Excesso formal

Ministro do STF reverte decisão baseada em equívoco irrelevante

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25 de janeiro de 2005, 18h29

Equívoco irrelevante que não afeta as razões da disputa não pode ser usado para inverter o reconhecimento do Direito. Com essa linha de raciocínio, o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, optou por ignorar detalhe processual em favor da causa em questão.

Em julgamento na 2ª Turma, o ministro rejeitou os Embargos de Declaração interpostos pelos servidores do Hospital de Clínicas de Porto Alegre e os puniu com multa de 1% sobre o valor da causa “tendo em vista o caráter nitidamente protelatório do recurso”. Com isso, o hospital continua livre de pagar uma dívida trabalhista de R$ 30 milhões.

Gilmar Mendes determinou ainda que a decisão seja imediatamente cumprida, independentemente da publicação do acórdão ou do trânsito em julgado do processo.

Os servidores contestavam as diferenças salariais referentes ao IPC de junho de 1987 (Plano Bresser) e às URPs de abril e maio de 1988. Publicada a decisão regional, o Hospital da capital gaúcha começou uma verdadeira saga. Isso porque, ao contestar a decisão, a defesa do hospital se referiu à sentença da primeira instância, e não ao acórdão do Tribunal Regional. Por esse motivo, teve, seguidas vezes, seus pedidos extintos sem o julgamento do mérito.

Os dois embargos de declaração propostos pelo hospital em segunda instância foram rejeitados. O mesmo ocorreu no Tribunal Superior do Trabalho, que rejeitou um recurso ordinário e dois embargos de declaração. Em todos os casos, o argumento foi igual: impossibilidade jurídica do pedido.

No recurso apresentado ao STF, o Hospital das Clínicas, além de criticar o apego a um termo, argumentou que, mantida a decisão, a União teria de desembolsar mais de R$ 30 milhões “para pagar a condenação em diferenças salariais em razão dos planos econômicos, onde já há decisão dessa Alta Corte, que não há direito adquirido aos mesmos”.

Os argumentos foram acolhidos pelo ministro Gilmar Mendes, que também criticou o excesso de formalismo com que o caso foi tratado. Segundo ele, a ação rescisória não poderia ter sido extinta pelo simples fato de a defesa ter utilizado o termo sentença em lugar de acórdão.

Contra essa decisão, os servidores propuseram o primeiro Embargo de Declaração, rejeitado pelo ministro Gilmar Mendes. Outro embargo foi novamente impetrado, também não conhecido.

Leia o voto e as decisões

V O T O — V I S T A

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES — (Relator):

Cuida-se de Ação Rescisória proposta por Hospital de Clínicas de Porto Alegre, originariamente, no Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, nos termos dos arts. 485, V, do CPC, 836, da CLT e 180 e seguintes do Regimento Interno do TRT, contra decisão que deferiu aos servidores o pagamento de diferenças salariais referentes ao IPC de junho de 1987 (Plano Bresser) e às URPs de abril e maio de 1988, por violação literal de disposição de lei: art. 5º, XXXVI, da CF; art. 6º, da Lei de Introdução ao Código Civil e Decretos-Leis 2.335/87 e 2.453/88 (fls. 02-10).

A 2ª Seção de Dissídios Individuais do TRT da 4ª Região, por maioria de votos, acolheu a preliminar argüida pelo Ministério Público do Trabalho e extinguiu o processo sem julgamento do mérito, por impossibilidade jurídica do pedido. A ementa possui o seguinte teor (fls. 1481):

“EMENTA: Ação rescisória. Extinção do feito. Impossibilidade jurídica do pedido. Rescindível é a decisão que por último solucionou a lide quanto ao mérito, pois, segundo o disposto no art. 512 do CPC, há substituição da decisão recorrida, que não mais subsiste. Assim, dirigindo-se a pretensão do autor à desconstituição da decisão de 1º Grau, tendo, porém, havido apreciação da matéria em 2º Grau, impõe-se extinguir o feito sem julgamento do mérito, por impossibilidade jurídica do pedido.”

O relator, ao analisar a preliminar, proferiu voto nos seguintes termos (fls. 1482-1485):

“Preliminarmente

Extinção do feito. Impossibilidade jurídica do pedido.

Considerando que o autor pretende desconstituir sentença proferida pela MM 5ª JCJ de Porto Alegre, que, no entanto, não é a última decisão de mérito proferida no processo, pois substituída por acórdão deste Tribunal, o Ministério Público do Trabalho, em seu parecer, preconiza a extinção do processo, sem julgamento do mérito, consoante o artigo 267, VI, do CPC, dada a impossibilidade jurídica da pretensão.

Há que acolher a prefacial.

Como se verifica na inicial, o autor pretende ‘a rescisão de sentença para declarar a ilegalidade e inconstitucionalidade da decisão com novo julgamento de improcedência’ (item d, fl. 10), referindo expressamente, no início da petição, à proposição da ação rescisória ‘contra a R. sentença proferida pela MM 5ª JCJ nos autos da Reclamatória Trabalhista processo nº 5.134-6.258/88…’ (fl. 02, grifou-se). Esta decisão, no entanto, foi submetida ao 2º Grau, por força de recurso ordinário interposto pelo ora autor, tendo sido proferido acórdão pela 4ª Turma deste Tribunal, que apreciou a matéria trazida na presente ação (fls. 166/175 e embargos de declaração, fls. 179/181).

(…)

Rescindível é, pois, a última decisão proferida quanto à matéria, não importando se é sentença ou acórdão, porquanto não mais subsiste a decisão recorrida, ressaltando-se que o termo sentença referido no caput do artigo 485 do CPC é utilizado em sentido lato, significando decisão definitiva em qualquer grau de jurisdição. Aplicável à hipótese dos autos a teoria da substituição da sentença, em consonância com o artigo 512 do CPC, segundo a qual o julgamento de instância superior substitui a decisão recorrida no que tiver sido objeto do recurso.

Assim, em que pese o reconhecido brilho das razões apresentadas pela procuradora do autor, em memoriais e da tribuna, não pode prevalecer, no caso, a tese então sustentada no sentido de que o termo sentença traduz a decisão de mérito transitada em julgado no processo, nem tampouco o fato de ter o autor, nas razões da inicial, mencionado que tanto a sentença, como o acórdão violaram dispositivos legais (item 19, fl. 05), em vista da expressa referência ao ajuizamento da ação rescisória ‘contra a r. sentença proferida pela MM 5ª JCJ nos autos…’, como acima mencionado, a qual não mais subsiste frente ao acórdão proferido pela Turma deste Tribunal.

Impõe-se, pois, como preconizado pela D. Procuradoria Regional do Trabalho, extinguir o feito sem julgamento do mérito, nos termos do art. 267, VI, do CPC.”


O Hospital de Clínicas de Porto Alegre opôs, consecutivamente, dois Embargos de Declaração, os quais foram rejeitados, por inexistirem omissões, contradições ou obscuridades, na conformidade dos acórdãos de fls. 1492-1494 e 1501-1503.

No Recurso Ordinário de fls. 1505-1519, sustentou-se:

EXCELÊNCIAS, o apego demasiado ao tecnicismo, isto é, a uma palavra, no seu sentido restrito, que nem o legislador e a doutrina o fazem, é pretender jogar fora, não só o princípio da singularidade que predomina no Direito do Trabalho, como o da razoabilidade, o qual é muito mais uma regra interpretadora do que informadora, levando o operador do direito, como bem descreve a digna Juíza do Egrégio Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, Dra. Carmen Camino, ‘Se o juiz é um tanto de ciência e outro tanto de consciência, esse princípio emana do exercício da consciência’.

(…)

De mais a mais, o acórdão, no caso dos presentes autos, é espelho da sentença, isto é, acolheu-a integralmente. Mutatis mutandis o efeito é o mesmo ao final.

