Crime de tortura

MP denuncia 55 funcionários da Febem-SP por tortura e omissão

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31 de janeiro de 2005, 15h58

O promotor de Justiça Alfonso Presti apresentou denúncia contra 42 funcionários da Febem-SP — Fundação Estadual do Bem Estar do Menor de São Paulo por crime de tortura e formação de quadrilha. Pela primeira vez, uma denúncia relacionada com maus-tratos de menores internos também pede a condenação de outros 13 funcionários, por crime de omissão.

A acusação narra que os monitores causaram lesões corporais graves em nove internos e leves em outros 78 menores. Eles são acusados de espancar os menores em 11 de janeiro na Unidade de Vila Maria, zona norte de São Paulo.

Segundo o promotor Presti, “ao longo de anos, disseminou-se entre parcela significativa desses funcionários, aquilo que passou a ser largamente denominando como ‘pedagogia da barbárie’, cultura comum entre tais serventuários”.

De acordo com a acusação, “tal cultura consiste em infundir aos internos submetidos a sua guarda, cuidado e vigilância, temor mediante a imposição de rotineiros abusos e imoderados castigos físicos, provocando-lhes intenso e desnecessário sofrimento físico e moral, quer como forma, preventiva, ou não, de manter disciplina e ordem, quer como forma de sanção, não admitida em nosso ordenamento”.

Presti afirma ainda que, muitas vezes, funcionários usam a tortura “com a finalidade de ‘fabricar motins’, que importam na convocação para horas-extras, ao final da jornada de trabalho e a pagamento, por parte da Administração, de tais verbas”.

Leia a íntegra da denúncia

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA 27ª VARA CRIMINAL DA CAPITAL.

Autos nº 050.05.006123-2

DAS IMPUTAÇÕES

I – O Representante do Ministério Público ao final firmado, vem no uso de suas atribuições conferidas pelo art. 129, inciso I da Constituição Federal e, com base no art. 41 do Código de Processo Penal, oferecer DENÚNCIA em face de:

(42 acusados)

Qualificados, respectivamente, as fls. 309/398, 2.735/2.783, 2.787/2.801, 2.814, 2.820 e 2.826 e extratos de situação funcional em anexo pela prática dos fatos delituosos a seguir articulados:

1. Consta dos inclusos autos de inquérito policial que no dia 11 de janeiro de 2.005, durante todo o período da tarde e noite, no interior do Complexo da Vila Maria – Unidade de Internação-41 – Uirapuru, situada na Avenida Condessa Elisabeth Robbiano, nº 450, nesta cidade e Comarca, sempre em concurso e previamente combinados, submeteram, a intenso sofrimento físico e mental, como medida de caráter preventivo e como forma de castigo pessoal, os adolescentes e jovens adultos a seguir arrolados, mediante violência física e grave ameaça, provocando lesões corporais de natureza grave, por incapacidade para as ocupações habituais por mais de trinta dias, em:

1. A T de S (laudo nº 3024/05)

2. A T S (laudo nº 2974/05)

3. A C L (laudo nº 2980/05)

4. D L (laudo nº 3102/05)

5. G F S (laudo nº 3014/05)

6. R D B (laudo nº 3053/05)

7. R S T (laudo nº 3055/05)

8. S S A (laudo nº 3064/05)

9. W S O (laudo nº 3067/05)

Provocando lesões corporais de natureza leve, conforme certificado nos laudos mencionados a seguir em,

1. A J D (laudo nº 2.971/05)

2. A J D (laudo nº 3246/05)

3. A C (laudo nº 2.970/05)

4. A A. R (laudo nº 2.972/05)

 

5. A P J (laudo nº 2.973/05)

 

