Caso encerrado

Celso de Mello arquiva ação contra Lula por omissão

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1 de julho de 2005, 20h01

Pessoa jurídica não pode propor ação popular, que é reservada a cidadãos. Com esse entendimento, o ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, mandou arquivar nesta sexta-feira (1/7), a Ação Civil Pública contra o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Proposta pela Afim — Associação dos Arrendatários Financiados e Mutuários do Sistema Financeiro de Goiás, a ação pedia que Lula fosse condenado a pagar R$ 95 milhões, por omissão e prevaricação, por não ter tomado providências sobre o suposto pagamento de mesada de R$ 30 mil pelo PT para deputados da base aliada — o mensalão.

A entidade pedia, ainda, que o Supremo determinasse a quebra dos sigilos bancário, fiscal e telefônico do presidente da República, do tesoureiro do PT, Delúbio Soares, do próprio PT e de toda a bancada do PL, do PP e do PTB.

Segundo o ministro Celso de Mello, já está determinado na Súmula 365 do STF que pessoa jurídica não pode propor ação popular, que é reservada a cidadãos.

A associação justificava o valor da causa baseando-se na participação dos beneficiários que estariam recebendo dinheiro dos cofres públicos e pedia que, comprovados os fatos, as autoridades citadas na ação respondessem por crime de formação de quadrilha e fossem obrigadas a devolver os recursos.

A Afim também pedia a abertura de processo de impeachment contra o presidente, rejeitado pelo ministro. Celso de Mello esclareceu que o pedido só pode ser feito à Câmara dos Deputados.

No mês passado, o ministro Carlos Ayres Britto mandou arquivar Ação Popular ajuizada contra o presidente pelos mesmos motivos. A ação foi ajuizada por José Laerte R. da Silva Neto.

Leia íntegra da decisão de Celso de Mello

PETIÇÃO 3.434-1 DISTRITO FEDERAL

RELATOR: MIN. CELSO DE MELLO

REQUERENTE(S): ASSOCIAÇÃO DOS ARRENDATÁRIOS, FINANCIADOS E MUTUÁRIOS DO SISTEMA FINANCEIRO DO ESTADO DE GOIÁS – AFIM

ADVOGADO(A/S): CÁSSIA COSTA SERTÃO

REQUERIDO(A/S): PRESIDENTE DA REPÚBLICA

ADVOGADO(A/S): ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO

EMENTA: AÇÃO CIVIL PÚBLICA. AJUIZAMENTO CONTRA O PRESIDENTE DA REPÚBLICA. HIPÓTESE NÃO PREVISTA NO ROL TAXATIVO INSCRITO NO ART. 102, I, DA CONSTITUIÇÃO. INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. PRECEDENTES.

– O Supremo Tribunal Federal não dispõe de competência para processar e julgar, originariamente, ação civil pública ajuizada, com fundamento na Lei nº 7.347/85, contra o Presidente da República.

É que a definição da competência institucional da Suprema Corte está sujeita a um regime de direito estrito, que exclui, do âmbito de suas atribuições jurisdicionais originárias, por efeito da taxatividade do rol inscrito no art. 102, inciso I, da Constituição, o processo e o julgamento de causas — como a ação civil pública fundada na Lei nº 7.347/85 — que não se acham previstas no próprio texto constitucional. Precedentes.

DECISÃO: Trata-se de ação civil pública, que, promovida pela Associação dos Arrendatários, Financiados e Mutuários do Sistema Financeiro do Estado de Goiás — AFIM, foi ajuizada contra o Senhor Presidente da República, com fundamento na Lei nº 7.347/85.

Impõe-se analisar, desde logo, questão preliminar pertinente ao reconhecimento, ou não, na espécie, da competência originária do Supremo Tribunal Federal para processar e julgar a presente causa.

Não se pode perder de perspectiva, neste ponto, que a competência originária do Supremo Tribunal Federal, por qualificar-se como um complexo de atribuições jurisdicionais de extração essencialmente constitucional — e ante o regime de direito estrito a que se acha submetida — não comporta a possibilidade de ser estendida a situações que extravasem os rígidos limites fixados, em “numerus clausus”, pelo rol exaustivo inscrito no art. 102, I, da Carta Política, consoante adverte a doutrina (MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO, “Comentários à Constituição Brasileira de 1988” , vol. 2/217, 1992, Saraiva) e proclama a jurisprudência desta própria Corte (RTJ 43/129 – RTJ 44/563 – RTJ 50/72 – RTJ 53/776):

“A COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL — CUJOS FUNDAMENTOS REPOUSAM NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA — SUBMETE-SE A REGIME DE DIREITO ESTRITO.

……………………………………………….