Ainda, contrastam com o entendimento vencedor os ensinamentos de Pontes de Miranda, também, em sua obra ‘Comentários ao Código de Processo Civil’, no que pertine ao art. 512, diz ele que, ‘… na confirmação da sentença pela instância superior tem tal transparência que é a sentença da primeira instância que se vê e, quando há reforma parcial, a parte reformada engasta-se na sentença da primeira instância, de modo que com ela faça corpo’.”

Ao se referir à existência da instituição hospitalar, enfatizou:

ESTÁ-SE, COM ISSO, QUERENDO DIZER, QUE MANTER AS RAZÕES QUE LEVARAM A EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO, FACE O ENTENDIMENTO DE IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO, É ESQUECEREM DE TODA A FACETA SOCIAL QUE É PERTINENTE A ESTE PROCESSO E SUBJAZ A ELE, PORQUE ENVOLVE UM NUMERÁRIO CONSIDERÁVEL, COLOCANDO EM RISCO A PRÓPRIA SOBREVIVÊNCIA DO HOSPITAL DE CLÍNICAS, QUE ANTES DE TUDO É UMA EMPRESA PÚBLICA EMINENTEMENTE PRESTADORA DE SERVIÇO PÚBLICO ESSENCIAL E NÃO UMA EXPLORADORA DE SERVIÇO PÚBLICO.

A matéria aqui, como já foi dito anteriormente, está pacificada, tanto que a própria Procuradora do Trabalho é pela procedência da ação. Contudo, não é crível esquecer toda a repercussão e conseqüências econômicas e sociais que poderão advir, se concretizado o entendimento de que UMA PALAVRA poderá lançar por terra um direito vivo e concretizado, qual seja, o da inexistência de direito adquirido aos planos econômicos.”

Finalmente, criticou o excessivo formalismo, que lhe causou prejuízo, e pediu:

“NECESSÁRIO VOLTAR A DIZER QUE O RECORRENTE SEMPRE PRETENDEU DESCONSTITUIR A DECISÃO DE MÉRITO, TENDO UTILIZADO O TERMO SENTENÇA COM BASE NO ARTIGO DA LEGISLAÇÃO, QUE O UTILIZA NO SEU SENTIDO AMPLO. CABE, POIS AQUI, INTERPRETAR A REAL INTENÇÃO DO REQUERENTE, QUAL SEJA, RESCINDIR O ACÓRDÃO!!!

RESTA FAZER REFERÊNCIA, MESMO QUE DE FORMA SUSCINTA, ATÉ PORQUE FOI OBJETO DE PREQUESTIONAMENTO, OS ARTS. 1º, INCISO IV E ART. 170, INCISO VII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, OS QUAIS FAZEM MENÇÃO AOS VALORES SOCIAIS DO TRABALHO E REDUÇÃO DAS DESIGUALDADES SOCIAIS.

FOI FEITO TAL PREQUESTIONAMENTO, PORQUE EM SE MANTENDO A DECISÃO DA EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO GERARÁ UMA DESIGUALDADE ENTRE OS PRÓPRIOS FUNCIONÁRIOS DO HOSPITAL DE CLÍNICAS QUE, EM OUTRAS AÇÕES ONDE PLEITEIAM O MESMO DIREITO, NÃO OBTIVERAM ÊXITO, COMO TAMBÉM GERARÁ O DESEQUILÍBRIO DAS RELAÇÕES DE TRABALHO, POIS ENCONTRA-SE O PRÉDIO DO HOSPITAL PENHORADO, PARA GARANTIA DO VALOR APONTADO NA EXECUÇÃO, CUJA QUANTIA, HOJE, ESTÁ EM TORNO DE MAIS DE VINTE MILHÕES DE REAIS!!!

POR ESSAS RAZÕES, REQUER O RECORRENTE SEJA O RECURSO ORDINÁRIO ADMITIDO E PROVIDO, PARA QUE SEJA REFORMADA E DESCONSTITUÍDA A DECISÃO QUE EXTINGUIU O PROCESSO SEM JULGAMENTO DE MÉRITO, DEVENDO OS AUTOS RETORNAR AO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 4ª REGIÃO, PARA QUE ULTRAPASSADA A PRELIMINAR, SEJA JULGADO O MÉRITO DA AÇÃO, NA FORMA DO REQUERIMENTO DA PEÇA INICIAL, POIS QUE, ASSIM, SERÁ, REALMENTE, FEITA JUSTIÇA!!!”.

A Subseção II Especializada em Dissídios Individuais do Tribunal Superior do Trabalho negou provimento ao Recurso Ordinário e à Remessa Oficial, ao fundamento de que “não há como rescindir a r. Sentença que foi substituída pelo Acórdão Regional, posto que esta não mais existe (art. 512, do CPC)” (fls. 1560-1562).

Sucederam-se dois Embargos de Declaração, os quais foram rejeitados (fls. 1634-1636 e 1654-1657).

Daí, interpostos os Recursos Extraordinários de fls. 1660-1679 e 1695-1718 pelo Hospital de Clínicas de Porto Alegre, em que sustenta a violação do art. 5º, II, XXXV, XXXVI, LIV e LV e art. 93, IX, da Constituição Federal. Ainda, alega-se a violação ao princípio da simplicidade, segundo o qual, “em relação aos atos jurídicos (principalmente em nível de Justiça do Trabalho) é o de que a intenção deve prevalecer em relação à literalidade. Nunca é demais afirmar e reafirmar que o processo constitui-se em mero instrumento, para a prestação jurisdicional do ‘meritum causae’”.


Houve, também, a interposição de Recurso Extraordinário pela União, em que alegadas as mesmas violações.

Ao decidir os recursos extraordinários, o relator, Carlos Velloso, adotou os seguintes fundamentos (fls. 1755-1756):

“Os recursos extraordinários não têm viabilidade. A uma, porque, quanto ao art. 5º, II, da Constituição, não se pode negar ao Judiciário o poder-dever de interpretar a lei, para fazer valer a sua vontade concreta. Se o Judiciário, nessa operação, interpreta a lei de forma razoável ou até desarrazoada, a questão continua sendo de legalidade, que se esgota no contencioso infraconstitucional e que, por isso mesmo, não autoriza o recurso extraordinário. A duas, dado que a alegação de ofensa ao princípio do devido processo legal não prescinde do exame da matéria sob o ponto de vista processual. Assim, se ofensa tivesse havido ao princípio – C.F., art. 5º, LIV e LV – seria ela indireta, reflexa, o que não autoriza a admissão do recurso extraordinário. A três, porque a alegação de ofensa aos arts. 5º, XXXV, e 93, IX, da C.F., perde-se no vazio, dado que o acórdão está razoavelmente fundamentado, sendo ainda certo que não há falar em negativa de jurisdição se o acórdão decide de forma contrária aos interesses da parte. Finalmente, o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada encontram proteção em dois níveis: em nível infraconstitucional, na Lei de Introdução ao Cód. Civil, art. 6º, e em nível constitucional, art. 5º, XXXVI, C.F. Todavia, o conceito de tais institutos não se encontra na Constituição, art. 5º, XXXVI, mas na lei ordinária, art. 6º da LICC. Assim, a decisão que dá pela ocorrência, ou não, no caso concreto, de tais institutos, situa-se no contencioso de direito comum, que não autoriza a admissão do RE.

Do exposto, nego seguimento aos recursos (arts. 557, caput, do C.P.C., 38 da Lei 8.038/90 e 21, § 1º, do R.I./S.T.F.)”

Publicada essa decisão, somente o Hospital de Clínicas de Porto Alegre apresentou o agravo regimental de fls. 1773-1783, em que sustenta:

“EXCELÊNCIAS, CREIAM!!! A NECESSIDADE DE PROSSEGUIMENTO E DEFINITIVO JULGAMENTO DO PRESENTE RECURSO EXTRAORDINÁRIO ESTÁ EM DUAS ORDENS QUE, APÓS COLOCADAS, SERÃO ENDOSSADAS PELAS RAZÕES QUE OPOR-SE-Á AOS TRÊS FUNDAMENTOS DADOS PARA A NEGATIVA DE SEGUIMENTO.

