajustes contemplados nos referidos termos foram atendidos, em sua maioria referentes a medidas de baixo custo. Narra, outrossim, que a Ré procrastinou a subscrição de um terceiro termo de compromisso, acostado à fl 227 e que as multas administrativas aplicadas em virtude da poluição do meio-ambiente têm se revelado ineficazes. Alega que o maior impacto da atividade poluidora da CSN diz respeito à poluição do Rio Paraíba do Sul, responsável pelo abastecimento de dezenas de milhões de pessoas e do qual a empresa retira a água imprescindível a seus processos industriais. A água é posteriormente descarregada no rio contaminada com alta concentração de toda a sorte de poluentes, metais pesados, amônia, óleos e graxas e outras substâncias tóxicas, conforme comprovado em monitoramentos procedidos pela FEEMA em 1988.


Regularmente citada, a Ré apresenta contestação (fls. 278/317) e junta documentos (fl. 318/544). Preliminarmente, sustenta a sua ilegitimidade passiva ad causam, a inépcia da exordial, bem como requer o chamamento ao processo de diversas indústrias da região, alegadamente responsáveis solidárias pela poluição do Rio Paraíba do Sul. No mérito, sustenta, em suma, que o Rio Paraíba do Sul já chega à empresa poluído por outras indústrias; que a poluição da região também decorre da expansão demográfica e do desenvolvimento industrial intenso no interior paulista e que os municípios banhados pelo trecho fluminense do rio não tratam adequadamente seus rejeitos domésticos e urbanos. Réplica, às fls. 548/553.

Instadas as partes a especificarem provas (fl. 569), o Estado do Rio de Janeiro requer o julgamento antecipado da lide, nos termos do art. 330, inciso I do CPC (fls. 571/575) e a CSN requer a produção de prova oral e pericial (fls. 579/580).

A CSN opõe-se ao pedido de julgamento antecipado e requer a cientificação da União Federal da lide (fl. 583). A CSN acosta cópia de termo de transação firmado em 10/01/1995 com a Prefeitura de Volta Redonda e termo de compromisso celebrado em 06/09/1994 com a FEEMA com a interveniência do Estado do Rio de Janeiro e requer a extinção do feito por perda de objeto (fl. 590/746). A Associação Defensores da Terra requer o ingresso no feito na qualidade de litisconsorte facultativa superveniente da parte autora (fl. 748/749).

Face ao abandono da demanda pelo Estado do Rio de Janeiro, que, intimado, não se manifestou sobre o requerimento da Ré de decretação da extinção do feito por perda de objeto, o Ministério Estadual do Rio de Janeiro – MPERJ assume a titularidade ativa, na forma do que dispõe o art. 5º § 3º da Lei 7.347/85 (fl. 839). O MPERJ solicita a suspensão do processo por 90 (noventa) dias (fl. 843), o que é deferido pelo juízo (fl. 844). O MPERJ noticia que a CSN e a FEEMA celebraram novo termo de ajustamento de conduta ambiental em 27/01/2000 (fl. 850/990). Requer a condenação da Ré ao cumprimento das obrigações constantes dos Anexos I e II do referido termo, bem como a recuperar o meio ambiente lesado durante o período em que realizou a emissão de poluentes em desacordo com a legislação aplicável e a indenizar em pecúnia os danos irrecuperáveis (fl. 846/849).

A Associação Macaense de Defesa Ambiental acosta matérias jornalísticas supostamente comprobatórias de que o último Termo de Ajustamento de Conduta celebrado entre a CSN, o Estado e a FEEMA não satisfaz a prestação jurisdicional ora demandada (fls. 999/1021) A Associação Defensores da Terra reitera o seu pedido de ingresso no pólo ativo na condição de litisconsorte facultativa superveniente (fls. 1022/1024). A CSN reitera o seu pedido de extinção do feito por perda de objeto, tendo em vista a significativa modificação na situação de fato e celebração do referido termo de ajustamento de conduta, em 27/01/2000 (fls. 1035/1239).

Decisão de fls. 1240/1241 rejeita as preliminares articuladas na peça de bloqueio e insta as partes a especificarem, justificadamente, as provas que pretendem produzir.