6. A E S S (laudo nº 2975/05)

7. A A J S (laudo nº 2976/05)

8. A F F (laudo nº 2977/05)

9. A R A (laudo nº 2.979/05)

10. A R L (laudo nº 2981/05)

11. B A A (laudo nº 2983/05)

12. B C S (laudo nº 2982/05)

13. C A l L (laudo nº 2986/05)

14. C W S A (laudo nº 2987/05)

15. C M S (laudo nº 2989/05)

16. C A S (laudo nº 2990/05)

17. C S (laudo nº 2992/05)

18. C F N (laudo nº 2993/05)

19. D J R (laudo nº 2994/05)

20. D m M (laudo nº 2996/05)

21. D O S (laudo nº 2997/05)

22. D C (laudo nº 2998/05)

23. D M A (laudo nº 2999/05)

24. E A S (laudo nº 3007/05)

25. E C D (laudo nº 3003/05)

26. E G S J (laudo nº 3.006/05)

27. E C (laudo nº 3.008/05)

28. F J F A (laudo nº 3009/05)

29. G S R (laudo nº 3011/05)

30. G G R (laudos nº 3012/05 e 3013/05)

31. H F N (laudo nº 3015/05)

32. H W (laudo nº 3016/05)

33. H J s (laudo nº 3106/05)

34. H J S (laudo nº 3018/05)

35. I S (laudo nº 3019/05)

36. I N S (laudo nº 3020/05)

37. J P T (laudo nº 3021/05)

38. J A N (laudo nº 3022/05)

39. J N D (laudo nº 3029/05)

40. J A B S (laudo nº 3025/05 e 3028/05)

41. J L N (laudo nº 3030/05)

42. J A A J (laudo nº 3032/05)

43. J P G P (laudo nº 3033/05)

44. J L (laudo nº 3034/05).

45. J R C (laudo nº 3035/05)

46. J C N (laudo nº 3037/05)

47. J C H M (laudo nº 3038/05)

48. K D M (laudo nº 3039/05)

49. L O R (laudo nº 3041/05)

50. L V S (laudo nº 3043/05)

51. M S R (laudo nº 3044/05)

52. M A S (laudo nº 3045/05)

53. M S A (laudo nº 3046/05)

54. M J S S (laudo nº 3047/05)

55. M D C (laudo nº 3048/05)

56. O F S (laudo nº 3049/05)

57. P D S C (laudo nº 3050/05)

58. R R S (laudo nº 3054/05)

59. R A B (laudo nº 3056/05)

60. R A S P (laudo nº 3057)

61. R B S (laudo nº 3059/05)

62. R G R (laudo nº 3061/05)

63. R L S (laudo nº 3062/05)

64. R S S (laudo nº 3063/05)

65. S R A S (laudo nº 3065/05)

66. S S S (laudo nº 3066/05)

67. T R A (laudo nº 3026/05)

68. T R A (laudo nº 3067/05)

69. T S O (laudo nº 3069/05)

70. T S S (laudo nº 3068/05)

71. V B L (laudo nº 3070/05)

72. V H P (laudo nº 3071/05)

73. V A N (laudo nº 3072/05)

74. W P S (laudo nº 3073/05)

75. W R S (laudo nº 3074/05)

76. W T L A (laudo nº 3075/05)

77. W O A (laudo nº 3101/05)

78. W L V (laudo nº 3100/05)

Não ocasionando lesões corporais apuráveis quando do exame de corpo de delito em:

1. A N (laudo nº 2.978/05)

2. C A N S (laudo nº 2985/05)

3. C B S S (laudo nº 2984/05)

4. C S C (laudo nº 2988/05)

5. C C L (laudo nº 2991/05)

6. D M S (laudo nº 2995/05)

7. D M S (laudo nº 3000/05)

8. E P N (laudo nº 3002/05)

9. E S P (laudo nº 3001/05)

10. E V S (laudo nº 3004/05)

11. E O C (laudo nº 3005/05)

12. F A X J (laudo 3010/05)

13. H M G (laudo 3017/05)

14. J A M (laudo nº 3027/05)

15. J R B C (laudo nº 3031/05)

16. J A S (laudo nº 3036/05)

17. K F S P (laudo nº 3040/05)

18. L L L (laudo nº 3042/05)

19. P Q N (laudo nº 3051/05)

20. R C S (laudo nº 3052/05)

21. R A M (laudo nº 3058/05)

22. R C S (laudo nº 3.060/05)

23. T S O (laudo nº 3245/05)

24. W V S (laudo nº 3098/05)

25. W M (laudo nº 3099/05)

2. Consta, mais, dos inclusos autos de inquérito policial que no dia 11 de janeiro de 2.005, durante o período da tarde, no interior do Complexo da Vila Maria – Unidade de Internação-41 – Uirapuru, situada na Avenida Condessa Elisabeth Robbiano, nº 450, nesta cidade e Comarca, que os Denunciados supra arrolados, ao ensejo, associaram-se em quadrilha ou bando para o cometimento dos delitos de tortura assinalados, crime hediondo, bem como para outros que iriam praticar juntos no exercício da guarda, autoridade e cuidado, dos Adolescentes e Jovens-Adultos, em cumprimento de medida sócio-educativa de internação na Unidade de Internação – 41 da Febem.