A primeira está no modelo de ponderação feita por Alexy, conforme transcreve o insigne Procurador da República Dr. José Adércio Leite Sampaio, na obra A Constituição Reinventada — Pela Jurisdição Constitucional, publicada pela Editora Del Rey, Edição de 2002, página 677:

‘(…) o indivíduo tem direito a um direito definitivo à prestação quando o princípio da liberdade fática [possibilidade concreta de eleger entre o que for permitido] tiver um peso maior que os princípios formais e materiais opostos tomados em seu conjunto.’

O que se abstrai de tal citação? Que tem o recorrente o direito de obter, dessa Egrégia Corte Suprema, a prestação jurisdicional definitiva com relação à matéria, que deu causa ao exercício do direito subjetivo de mover o Poder Judiciário em busca da tutela jurisdicional.

Tais questões, que impedem o prosseguimento da análise do presente recurso, não têm o peso maior do que a necessidade de reconhecer a questão já decidida por esse Supremo Tribunal Federal, no que trata do direito adquirido aos Planos Econômicos. São inúmeras as decisões (a título de exemplo, RE 113.756-7) e, principalmente, em Ações diretas de inconstitucionalidade nºs 694-1 e 693-2, 729-7, 728-5, 683-5, 727-1, que não há direito adquirido aos referidos planos econômicos.

A segunda está na necessidade de ter consideração sobre os efeitos da decisão, no que pertine ao impacto financeiro da mesma. Vejam Excelências, que terá a União de ‘desembolsar’ mais de TRINTA MILHÕES DE REAIS, para pagar a condenação em diferenças salariais em razão dos planos econômicos, onde já há decisão dessa Alta Corte, que não há direito adquirido aos mesmos.

O QUE DEVERÁ SER PONDERADO? DEVERÁ SER MANTIDA A DECISÃO QUE CONCEDEU VANTAGENS PECUNIÁRIAS, CUJA RAZÃO DE SER DA REFERIDA DECISÃO SE MOSTRA ABSOLUTAMENTE DESTITUÍDA DE CAUSA, HAJA VISTA A EXISTÊNCIA DE DECISÃO EM AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE NEGANDO A EXISTÊNCIA DE DIREITO ADQUIRIDO AS VANTAGENS DECORRENTES DOS PLANOS ECONÔMICOS?

SOCORRE-NOS, SEM QUALQUER RESQUÍCIO DE DÚVIDA, A APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE PARA A REALIZAÇÃO DE PERTINÊNCIA ENTRE OS MEIOS E FINS, AQUI UTILIZADOS E BUSCADOS.”

Quanto aos fundamentos da decisão agravada, o agravante os impugna nos seguintes termos:

“O princípio da legalidade é uma garantia constitucional inafastável, que condiciona a atividade e as decisões judiciais ao estrito cumprimento e respeito á lei federal, e por isso limita o chamado ‘livre convencimento’ e exige a motivação de toda e qualquer decisão judicial.

A interpretação da lei, tanto de forma razoável, como até desarrazoada, como referido no despacho, pode ocorrer desde que preservado o princípio da legalidade, sem que se negue vigência a lei federal, posto que o princípio da legalidade sujeita-se ao império da lei.

(…)

HÁ VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE NO MOMENTO EM QUE NÃO RESPEITADA A LEI PROVENIENTE DO PODER LEGISLATIVO, QUE NÃO EXIGE O QUE O INTÉRPRETE DA LEI ESTÁ A EXIGIR.”


No que se refere ao segundo fundamento – devido processo legal -, sua argumentação é a seguinte:

“A violação ao presente inciso configura-se no momento em que deixou o Tribunal Superior do Trabalho de examinar a matéria de mérito (que é constitucional) sob o argumento da impossibilidade jurídica, quando, na verdade, não existe essa impossibilidade jurídica, tendo havido, isto sim, violação ao princípio da legalidade, conforme já fartamente demonstrado, cujo reflexo desta violação foi a inobservância do devido processo legal.

Pode-se dizer, ainda, que restou violado pela inobservância da salvaguarda constitucional, no momento em que o recorrente e, muito mais, a parcela da população que vem em busca da prestação de serviço à saúde, serão privados de significativo valor (erário público) para pagar condenação indevida, sem que tenha sido levado a efeito, até então, o devido processo legal.

Salvo melhor juízo, pode-se entender que o Tribunal Superior do Trabalho, prolator do acórdão recorrido, absteve-se de determinar a apreciação do mérito pela instância originária, incidiu na violação ao princípio do devido processo legal, impedindo o julgamento do mérito da ação rescisória, cujo mérito, diga-se, perfilha-se do entendimento desse Egrégio Supremo Tribunal Federal, que é o da inexistência de direito adquirido aos reajustes salariais dos planos econômicos.

As garantias constitucionais deixaram de ser asseguradas em razão da falta do devido processo legal. O Hospital de Clínicas de Porto Alegre é titular do direito declarado por essa Suprema Corte, de não pagar os reajustes salariais, entretanto, com o não processamento regular da ação rescisória, o Tribunal Superior do Trabalho objetou o alcance da prestação jurisdicional, negando o devido processo legal.

O rigorismo no formalismo (que, diga-se, não encontra respaldo na lei) pretendido pelo TST é equivalente à negativa de prestação jurisdicional, por evidente empecilho ao devido processo legal.

De mais a mais, importa se ter sempre em mente que o processo é meio utilizado para levar ao Judiciário o direito subjetivo da parte.”

Por fim, diz estar caracterizada a negativa de prestação jurisdicional “no momento em que foi negada a apreciação de violação substantiva, em favor da forma, isto é, se a decisão se recusa a aplicar o direito federal que deveria incidir sobre o fato da causa”.

Da decisão rescindenda

Preliminarmente, cabe observar que a última decisão sobre o mérito da questão foi proferida no julgamento do Recurso Ordinário. Transcrevo, aqui, a respectiva ementa (fls. 166):

“EMENTA: GATILHO SALARIAL — JULHO/87 — URP MAIO E JUNHO/88. Pretensão à incidência dos reajustes relativos aos meses de julho/87, maio e junho/88, com base nos Decretos-Leis nº 2302/86 e 2335/87. Hipótese em que a superveniência de lei nova, revogando a anterior e estabelecendo novos critérios de reajustes, atinge situações jurídicas já consolidadas segundo os critérios da lei anterior, ferindo direito dos trabalhadores. Ofensa ao princípio da irretroatividade das leis. Manutenção do julgado que deferiu os reajustes pretendidos. Recurso ordinário da demandada a que se nega provimento.”

Esta, portanto, a decisão rescindenda.

É certo que, após esse julgamento, foram interpostos os pertinentes recursos, que foram todos indeferidos. A esta Corte chegou o Agravo de Instrumento nº 167.399/RS, rel. Carlos Velloso, que, por não atender pressuposto recursal, também teve negado o seu seguimento, com decisão transitada em julgado em 10.02.95. Inquestionável, portanto, a tempestividade da Ação Rescisória proposta aos 30.03.95.

O acórdão, ao acolher a preliminar suscitada pelo Ministério Público do Trabalho, extinguiu o processo sem julgamento do mérito, por impossibilidade jurídica do pedido. É que entendeu que a ação estava voltada contra a sentença de 1º grau, então já substituída pela decisão exarada em 2º grau.

Princípio da legalidade: supremacia e reserva legal

A Constituição Federal de 1988 estabelece ser admissível recurso extraordinário quando a decisão recorrida contrariar algum de seus dispositivos, declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal ou julgar válida lei ou ato do governo local contestado em face do texto constitucional.