A Ré, às fls. 1251/1258, aduz que pretende produzir prova oral e pericial técnica.

A litisconsorte facultativa superveniente Defensores da Terra, às fls. 1260/1268, sustenta a desnecessidade de produção de provas adicionais e requer o julgamento antecipado da lide.

O Ministério Público Federal – MPF, às fls. 1270/1280, requer o desmembramento do feito para que seja declinada a competência para uma das Varas Federais de Volta Redonda no que tange às questões afetas à poluição causada ao Rio Paraíba do Sul, por caracterizar-se como rio federal, ou, alternativamente, a intimação da Advocacia-Geral da União – AGU. Promoção do Ministério Público Estadual- MPE, às fls.1284/1286, requer a intimação da AGU para manifestar o seu interesse no feito.

A União Federal, à fl. 1294, manifesta interesse em acompanhar o presente feito e requer a sua intimação dos respectivos atos processuais. O MPE requer, à fl. 1296, a intimação pessoal da União Federal para manifestar, no prazo de 5 (cinco) dias, o seu interesse em integrar a lide, em decorrência dos reflexos na competência para processar e julgar o presente feito. A União Federal, à fl. 1300, informa não ter interesse em integrar a lide e requer a intimação do Instituto Brasileiro do Meio-Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA, autarquia responsável pela fiscalização do meio-ambiente, para manifestar o seu interesse no feito. O IBAMA, à fl. 1307, manifesta o seu interesse em integrar a lide na condição de assistente litisconsorcial da parte autora.

O MPE, no parecer de fl. 1310/1317, opina pelo declínio da competência para a Justiça Federal de Volta Redonda. Declinada a competência para a Justiça Federal, nos termos da decisão de fl. 1318. O Parquet Federal oficia no feito às fls. 1325/1333. Requer a formação de litisconsórcio ativo com o MPE, bem como a realização de prova pericial para a valoração do passivo ambiental e avaliação da eficiência e eficácia das medidas mitigadoras adotadas pela Ré. Requer, outrossim, seja a Ré intimada a apresentar, dentre outros documentos, a comprovação das medidas mitigadoras executadas em seu parque industrial decorrentes do último TAC firmado e seus aditamentos.


Decisão de fl. 1334/1337 rejeita todas as preliminares argüidas na inicial, determina que a CSN apresente a documentação solicitada pelo MPF e abre vista ao MPF, para que especifique e justifique a prova pericial requerida. Decisão de fl. 1338 defere a inclusão do MPE e das Associações Macaense de Defesa Ambiental e Defensores da Terra no pólo ativo. A CSN informa, à fl. 1346/1347, que não é possível trazer à colação toda a documentação solicitada pelo MPF em virtude do enorme volume da mesma, que demandaria um pequeno caminhão para ser transportada ao cartório. Requer, caso seja considerado necessário, a nomeação de perito para analisar os documentos na sede da CSN, onde os mesmos encontram-se disponíveis. O MPF, às fls. 1351/1374, ressalta que ainda não foi apreciado o pedido de inclusão do IBAMA no pólo ativo, pugna pelo julgamento antecipado da lide, postergando-se a realização da prova pericial para a fase de execução, com inversão do onus probandi e requer a intimação da Ré a apresentar documentos. Juntou documentos (fls.1374/1410).

A Associação Macaense de Defesa Ambiental e Defensores da Terra requerem o julgamento antecipado da lide às fls. 1425/1433 e juntam documentos (fls. 1434/1441). Decisão de fl. 1443 defere o ingresso do IBAMA no pólo ativo na qualidade de assistente simples. A CSN aduz, às fls. 1445/1446, que cumpriu integralmente o último TAC firmado com a FEEMA e considera imprescindível a realização de prova pericial para comprovar o pleno cumprimento do ajuste, bem como a atual situação de fato da empresa. É o relatório. Tudo examinado, passo a decidir.

