Morte em Vitória

STF manda soltar juiz acusado de assassinar colega

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5 de julho de 2005, 19h00

O ex-juiz Antônio Leopoldo Teixeira acusado de participar do assassinato do colega de trabalho, o juiz Alexandre Martins de Castro Filho, do Espírito Santo, morto em 2003, acaba de conseguir sua liberdade no Supremo Tribunal Federal. A decisão foi do ministro Marco Aurélio que acatou pedido de Habeas Corpus de Teixeira.

Segundo o ministro, não prospera a “necessidade de se prevenir a reprodução de fatos criminosos, acautelando-se o meio social e a credibilidade da Justiça” como alegado pela acusação. “Segue-se notícia de indícios sobre o envolvimento deste com indivíduos dados à prática de crimes. Ora, o que afirmado causa até mesmo perplexidade, ante o passado profissional do acusado”.

Marco Aurélio descartou outros argumentos da acusação como o de a população estar assustada e perplexa, não falando em outra coisa a não ser a respeito do crime e de supostos autores, idealizadores, com acompanhamento da imprensa. “O povo tem o direito de imaginar o que quiser, mas não pode o órgão investido do ofício judicante deixar-se levar por paixões estranhas às premissas próprias aos atos vinculados, aos atos jurisdicionais”, afirmou o ministro.

Castro Filho integrava uma força-tarefa incumbida de combater o crime organizado no estado e investigava venda de sentenças em fórum do Espírito Santo.

O juiz Leopoldo Teixeira trabalhava na 2ª Vara de Órfãos e Sucessões de Vitória. Em 28 de março, foi afastado pelo Pleno do Tribunal de Justiça do Espírito Santo após ter seu nome envolvido nas investigações do assassinato do juiz Alexandre Castro Filho. A prisão temporária foi decretada em 1º de abril.

A defesa alegou que a prisão temporária foi decidida por um único desembargador do Tribunal capixaba e caberia ao plenário determinar a prisão. Os advogados citam a Lei Orgânica da Magistratura, segundo a qual nenhum magistrado pode ser preso a não ser por ordem escrita do tribunal ou de órgão especial para seu julgamento. A exceção é para os casos de flagrante inafiançável. A defesa apontou, ainda, o constrangimento ilegal na duração da prisão, que deveria ser de cinco dias, mas foi prorrogada pelo Tribunal de Justiça do Espírito Santo.

O mesmo pedido foi feito ao Superior Tribunal de Justiça que negou a liminar. A defesa reiterou o pedido, mas o STJ decidiu julgar o processo após o recesso forense de julho.

HC 86.213

Leia a decisão do ministro

HABEAS CORPUS 86.213-6 ESPÍRITO SANTO

RELATOR: MIN. MARCO AURÉLIO

PACIENTE(S): ANTÔNIO LEOPOLDO TEIXEIRA

IMPETRANTE(S): PEDRO AURELIO ROSA DE FARIAS E OUTRO(A/S)

ADVOGADO(A/S): MÁRIO DE ALMEIDA COSTA FILHO E OUTRO(A/S)

COATOR(A/S)(ES): RELATOR DO HABEAS CORPUS Nº 43.465 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

DECISÃO

HABEAS CORPUS — LIMINAR INDEFERIDA NA ORIGEM — ATO DE CONSTRIÇÃO À MARGEM DO ORDENAMENTO JURÍDICO — RELEVÂNCIA — EXCEPCIONALIDADE VERIFICADA – AFASTAMENTO DO VERBETE Nº 691 DA SÚMULA DO SUPREMO. PRISÃO PREVENTIVA — INSUBSISTÊNCIA DAS PREMISSAS — MEDIDA ACAUTELADORA — AFASTAMENTO.

1.Na inicial de folha 2 a 31, os impetrantes apontam que: a) o paciente é juiz de direito; b) o relator da ação penal originária em curso se autodesignou; c) deu-se a prisão cautelar à margem do artigo 33 da Lei Orgânica da Magistratura Nacional, vindo a ser submetida ao referendo do Tribunal de Justiça local; d) no Superior Tribunal de Justiça, negou-se a medida acauteladora pleiteada no Habeas Corpus nº 43.465; e) o habeas tramita de forma lenta, havendo sido solicitadas as informações somente 40 dias após a impetração; f) reiterado o pedido de concessão de liminar no Superior Tribunal de Justiça, o relator postergou o exame da medida; g) ante as férias coletivas, transcorrerão 30 dias sem a pertinente apreciação.

Sustentam os impetrantes a negativa de jurisdição, evocando o pacto de São José da Costa Rica, no que previsto o direito ao deslinde da questão em tempo razoável. Buscam demonstrar a insubsistência das premissas que levaram ao recolhimento do paciente, entre as quais a alusão genérica à garantia da ordem pública e da instrução processual. Ressaltam que metade das testemunhas de acusação são pessoas que se encontram presas por condenações, não cabendo supor que venham a ser influenciadas. Asseveram que o paciente não teve qualquer participação no assassinato do juiz Alexandre Martins de Castro Filho, salientando novamente que não se observou, no Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo, a regular distribuição do processo, havendo decorrido a custódia não de ordem escrita do Tribunal ou do Órgão Especial, mas do próprio relator. Dizem que o paciente foi instado a aceitar espécie de delação premiada, procedendo-se de forma obscura, sem a participação do Ministério Público Estadual e dos advogados de defesa, tampouco viabilizando-se o acesso da família. Teria ele ficado em cárcere privado no gabinete do desembargador relator. Requerem a concessão de liminar que implique a soltura do paciente, vindo-se, alfim, a lhe ser assegurado o direito de responder à ação penal em liberdade. À inicial anexaram as peças de folha 32 a 241.