Assim, ao contrário do que se verifica em outras ordens constitucionais, que limitam, muitas vezes, o recurso constitucional aos casos de afronta aos direitos fundamentais, optou o constituinte brasileiro por admitir o cabimento do recurso extraordinário contra qualquer decisão que, em única ou última instância, contrariar a Constituição.

Portanto, a admissibilidade do recurso constitucional não está limitada, em tese, a determinados parâmetros constitucionais, como é o caso da Verfassungsbeschwerde na Alemanha (Lei Fundamental, art. 93, n. 4a), destinada, basicamente, à defesa dos direitos fundamentais.


Assinale-se, porém, que, mesmo nos sistemas que admitem o recurso constitucional apenas com base na alegação de ofensa aos direitos fundamentais, surgem mecanismos ou técnicas que acabam por estabelecer uma ponte entre os direitos fundamentais e todo o sistema constitucional, reconhecendo-se que a lei ou ato normativo que afronta determinada disposição do direito constitucional objetivo ofende, ipso jure, os direitos individuais, seja no que se refere à liberdade de ação, seja no que diz respeito ao princípio da reserva legal.

A Corte Constitucional alemã apreciou pela primeira vez a questão no chamado Elfes-Urteil, de 16.1.1957, deixando assente que uma norma jurídica lesa a liberdade de ação (Handlungsfreiheit) se contraria disposições ou princípios constitucionais, tanto no que se refere ao aspecto formal quanto no que diz respeito ao aspecto material (BverfGE 6, 32 (36 s.; 41).

No referido julgado explicitou a corte Constitucional alemã orientação que seria repetida e aperfeiçoada em decisões posteriores: “De tudo o que se afirmou, resulta que uma norma jurídica somente pode restringir, eficazmente, o âmbito da liberdade individual (allgemeine Handlungsfreiheit) se corresponder às exigências estabelecidas pela ordem constitucional. Do prisma processual, significa dizer: todos podem sustentar, na via do recurso constitucional, que uma lei que estabelece restrição à liberdade individual não integra a ordem constitucional, porque afronta, formal ou materialmente, disposições ou princípios constitucionais; (…)” (LF, art. 2, I) (BverfGE 6,32 (33)).

Tal como assinalado, essa decisão permitiu que o Bundesverfassungsgericht apreciasse, na via excepcional da Verfassungsbeschwerde (recurso constitucional), a alegação de afronta não apenas aos direitos fundamentais, mas a qualquer norma ou princípio constitucional.

É que, como observa Hans-Jürgen Papier, qualquer inconstitucionalidade de lei restritiva de direito configura, também, afronta aos direitos fundamentais: “O significado dos direitos fundamentais nos termos da Lei Fundamental não se limita mais exclusivamente a garantir a legalidade (Gesetzmässigkeit) das restrições impostas à liberdade individual pelo Executivo e pelo Judiciário. Mediante a vinculação do Poder Legislativo aos direitos fundamentais não se suprime, mas se reforça e se completa a função de proteção dos direitos fundamentais. Administração e Justiça necessitam para a intervenção nos direitos fundamentais de uma dupla autorização: Além da autorização legal (gesetzliche Ermächtigung) para a intervenção, deve-se exigir também uma autorização constitucional para a limitação dos direitos fundamentais. Se os direitos fundamentais da Lei Fundamental não se exaurem na legalidade do segundo e do terceiro Poder, surge, ao lado da reserva legal, a idéia de uma reserva da Constituição. Então afigura-se lícito admitir que, de uma perspectiva jurídico-material, os direitos fundamentais protegem contra restrições ilegais ou contra limitações sem fundamento legal levadas a efeito pelo Poder Executivo ou pelo Poder Judiciário. A legalidade da restrição ao direito de liberdade é uma condição de sua constitucionalidade; a violação à lei constitui uma afronta aos próprios direitos fundamentais (Die Gesetzmässigkeit des Freiheitseingriffs ist eine Bedingungseiner Verfassunmässigkeit, sein Gesetzesverstoss ist auf ieden Fall Grundrecht, svestoss) (PAPIER, Hans-Jürgen. “Spezifisches Verfassungsrecht’ und ‘Einfaches Recht’ als Argumentationsformal des Bundesverfassungsgerichts”, in Bundesverfassungsgericht un Gundgesetz, Tübingen, 1976, vol. I, p. 432 (433-434)).

Orientação semelhante é enfatizada por Klaus Schlaich, ressaltando que também a incompatibilidade entre as normas regulamentares e a lei formal enseja a interposição de recurso constitucional sob alegação de afronta a um direito geral de liberdade (SCHLAICH, Klaus. Das Bundesverfassungsgericht, Munique, 1985, p. 108).

Tal como enunciado por Pestalozza (PESTALOZZA, Christian. Verfassungsprozessrecht, 2ª ed., Munique, 1982, pp. 105-106), configuram-se hipóteses de afronta ao direito geral de liberdade (Lei Fundamental, art. 2, I) ou a outra garantia constitucional expressa:

? a não observância pelo regulamento dos limites estabelecidos em lei (Lei Fundamental, art. 80, I)(BverfGE 41, 88 (116); 42, 374 (385));

? a lei promulgada com inobservância das regras constitucionais de competência (BverfGE 38, 288 (298 s.); 40, 56 (60), 42, 20 (27));

? a lei que estabelece restrições incompatíveis com o princípio da proporcionalidade (BverfGE 38, 288 (298)).

Embora essa orientação pudesse suscitar alguma dúvida, especialmente no que se refere à conversão da relação lei/regulamento numa questão constitucional, é certo que tal entendimento parece ser o único adequado a evitar a flexibilização do princípio da legalidade, tanto sob a forma de postulado da supremacia da lei, quanto sob a modalidade de princípio da reserva legal.


Do contrário, restaria praticamente esvaziado o significado do princípio da legalidade, enquanto princípio constitucional em relação à atividade regulamentar do Executivo. De fato, a Corte Constitucional estaria impedida de conhecer eventual alegação de afronta, sob o argumento da falta uma ofensa direta à Constituição. Especialmente no que diz respeito aos direitos individuais, não há como deixar de reconhecer que a legalidade da restrição aos direitos de liberdade é uma condição de sua constitucionalidade.

Não há dúvida, igualmente, de que esse entendimento aplica-se integralmente ao nosso modelo constitucional, que consagra não apenas a legalidade como princípio fundamental (art. 5o, II), mas exige também que os regulamentos observem os limites estabelecidos pela lei (CF, art. 84, IV).

Decisão judicial sem base legal (ou fundada em uma falsa base legal) e Recurso Constitucional

Problema igualmente relevante coloca-se em relação às decisões de única ou de última instância que, por falta de fundamento legal, acabam por lesar relevantes princípios da ordem constitucional.

Uma decisão judicial que, sem fundamento legal, afete situação individual revela-se igualmente contrária à ordem constitucional, pelo menos ao direito subsidiário da liberdade de ação (Auffanggrundrecht) (SCHLAICH. Das Bundesverfassungsgericht, cit., p. 108).

Se se admite, como expressamente estabelecido na Constituição, que os direitos fundamentais vinculam todos os poderes e que a decisão judicial deve observar a constituição e a lei, não é difícil compreender que a decisão judicial que se revele desprovida de base legal afronta algum direito individual específico, pelo menos o princípio da legalidade.

A propósito, assinalou a Corte Constitucional alemã: “Na interpretação do direito ordinário, especialmente dos conceitos gerais indeterminados (Generalklausel) devem os tribunais levar em conta os parâmetros fixados na Lei Fundamental. Se o tribunal não observa esses parâmetros, então ele acaba por ferir a norma fundamental que deixou de observar; nesse caso, o julgado deve ser cassado no processo de recurso constitucional” (Verfassungsbeschwerde) (BverfGE 7, 198 (207); 12, 113 (124); 13, 318 (325) (BverfGE 18, 85 (92 s.); cf., também, ZUCK, Rüdiger. Das Recht der Verfassungsbeschwerde, 2ª ed., Munique, 1988, p. 220).

