Guerra de poder

Justiça Federal é quem julga relações de trabalho de servidores

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27 de janeiro de 2005, 23h09

Cabe à Justiça Federal e não à Justiça Trabalhista julgar ações que envolvem as relações de trabalho de servidores estatutários. A decisão, liminar, adotada na noite desta quinta-feira (27/1) suspende dispositivo da Reforma do Judiciário promulgada no dia 8 de dezembro e publicada no Diário Oficial do dia 31 do mesmo mês.

A decisão do presidente do Supremo Tribunal Federal, Nelson Jobim atendeu pedido da Associação dos Juízes Federais (Ajufe), em Ação Direta de Inconstitucionalidade.

Jobim acolheu a tese de que o texto promulgado (inciso I do art. 114 da CF) reproduzia a proposta aprovada pela Câmara, mas não a formulação adotada no Senado. A casa restabeleceu a competência da Justiça Federal para dirimir conflitos dos servidores públicos estatutários.

O ministro rememorou discussões anteriores, no âmbito do próprio STF, em que tentativas de transferir a competência para julgar conflitos de servidores para a Justiça do Trabalho foram rechaçadas. Jobim citou a declaração de inconstitucionalidade de dispositivo da L. 8.112/90, quando se entendeu que a expressão “relação de trabalho” não autorizava a inclusão, na competência da Justiça trabalhista, dos litígios relativos aos servidores públicos.

A própria expressão “relação de trabalho” foi atacada na ADI assinada pelo juiz Jorge Maurique, por “dificuldades de interpretação ante a indefinição do que seja”. O presidente da Ajufe invocou a necessidade de interferência do STF diante da “divergência de entendimento entre os juízes trabalhistas e os federais”.

Leia a decisão de Nelson Jobim

MED. CAUT. EM AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 3.395-6 DISTRITO FEDERAL

REQUERENTE(S):

ASSOCIAÇÃO DOS JUÍZES FEDERAIS DO BRASIL – AJUFE

ADVOGADO(A/S):

PAULO ROBERTO SARAIVA DA COSTA LEITE E OUTRO(A/S)

REQUERIDO(A/S):

CONGRESSO NACIONAL

DESPACHO:

A ASSOCIAÇÃO DOS JUÍZES FEDERAIS DO BRASIL — AJUFE — propõe a presente ação contra o inciso I do art. 114 da CF, na redação dada pela EC nº 45/2004.

Sustenta que no processo legislativo, quando da promulgação da emenda constitucional, houve supressão de parte do texto aprovado pelo Senado.

1. CÂMARA DOS DEPUTADOS.

Informa que a Câmara dos Deputados, na PEC nº 96/92, ao apreciar o art. 115, “aprovou em dois turnos, uma redação … que … ganhou um inciso I…” (fls. 4 e 86).

Teve tal dispositivo a seguinte redação:

“Art. 115. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:

I – as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.”

2. SENADO FEDERAL.

A PEC, no Senado Federal, tomou número 29/200.

Naquela Casa, a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania manifestou-se pela divisão da “… proposta originária entre (a) texto destinado à promulgação e (b) texto destinado ao retorno para a Câmara dos Deputados” (Parecer 451/04, fls. 4, 177 e 243).

O SF aprovou tal inciso com acréscimo.

O novo texto ficou assim redigido:

“Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:

I – as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, EXCETO OS SERVIDORES OCUPANTES DE CARGOS CRIADOS POR LEI, DE PROVIMENTO EFETIVO OU EM COMISSÃO, INCLUÍDAS AS AUTARQUIAS E FUNDAÇÕES PÚBLICAS DOS REFERIDOS ENTES DA FEDERAÇÃO”. (fls 4 e 280).

Informa, ainda, que, na redação final do texto para promulgação, nos termos do parecer nº 1.747 (fl. 495), a parte final acima destacada foi suprimida.

Por isso, remanesceu, na promulgação, a redação oriunda da CÂMARA DOS DEPUTADOS, sem o acréscimo.

No texto que voltou à CÂMARA DE DEPUTADOS (PEC. 358/2005), o SF fez constar a redação por ele aprovada, com o referido acréscimo (Parecer 1.748/04, fls. 502).

Diz, mais, que a redação da EC nº 45/2004, nesse inciso, trouxe dificuldades de interpretação ante a indefinição do que seja “relação de trabalho”.

Alega que há divergência de entendimento entre os juízes trabalhistas e os federais,

“… ausente a precisão ou certeza, sobre a quem coube a competência para processar as ações decorrentes das relações de trabalho que envolvam a União, quando versem sobre servidores ocupantes de cargos criados por lei, de provimento efetivo ou em comissão, incluídas as autarquias e fundações

públicas.” (fl. 7).