O regime de direito estrito, a que se submete a definição dessa competência institucional, tem levado o Supremo Tribunal Federal, por efeito da taxatividade do rol constante da Carta Política, a afastar, do âmbito de suas atribuições jurisdicionais originárias, o processo e o julgamento de causas de natureza civil que não se acham inscritas no texto constitucional (ações populares, ações civis públicas, ações cautelares, ações ordinárias, ações declaratórias e medidas cautelares), mesmo que instauradas contra o Presidente da República ou contra qualquer das autoridades, que, em matéria penal (CF, art. 102, I, b e c), dispõem de prerrogativa de foro perante a Corte Suprema ou que, em sede de mandado de segurança, estão sujeitas à jurisdição imediata do Tribunal (CF, art. 102, I, d).Precedentes.” (RTJ 171/101-102, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno)


É por essa razão que o Supremo Tribunal Federal, em sucessivas decisões, firmou entendimento jurisprudencial no sentido de que não possui competência originária para processar e julgar determinadas causas — tais como ações civis públicas (RTJ 159/28, Rel. Min. ILMAR GALVÃO — Pet 240-AgR/DF, Rel. Min. NÉRI DA SILVEIRA), ações populares (RTJ 121/17, Rel. Min. MOREIRA ALVES — RTJ 141/344, Rel. Min. CELSO DE MELLO — Pet 352/DF, Rel. Min. SYDNEY SANCHES — Pet 431/SP, Rel. Min. NÉRI DA SILVEIRA — Pet 487/DF, Rel. Min. MARCO AURÉLIO — Pet 1.641/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO – Pet 3.422/DF, Rel. Min. CARLOS BRITTO) ou, ainda, ações cautelares, ações ordinárias, ações declaratórias e medidas cautelares (RTJ 94/471, Rel. Min. DJACI FALCÃO – RTJ 171/101-102, Rel. Min. CELSO DE MELLO — Pet 240-AgR/DF, Rel. Min. NÉRI DA SILVEIRA) — ,não obstante promovidas contra o Presidente da República, ou contra qualquer dos agentes políticos ou autoridades, que, em matéria penal (CF, art. 102, I, “b” e “c”), dispõem de prerrogativa de foro perante esta Corte ou que, em sede de mandado de segurança, estão sujeitos à jurisdição imediata deste Tribunal.

Essa orientação jurisprudencial reflete-se na opinião de autorizados doutrinadores (ALEXANDRE DE MORAES, “Direito Constitucional”, p. 184, item n. 7.8, 7ª ed., 2000, Atlas; RODOLFO DE CAMARGO MANCUSO, “Ação Popular”, p. 129/130, 1994, RT; HELY LOPES MEIRELLES, “Mandado de Segurança, Ação Civil Pública, Mandado de Injunção, ‘Habeas Data’”, p. 122, 19ª ed., atualizada por Arnoldo Wald, 1998, Malheiros; HUGO NIGRO MAZZILLI, “O Inquérito Civil”, p. 83/84, 1999, Saraiva; MARCELO FIGUEIREDO, “Probidade Administrativa”, p. 91, 3ª ed., 1998, Malheiros, v.g.), cujo magistério também assinala não se incluir, na esfera de competência originária do Supremo Tribunal Federal, o poder de processar e julgar causas de natureza civil não referidas no texto da Constituição (como as ações civis públicas), ainda que promovidas contra agentes estatais a quem se outorgou, “ratione muneris”, prerrogativa de foro em sede de persecução penal, ou ajuizadas contra autoridades públicas, que, em sede de mandado de segurança, estão sujeitas à jurisdição imediata do Supremo Tribunal Federal.

A “ratio” subjacente a esse entendimento, que acentua o caráter absolutamente estrito da competência constitucional do Supremo Tribunal Federal, vincula-se à necessidade de inibir indevidas ampliações descaracterizadoras da esfera de atribuições institucionais desta Suprema Corte, conforme ressaltou, a propósito do tema em questão, em voto vencedor, o saudoso Ministro ADALÍCIO NOGUEIRA (RTJ 39/56-59, 57).

Cabe insistir, portanto, na asserção de que não se inclui, na esfera de atribuições constitucionais da Suprema Corte, o poder de processar e julgar, originariamente, a ação civil pública (é o caso destes autos) que venha a ser ajuizada contra determinados agentes políticos (como o Presidente da República, Ministros de Estado ou membros do Congresso Nacional), embora sujeitos, em sede penal, à jurisdição imediata deste Tribunal (RTJ 94/471, Rel. Min. DJACI FALCÃO — Pet 240-AgR/DF, Rel. Min. NÉRI DA SILVEIRA, v.g. ).