II – O Representante do Ministério Público, ao final firmado, no uso de suas atribuições conferidas pelo art. 129, inciso I da Constituição Federal e, com base no art. 41 do Código de Processo Penal, apresentar DENÚNCIA em face de:

(13 pessoas)

Qualificados, respectivamente, as fls. 639, 2.784, 2.802/2.811, 2.817, 2.829, 2.835/2.843 e extratos de situação funcional em anexo pela prática dos fatos delituosos a seguir articulados:

No mesmo contexto fático das imputações anteriores e também no dia 12 de janeiro de 2.004, os Denunciados referidos no ITEM “II”, cônscios do dever legal a eles imposto em face do estatuído no art. 125 do Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei nº 8.069/90, omitiram-se, em face das condutas deduzidas no item “I.1.”, embora tivessem o dever de evitá-las e de apurá-las.


 

DOS FATOS

A Fundação do Bem Estar do Menor, dentre outras destinações legais, no estado de São Paulo, é responsável, por promover a execução das medidas sócio-educativas previstas no art. 112 da Lei nº 8.069/90 – Estatuto da Criança e do Adolescente –, em especial, a medida de internação (art. 112, inciso VI), legalmente aplicada por Magistrado a adolescentes e Jovens-Adultos infratores.

O Interno submetido a reeducação mediante a aplicação da medida sócio educativa de Internação, é compreendido como pessoa em formação, sendo-lhe assegurados todos os direitos inerentes à pessoa não atingidos pela restrição.

Em cada uma das Unidades de Internação da FEBEM, designadas “UI”, são mantidos funcionários responsáveis pela lida diária com os internos, na atividade de vigilância e contenção, subordinados, ao Diretor de cada internato.

Incumbe-lhes, em todas as suas atividades, a reeducação e se lhes é imposto o dever de garantir e preservar a integridade e saúde fisionômica, mental e corporal dos Internos, em obediência ao contido no art. 125 da Lei nº 8069/90 – ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE.

Ocorre, porém, ao longo de anos, disseminou-se entre parcela significativa desses funcionários, aquilo que passou a ser largamente denominando como “pedagogia da barbárie”, cultura comum entre tais serventuários.

Tal cultura consiste em infundir aos Internos submetidos a sua guarda, cuidado e vigilância, temor mediante a imposição de rotineiros abusos e imoderados castigos físicos, provocando-lhes intenso e desnecessário sofrimento físico e moral, quer como forma, preventiva, ou não, de manter disciplina e ordem, quer como forma de sanção, não admitida em nosso Ordenamento.

Outras vezes, funcionários empregam-nas com a finalidade de “fabricar motins”, que importam na convocação para horas-extras, ao final da jornada de trabalho e a pagamento, por parte da Administração, de tais verbas.

Essa prática foi objeto de apuração pelo GAECO – Grupo de Atuação e Combate ao Crime Organizado, do Ministério Público do Estado de São Paulo, e, redundou, ao menos, em uma ação penal, por delito de tortura e formação de quadrilha ou bando, que tem curso regular perante uma das Varas Criminais da Comarca de Franco da Rocha.

Com o escopo de modificar referido “status”, ao longo dos últimos anos e meses, a FEBEM tem contratado inúmeros funcionários, visando assim, minimizar referidos abusos e castigos.

Todavia, tal medida mostra-se insuficiente.

Logo no início do desempenho de suas atividades, o Funcionário recém ingresso, fica à mercê de funcionários mais antigos e, que costumeiramente, ocupam funções aos quais esses se subordinam, ou ainda, estão acostumados à lida com o Interno infrator.

Até mesmo em decorrência de temor reverencial os funcionários, com mais tempo de serviço, terminam por inserir os mais “novos” num processo de cooptação para que passem a se portar consoante a “pedagogia da barbárie”.