II

Inicialmente, chamo o feito à ordem e reconsidero a decisão de fl. 1338 no que concerne a inclusão da Associação Macaense de Defesa Ambiental – AMDA no pólo ativo desta demanda, eis que não consta dos autos qualquer pedido da referida associação para integrar a lide. A intervenção da AMDA, na verdade, deu-se apenas em atendimento à promoção do MPE de fl. 846/849, no sentido de requerer-se a manifestação dos Autores das demais ações públicas a esta conexas sobre o pedido do Parquet estadual de prolação de sentença condenatória ilíquida, no que tange à obrigação de recuperação dos danos ambientais.

No que concerne ao requerimento de produção de prova pericial formulado pela Ré às fls. 1445/1446, indefiro-o, por considerar que o presente feito encontra-se suficientemente instruído para a prolação de sentença. Eventual perícia poderá ser feita posteriormente, se for o caso, em fase de liquidação.

No que tange às preliminares articuladas na peça de bloqueio, verifico que as alegações de ilegitimidade passiva da CSN, de inépcia da inicial, bem como de chamamento ao processo de outras indústrias que supostamente também poluíram o Rio Paraíba do Sul foram oportunamente rejeitadas nas supracitadas decisões de fls. 1240/1241 e 1334/1337, o que dispensa nova apreciação judicial.

A presente ação civil pública, entretanto, deve ser extinta sem apreciação do mérito no que tange as obrigações de fazer aduzidas na peça vestibular, em virtude da perda superveniente de objeto. A demanda em apreço foi deduzida em juízo em 22/09/88, quando a Ré ainda era uma empresa estatal. No curso da lide, houve significativa alteração na situação de fato. A empresa-Ré foi privatizada em 1993, aumentou substancialmente a produtividade e alterou o nível de emissão de poluentes. Para adequação à nova realidade, foram firmados sucessivos aditivos ao Termo de Ajustamento de Conduta Ambiental – TAC celebrado com a FEEMA em 1994, com a interveniência do Estado do Rio de Janeiro, baseados em auditorias mais recentes e em novos projetos e sistemas operacionais de controle de emissões, efluentes e resíduos, que regularam inteiramente a matéria antes tratada pelos supracitados TACS firmados em 1986/1987.

Não faz sentido, a esta altura dos acontecimentos, considerar a possibilidade de condenação da Ré ao cumprimento de obrigações de fazer constantes dos vetustos termos de ajustamento de conduta celebrados em 1986/1987, já completamente defasados e baseados em premissas que não condizem mais com a realidade dos fatos.

Consta dos autos que em 27/01/2000, a Ré celebrou Termo de Compromisso- TC (fl. 1053/1060) com a FEEMA e com a interveniência do Estado do Rio de Janeiro no qual foram acordadas 3 (três) medidas compensatórias para a população de Volta Redonda: a doação de um terreno para construção de estação de tratamento de esgoto, duplicação da

estação de tratamento de água e construção de aterro sanitário para lixo urbano.

Por sua vez, o terceiro e último aditivo ao supracitado TAC de 1994, também firmado em 27/01/2000, abrangeu a Usina Presidente Vargas e demais operações da Ré em Volta Redonda, compreendeu 130 (cento e trinta) ações mitigadoras e foi baseado em estudos recentes que refletem a situação atual do estabelecimento da CSN. O referido aditivo objetivou, justamente, a solução de pendências ambientais mediante a adequação da atividade industrial da Ré a níveis de poluição legalmente toleráveis.


O mencionado termo (fl. 1035/1052) foi garantido por 6 (seis) cartas de fiança bancária de R$ 30 (trinta) milhões cada, resgatadas semestralmente pela Ré, mediante a comprovação do cumprimento satisfatório das metas estabelecidas. O ajuste foi dado como integralmente cumprido pelo Governo do Estado do Rio de Janeiro em 06/05/2003, nos termos do documento de fl. 1463, que desfruta da presunção juris tantum de veracidade e legalidade inerente aos atos administrativos em geral. De todo o modo, se a Ré efetivamente cumpriu ou não plenamente as obrigações assumidas no último aditivo ao TAC é questão estranha a este processo e passível de ser apreciada pelas autoridades competentes nos foros adequados.

Sem outras preliminares a serem enfrentadas, passo a analisar o mérito da presente demanda no que tange ao pedido remanescente, de condenação da CSN a reparar os danos causados ao ecossistema por várias décadas de atividade industrial altamente poluidora.