Em face da alegada violação ao processo legislativo constitucional, requer liminar para sustar os efeitos do inciso I do art. 114 da CF, na redação da EC nº 45/2004, com eficácia ‘ex tunc’, ou que se proceda a essa sustação, com interpretação conforme. (fl. 48).

3. DECISÃO.

A CF, em sua redação dispunha:

“Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos entre trabalhadores e empregadores, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta dos Municípios, do Distrito Federal, dos Estados e da União, e, na forma da lei, outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, bem como os litígios que tenham origem no cumprimento de suas próprias sentenças, inclusive coletivas.”

O SUPREMO, quando dessa redação, declarou a inconstitucionalidade de dispositivo da L. 8.112/90, pois entendeu que a expressão “relação de trabalho” não autorizava a inclusão, na competência da Justiça trabalhista, dos litígios relativos aos servidores públicos.

Para estes, o regime é o “estatutário e não o contratual trabalhista” (CELSO DE MELLO, ADI 492).

Naquela ADI, disse mais CARLOS VELLOSO (Relator):

“…………………………

Não com referência aos servidores de vínculo estatutário regular ou administrativo especial, porque o art. 114, ora comentado, apenas diz respeito aos dissídios pertinentes a trabalhadores, isto é, ao pessoal regido pela Consolidação das Leis do Trabalho, hipótese que, certamente, não é a presente.

…………………………”

O SF, quando apôs o acréscimo referido acima e não objeto de inclusão no texto promulgado, meramente explicitou, na linha do decidido na ADI 492, o que já se continha na expressão “relação de trabalho”, constante da parte inicial do texto promulgado.

A REQUERENTE, porque o texto promulgado não contém o acréscimo do SF, sustenta a inconstitucionalidade formal.

Entendo não ser o caso.

A não inclusão do enunciado acrescido pelo SF em nada altera a proposição jurídica contida na regra.

Mesmo que se entendesse a ocorrência de inconstitucionalidade formal, remanesceria vigente a redação do caput do art. 114, na parte que atribui à Justiça trabalhista a competência para as “relações de trabalho” não incluídas as relações de direito administrativo.

Sem entrar na questão da duplicidade de entendimentos levantada, insisto no fato de que o acréscimo não implica alteração de sentido da regra.

A este respeito o SUPREMO tem precedente.

Destaco do voto por mim proferido no julgamento da ADC 4, da

qual fui relator:

“O retorno do projeto emendado à Casa iniciadora não decorre do fato de ter sido simplesmente emendado.

Só retornará se, e somente se, a emenda tenha produzido modificação de sentido na proposição jurídica.

Ou seja, se a emenda produzir proposição jurídica diversa da proposição emendada. Tal ocorrerá quando a modificação produzir alterações em qualquer dos âmbitos de aplicação do texto emendado: material, pessoal, temporal ou espacial.

Não basta a simples modificação do enunciado pela qual se expressa a proposição jurídica.

O comando jurídico — a proposição — tem que ter sofrido alteração.

…………………………”

Não há que se entender que justiça trabalhista, a partir do texto promulgado, possa analisar questões relativas aos servidores públicos.

Essas demandas vinculadas a questões funcionais a eles pertinentes, regidos que são pela Lei 8.112/90 e pelo direito administrativo, são diversas dos contratos de trabalho regidos pela CLT.

Leio GILMAR MENDES, há

“Oportunidade para interpretação conforme à Constituição … sempre que determinada disposição legal oferece diferentes possibilidades de interpretação, sendo algumas delas incompatíveis com a própria Constituição.

… Um importante argumento que confere validade à interpretação conforme à Constituição é o princípio da unidade da ordem jurídica …” (Jurisdição Constitucional, São Paulo, Saraiva, 1998, págs. 222/223).

É o caso.

A alegação é fortemente plausível.

Há risco.

Poderá, como afirma a inicial, estabelecerem-se conflitos entre a Justiça Federal e a Justiça Trabalhista, quanto à competência desta ou daquela.

Em face dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade e ausência de prejuízo, concedo a liminar, com efeito ‘ex tunc’.

Dou interpretação conforme ao inciso I do art. 114 da CF, na redação da EC nº 45/2004.

Suspendo, ad referendum, toda e qualquer interpretação dada ao inciso I do art. 114 da CF, na redação dada pela EC 45/2004, que inclua, na competência da Justiça do Trabalho, a “… apreciação … de causas que … sejam instauradas entre o Poder Público e seus servidores, a ele vinculados por típica relação de ordem estatutária ou de caráter jurídico-administrativo”[1].

Publique-se.

Brasília, 27 de janeiro de 2005.

Ministro NELSON JOBIM

Presidente

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