Tal processo visa compeli-los a seguirem tais regras, quer pelas vantagens que tais atitudes geram, quer pelas facilidades que delas advém na contenção dos Internos.

No entanto, os Internos têm sofrido nos últimos anos os efeitos disso: a disseminação da prática da tortura, provocando inúmeros e sucessivos confrontos e insurreições.

Com tal atitude, os funcionários já engajados nessa verdadeira “pedagogia da barbárie”, numa abjeta promiscuidade, com os mais novos, buscam a autoperpetuação da cultura do espancamento, abuso e violência física e moral contra os Internos da FEBEM.

O Denunciado M.J.F., desempenhara em parte do ano de 2.004, a direção da Unidade de Internação – 41, ocasião em que se colecionou notícias formalizadas e atribuídas a ele e outros funcionários ali lotados, à época, de espancamentos e torturas.

Em decorrência disso, promoveu-se o afastamento desses funcionários, instaurando-se, em relação a parte deles, Procedimentos Administrativos Disciplinares, que poderiam, inclusive, redundar em demissão.

Sem embargo, cautelarmente, redundou com expresso afastamento e proibição do ingresso de diversos funcionários, dentre os quais M.J.F., em referida unidade.

Tal situação, fez com que referido Ex-Diretor e vários Funcionários, na mesma situação, passassem a nutrir sentimento de represália contra os Internos, que sob a ótica desses, seriam os responsáveis pelas virtuais punições administrativas e virtuais demissões.

As sucessivas notícias de abusos, maus tratos e torturas impingidas aos Internos e que culminaram com uma insurreição motivaram visita de Inspeção Judicial procedida pela Doutora Mônica Ribeiro de Souza Paukoski, Excelentíssima Senhora Doutora Juíza Corregedora da DEIJ, e levou a egrégia Corregedoria Geral da Febem instaurar Procedimento Judicial Verificatório visando apurar a conduta de alguns funcionários.

 

Em relação aos fatos descritos, a Unidade de Internação denominada “UIRAPURÚ”, UI-41, foi inserida em programa oficial da Presidência da Entidade e Governo do Estado de São Paulo, para a criação do Regime Disciplinar Diferenciado como incidente na execução da medida sócio-educativa de Internação.

Nesse passo, a FEBEM, num exíguo período de tempo, promoveria mudança, quase integral da população de Internos daquela Unidade: somente continuariam ali insertos em medida de Internação, um pequeno contingente de infratores, que se adequassem ao perfil do RDD, aos quais se somariam outros, com o mesmo perfil oriundos das mais diversas unidades.

Também em decorrência disso, mas principalmente com o fito de criar um quadro de funcionários para operarem no Regime Disciplinar Diferenciado, foram designados a partir de 29 de novembro p. p., um grupo de novos funcionários, que assumiram as atribuições na unidade.

Desde logo tais funcionários, passaram a ser, à sorrelfa, cooptados a agirem conforme a reinante cultura de espancamentos e abusos contra Internos, efetuadas, não só pelos demais funcionários antigos da Unidade que ali ainda permaneciam, como os Coordenadores de Alas, os denunciados P.S., R. e P.T., bem como por outros funcionários da FEBEM com quem interagiam em seu trabalho.

Sempre conveniente salientar que há um processo de aproximação natural dos novos funcionários em relação àqueles que já exercem as funções, quer porque ocupam postos a eles subordinados, quer porque já demonstrem fluência e familiaridade no exercício de suas atividades.

Nesse ensejo, o Denunciado E., que já era funcionário em outra unidade e, que pertencia aos quadros funcionais da FEBEM desde de 2001, portanto inserido na mencionada “cultura”, submeteu-se a concurso interno para provimento de cargo de Diretor de Internato, assumindo a direção da UI – 41.

Nos primeiros dias de janeiro de 2.005, as Instâncias Superiores da Fundação deliberaram que se procederia à rápida adequação da UI – 41, para abrigar a execução da medida sócio-educativa de internação, sob a forma do Regime Disciplinar Diferenciado e, para tanto, algumas medidas deveriam ser tomadas, com a dotação de um efetivo maior de funcionários e a realização de revista minuciosa no interior da Unidade, popularmente denominada de “pente fino”, para a localização e apreensão de eventuais instrumentos e armas impróprias, que estivessem, indevidamente, nas mãos dos Internos, como “naifas”.