Não há dúvida de que essa orientação prepara algumas dificuldades, podendo converter a Corte Constitucional em autêntico Tribunal de revisão. É que, se a lei deve ser aferida em face de toda a Constituição, as decisões hão de ter a sua legitimidade verificada em face da Constituição e de toda a ordem jurídica. Se se admitisse que toda decisão contrária ao direito ordinário é uma decisão inconstitucional, ter-se-ia de acolher, igualmente, todo e qualquer recurso constitucional interposto contra decisão judicial ilegal (SCHLAICH. Das Bundesverfassungsgericht, cit., p. 109).

Enquanto essa orientação prevalece em relação à leis inconstitucionais, não se adota o mesmo entendimento no que concerne às decisões judiciais.

Por essas razões, procura o Tribunal formular um critério que limita a impugnação das decisões judiciais mediante recurso constitucional. Sua admissibilidade dependeria, fundamentalmente, da demonstração de que, na interpretação e aplicação do direito, o Juiz desconsiderou por completo ou essencialmente a influência dos direitos fundamentais, que a decisão se revela grosseira e manifestamente arbitrária na interpretação e aplicação do direito ordinário ou, ainda, que se ultrapassaram os limites da construção jurisprudencial (Cf., sobre o assunto, SCHLAICH. Das Bundesverfassungsgericht, cit., p. 109). Não raras vezes, observa a Corte Constitucional que determinada decisão judicial afigura-se insustentável, porque assente numa interpretação objetivamente arbitrária da norma legal (Sie beruth vielmehr auf schlechthin unhaltbarer und damit objektiv willkürlicher Auslegung der angewenderen Norm) (BverfGE 64, 389 (394)).

Assim, uma decisão que, v.g., amplia o sentido de um texto normativo penal para abranger uma dada conduta é considerada inconstitucional, por afronta ao princípio do nullum crimen nulla poena sine lege (LF, art. 103, II).

Essa concepção da Corte Constitucional levou à formulação de uma teoria sobre os graus ou sobre a intensidade da restrição imposta aos direitos fundamentais (Stufentheorie), que admite uma aferição de constitucionalidade tanto mais intensa quanto maior for o grau de intervenção no âmbito de proteção dos direitos fundamentais (ZUCK, Rüdiger. Das Recht der Verfassungsbeschwerd, 2a ed., Munique, 1968, p. 221).

Embora o modelo de controle de constitucionalidade exercido pelo Bundesverfassungsgericht revele especificidades decorrentes sobretudo do sistema concentrado, é certo que a idéia de que a não-observância do direito ordinário pode configurar uma afronta ao próprio direito constitucional tem aplicação também entre nós.


Essa conclusão revela-se tanto mais plausível se se considera que, tal como a Administração, o Poder Judiciário está vinculado à Constituição e às leis (CF, art. 5o, § 1o).

Por isso não se pode banalizar a invocação de suposta aplicação de direito infraconstitucional como forma de evitar o conhecimento da questão em sede extraordinária.

Na espécie, porém, não se faz mister aprofundar a discursão a propósito de lesão ao princípio da legalidade. É que, parece devidamente questionada a lesão ao princípio da prestação jurisdicional efetiva (art. 5º, XXXV).

Lesão de índole constitucional e aplicação do direito ordinário

Nas razões de recurso extraordinário alega-se a violação do art. 5º, II, XXXV, XXXVI, LIV e LV e do art. 93, IX, da Constituição Federal.

É fácil ver que o processamento da ação rescisória não deve ser obstado, tão-somente, pelo fato de o autor ter utilizado o termo sentença em lugar de acórdão.

É uma manifestação extremada do formalismo que afeta a proteção judicial efetiva. Assegura-se a preservação de uma situação contrária ao entendimento completamente dominante nesta Corte em nome do atendimento de uma exigência formal.

O texto legal dispõe:

“A sentença de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida…” (art. 485, do CPC).

Entretanto, a discussão não é, especificamente, quanto ao cabimento de ação rescisória contra sentença e/ou acórdão. Nesse ponto, doutrina e jurisprudência têm entendimento pacificado de que é amplo o sentido da expressão empregada na lei.

A propósito, transcrevo passagem de “Tratado da ação rescisória: das sentenças e de outras decisões”, Pontes de Miranda; atualizado por Vilson Rodrigues Alves, em conformidade com o novo Código Civil de 2002. Campinas: Bookseller, 2003. pág. 357:

“2. Erro no pedido. O fato de se pedir a rescisão da sentença, em vez dos acórdãos que a confirmaram, não constitui nulidade, nem causa para não-provimento (Corte de Apelação do Distrito Federal, 2 de maio de 1934; errado, o acórdão do Tribunal do Comércio da Corte, a 14 de março de 1872, OD I/276). Entende-se que houve, da parte do advogado, apenas lapso, ou falta de técnica processual suficiente. O vulgo pensa que a decisão confirmada é que é a decisão. Tribunal que confirmou, julgou. Daí erros de advogados e de tribunais. Em todo caso, há sempre o problema da competência para a cognição da ação rescisória.”

Na espécie, não ocorreu erro quanto à competência. A ação foi proposta no Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região – órgão competente para o julgamento rescisório de acórdãos de seus órgãos judicantes, bem como decisões de juízes de 1º grau, nos termos dos arts. 162 a 167 Seção II do Regimento Interno do TRT da 4ª Região (fonte: www.trt4.gov.br).

Ressalte-se, ainda, que o Supremo Tribunal Federal já se manifestou quanto à matéria que constitui o mérito da ação rescisória.

Ora, se ao Supremo Tribunal Federal compete, precipuamente, a guarda da Constituição Federal, é certo que a sua interpretação do texto constitucional deve ser acompanhada pelos demais Tribunais, em decorrência do efeito definitivo absoluto outorgado à sua decisão. Não se pode diminuir a eficácia das decisões do Supremo Tribunal Federal com a manutenção de decisões divergentes. Assim, se somente por meio do controle difuso de constitucionalidade, portanto, anos após as questões terem sido decididas pelos Tribunais ordinários, é que o Supremo Tribunal Federal veio a apreciá-las, é a ação rescisória, com fundamento em violação de literal disposição de lei, instrumento adequado para a superação de decisão divergente.

Contrariamente, a manutenção de soluções divergentes, em instâncias inferiores, sobre o mesmo tema, provocaria, além da desconsideração do próprio conteúdo da decisão desta Corte, última intérprete do texto constitucional, a fragilização da força normativa da Constituição.

A propósito, vale a lição de Konrad Hesse:

“(…) Um ótimo desenvolvimento da força normativa da Constituição depende não apenas do seu conteúdo, mas também de sua práxis. De todos os partícipes da vida constitucional, exige-se partilhar aquela concepção anteriormente por mim denominada vontade de Constituição (Wille zur Verfassung). Ela é fundamental, considerada global ou singularmente.

Todos os interesses momentâneos — ainda quando realizados — não logram compensar ganho resultante do comprovado respeito à Constituição, sobretudo naquelas situações em que a sua observância revela-se incômoda. Como anotado por Walter Burckhardt, aquilo que é identificado como vontade da Constituição ‘deve ser honestamente preservado, mesmo que, para isso, tenhamos de renunciar a alguns benefícios, ou até a algumas vantagens justas. Quem se mostra disposto a sacrificar um interesse em favor da preservação de um princípio constitucional fortalece o respeito à Constituição e garante um bem da vida indispensável à essência do Estado, mormente ao Estado democrático’. Aquele que, ao contrário, não se dispõe a esse sacrifício, ‘malbarata, pouco a pouco, um capital que significa muito mais do que todas as vantagens angariadas, e que, desperdiçado, não mais será recuperado.” (A Força Normativa da Constituição, Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1991, p. 21-22).


