Combate à corrupção

Política não pode mais se transformar em caso de polícia

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2 de julho de 2005, 10h39

Por José Genoino

Nos governos dos três presidentes eleitos após a promulgação da Constituição de 1988 surgiram fortes ondas de denúncias de corrupção. Muitas pessoas podem se decepcionar, por conta disso, com a democracia. Mas a grande vantagem da democracia é que nela se permite denunciar a corrupção e punir os culpados.

Nos regimes ditatoriais não há essa possibilidade. Note-se que há quase uma unanimidade entre os especialistas no sentido de constatar que a corrupção vem diminuindo de governo para governo. A causa disso é que se aperfeiçoam as instituições e os mecanismos de combate à corrupção. Vejase, por exemplo, que sob o governo Lula houve um desmantelamento sem precedentes de quadrilhas de corruptos e fraudadores que agiam há anos impunemente.

Mas, na medida em que o Brasil se situa num patamar além do desejado nos níveis de corrupção mundial, é de supor que o aperfeiçoamento institucional e o aparelhamento do Estado no combate à corrupção esteja ainda aquém do necessário. O aperfeiçoamento institucional deve abranger duas áreas: elevação do grau de transparência e de publicização das instituições que operam com recursos públicos e melhoria, no sentido de tornar mais severa, da legislação anticorrupção.

Existem várias modalidades de corrupção. Mas se pode distingui-las de modo geral em três: a corrupção no setor privado; a corrupção estrutural, inerente à máquina pública; e a corrupção político-partidária. Exemplo de corrupção estrutural é aquela praticada pelo sistema de fiscalização do poder público. Exemplo de corrupção político-partidária é aquela relacionada aos processos de financiamento de campanhas políticas.

Existem zonas de intersecção das duas modalidades. Por exemplo, num processo de licitação pública tanto se pode praticar a corrupção estrutural quanto a político-partidária. A corrupção estrutural, no essencial, visa um enriquecimento ilícito particular. Na corrupção político-partidária se visa o financiamento de partidos e candidatos, mas também podem ocorrer casos de enriquecimento particular.

Quando o governo Lula determinou que as compras estatais obedeçam ao critério do pregão público, ou quando estabeleceu que movimentações bancárias acima de R$ 100 mil fossem comunicadas ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), agiu para melhorar as instituições no sentido de inibir a corrupção. É neste tipo de aperfeiçoamento que as instituições públicas precisam avançar, para que se tornem mais transparentes e mais suscetíveis ao controle público, visando a reduzir a corrupção em suas várias modalidades.

Mas o grande passo que precisa ser dado para a redução dos níveis de corrupção diz respeito ao aperfeiçoamento da legislação eleitoral e partidária, em particular à questão do financiamento das campanhas eleitorais. Parece que há um certo consenso de que a adoção do financiamento público das campanhas é um caminho para coibir a corrupção político-partidária. Mas, ao que tudo indica, a simples adoção de financiamento público é insuficiente.

Em primeiro lugar, ela precisa ser acompanhada por uma eficaz estrutura de fiscalização. Em segundo lugar, por uma legislação fortemente punitiva para a ocorrência de fraudes, punindo tanto o doador quanto o receptor. É preciso buscar também a adoção de mecanismos capazes de reduzir os custos das campanhas eleitorais. Um deles consiste na redução do tempo das campanhas. A adoção do sistema de listas preordenadas para as eleições legislativas também é um fator que reduziria significativamente o custo das campanhas, já que, com esse mecanismo, deixariam de existir campanhas individuais, altamente custosas, para que todos se concentrassem apenas na campanha do partido.

Há que rever ainda a questão do horário eleitoral gratuito de televisão. Nas planilhas de custos das campanhas, o item do custo dos programas de TV certamente é um dos mais altos. É preciso, portanto, encontrar uma solução racional que seja capaz de garantir que a população tenha acesso às informações necessárias sobre candidatos e programas, mas que, ao mesmo tempo, reduza drasticamente o custo dos programas gratuitos de TV.

O Brasil não pode mais continuar um percurso no qual, em todos os governos, a política se transforme em caso de polícia. Precisamos aprender com os erros dos partidos e dos políticos e com as falhas do sistema, tirando daí lições e medidas capazes de melhorar as nossas instituições para coibir a corrupção.

A intervenção da polícia, das comissões parlamentares de inquérito (CPIs) e do Ministério Público para investigar as denúncias ataca apenas as conseqüências dos erros humanos e políticos. As causas só serão atacadas com o aperfeiçoamento das nossas instituições.

Há que perceber que mudanças institucionais significativas só ocorrem quando se instaura uma forte pressão da sociedade sobre o Congresso.

De modo geral, o sistema político só age sob pressão. Por isso, neste momento, além de exigir o esclarecimento de todas as denúncias, deveria organizar-se para exigir mudanças institucionais. Quanto às denúncias, é preciso ter cautela, sabendo separar o que são fatos reais do mero denuncismo que visa a atingir a honra e a credibilidade de pessoas e de partidos, com o objetivo de obter vantagens políticas e eleitorais. Somente uma investigação séria e isenta poderá estabelecer essa separação entre fatos e mentiras. Por isso, devem-se evitar prejulgamentos precipitados. E, nos processos de investigação, as CPIs, o Ministério Público e a Polícia Federal não podem atender a interesses políticos e partidários ou cometer exageros arbitrários.?

Artigo originalmente publicado no jornal O Estado de S. Paulo

José Genoino é presidente do PT

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