Para a revista e já para a formação e dotação de um novo quadro funcional para a Unidade, a Diretoria de Divisão da Vila Maria da FEBEM, houve por bem, solicitar, em que pese em gozo de férias, o Denunciado M.J.F., para que colaborasse na elaboração de referidos quadros funcionais.

Buscando compor não só a equipe que procederia à revista, mas também a equipe que trabalharia na Unidade doravante, os Denunciados M. e E. colocaram-se em estreito contato, e procederam à arregimentação de um grupo de funcionários, independentemente de terem histórico de espancamentos em referida Unidade, mesclando-os àquele grupo que havia assumido as funções em 26 de novembro p. p.


Tais encontros iniciaram-se, dias antes da visita regular aos Internos em 08 e 09 de janeiro p. p.

Nesse ensejo, o denunciado E., diretor em exercício, foi comunicado pela Direção da Fundação, de que estaria proibido a participação e o ingresso do denunciado M.J.F. no interior da UI – 41.

Com o processo de cooptação já ultimado e, persuadidos, parte desse grupo de funcionários ingressos em 29 de novembro p. p., no que toca a adotar os procedimentos odiosos consagrados por alguns funcionários da FEBEM, conforme já explicitado, e se disseminou, ainda, àqueles que não pretendessem concorrer com os fatos, que deveriam se calar e não tomando quaisquer providências em face de abuso ou tortura aplicada aos Internos.

Os fatos e sua dinâmica, já estavam arranjados e concertados antes, tanto assim que dias antes dos fatos, os Internos surpreenderam-se ao encontrar, nas dependências da unidade, uma carta apócrifa que revelava um plano dos funcionários de levar a cabo a barbárie que, efetivamente, dias depois se verificaria.

Ao ensejo das visitas aos internos, ocorridas nos dias 08 e 09 de janeiro p. p., preocupados e não pretendendo dar motivos que legitimassem o emprego da força contra eles, fizeram chegar tais informes a seus genitores e parentes.

Determinado o “pente fino” e escolhida a data do dia 11 de janeiro de 2.005 para sua realização, foi dado ciência tão somente aos funcionários da Unidade de que encerrada a revista, seriam os Internos postos sob recolhimento sancionatório (vide as declarações do Cel. Res. C. A. X.), porém, foi arquitetado um plano, que seria levado então a cabo, tão logo terminada a revista.

Por esse plano, os Adolescentes seriam retirados dos quartos, torturados, como forma de levar a cabo o vil sentimento de vingança e como forma de castigo preventivo e sancionatório, uma vez que vários funcionários não admitidos pelos internos, por histórico de agressões, retornariam às funções naquela unidade e os Internos teriam que aceitar e submeter-se, disciplinadamente, a isso.

O Diretor E., então, em face da significativa quantidade de funcionários novos, e visando, desde logo, garantir a impunidade, em pronunciamento verbal, manifestara-se, de forma mendaz, a alguns funcionários, pelo não emprego da violência contra os internos, embora já estivesse resoluto à prática da tortura, como forma de “herdar” a Unidade sem qualquer oposição dos Internos, infundindo-lhes temor, e também porque uma vez implementado o Regime Disciplinar Diferenciado, os Internos para lá transferidos saberiam da forma “austera” como seriam tratados.

No dia aprazado, solicitou-se apoio às manobras de revista ao 3º Batalhão de Polícia Metropolitana de Choque e as Instâncias da Administração Superior da Febem determinaram a participação do Grupamento Especial de Apóio, denominado “choquinho”, da própria Febem, grupamento autônomo e, sem qualquer vínculo às Unidades, para auxiliarem na revista.

Conforme assinalado, por ocasião dos fatos, compareceram os funcionários contatados por E. e M. J. F., além do efetivo de funcionários que havia ingressado em 29 de novembro p. p. na Fundação e, outros funcionários, lotados em unidades diversas.

Convém mencionar que, nos tumultos que se seguiram à descoberta desses episódios de tortura, com a chegada do Secretário de Justiça e Presidente da Febem, todos os apontamentos, idôneos relativos à presença de funcionários e pessoas estranhas àquela unidade, foram suprimidos.