O deslinde da questão jurídica em tela envolve a análise de dois aspectos fundamentais: 1ª) se a Ré efetivamente causou danos ambientais pretéritos; 2ª) qual o dimensionamento real dos eventuais danos ainda subsistentes causados ao ecossistema.

Passo imediatamente a analisar o primeiro aspecto supracitado. O segundo, se for o caso, será aferido posteriormente, em fase de liquidação de sentença. A hipótese ora em exame trata de responsabilidade civil objetiva, sendo suficiente demonstrar-se o nexo de causalidade entre o atuar da CSN e os danos causados ao meio-ambiente. No caso vertente, não há divergências quanto à veracidade dos fatos, mas tão somente quanto à sua adequação jurídica: os danos ambientais pretéritos causados pela atividade industrial da CSN, além de públicos e notórios, foram expressamente reconhecidos pela Ré, em nota que fez publicar no Jornal “O GLOBO” de 19/08/88 (fl. 554), exatamente nos seguintes termos:

“A Companhia Siderúrgica Nacional Esclarece

Em face da celeuma levantada em torno do problema de poluição do Rio Paraíba, em que a Companhia Siderúrgica Nacional é apontada como principal fonte de poluição do nosso principal curso d’água e com o intuito de tranqüilizar a população em geral, seus clientes, seus fornecedores e empregados sentem-se na obrigação de esclarecer o seguinte:

1º A CSN considera válida e justificável a preocupação com o assunto manifestada pelas autoridades estaduais responsáveis pelo meio-ambiente e inclusive por S. Exa. o Governador do Estado.

2º A CSN aceita a pecha de principal poluidora do rio, mas quer esclarecer que o problema não é novo. A nossa Usina Presidente Vargas, em Volta Redonda, polui o Rio Paraíba há decênios. Portanto, o problema não surgiu na semana passada. Há anos que a FEEMA vem desenvolvendo um esforço conjunto junto à CSN para reduzir os índice de emissões poluentes da Usina e esse esforço tem produzido resultados.

(…)

Esse comunicado é emitido com a finalidade de tranqüilizar a população que se serve das águas do Rio Paraíba. Não há uma situação de emergência. O que existe é uma situação crônica cuja a solução estava equacionada para o médio prazo e que agora as autoridades desejam solução a prazo mais curto.

O fato da CSN ser a maior poluidora não significa, necessariamente, que a Companhia tenha sido mais negligente que as demais indústrias ribeirinhas. Na verdade, a CSN é uma indústria muito maior e produz muito mais do que todas as outras somadas.” (grifamos)

É relevante observar que o mea culpa em apreço foi realizado em agosto de 1988, isto é, 16 (dezesseis) anos após a realização da Conferência das Nações Unidas sobre Meio-Ambiente de Estocolmo, em 1972, onde oficializou-se a preocupação ecológica em nível internacional. Já havia, portanto, uma moral coletiva, um senso comum global de preservação da saúde humana e do meio-ambiente contra poluentes tóxicos. Acrescente-se que, quando foi publicada a confissão de culpa acima transcrita, a defesa do meio-ambiente não era uma abstração em nosso ordenamento jurídico: já vigorava, há muito, a Lei nº 6.938, de 31/08/81, que dispõe, entre outras providências, sobre a Política Nacional do Meio Ambiente e cujos arts. 3º, incisos I, II, III e IV, e 14, § 1º prescrevem, in verbis:

“art. 3º Para os fins desta Lei, entende-se por:

I- meio ambiente, o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas;

II- degradação da qualidade ambiental, a alteração adversa das características do meio ambiente;

III- poluição, a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente:

a) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população;


b) criem condições adversas às atividades social e econômica;

c) afetem desfavoravelmente a biota;

d) afetem condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente;

e) lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos;

IV- poluidor, a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental.

………………………………………………..

art. 14. Sem prejuízo das penalidades definidas pela legislação federal, estadual e municipal, o não cumprimento das medidas necessárias à preservação ou correção dos inconvenientes e danos causados pela degradação da qualidade ambiental sujeitará os

transgressores:

………………………………………………..