O não-processamento da ação rescisória pelo fato de o autor ter-se referido à sentença e não ao acórdão configura notória e negativa de prestação jurisdicional.

Dessa forma, conheço do recurso extraordinário por afronta ao princípio da prestação jurisdicional efetiva (art. 5º, XXXV) e dou-lhe provimento, para determinar a remessa dos autos ao Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, a fim de que aprecie a ação rescisória, como entender de direito.

1º Embargos de Decl. no AgRRE 395.662

R E L A T Ó R I O

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES — (Relator):

Cuida-se de Embargos de Declaração, com pedido de efeito modificativo, opostos contra acórdão desta Turma, assim ementado (fls. 1.818):

“EMENTA: Recurso extraordinário. Agravo regimental. 2. Ação rescisória. Extinção do feito, sem julgamento do mérito, por impossibilidade jurídica do pedido. 3. Entendimento no sentido de que o autor pretendia rescindir a sentença, em vez de buscar a desconstituição do acórdão que a substituiu. 3. Formalismo excessivo que afeta a prestação jurisdicional efetiva. Erro no pedido que não gera nulidade, nem causa para o não-provimento. 4. Força normativa da Constituição. Jurisprudência do STF quanto à matéria que constitui objeto da ação rescisória. 5. Recurso extraordinário provido. Remessa ao TRT da 4ª Região, a fim de que aprecie a ação rescisória, como entender de direito.”

Lorita Scanagata e Outros sustentam, em suas razões:

“3. No que se refere à deserção do recurso extraordinário, o v. acórdão ora embargado houve por bem afastá-la, sob o fundamento de que: ‘Tenho como irrelevante a argüição feita pelo ilustre advogado, tendo em vista tratar-se de uma empresa prestadora de serviço público com isenção do pagamento de custas, conforme agora esclarecido’ (fl. 1.814).

4. Com todas as vênias, ao assim decidir, o v. acórdão embargado apresenta-se eivado de omissão, dado que não consigna o fundamento legal que ampara a alegada isenção do pagamento de custas. Ademais, o acórdão embargado apresenta erro material, porquanto adotou uma premissa equivocada, uma vez que semelhante isenção não existe. A apreciação específica do fundamento legal da alegação de deserção, a colmatar a lacuna existente e corrigir o pressuposto defeituoso, indica a absoluta pertinência daquela preliminar, não havendo alternativa senão a do acolhimento da deserção. Ao examinar matéria, a Colenda Turma supôs, sem adentrar no cotejo indispensável das normas aplicáveis à espécie, que o Hospital de Clínicas de Porto Alegre gozaria de isenção que efetivamente não lhe assiste.

(…)

11. No caso dos autos, contudo, nada há que justifique a concessão de privilégio processual reativo à isenção de custas processuais, haja vista o fato de o Hospital de Clínicas de Porto Alegre, na qualidade de empresa pública, ser detentor de personalidade jurídica de direito privado. Por outro lado, seus recursos financeiros advém, dentre outras fontes, ‘de rendas auferidas por serviços prestados’ (art. 5º, ‘a’, da Lei no 5.604/70), o que deixa evidente tratar-se de empresa que concorre com outros hospitais privados, mas que, em descompasso com o disposto no artigo 173, §§ 2o e 3o, da CF (redação original), encontra-se sujeita a regime tributário privilegiado, ex vi do artigo 15 da referida Lei no 5.604/70, que confere ao HCPA isenção de tributos federais.

13. Assim, acaso se conclua que a isenção de custas proclamada no v. acórdão baseia-se no referido artigo 15 da Lei no 5.604/70, há que ser examinada, a título de saneamento de omissão, a compatibilidade do dispositivo legal com os arts. 5o, caput, I, LIV e 173, §§ 2o e 3o, da Lei Maior.

14. Porém, não é só. Há que se ser examinada, ainda na hipótese de se concluir que a isenção de custas proclamada no v. acórdão baseia-se no referido artigo 15 da Lei no 5.604/70, a inaplicabilidade do referido dispositivo legal ao caso dos autos, por haver sido revogado pelas Leis nos 6.032/74 e 9.289/96, que dispõem especificamente sobre o regime de pagamento de custas no âmbito da Justiça Federal, e pelo Decreto-lei no 779/69, que disciplina a mesma matéria, de forma também específica, no âmbito do processo trabalhista.

(…)

18. Veja-se que os dispositivos legais acima disciplinam específica e integralmente a questão atinente à isenção de custas, não enumerando dentre os seus beneficiários as empresas públicas. Nesse contexto, não há como se pretender aplicar o disposto no artigo 15 da Lei no 5.604/70, que contempla o HCPA, de forma genérica, com mera isenção tributária, quando os artigos 9o da Lei no 6.302/74, 4o da lei no 9.289/96 e 1o do Decreto-lei no 779/69 regularam em sua totalidade a matéria atinente à isenção de custas judiciais.


19. Registre-se, por fim, com reforço à deserção do recurso extraordinário interposto pelo Hospital de Clínicas de Porto Alegre, que este paradoxalmente efetuou o pagamento das custas previstas no artigo 790 da CLT por ocasião da interposição do recurso ordinário para o Colendo Tribunal Superior do Trabalho (fl. 1.521). Também procedeu ao pagamento do preparo previsto no artigo 511 do CPC, por ocasião da interposição do agravo de instrumento destinado a processar seu recurso extraordinário, que fora obstado no primeiro juízo de admissibilidade (fl. 14 dos autos em apenso). Assim não procedeu, contudo, apenas quando da interposição do próprio recurso extraordinário, conforme se extrai das razões recursais acostadas a fls. 1.660/1.681 e 1.695/1.718, em que se verifica ter o Hospital se limitado a efetuar o depósito recursal previsto no artigo 899 da CLT.

20. Aliás, a orientação que o próprio HCPA tem seguido em sua atuação forense é exatamente de realizar todos os pagamentos, ante a caudal e já tranqüila jurisprudência neste sentido.

21. Ora, e se o próprio Recorrente efetuou o depósito recursal ao ensejo do recurso extraordinário foi porque sabia que sobre si incidia o dever de satisfazer o ônus processual relativo ao preparo, razão pela qual foi indevida a alegação da tribuna, em esclarecimento de fato durante o julgamento do agravo regimental, como se fez, que norma legal garante isenção à Empresa. Foi um esquecimento, um erro grosseiro inescusável, que não poderia levar o HCPA a tergiversar da tribuna da Corte Suprema, a esta altura, fazendo essa Egrégia Turma incorrer em erro ao dar fé à afirmação da ilustre Procuradora, razão pela qual merece a pecha de má-fé processual, data vênia, condenação que os Embargantes esperam seja devidamente imposta no julgamento destes embargos.

(…)

28. No que tange ao caso dos autos, os arestos acima em tudo se mostram pertinentes, dado que o v. acórdão ora embargado, data máxima vênia, tem toda a sua fundamentação assentada em uma premissa incorreta, qual seja, a de que o Hospital de Clínicas de Porto Alegre, na petição inicial da ação rescisória, ao formular o pedido de rescisão, valeu-se do termo ‘sentença’ em seu sentido amplo, ou seja, na acepção genérica adotada pelo legislador no caput do artigo 485 do CPC. Para que se chegue a essa conclusão, basta que se atente para a fundamentação lançada à fl. 2.699, in verbis:

‘É fácil de ver que o processamento da ação rescisória não deve ser obstado, tão-somente, pelo fato de o autor ter utilizado o termo sentença em lugar de acórdão.

É uma manifestação extremada do formalismo que afeta a proteção judicial efetiva. Assegura-se a preservação de uma situação contrária ao entendimento desta Corte em nome do atendimento de uma exigência formal.

O texto legal dispõe:

‘A sentença de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida…’(art. 485, do CPC).’