 

Assim, no dia 11 de Janeiro de 2.005, por volta de 10:00 horas, o grupamento de milicianos, comandado in loco pelo Mj. M., ingressou em referida Unidade, dirigiu-se ao dormitório dos Internos, onde se encontravam, dois a dois, e após revista pessoal, deixando-os trajados apenas com “corujas” (cuecas), conduziram-nos sob vigilância até o pátio.

Procedeu-se então à contenção, durante todo o tempo em que a revista estava sendo realizada, por funcionários da Unidade e do Grupo de Apoio.

Com o fito de precaverem-se de eventuais injustas imputações, nesse contexto, munidos de equipamento de filmagem, os Milicianos gravaram imagens das condições de saúde e da integridade física dos Internos.

Acresça-se, ao ensejo que, a testemunha Sebastião José dos Santos, que comandava o Grupo de Apoio, solicitou às enfermeiras de plantão na Unidade que procedessem a exames para constatarem a inexistência de lesões e de tortura.

A revista procedeu-se pelos funcionários da FEBEM e, uma vez encerrada, os milicianos do Batalhão de Choque da Polícia Militar, recolocaram, todos os Internos, dois a dois, em cada um dos quartos, fechando as portas, cujas trancas foram acionadas, sem cadeados, pelo Grupo de Apoio, sob o Comando da testemunha Sebastião.

O complexo das Unidades da Febem da Vila Maria é dotado de três unidades distintas, porém, muito próximas, a tal ponto que os ruídos de maior intensidade podem ser ouvidos, pelo menos entre a Unidade Uirapuru, palco dos eventos e, a Unidade Adoniran Barbosa.

Assim, cientes disso os torturadores, para levarem a cabo seu desiderato, esperaram pela saída do Complexo, tanto da Batalhão de Choque da Polícia Militar, quanto do Grupo de Apoio, denominado entre os Funcionários da FEBEM de “choquinho”.

Com a saída desses e com todos os funcionários já recolocados na UI-41, procederam, então, à tortura como forma de castigo e medida preventiva para criar uma disciplina rígida, austera e nova, em face do retorno à Unidade de antigos funcionários de lá afastados em decorrência de maus tratos, abusos e denúncias de tortura.

Para tanto, seria preciso a participação de um número significativo de funcionários, já que a Unidade possuía então 111 (cento e onze) internos, além de dois outros, que estavam contidos na condição que se denomina popularmente de “seguro”.

Deliberou-se, assim, à realização de tais condutas, no procedimento denominado por “higienização”, consistente na retirada paulatina e seqüencial dos adolescentes de seus quartos e a condução até os banheiros, para que possam tomar banho, etc.

 

Porém, decidiu-se que haveria a retirada dos quartos, com o ingresso de funcionários e a determinação de saída e, já nesse contexto, munidos de paus e barras de ferro (apreendidas em parte), far-se-iam as aviltantes agressões.

Sempre conveniente frisar que aqueles funcionários que estavam ali, inclusive M. J. F. e, que já trabalharam na casa e foram afastados, nutriam sentimento de represália dos adolescentes justamente em decorrência disso, já que estavam sendo processados e investigados pela Corregedoria-Geral da FEBEM.

M. e E., no interior da Unidade, designaram funcionários para as três alas da Unidade que são estanques, em grupos, e aí todos absolutamente concertados e cientes que igual procedimento ocorreria na Unidade toda e com todos os Internos, passaram à tortura.

Munidos de barras de ferro, paus, e sapatos, mediante golpes, socos e pontapés, retiraram os internos dos quartos, passaram a agredi-los, e os empurraram para o meio de um grupamento de funcionários, lado a lado, compondo o denominado “corredor polonês”, no qual foram submetidos ainda a mais agressões, novamente, com outros socos, tapas e pontapés e golpes com instrumentos, como os apreendidos, passando a agredi-los, sucessivamente, até que todos remanescessem violentamente agredidos e aviltados.

No interior do banheiro, não só a sessão de tortura prosseguira, visto que os adolescentes foram constrangidos a tomar banho frio – embora a Unidade fosse dotada de Caldeira – com o único intuito de reduzir as marcas das lesões neles deixadas em decorrência das torturas.