§ 1º. Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente de existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, efetuados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente.” (grifamos)

………………………………………………..

Os danos causados pela CSN em seu passado poluidor, além de confessados pela Ré, restaram evidenciados no relatório final da auditoria realizada pela FEEMA em agosto de 1988, acostado às fls. 25/234. Consta do referido documento, elaborado cerca de 15 (quinze) anos antes do enquadramento ambiental da empresa, que a poluição então gerada pela CSN situava-se no mesmo nível do gigantismo de sua produção. Verificou-se a geração de bilhões de toneladas de resíduos industriais, o lançamento de cerca de 35 mil toneladas/ano de poluente na atmosfera e a contaminação brutal das águas do Rio Paraíba do Sul, responsável pelo abastecimento de 10 milhões de pessoas. Alguns destes poluentes, encontrados em altas concentrações à jusante da CSN, eram cancerígenos e potenciais causadores de mutações genéticas e efeitos sistêmicos.

Noutro giro, a celebração dos supracitados TACs de 1986/1987, além de outros supervenientes ao ajuizamento desta demanda pertinentes à Usina Presidente Vargas, igualmente comprovam o reconhecimento, pela Ré, da degradação ao meio-ambiente outrora gerada por seus processos industriais. Afinal, se não existisse o referido nexo de causalidade, a conduta da Ré não estaria sujeita aos ajustes por ela consentidos.

Cumpre salientar o fato notório de que, alguns anos após a privatização, a CSN, sob nova administração, passou a adotar política de gestão ambiental de vanguarda, bem como a investir seriamente em processos industriais mais limpos e eficientes. A interrupção da causa degradadora ao ecossistema com o ajustamento da conduta atual da empresa às exigências da legislação ambiental, entretanto, não exclui o dever da Ré de indenizar a comunidade pelos danos causados durante sucessivos anos de produção industrial ambientalmente irresponsável. Se, por um lado, a CSN finalmente parece ter-se enquadrado ambientalmente a padrões ético-ecológicos, por outro, é certo que demorou muito a fazê-lo.

A presente demanda, portanto, trata de dívida antiga que a CSN ainda tem com a sociedade civil, especialmente com a comunidade de Volta Redonda, que agora finalmente será adimplida. A principal instalação industrial da Ré, a Usina Presidente Vargas, durante decênios, confessadamente, transformou a cidade em um esgoto industrial a céu aberto, privando a coletividade do sagrado direito de viver em um ambiente limpo e ecologicamente equilibrado. A presença múltipla de agentes poluidores na região não elide nem tampouco minimiza a responsabilidade da Ré no caso concreto. Se todos os poluidores justificassem a sua ausência de responsabilidade pelo fato do ambiente já estar parcialmente degradado ou por existirem outros degradadores em ação, restaria inviabilizada a aplicação de qualquer norma de proteção ambiental em áreas urbanas.

Conforme demonstrado acima, a ocorrência ou o agravamento de danos ambientais pretéritos decorrentes da atividade industrial da CSN é fato notório, incontroverso e confessado. Por outro lado, é certo que a degradação ambiental se traduz na apropriação indevida de recursos naturais. É indiscutível, portanto, o dever de indenizar.

Devo enfatizar que a presente condenação não diz respeito a medidas a serem implementadas pela Ré internamente, em seus processos industriais. Conforme dito acima, hoje em dia a CSN já possui política de gestão ambiental instalada e digna de elogios. A Usina Presidente Vargas e demais operações em Volta Redonda possuem licenças ambientais e conquistaram, em 2002, a certificação ISO 14001, exigida em face da nova realidade do mercado internacional. A empresa instalou diversos sistemas de controle de poluição do ar e estações automáticas de monitoramento atmosférico ao redor da usina, que avaliam diuturnamente a qualidade do ar, a presença de diferentes poluentes, bem como condições meteorológicas. As informações são enviadas e monitoradas simultaneamente pela FEEMA. Os despejos líquidos no Rio Paraíba do Sul são precedidos por remoção de resíduos tóxicos dos efluentes em modernas estações de tratamento. Além disso, a Ré maximizou o reaproveitamento dos resíduos industriais e criou até uma ouvidoria ambiental chamada “Linha Verde”.


