Dança das contas

Caixa Econômica é condenada por transferir dinheiro indevidamente

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31 de janeiro de 2005, 15h33

A Caixa Econômica Federal está obrigada a ressarcir uma cliente em R$ 130 mil, indevidamente transferidos de sua conta de poupança para a de outra pessoa. A decisão é da 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 2ª Região. O valor deverá ser monetariamente corrigido pela tabela de precatórios da Justiça Federal e acrescidos de juros de 0,5% ao mês, desde a citação judicial do banco. Cabe recurso.

A cliente ajuizou ação ordinária contra o banco alegando que não havia autorizado a operação. De acordo com o processo, em 14 de julho de 1995 foram realizadas duas transferências, uma de R$ 26.965,54 e outra de R$ 103.034,96. O documento que autorizou a transferência do dinheiro estava rasurado com corretivo sobre o nome do beneficiado.

A Caixa Econômica Federal sustentou que a operação bancária foi realizada com a autorização da titular da conta e que o prejuízo alegado não ficou comprovado pela correntista. Além disso, a instituição financeira alegou que caberia à autora da causa reclamar com o beneficiado os valores transferidos.

No entendimento da 5ª Turma, a rasura no documento impede que ele seja usado como prova de que a transferência tenha sido autorizada. A Turma entendeu também que o Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078, de 1990) assegura ao cliente das instituições financeiras o direito à inversão do ônus da prova, ou seja, é a empresa, nesse caso, que tem de provar sua inocência, justamente porque o consumidor é a parte mais frágil nessa relação.

“Assim, para elidir sua responsabilidade, e afastar a obrigação de indenizar pelo dano causado à autora, a CEF tem, necessariamente, que provar que o evento se dá por culpa exclusiva da vítima, ou que a mesma concorre para o evento, de modo que possa mitigar o valor do ressarcimento”, afirmou o relator do processo, juiz federal Franca Neto.

Processo nº 1995.51.01.024061-5

Leia a íntegra do acórdão

RELATOR: JUIZ FEDERAL CONVOCADO FRANCA NETO

APELANTE: CAIXA ECONOMICA FEDERAL – CEF

ADVOGADO: SHALIMAR MILCHER E OUTROS

APELADO: ELIANA DE BARROS PACHECO

ADVOGADO: MAURO GONÇALVES VIEIRA E OUTROS

ORIGEM: SEGUNDA VARA DA FAZENDA DO RIO DE JANEIRO (9500240610)

RELATÓRIO

(Juiz Federal Convocado FRANÇA NETO – Relator) — Apelação da CAIXA ECONOMICA FEDERAL — CEF e Recurso Adesivo de ELIANA DE BARROS PACHECO à Sentença do Juízo da 2ª Vara Federal, do Rio de Janeiro, que julga parcialmente procedente o pedido, nos autos da Ação Ordinária, para condenar a Ré a restituir à Autora a quantia de R$ 130.000,00 (cento trinta mil reais), corrigida monetariamente pela Tabela de Precatórios da Justiça Federal, acrescida de juros de 0,5% ao mês, desde a citação, referente ao numerário existente na conta de poupança nº 304.197-3, de titularidade da Autora, transferido indevidamente para a conta de poupança nº 303-783-6, de João Eugênio Evangelista (fls. 90/93).

A CEF, em suas razões de recurso, alega, em síntese, que a transferência do numerário, na espécie, é realizado de acordo com a autorização de débito, no qual consta a assinatura da Apelada e que o bloqueio efetivado, na mesma conta, é para garantia de concessão de cartão de crédito Federal Card Gold. Afirma, ainda, que o prejuízo alegado (transtornos financeiros, com posterior empréstimos), resta indemonstrado, bem como a inexistência de nexo de causalidade entre este e a conduta da Apelante. Aduz, também, que a quantia reclamada encontra-se na conta de poupança nº 303.783-6, acrescido dos juros e de correção monetária e que cabe à Autora reavê-la junto ao titular da conta beneficiada. Por esses motivos, não há prejuízo a ser reparado. Pugna pela reforma da Sentença a quo (fls. 95/98).

