Poder investigatório

Não se pode atribuir ao MP atuação exclusiva da polícia civil

Autor

  • André Luiz Martins Di Rissio Barbosa

    é delegado de Polícia do Departamento de Administração e Planejamento (DAP) da Polícia Civil do estado de São Paulo presidente da Associação dos Delegados de Polícia pela Democracia mestre e doutor em Direito Constitucional pela PUC-SP e membro da Associação Internacional dos Chefes de Polícia.

30 de janeiro de 2005, 2h57

As atribuições do Ministério Público e da Polícia Judiciária encontram-se perfeitamente delineadas na Constituição Federal, artigos 129 e 144, respectivamente (MP, 129, VIII; Polícia Civil, 144, § 4), no que toca à apuração de ilícitos mediante inquérito policial.

O Colendo Supremo Tribunal Federal (STF) em mais de uma oportunidade já se manifestou sobre tal matéria, sem nunca obstar, como também nem a Polícia Civil quer, a harmoniosa colaboração com tão nobre instituição, como de outras de igual valor. No combate ao crime, as forças concorrentes devem ser combinadas, harmônicas, sob pena de, divididas, enfraquecerem-se perante o mal.

Isto, ninguém de bom senso discute!

Todavia, subvertendo-se a disciplina constitucional, pretender-se enfraquecer uma das instituições, fazendo com que, à sua revelia ou conhecimento, outra passe a contar com a mesma atribuição, é dividir forças. Eventuais falhas ocorridas em regular apuração, isto é, em inquérito policial, devem ser corrigidas face às críticas que se lhes apresentem, faces os malogros que possam resultar — e é experiência do cotidiano que ajuda a aperfeiçoar a difícil tarefa de apurar materialidade e autoria de crimes — ou face ao juízo crítico da própria instituição por meio de seus departamentos competentes, desde a Escola de Polícia, onde se aprende investigação, até a Corregedoria que apura a natureza de qualquer irregularidade.

Por qual motivo atribuir-se ao Ministério Público aquela atribuição que, constitucionalmente, é exclusiva da Polícia Civil? Seria, como já indagou o ilustre desembargador Adauto Suannes, na monografia “Os fundamentos Éticos do Devido Processo Penal” a idéia preconceituosa de que todos os policiais são corruptos? Se não for essa a fundamentação não explicitada, qual seria então? Se assim for, o que se argumenta por absurdo, que se promova, tal como tem ocorrido, a devida apuração disciplinar. Hoje, a conhecida “via rápida” tem dado exemplos marcantes da Polícia Civil, em especial a de São Paulo, quanto aos cuidados da cúpula do órgão e do governo em manterem a instituição ao largo de tal chaga.

É a Polícia Civil órgão permanente, estável, e na medida de sua atribuição tornar-se apta a reclamar, de quem de direito, meios para manutenção de seus fins, inclusive, e tal ponto, embora delicado, não pode ser ignorado — e o Ministério Público bem sabe de seus motivos, porque comuns, o de fazer-se reconhecer como de relevante importância, com exigência de nível universitário em vários de seus segmentos, para fins de retribuição de vencimentos, compatíveis com tal atividade.

Trata-se, repita-se, do assunto delicado tocado de passagem, mas que não pode ser ignorado ou ser visto como tabu ou preconceito. O enfraquecimento da instituição, com a repartição de suas atividades a quem, com o devido respeito, sequer preparo técnico ostenta em sua formação profissional, já que a técnica da investigação não faz parte de seu currículo — o que em absoluto o desmerece — fere fundo, além da Constituição, o amor próprio e a auto-estima, atributos imateriais indispensáveis ao sucesso de qualquer atividade, especialmente àquela em que a própria vida é exposta diariamente.

A pretensão hoje requisitada de dividir, sem dizer por quê, deixando entrelinhas sujeitas às maliciosas interpretações, somente tem, e tende, a enfraquecer o órgão com legitimidade constitucional para a presidência de inquéritos e, conseqüentemente, ainda que lutando estoicamente, deixá-lo alvo do descrédito e em favor da marginalidade.

Há, se excetuado o próprio Ministério Público, uma unanimidade doutrinária sobre o que pretende certo segmento do Ministério Público, sendo oportuna a observação de Marco Antônio Azkoul, no Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM) de abril de 2000: “a atividade policial não é uma atividade subordinada. A Autoridade Policial quando baixa uma portaria, por exemplo, instaurando um inquérito policial, está exercendo uma atividade jurisdicional ampla, vinculada ao primado da legalidade na fase criminal. A apuração das infrações penais é uma das atribuições exclusivas da Polícia Civil, que se encontra prevista no art. 144, § 4º, da CF. Não há como, legitimamente, passar essa atribuição para o Ministério Público por meio de ato administrativo ou qualquer outra medida legislativa infraconstitucional… não podendo haver interferência pelo Ministério Público, pois, mais do que, inadmissível e ilegal, ela será suspeita, principalmente se igual oportunidade não for permitida à defesa, e que serão parte na relação processual futura. Uma das partes não poderá ter o privilégio de orientar prova sem a participação da outra.”

Deve, em resumo, o Ministério Público zelar como sempre o faz, por sua nobre atividade, e com exclusividade: propor ação penal, sem ultrapassar o poder de requisitar diligências investigatórias e instauração de inquéritos. Nenhum dispositivo legal o autoriza a realizar investigações e instaurar inquérito policial.

Colaborar sim; dividir, nunca.

Autores

  • Brave

    é delegado de Polícia do Departamento de Administração e Planejamento (DAP) da Polícia Civil do estado de São Paulo, presidente da Associação dos Delegados de Polícia pela Democracia, mestre e doutor em Direito Constitucional pela PUC-SP e membro da Associação Internacional dos Chefes de Polícia.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!