Esta mudança radical e proativa de atitude da empresa, embora louvável, não tem o condão de eximi-la da responsabilidade pelos erros do passado. Neste sentido, a CSN tem o dever jurídico de contribuir efetivamente para a despoluição e a recuperação ecológica de Volta Redonda. Os prejuízos ao ecossistema da região foram substancialmente agravados pela contaminação industrial gerada pelas operações siderúrgicas da Ré no período anterior à implementação dos atuais mecanismos de controle de poluição. As três aludidas medidas compensatórias para a população de Volta Redonda constantes do supracitado Termo de Compromisso firmado em 27/01/2000 (doação de um terreno, duplicação da estação de tratamento de água e construção de aterro sanitário) não esgotam a pretensão ora em apreço, eis que são tímidas e manifestamente insuficientes para reparar o prejuízo ambiental causado.

A indenização deve ser arbitrada com razoabilidade, em processo de liquidação, considerando-se a magnitude e a gravidade das seqüelas ecológicas que, de acordo com perícia ambiental a ser oportunamente realizada, forem comprovadamente imputáveis a atuação da siderúrgica na região. Após o levantamento completo dos danos ambientais subsistentes, a reparação do ecossistema deverá ser feita, preferencialmente, in natura, buscando-se, dentro dos limites do possível, restituir-se o local à forma em que se encontrava antes do impacto negativo causado pela atividade industrial da usina siderúrgica. Os danos ecológicos porventura considerados irreversíveis serão convertidos em perdas e danos e indenizados mediante eventual compensação financeira a ser entregue ao Fundo de Defesa de Direitos Difusos de que trata o art. 13 da Lei 7.437/85- Lei da Ação Civil Pública.

Felizmente, a Ré atualmente dispõe de recursos financeiros mais do que suficientes para, à luz do princípio da solidariedade, apagar todos os vestígios de seu trágico passado poluidor: as demonstrações financeiras da empresa apontam resultados recorde, tanto do ponto de vista operacional quanto financeiro. O lucro líquido da empresa em 2004 atingiu R$ 2 bilhões e a geração de caixa somou R$ 4,8 bilhões, no terceiro ano consecutivo de superação de desempenho (fl. 1460). Estes indicadores demonstram que a CSN é capaz de, confortavelmente, resgatar o seu lamentável passivo ambiental, transformando a Cidade do Aço, além de fonte de lucros bilionários, em exemplo mundial de recuperação ecológica e conduta ambientalmente responsável.

III

Face ao exposto:

I) JULGO EXTINTO O PROCESSO SEM APRECIAÇÃO DO MÉRITO, com fulcro no art. 267, inciso VI do CPC e nos termos da fundamentação retro, no que tange ao pedido de condenação da Ré a cumprir as obrigações de fazer definidas nos termos de compromisso celebrados com a FEEMA em 1986/1987, bem como na minuta de termo de compromisso de fl. 227.

II) JULGO PROCEDENTE O PEDIDO formulado na exordial com fulcro no art. 269, inciso I do CPC para CONDENAR A COMPANHIA SIDERÚRGICA NACIONAL a proceder a reparação dos danos ambientais pretéritos causados ao ecossistema pela sua atividade industrial, a ser fixada oportunamente em liquidação de sentença.

Condeno a Ré ao pagamento das custas e de honorários advocatícios que ora arbitro em 10% (dez) do valor de eventual compensação financeira a ser arbitrada em liquidação de sentença, com fulcro no art. 20 § 3º do CPC, valores estes que também deverão ser revertidos para o Fundo de Reparação de Direitos Difusos Lesados.

Em tempo: remetam-se os autos à SEDVR para excluir a autuação da Associação Macaense de Defesa Ambiental no pólo ativo desta demanda.

Publique-se. Registre-se. Intime-se o ilustre representante do M.P.F.

Volta Redonda, 29 de Junho de 2005.

ADRIANA BARRETTO DE CARVALHO RIZZOTTO

Juíza Federal Titular

3ª Vara Federal de Volta Redonda – RJ

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