Apela adesivamente a Autora para que lhe seja reconhecida o direito à reparação por danos morais, não requeridos na peça exordial, sob o argumento de que, à época da propositura da Ação, não se encontrava em vigor o CDC e, assim, tais rubricas eram substituídas por perdas e danos. Requer, também, a reforma de parte da Sentença que deixa de condenar a CEF ao pagamento de honorários advocatícios (fls. 103/105).

Contra-razões em que se prestigia, em parte, o decisum (fls. 108/109).

Parecer da Procuradoria Regional da República, na 2ª Região, pelo improvimento da Apelação (fls. 116).

É o Relatório.

FRANÇA NETO

Juiz Federal Convocado

5a Turma

VOTO

“EMENTA: — ADMINISTRATIVO – RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA — PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DEFEITUOSA – DANO MATERIAL — CEF – TRANSFERÊNCIA DE NUMERÁRIO DE CONTA DE POUPANÇA — DOCUMENTO DE AUTORIZAÇÃO RASURADO — NEGLIGÊNCIA — DEVER DE RESTITUIR A QUANTIA TRANSFERIDA INDEVIDAMENTE — ART. 1º E 14 , AMBOS DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR .

I – É dever das instituições bancárias, nas transferências de quantias vultosas, ou não, de uma conta de poupança para outra de titularidade diversa, proceder de forma cautelosa para evitar qualquer espécie de erro ou fraude nessas operações, que venham a lesionar os seus clientes;

II – Na espécie, age negligentemente a CEF, já que se utiliza de documento rasurado (autorização de débito) para promover a transferência de numerário da conta de poupança da Autora para outra de titularidade diversa, sem, ao menos, confirmar a autorização de débito pela titular;

III — A CEF responde objetivamente pelos danos ocasionados em caso de prestação de serviço defeituoso, portanto, correta a Sentença, que a condena a restituir a quantia transferida indevidamente;

IV – Apelação e Recurso adesivo improvidos.”

(Juiz Federal Convocado FRANÇA NETO – Relator) — Cuida-se Apelação da CAIXA ECONOMICA FEDERAL — CEF e de Recurso Adesivo da Autora à Sentença do Juízo da 2ª Vara Federal, do Rio de Janeiro, que julga parcialmente procedente o pedido, nos autos da Ação Ordinária, para condenar a Ré a restituir à Autora a quantia de R$ 130.000,00 (cento trinta mil reais), corrigida monetariamente pela Tabela de Precatórios da Justiça Federal, acrescida de juros de 0,5% ao mês, desde a citação, referente ao numerário existente na conta de poupança nº 304.197-3 de titularidade da demandante, transferido indevidamente para a conta de poupança nº 303-783-6 de João Eugênio Evangelista.

No que pertine ao dano material, em virtude do bloqueio da quantia de R$ 5,875,42 (cinco mil, oitocentos e setenta e cinco reais e dois centavos), da mesma conta poupança, deixa o Juízo de responsabilizar a CEF, por ser o bloqueio temporário e como forma de caução a garantir a concessão de cartão de crédito, não chega a trazer qualquer prejuízo e, também, quanto ao lucro cessante, pela não realização das obras na residência da demandante, já que a Autora, não traz aos autos qualquer prova de sua ocorrência.

Da análise dos autos, verifica-se que em 14/07/1995 operam-se transferências dos valores de R$ 26.965,54 (vinte e seis mil e novecentos e sessenta e cinco reais e cinqüenta e quatro centavos) e R$ 103.034,46 (cento e três mil e trinta reais e quarenta e seis centavos) da conta nº 304 197-3 para a conta nº 303 783-6, com a informação de autorização de transferência pela titular (fls. 77/78). Entretanto, o documento que poderia confirmar tal informação encontra-se rasurado, haja vista a aplicação de corretivo sobre o nome do titular da conta beneficiada (fls. 76).

Em que pese a estranheza de ser o titular da conta beneficiada o genitor da Autora e, ainda, a assinatura no documento de autorização ser igual às apostadas na procuração de fls. 05 (frente e verso), o fato é que a rasura no documento o torna imprestável como prova fidedigna de ter sido autorizada a transferência em questão.