Tal prática é rotineira nos espancamentos e torturas perpetrados por Funcionários, como se apurou em tantas outras notícias de práticas de tortura, em todas as Unidades de Custódia dos Infratores.

Seguiram-se, nesse diapasão, longos momentos e sucessivas agressões em que os Denunciados, terminaram, por assumir, condições diversas.

Em determinado momento, retiravam Internos dos quartos mediante espancamentos, para em outros passarem a compor o “corredor polonês”; ora empunhavam objetos, dentre os quais os apreendidos e sapatos, para depois, agredirem-nos mediantes socos, tapas, chutes e pontapés.

Os Torturadores durante todo o tempo do espancamento, determinavam às vítimas, muitas delas chamadas de “demônios” durante as agressões, que gritassem dizendo “quem manda na casa são os Funça”, numa alusão aos Funcionários.


Procederam então à recolocação nos quartos, mas sempre sob agressão, deliberando, retornarem, a cada quarto, para, novamente, agredirem os Internos.

Assim, procedeu-se, pois, a ordem de torturas identificadas:

Também foi indicado por M. R. F. S. às fls. 491/494 funcionário da FEBEM, ouvido sob o regime do Provimento 32/00 da CGJ, mencionando que foi designado por M. J. F. para ir para a Ala C”, onde havia um corredor polonês, formado por funcionários onde os internos ao passarem eram agredidos com pontapés, socos e pedaços de pau, e também foi designado para ir para a Ala B, onde os internos também foram agredidos em corredor polonês;

No mesmo sentido pelo funcionário C. C. S. às fls. 680/682, que, também, depôs sob o regime de Referido Provimento CGJ 32/00 e informou que M. J. F. coordenava em geral a operação e designava os funcionários para ocuparem as alas respectivas.

Some-se as imputações do também funcionário M. C. que às fls. 684 informou que toda a operação foi coordenada por M. J. F.

Convém, ainda, rememorar, que os Agressores, valeram-se do fato de que estariam os Adolescentes em “tranca” – recolhimento sancionatório, e assim, permaneceriam por dias, até que se realizasse, a troca dos Internos por outros, para a implantação do RDD.

Com isso, a impunidade do fato seria garantida, uma vez que decorreria lapso de tempo significativo entre as agressões e que os Internos fossem vistos por outras pessoas e, mais, remanejados em pequenos grupos para unidades distintas, perder-se-ia a magnitude do que ocorrera.

Não bastasse isso, procederam a apresentação à Polícia Judiciária, junto ao 81ª Distrito Policial da falsa ocorrência de agressão de Internos contra funcionários, que gerou a lavratura do Boletim de Ocorrência nº 118/05 (fls. 499/500), já no dia 12 de janeiro de 2.005, quando o fatos já era conhecido e, mais, quando, outro funcionário, o Denunciado Rodrigo – no dia anterior havia registrado ocorrência tão somente de agressão perpetrada contra si, o que mostra a mendacidade dos expedientes empregados.

Aliás, prática corrente e usual entre os funcionários da Febem com o fito de mascarar a responsabilidade por abusos e torturas perpetradas contra Internos, consistente em comunicar a Autoridade Policial, falsamente, a ocorrência de motim e agressões perpetradas contra os Funcionários, que passam a ostentar a falsa condição de vítimas.

Com isso, muitas vezes, o fato sequer chega ao conhecimento da Justiça Penal, principalmente quando as ocorrências são lavradas apenas com imputação a adolescentes, que ao serem encaminhado à Justiça Menorista, fatalmente será agraciado com a remissão como forma de exclusão do processo, já que se encontra inserido na medida de internação por prazo indeterminado .

Contando com isso, e já inseridos na cultura da propalada “pedagogia da barbárie”, que impõe àqueles funcionários que não comungam do mesmo ideário, o silêncio, os Denunciados arrolados no Item “II”, dentre os quais a própria enfermeira “C. S.”, que possuíam idêntico dever legal de evitar e comunicar os abusos, nos moldes do art. 125 do Estatuto da Criança e do Adolescente, quedaram-se inertes frente às agressões e silentes quanto às apurações, dando prosseguimento à farsa e, descumprindo dever instituído pela Lei nº 9.455/97, sob o pálio de conduta criminosa.