E, de fato, no voto prolatado pela Excelentíssima Senhora Ministra Ellen Gracie, a premissa equivocada mostra o real efeito que produziu na convicção dos demais integrantes do Eg. Colegiado. Ao acompanhar o voto prolatado por Vossa Excelência, a eminente Ministra deixou consignado os seguintes fundamentos à fl. 2.705, in verbis:

‘Creio que seria um exagero de formalismo insistirmos em que a parte desse uma denominação exata ao acórdão que estava sendo atacado, até porque a redação do artigo de lei menciona sentença, e quando diz sentença, e quando diz sentença o faz em sentido amplo.’.

30. É de se destacar, entretanto, conforme registra o v. acórdão impugnado pela via do recurso extraordinário, que o Hospital de Clínicas de Porto Alegre em nenhum momento utilizou-se do termo sentença genericamente, como sinônimo de decisão na forma proposta no artigo 485 do CPC. E essa premissa está registrada a fls. 1.607/1.609 dos autos. Com efeito, à fl. 1.608, o C. Tribunal Superior do Trabalho deixou claríssimo que ‘a decisão embargada registrou a opção do autor em desconstituir a sentença e não a decisão que a substituiu’. Mais adiante, em fundamentação que se estendeu à fl. 1.609, acrescentou ainda que, in verbis:

‘Apesar de não ter sido a palavra sentença empregada no caput do art. 485 do CPC com o rigor do art. 162, § 1o, verifica-se que no item 19 da petição inicial a autora fez menção distinta entre sentença e acórdão, elidindo a presunção de existência de erro material na utilização da terminologia ‘sentença’, como indicação de decisão judicial definitiva.

[…]

Em função da evidência de o acórdão embargado não padecer dos vícios que lhe foram imerecidamente irrogados, impõe-se a rejeição dos embargos, sem que tal induza à absurda idéia de violação aos art. 5o, arts. 5o, II, XXX, XXXVI, LIV e LV da Carta Magna e 284 do CP.’ (sic. — fls. 1.608/1.609 — destaques pelos Embargantes).


31. E, de fato, compulsando-se a petição inicial, verifica-se que o Hospital fez, de maneira clara e inconteste, a distinção entre sentença de primeiro grau e acórdão, ao argumentar que (fl. 5): ‘É cristalino que a r. sentença, assim como o v. acórdão violaram os arts. 5o, XXXVI, da Constituição Federal/88; 6o da Lei de Introdução ao Código Civil; como também os Decretos-Lei nos 2.335/87 e 2.453/88.’ (destacou-se).

32. No pedido, entretanto, deixou clara a sua opção de rescindir apenas a sentença (decisão de primeiro grau), ao postular: ‘A rescisão da sentença para declarar a ilegalidade e inconstitucionalidade da decisão com novo julgamento de improcedência.’ (destacou-se).”

Em face do requerimento de atribuição de efeitos infringentes, determinei a manifestação da embargada, que o fez, às fls. 1841-1847, pugnando pela rejeição dos embargos declaratórios, ante a ausência de omissão a ser suprida. E, no mérito, sustenta que a discussão situa-se no âmbito infraconstitucional.

É o relatório.

V O T O

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES – (Relator):

Os embargantes não conseguiram demonstrar o desacerto da decisão embargada.

Quanto à alegada omissão do fundamento legal da isenção do de pagamento das custas processuais, ainda que os embargantes tenham questionado a matéria na sessão de julgamento do agravo regimental, não é possível, nesta fase processual, inovar o feito, trazendo à discussão temas ou questões complementares, que não foram objeto da decisão (AgRRE 216.936, 2ª T., Rel. Néri da Silveira, DJ 22.05.98 e AgRRE 121.025, 1ª T., Rel. Ellen Gracie, DJ 08.11.02). Não se verifica, pois, ocorrência de omissão no julgamento do agravo.

O recurso de embargos de declaração é cabível para demonstrar a ocorrência de omissão, contradição ou obscuridade da decisão embargada (art. 535, do CPC). No presente caso, o acórdão não incorreu em qualquer dessas hipóteses.

Verifica-se que os embargantes buscam, com a rediscussão da matéria decidida no acórdão recorrido, obter efeitos infringentes no julgado, contrariando a jurisprudência desta Corte. Neste sentido, v. g., o EDAgRAI 252.559, 2ª T., Rel. Maurício Corrêa, DJ 26.05.00, assim ementado:

“EMENTA: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. REDISCUSSÃO DA CONTROVÉRSIA. EFEITOS INFRINGENTES. IMPOSSIBILIDADE.

Rediscussão da controvérsia com o fito de obter efeitos infringentes ao julgado. Hipótese não prevista no artigo 535 do Código de Processo Civil.

Embargos de declaração rejeitados.”

Assim, rejeito os embargos de declaração.

EMENTA: Embargos de declaração em agravo regimental em recurso extraordinário. 2. Inocorrência de omissão, contradição ou obscuridade. 3. Efeitos infringentes. Impossibilidade. Precedentes. 4. Embargos de declaração rejeitados.

2º Embargos de Decl. no AgRRE 395.662

RELATÓRIO

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES — (Relator):

Cuida-se de embargos de declaração opostos contra acórdão desta Turma, assim ementado (fl. 1.863):

“EMENTA: Embargos de declaração em agravo regimental em recurso extraordinário. 2. Inocorrência de omissão, contradição ou obscuridade. 3. Efeitos infringentes. Impossibilidade. Precedentes. 4. Embargos de declaração rejeitados.”

Lorita Scanagata e Outros sustentam, em suas razões:

“Antes de adentrar o exame de vícios existentes no v. acórdão embargado, todos aptos a legitimar estes novos declaratórios, data venia, urge salientar imperiosa necessidade de sua oposição. E isto, no caso, decorre do fato de que, conforme demonstrado nos primeiros embargos de declaração e nos memoriais distribuídos no âmbito dessa Excelsa Corte, a isenção de custas invocada pelo Hospital é repelida pela jurisprudência, não só dos C. Tribunal Regional Federal da 4ª Região e do Superior Tribunal de Justiça, mas também dessa Excelsa Corte, conforme evidencia o acórdão lavrado nos autos do Agravo Regimental em Agravo de Instrumento nº 239.474-2/RG (Rel. Nelson Jobim — DJ de 5/11/99).

[…]

A oposição dos embargos de divergência, contudo, não prescinde do exame integral da matéria pelo acórdão a ser impugnado, ainda mais quando se sabe que a deserção recursal e a isenção de custas são passíveis de apreciação ex officio. Por isso mesmo, de crucial importância se revestem os presentes declaratórios, cujo acolhimento se requer, a fim de que integralize a prestação jurisdicional, pelos fundamentos que se passa a expor.

[…]

No que se refere à omissão quanto ao fundamento legal da isenção de pagamento de custas processuais, o v. acórdão ora embargado houve por bem rejeitar os declaratórios primitivamente opostos. Para tanto, após afirmar que a matéria relativa à deserção foi suscitada na sessão de julgamento do agravo regimental, asseverou inexistir a omissão articulada, sob o fundamento que os argumentos trazidos nos declaratórios são inovadores e configuram ‘temas ou questões complementares, que não foram objeto da decisão’ (fl. 1.861).

Com efeito, contra o v. acórdão do C. Tribunal Superior do Trabalho, que julgou extinta a ação rescisória por impossibilidade jurídica do pedido, o Hospital das Clínicas de Porto Alegre interpôs recurso extraordinário, que teve seu seguimento negado monocraticamente pelo Excelentíssimo Senhor Ministro Carlos Velloso, relator originário do feito. Contra essa decisão, o Hospital ingressou com agravo regimental, que foi acolhido, por maioria, vencido o relator, ensejando o provimento do recurso extraordinário patronal. Antes do julgamento, porém, por meio de memoriais distribuídos e de esclarecimento de fato efetuado da tribuna, a deserção foi suscitada, tendo sido afastada mediante aplicação de isenção de custas, sem contudo, a indicação do respectivo fundamento legal.