É fato notório que nas transferências de quantias vultosas, as instituições bancárias procedem de maneira cautelosa para evitar qualquer espécie de erro ou fraude nessas operações. Assim, na espécie, agiu negligentemente a CEF, já que se utiliza de documento rasurado para promover transferência de numerário de uma conta de poupança para outra de titularidade diversa. O mínimo que se poderia exigir da Empresa Pública, no caso, era a simples confirmação pela titular da autorização da transferência a ser efetuada.

Ademais, a Jurisprudência é firme no sentido de que a atividade bancária, por referência das regras do Código de Defesa do Consumidor, que dispõem, expressamente, acerca da responsabilidade objetiva (Lei nº 8.078/90, arts. 12/14 — CDC) que tem as instituições financeiras no exercício da sua atividade, dispensa o particular de produzir a prova da culpa do banco, em caso de falha na prestação do serviço, consagrando a inversão do ônus da prova como direito básico do consumidor, uma vez verificada a fragilidade de uma parte litigante diante da outra- uma instituição financeira, tal como se cristaliza na recente Súmula-297, para quem “o Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras.”

Assim, para elidir a sua responsabilidade, e afastar a obrigação de indenizar pelo dano causado à Autora, a CEF tem, necessariamente, que provar que o evento se dá por culpa exclusiva da vítima, ou que a mesma concorre para o evento, de modo que possa mitigar o valor do ressarcimento.

Como resta indemonstrada a culpa exclusiva da vítima a afastar o dever de reparar o dano material sofrido, cabe à CEF responder pela restituição do numerário existente na conta de poupança nº 304 197-3, transferido indevidamente para a conta nº 303 783-6.

No que tange ao pedido recursal adesivo da Autora, tenho, a meu sentir, que improcedente, posto que se trata de pedido inaugural para condenação da CEF na obrigação de reparar o dano moral alegado pela Autora. Primeiro, o aditamento do pedido só é possível até a citação da Ré, a teor do art. 294, do CPC; segundo, é errônea a afirmação da Apelante quanto à vigência do Código consumerista, que se inicia em março/91, portanto em plena vigência à época da propositura da presente Ação. Logo, não há plausibilidade jurídica do pedido recursal adesivo.

Quanto aos honorários advocatícios, também, sem razão a Apelante, uma vez que se encontra cada litigante vencido em parte, correta está a repartição do ônus da sucumbência, nos moldes impostos pela Sentença impugnada.

Por essas razões, nada há a ser reparado na decisão objurgada.

Isto posto, NEGO PROVIMENTO à Apelação e ao Recurso Adesivo.

É como voto.

FRANÇA NETO

Juiz Federal Convocado

5a Turma

EMENTA

ADMINISTRATIVO – RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA — PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DEFEITUOSA – DANO MATERIAL — CEF – TRANSFERÊNCIA DE NUMERÁRIO DE CONTA DE POUPANÇA — DOCUMENTO DE AUTORIZAÇÃO RASURADO — NEGLIGÊNCIA — DEVER DE RESTITUIR A QUANTIA TRANSFERIDA INDEVIDAMENTE — ART. 1º E 14 , AMBOS DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR .

I- É dever das instituições bancárias, nas transferências de quantias vultosas, ou não, de uma conta de poupança para outra de titularidade diversa, proceder de forma cautelosa para evitar qualquer espécie de erro ou fraude nessas operações, que venham a lesionar os seus clientes;

II – Na espécie, age negligentemente a CEF, já que se utiliza de documento rasurado (autorização de débito) para promover a transferência de numerário da conta de poupança da Autora para outra de titularidade diversa, sem, ao menos, confirmar a autorização de débito pela titular;

III — A CEF responde objetivamente pelos danos ocasionados em caso de prestação de serviço defeituoso, portanto, correta a Sentença, que a condena a restituir a quantia transferida indevidamente;

IV – Apelação e Recurso adesivo improvidos.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas, decide a Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação e ao recurso adesivo, nos termos do Relatório e Voto, constantes dos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Rio de Janeiro, 23 de novembro de 2004.

FRANÇA NETO

Juiz Federal Convocado

5a Turma

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