No desenvolver dos atos de tortura, estavam todos eles, obrigados, pela Lei a agir, exigindo-se deles o explícito dissenso, impedindo os agressores e, quando não fosse possível fazê-lo, de imediato comunicando a conduta, não só aos Superiores não compactuantes com a ação, como a quem se fizesse preciso, para que os fatos tomassem publicidade de modo a permitir a apuração das infrações.

Alerte-se, para a possibilidade dessa ação, na medida em que um dos Funcionários, não denunciado, opôs-se, sem êxito, a ação violenta do grupo agressor, comunicando a dinâmica tão logo, instaurado procedimento de natureza apuratória.

Inseridos nessa situação, e quedando-se inertes, concorreram para que as agressões prosseguissem e se perpetuasse perversa lógica da sucessiva submissão dos adolescentes a abusos, maus tratos e tortura, dificultando e impedindo a publicidade desses fatos, de modo a garantir a ação do poder público para evitar o cometimento de tais desvios.

No dia seguinte (12 de janeiro p. p.), casualmente, a Presidente de uma ONG denominada “AMAR” divisou em outra Unidade, dois Infratores, vítimas das torturas e que haviam sido retirados da Unidade, cientificando-se do ocorrido, pelo que acionou, a Promotoria de Justiça da Infância e Juventude da Capital, e a Presidência da FEBEM, que para lá se dirigiram constataram o que havia ocorrido e, que a exceção dos Adolescentes do denominado “Seguro”, todos os demais Internos haviam sido torturados.

Passaram, pois, a proceder as Autoridades presentes a buscas na unidade logrando encontrar parte dos Instrumentos utilizados na tortura, apreendidos, consoante o auto de fls. 08 e, que se encontravam no interior da Unidade, numa das dependências de acesso exclusivo aos funcionários, trancada a cadeado, sem que encontrasse a chave, que teve de ser inteiramente revistada e encontrado em meio a alguns colchões, ali depositados escondidos referidos materiais, reconhecidos por alguns Internos, como parte dos instrumentos utilizados na Tortura.

Bem por isso, solicitou-se o acompanhamento de todos os presentes à Delegacia de Polícia quando então, Internos ali conduzidos, terminaram por reconhecer dentre os funcionários, dezesseis dos Torturadores que tiveram a prisão temporária de plano decretada.

DO PEDIDO

Assim, denuncio a Vossa Excelência:

(42 pessoas)

Como incursos nas penas dos art. 1º, inciso II c. c. seu § 3º, primeira parte, da Lei nº 9.455/97, por 09 (nove) vezes, e art. 1º, inciso II, de Referido Diploma, por 102 (cento e duas) vezes, majoradas as 111 (cento e onze) condutas, nos moldes do art. 1º, § 4º ainda da Lei de Tortura, todos em concurso material entre si e com o art. 288 do Código Penal, na forma e com a pena estatuída pelo art. 8º da Lei nº 8.072/90, Lei de Crimes Hediondos e art. 29 do Código Penal e, requeiro que registrada, autuada e recebida esta, sejam os denunciados citados e interrogados para se verem processar nos termos dos art. 394 e seguintes e art. 498 e seguintes todos do Código de Processo Penal, prosseguindo-se o feito até condenação.

Denuncio, também, a Vossa Excelência

(13 pessoas)

Como incursos nos art. 1º, inciso II, c. c. o § 2º, majorados na forma do § 4º, inciso II da Lei nº 9.455/97 e, requeiro que registrada e autuada esta, sejam os denunciados INTIMADOS A APRESENTAR DEFESA PRELIMINAR estatuída no art. 513 do Código de Processo Penal e recebida esta, sejam citados e interrogados para se verem processar nos termos dos art. 394 e seguintes e art. 498 e seguintes todos do Código de Processo Penal, prosseguindo o feito até condenação

Requer, ainda, a Vossa Excelência, a oportuna oitiva das vítimas e testemunhas abaixo arroladas.

São Paulo, 31 de janeiro de 2.005.

ALFONSO PRESTI

PROMOTOR DE JUSTIÇA

DESIGNADO

*Texto alterado às 14h53 do dia 14 de abril de 2017 para supressão de nomes.

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