À folha 248, despachei:

HABEAS CORPUS – PEÇAS.

1. Solicitem-se informações ao Superior Tribunal de Justiça, que deverão vir acompanhadas de cópia da inicial do habeas em curso, do ato indeferitório da cautelar, da petição reiterativa do pedido e do pronunciamento que se seguiu.

2. Aos impetrantes para, querendo, anteciparem-se, juntando as cópias referidas e que se mostram importantes para a demonstração, ou não, da excepcionalidade capaz de afastar o Verbete nº 691 da Súmula do Supremo.

3. Publique-se.

Ao processo veio a petição de folhas 250 e 251, acompanhada da cópia do ato indeferitório da cautelar, da petição reiterativa do pedido e da publicação da decisão proferida na origem. Consigna-se que a peça referente ao despacho mediante o qual se projetou no tempo o exame da reiteração do pedido não foi juntada por se encontrar o processo com procurador que, por estar gozando férias, fechou o gabinete. Voltou-me este habeas concluso em 1º de julho de 2005.

Deflui, das peças trazidas ao processo, que as causas de pedir constantes da inicial deste habeas foram colocadas perante o Superior Tribunal de Justiça, que, considerada atuação monocrática, não se mostrou a elas sensível.

2.A regra é ter-se o esgotamento da jurisdição na origem. Daí o Verbete nº 691 da Súmula desta Corte, que vem sendo questionado quanto ao alcance irrestrito. Tanto é assim que a Primeira Turma afetou processo ao Plenário — Habeas Corpus nº 85.185-1/SP —, em face da circunstância de o relator — ministro Cezar Peluso — haver concluído pela excepcionalidade da situação, deixando de observar, quer na medida acauteladora, quer no voto que chegou a proferir no Colegiado fracionado, o citado verbete. De minha parte, continuo convencido da envergadura maior do habeas corpus. Garantia constitucional do cidadão não sofre qualquer peia, nem mesmo em decorrência do trânsito em julgado de pronunciamento judicial, o que se dirá em face da simples tramitação de idêntica medida em certo tribunal. O que cumpre indagar é sobre a existência de órgão capaz de emitir entendimento a respeito da configuração, ou não, de ilegalidade e aí cabe o acesso ao Supremo Tribunal Federal. Em síntese, concretizado ato de constrição à margem do arcabouço normativo e havendo a quem recorrer, surge com extravagância maior o apego à forma, à ausência de atuação do Estado-juiz para aguardar-se o desfecho final do processo revelador de habeas corpus na origem. É que, enquanto isso, permanece o paciente submetido à ilegalidade e isso ocorre para simplesmente homenagear-se eventual fetichismo da forma. Não é o fato de ter ficado vencido quando da aprovação do verbete que me leva a assim perceber, mas os ditames maiores da Lei Fundamental da República, que está no ápice da pirâmide das normas jurídicas e a todos, indistintamente, submete.

Passo, então, ao exame da situação evidenciada neste processo. Em primeiro lugar, atente-se para o envolvimento de cidadão com vida pregressa, sob o ângulo penal, irreprochável e que vinha atuando em nome do Estado-juiz. Decretada a prisão provisória, foi transmudada em preventiva. Apontou-se ser o ato extremo imprescindível e se disse presentes os pressupostos e requisitos do artigo 312 do Código de Processo Penal. Assentadas essas premissas, partiu-se para a elucidação.

Em primeiro lugar, evocou-se o que seria a prática de crime hediondo — homicídio qualificado, considerada a possível autoria intelectual. Olvidou-se que essa circunstância não é suficiente, por si só, a conduzir à inversão na ordem natural das coisas — prendendo-se para, após, apurar-se, e em caso concreto no qual já condenados os autores materiais do crime. A própria Lei nº 8.072/90 viabiliza, mesmo já havendo decreto condenatório, a permanência do condenado em liberdade. Confira-se com o § 2º do artigo 2º da Lei nº 8.072/90:

§ 2º Em caso de sentença condenatória, o juiz decidirá fundamentadamente se o réu poderá apelar em liberdade.