Como precedentemente enfatizado, esse entendimento, desde o regime constitucional anterior, tem sido proclamado pelo Supremo Tribunal Federal, como ocorreu, por exemplo, quando do julgamento plenário da Pet 240-AgR/DF, Rel. Min. NÉRI DA SILVEIRA (DJU de 25/03/1988), cujo acórdão — no ponto que interessa à presente causa — está assim ementado:

“Supremo Tribunal Federal. Competência originária (…). De acordo com o art. 119, I, letra ‘i’, da Constituição Federal, compete, ao Supremo Tribunal Federal, processar e julgar, originariamente, os mandados de segurança contra atos do Presidente da República, das Mesas da Câmara e do Senado Federal, dentre outras autoridades ou órgãos. No âmbito desse dispositivo, quanto ao mandado de segurança, não se compreende, desde logo, competência originária do STF, para processar e julgar, contra as mencionadas autoridades ou órgãos nele referidos, outras medidas, de natureza cível, não previstas, expressamente, na Constituição, como ação popular, ação cautelar preparatória de ação ordinária, ação declaratória, ação civil pública (…).” (grifei)


Cabe relembrar, ainda, o julgamento efetuado pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, no qual esta Corte, agora sob a égide da vigente Constituição, enfatizou não lhe assistir competência originária para processar e julgar ação civil pública ajuizada sob a alegação de dano ao patrimônio público e de ofensa à probidade, decoro e moralidade na Administração Pública, ainda que promovida, tal como sucede na espécie, contra o próprio Presidente da República:

“Competência do Supremo Tribunal Federal. Ação Civil Pública contra Presidente da República. Lei nº 7.347/85. Acompetência do Supremo Tribunal Federal é de direito estrito e decorre da Constituição, que a restringe aos casos enumerados no art. 102 e incisos. A circunstância de o Presidente da República estar sujeito à jurisdição da Corte, para os feitos criminais e mandados de segurança, não desloca, para esta, o exercício da competência originária em relação às demais ações propostas contra ato da referida autoridade. Agravo improvido.” (RTJ 159/28, Rel. Min. ILMAR GALVÃO — grifei)

Torna-se conveniente rememorar, neste ponto, que a natureza da ação civil pública, que constitui instrumento de tutela jurisdicional dos direitos e interesses metaindividuais, não permite venha ela a ser confundida, em seus objetivos (Lei nº 7.347/85, arts.1º, 3º, 11 e 13), com a ação penal condenatória, que se destina — considerada a finalidade que lhe é exclusivamente peculiar — a promover a responsabilidade criminal do infrator pela prática de fatos delituosos, sendo inquestionável, sob tal aspecto, consoante adverte o magistério da doutrina (RODOLFO DE CAMARGO MANCUSO, “Ação Civil Pública” , 1989, RT; ÉDIS MILARÉ, “A Ação Civil Pública na Nova Ordem Constitucional”, 1990, Saraiva; ADA PELLEGRINI GRINOVER, “A Tutela Jurisdicional dos Interesses Difusos”, in Revista Forense 268/67), a absoluta autonomia que existe entre as ações judiciais em causa, razão pela qual cumpre ter presente, ante a evidente inocorrência de qualquer situação de litispendência ou de prejudicialidade, o preciso magistério, que, sobre o tema, expende HUGO NIGRO MAZZILLI (“A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo”, p. 137/143, 6ª ed., 1994, RT).

Daí a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal a propósito dessa específica questão:

AÇÃO CIVIL PÚBLICA E AÇÃO PENAL CONDENATÓRIA — INEXISTÊNCIA DE LITISPENDÊNCIA — POSSIBILIDADE DE SIMULTÂNEA TRAMITAÇÃO.

A natureza da ação civil pública — que constitui instrumento de tutela jurisdicional dos direitos e interesses metaindividuais — não permite seja ela confundida, em seus objetivos (Lei nº 7.347/85), com a ação penal condenatória, que se destina, considerada a finalidade que lhe é exclusivamente peculiar, a promover a responsabilidade criminal do infrator pela prática de fatos delituosos, inexistindo, sob tal aspecto, qualquer situação de litispendência ou de prejudicialidade entre as ações judiciais em causa.” (RTJ 167/166-167, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

Se é certo, portanto que o Supremo Tribunal Federal qualifica-se como juiz natural do Presidente da República, dentre outros agentes estatais, nas estritas hipóteses de infrações penais que lhe sejam imputadas (RTJ 137/570 – RTJ 151/402 – RTJ 166/785-786), mostra-se irrecusável, ante a existência dos precedentes ora mencionados, que falece competência originária a este Tribunal para processar e julgar ações civis públicas eventualmente ajuizadas contra tais agentes políticos, não obstante possuam estes, em sede penal, prerrogativa de foro perante a Suprema Corte, como sucede com o Chefe do Poder Executivo da União.

Sendo assim, e tendo em consideração as razões expostas, não conheço da presente ação civil pública, por evidente falta de competência originária do Supremo Tribunal Federal para apreciá-la.

Arquivem-se os presentes autos.

Publique-se.

Brasília, 30 de junho de 2005.

Ministro CELSO DE MELLO

Relator

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