Nesse contexto, revela-se correto v. acórdão ora embargado ao afirmar que: ‘ainda que os embargantes tenham questionado a matéria na sessão de julgamento do agravo regimental…’. em outras palavras, o v. acórdão acertadamente admite a hipótese de que a matéria atinente à deserção do recurso extraordinário patronal e à isenção de custas foi suscitada por ocasião do julgamento do agravo regimental.

Ressalta-se, por outro lado, que referida matéria é de cognição ex officio, por situar-se dentre os pressupostos de admissibilidade do recurso extraordinário. Não por outra razão, aliás, que o tema foi objeto de expressa decisão pela Eg. Turma à fl. 1.814, quando foi deferida a isenção de custas, muito embora sem a indicação do fundamento legal.

Ocorre que, embora afirme que a questão foi suscitada, o v. acórdão, contraditoriamente, conclui que o pedido de explicitação do fundamento legal ensejador da isenção de custas é inovador, constituindo ‘temas ou questões complementares que não foram objeto da decisão’.

Com a maxima venia, a contradição é evidente. E isso porque, se a deserção é matéria de cognição ex officio e, como admite o v. acórdão, foi suscitada no momento oportuno, ou seja, quando do julgamento que proveu o recurso extraordinário patronal, por certo que de inovação não se pode falar.

[…]

Realmente, se deserção e isenção de custas são matérias de conhecimento ex officio, evidentemente que se trata de ponto sobre o qual deveria esse Eg. Tribunal haver se pronunciado por ocasião do julgamento do recurso, independentemente mesmo de qualquer argüição das partes.

No caso, entretanto, o v. acórdão afirma, não só que houve argüição pelos ora Embargantes, mas também que as questões relacionadas com a deserção e com a isenção de custas ‘não foram objeto da decisão’.

Clarividente, portanto, que as premissas acima conduzem à conclusão de que houve omissão quanto ao fundamento legal autorizador da isenção de custas deferidas, pelo que os declaratórios mereciam acolhimento. Diverso, contudo, foi o comando lançado na parte dispositiva, expresso ao rejeitar os embargos de declaração.

[…]

Porém, não é só. Com a máxima venia, o v. acórdão embargado, incide também em omissão, ao afirmar que a questão atinente à isenção de custas é inovadora, constituindo ‘temas ou questões complementares, que não foram objeto da decisão’. E isso ocorre porque não examinou a fundamentação do v. acórdão de fls. 1.789/1.818, na parte em que foi, de forma sucinta, decidida a questão.

Realmente, à fl. 1.814, o v. acórdão que proveu o recurso extraordinário patronal, ao afastar a deserção articulada, foi enfático ao consignar: ‘Tenho como irrelevante a argüição feita pelo ilustre advogado, tendo em vista tratar-se de uma empresa prestadora de serviço público com isenção do pagamento de custas, conforme agora esclarecido (destacou-se).

Nesse contexto, resta claro que a questão atinente à isenção de custas foi objeto de decisão. Por essa razão, a conclusão em sentido contrário lançada pelo v. acórdão ora embargado certamente foi fruto de omissão no exame dos fundamentos lançados pela Eg. Turma à fl. 1.814, que, assim, merece ser igualmente sanada.”


É o relatório.

VOTO

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES – (Relator):

Os recorrentes se insurgem contra o acórdão embargado, alegando, basicamente, a falta de recolhimento das custas quando da propositura da ação rescisória e do preparo do recurso extraordinário.

Afirmam, para tanto, que o acórdão recorrido teria admitido a discussão sobre o recolhimento ou não das custas para a posteriori afirmar que o recorrente estaria inovando as razões quando da interposição dos embargos de declaração.

Cumpre ressaltar, a princípio, que não procede a alegação de falta de preparo do recurso extraordinário interposto pelo Hospital das Clínicas de Porto Alegre, haja vista que o mesmo foi devidamente efetuado, conforme se verifica às fls. 1.681.

Razão, também, não assiste aos embargantes quando alegam que o acórdão recorrido teria admitido a discussão sobre o recolhimento das custas. Podemos destacar do voto proferido nos primeiros embargos de declaração:

“Quanto à alegada omissão do fundamento legal da isenção do de pagamento das custas processuais, ainda que os embargantes tenham questionado a matéria na sessão de julgamento do agravo regimental, não é possível, nesta fase processual, inovar o feito, trazendo à discussão temas ou questões complementares, que não foram objeto da decisão (AgRRE 216.936, 2ª T., Rel. Néri da Silveira, DJ 22.05.98 e AgRRE 121.025, 1ª T., Rel. Ellen Gracie, DJ 08.11.02). Não se verifica, pois, ocorrência de omissão no julgamento do agravo.”

Resta cristalino que foi consignado que não poderia a parte inovar os argumentos, não tratados pelo Tribunal a quo, na Corte Suprema, mesmo que de ordem pública, conforme entendimento firmado por esta Corte, v.g., AgRRE 216.936, 2ª T., Rel. Néri da Silveira, DJ 22.05.98, AgREDRE 254.921, Rel. Sepúlveda Pertence, 1ª T., DJ 13.08.04 e AgRRE 121.025, 1ª T., Rel. Ellen Gracie, DJ 08.11.02). Os próprios embargantes afirmam que só argüiram a matéria por ocasião do julgamento do agravo regimental, conforme disposto nas razões dos embargos de declaração:

Antes do julgamento, porém, por meio de memoriais distribuídos e de esclarecimento de fato efetuado da tribuna, a deserção foi suscitada, tendo sido afastada mediante aplicação de isenção de custas, sem contudo, a indicação do respectivo fundamento legal.

De qualquer sorte, o Rel. Carlos Velloso consignou em seu voto, que entendia ser irrelevante a discussão a cerca do recolhimento das custas, por entender ser hipótese de isenção, conforme trecho que agora transcrevo:

“Tenho como irrelevante a argüição feita pelo ilustre advogado, tendo em vista tratar-se de uma empresa prestadora de serviço público com isenção do pagamento de custas, conforme agora esclarecido.”

Ressalta-se que o recurso de embargos de declaração é cabível para demonstrar a ocorrência de omissão, contradição ou obscuridade da decisão embargada (art. 535, do CPC). No presente caso, o acórdão não incorreu em qualquer dessas hipóteses.

Verifica-se que os embargantes buscam, com a rediscussão da matéria decidida no acórdão recorrido, obter efeitos infringentes no julgado, contrariando a jurisprudência desta Corte. Neste sentido, v. g., o EDAgRAI 252.559, 2ª T., Rel. Maurício Corrêa, DJ 26.05.00, assim ementado:

“EMENTA: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. REDISCUSSÃO DA CONTROVÉRSIA. EFEITOS INFRINGENTES. IMPOSSIBILIDADE.

Rediscussão da controvérsia com o fito de obter efeitos infringentes ao julgado. Hipótese não prevista no artigo 535 do Código de Processo Civil.

Embargos de declaração rejeitados.”

Assim, rejeito os embargos e aplico multa de 1% (um por cento) sobre o valor da causa, nos termos do art. 538, parágrafo único, do CPC, tendo em vista o caráter nitidamente protelatório do presente recurso. Determino, ainda, a baixa dos autos à Corte de origem, com o imediato cumprimento da decisão objeto do recurso extraordinário, independentemente de trânsito em julgado do acórdão.

EMENTA: Embargos de declaração em embargos de declaração em agravo regimental em recurso extraordinário. 2. Inocorrência de omissão, contradição ou obscuridade. 3. Efeitos infringentes. Impossibilidade. Precedentes. 4. Caráter Protelatório. Aplicação de multa. 1 % (um por cento) sobre o valor da causa. Art. 538, parágrafo único do CPC. 5. Embargos de declaração rejeitados, determinando-se a baixa e o cumprimento imediato do acórdão objeto do recurso extraordinário, independentemente do seu trânsito em julgado.

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