O quadro em exame é mais favorável. Levando em conta até mesmo a premissa do texto legal — a existência de sentença condenatória — há de se concluir que, durante o processo, é possível manter-se a liberdade de ir e vir. Assim já proclamou o Tribunal quando do julgamento do Habeas Corpus nº 77.052-5/MG, por mim relatado na Segunda Turma e cuja ementa foi publicada no Diário da Justiça de 11 de setembro de 1998:

PRISÃO -— CRIME HEDIONDO — AFASTAMENTO — VIABILIDADE. A regra que exclui a fiança e a liberdade provisória — inciso II do artigo 2º da Lei 8.072/90 — pressupõe a prisão em flagrante. Descabe empolgá-la para decretar a preventiva, sempre a exigir a observância dos artigos 312 e 313 do Código de Processo Penal. A interpretação sistemática da Lei nº 8.072/90 é conducente a concluir-se pela possibilidade de o réu responder ao processo em liberdade, sendo suficiente, para assim entender-se, considerar que, mesmo condenado, poderá recorrer em liberdade — § 2º do artigo 2º.


Então, o fato de se haver empolgado o enquadramento da imputação, simples imputação, na Lei nº 8.072/90 mostra-se pobre de relevância. O mesmo se diga relativamente à materialidade do crime e indícios de autoria. Deságuam esses fatores na existência da persecução criminal e coabitam o mesmo teto, de qualquer maneira, da presunção da não-culpabilidade, devendo o Ministério Público desincumbir-se da prova dos fatos narrados na denúncia. Note-se que houve o registro de os autores materiais terem negado a existência de crime por encomenda, revelando contornos atinentes ao latrocínio — trecho contido no próprio ato concernente à preventiva. Também não vinga a eventual animosidade entre a vítima Alexandre e o denunciado Antônio, ambos no exercício, à época, da magistratura. Descabe presumir o extravagante, o extraordinário, o teratológico. Descabe ter como procedente a possibilidade de, ante desencontro no relacionamento, pretender-se a eliminação do desafeto. Há de se partir do que normalmente acontece e aí, tratando-se de pessoa de conhecimento profundo sobre a responsabilidade na vida gregária, só se pode conceber a postura adequada e que se espera do homem médio.

A seguir, examinando-se o teor do ato de folha 154 a 163, depreende-se que, à luz do artigo 312 do Código de Processo Penal, aludiu-se à comoção social e à repercussão do crime na imprensa nacional e estrangeira. Também aqui a insuficiência de fundamentação do ato é franciscana, discrepando do que vem sendo proclamado pelo Supremo. A repercussão negativa no seio social, grafada à folha 159, não pode servir de respaldo ao enclausuramento.

Também se afigura insustentável o argumento de a população estar assustada e perplexa, não se falando em outra coisa a não ser a respeito do crime e de supostos autores, idealizadores, com acompanhamento da imprensa. O povo tem o direito de imaginar o que quiser, mas não pode o órgão investido do ofício judicante deixar-se levar por paixões estranhas às premissas próprias aos atos vinculados, aos atos jurisdicionais. Os reflexos traumáticos na vida da sociedade capixaba, registrados à folha 159, não são idôneos a respaldar a inversão de valores, prendendo-se, como consignado acima, para depois apurar-se. O forte sentimento coletivo de impunidade não tem origem no desatendimento da ordem jurídica, mas na demora, no desfecho dos processos. Prender-se para dar uma esperança vã à sociedade? Prender-se para, com isso, buscar o respeito ao Poder Judiciário? Julgar não pode ser confundido com justiçar.

Também não prospera o que asseverado sobre a necessidade de se prevenir a reprodução de fatos criminosos, acautelando-se o meio social e a credibilidade da Justiça. Percebe-se imprópria a assertiva de folha 160, mormente tendo em conta a qualificação do paciente. Segue-se notícia de indícios sobre o envolvimento deste com indivíduos dados à prática de crimes. Ora, o que afirmado causa até mesmo perplexidade, ante o passado profissional do acusado.

Por último, supôs-se que as testemunhas sentir-se-ão intimidadas. Aqui se cuida de simples capacidade intuitiva. O Supremo tem proclamado que a preservação da instrução processual, a prisão para tal fim, pressupõe ato concreto a evidenciar que, de algum modo, o paciente colocou em risco a atuação do Estado-juiz. Indispensável se faz a revelação de ato concreto.

Eis um caso emblemático, a desafiar atuação imediata, objetivando manter os parâmetros inerentes ao Estado Democrático de Direito. Enquadro o pedido formulado neste habeas com relevância suficiente e a denotar risco maior, a ensejarem incontinente ação do Supremo, afastado o óbice do referido Verbete nº 691. Deixo de proceder ao exame quanto à origem, em si, da prisão, o ato individual praticado, porque, a esta altura, já se conta com título decorrente da atividade do Tribunal de Justiça, muito embora com inversão cronológica.

3.Defiro a liminar. Expeça-se o alvará de soltura, a ser cumprido com as cautelas legais, ou seja, caso o paciente não se encontre sob a custódia do Estado por motivo diverso do retratado no ato de prisão preventiva relacionada com a Ação Penal Originária nº 100050005931. Observe o paciente a necessária contribuição com o Judiciário, para os esclarecimentos dos fatos, comparecendo às assentadas para as quais intimado.

4.Estando no processo os elementos indispensáveis à compreensão da matéria, colha-se o parecer da Procuradoria Geral da República.

5.Publique-se.

Brasília, 2 de julho de 2005.

Ministro MARCO AURÉLIO

Relator

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