Contra reforma

Associação de Juizes entra com ADI contra Reforma do Judiciário

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25 de janeiro de 2005, 15h15

A Ajufe – Associação de Juizes Federais protocola agora à tarde no Supremo Tribunal Federal uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) contestando parte do texto da recém aprovada Reforma do Judiciário – a que envolve a competência para julgar as ações dos servidores estatutários.

O Senado aprovou a manutenção dessa competência para a Justiça Federal, como é atualmente, mas o texto que foi promulgado em 8 de dezembro e publicado no Diário Oficial em 31 de dezembro último manteve a redação da Câmara, que dá essa competência à Justiça do Trabalho.

Na verdade a Ajufe está denunciando uma fraude. A tramitação normal do processo legislativo prevê que o texto de um projeto modificado no Senado seja devolvido para discussão e aprovação na Câmara. “ o texto que acabou sendo publicado foi o oriundo da Câmara dos Deputados, que não trazia essa exceção votada pelo Senado, “Há, portanto, uma incorreção, uma inconstitucionalidade formal, pois foi promulgado um texto que não foi votado nas duas Casas”, afirma Jorge Maurique, presidente da Ajufe, em nota oficial. “Isso decorreu de uma atitude da Mesa, sem que houvesse qualquer votação posterior. O que pretendemos com a Adin é preservar a competência da Justiça Federal na matéria: atualmente, é ela quem julga as ações relacionadas aos servidores estatutários”.

Leia íntegra da Nota da Ajufe

Brasília, 25 de janeiro de 2005

AJUFE ajuíza hoje Adin no STF

pela competência para julgar estatutários

O presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (AJUFE), Jorge Maurique, protocola hoje no Supremo Tribunal Federal (STF) uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin), contestando artigo do texto da reforma do Judiciário que suprimiu a autonomia da Justiça Federal para julgar ações envolvendo as relações de trabalho de servidores estatutários.

A decisão de apelar à via judicial foi tomada depois que a AJUFE verificou a existência de duas redações diferentes para o inciso I do artigo 114 na proposta de emenda à Constituição nº 45/04 (a da Reforma do Judiciário). O texto aprovado no Senado em 17 de novembro continha a seguinte redação para o artigo 114, I:

“Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:

I – as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, exceto os servidores ocupantes de cargos criados por lei, de provimento efetivo ou em comissão, incluídas as autarquias e fundações públicas dos referidos entes da Federação”.

Mas o texto que acabou sendo publicado foi o oriundo da Câmara dos Deputados, que não trazia essa exceção votada pelo Senado, “Há, portanto, uma incorreção, uma inconstitucionalidade formal, pois foi promulgado um texto que não foi votado nas duas Casas”, afirma Jorge Maurique. “Isso decorreu de uma atitude da Mesa, sem que houvesse qualquer votação posterior. O que pretendemos com a Adin é preservar a competência da Justiça Federal na matéria: atualmente, é ela quem julga as ações relacionadas aos servidores estatutários”.

O texto da PEC 45/04 foi promulgado pelo Senado em 08/12 e publicado no Diário Oficial de 31/12.

Leia a íntegra da ADI

EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO PRESIDENTE

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

BRASÍLIA, DF

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE

COM PEDIDO DE MEDIDA CAUTELAR

ASSOCIAÇÃO DOS JUÍZES FEDERAIS DO BRASIL — AJUFE, entidade de classe de âmbito nacional, representativa da categoria específica da magistratura federal de 1º e 2º graus, em todos os Estados da Federação, sem fins lucrativos, inscrita no CNPJ/MF sob nº 139.716.68/0001-28, com sede no SRTVS, Quadra 701, Bloco H, Ed. Record, sala 402, nesta Capital Federal, com Estatuto Social devidamente registrado no 2º Cartório de Registro de Títulos, Documentos e Pessoas Jurídicas do Distrito Federal sob o nº 5347, em 15 de fevereiro de 2000, representada por seu Presidente, Jorge Antonio Maurique, brasileiro, casado, juiz federal, por seus procuradores abaixo firmados Paulo Roberto Saraiva da Costa Leite, OAB/DF 3.333, que recebe intimações no SHIS, QL 8, conjunto 01, casa 12, CEP 71.620-215, em Brasília, DF, José Luis Wagner, OAB/DF nº 17.183 e Rudi Meira Cassel, OAB/RS nº 49.862, que recebem intimações no Setor Bancário Sul, Quadra 1, Bloco K, Edifício Seguradoras, salas 908/913, em Brasília, DF, com fulcro no art. 103, IX, da Constituição Federal, e no artigo 2°, IX, da Lei n° 9.868/99, vem, respeitosamente, propor a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE COM PEDIDO DE MEDIDA CAUTELAR contra o inciso I do artigo 114 da Constituição Federal, na redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, publicada no Diário Oficial da União em 31 de dezembro de 2004, seção 1 , páginas 9 a 12, sob os fundamentos de fato e de direito expostos a seguir.


DOS FATOS E DO DISPOSITIVO IMPUGNADO: INCISO I DO ARTIGO 114 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988, NA REDAÇÃO DAda pela EMENDA CONSTITUCIONAL N° 45/2004

A proposta de se alterar o funcionamento do Poder Judiciário, em busca de uma prestação jurisdicional mais célere e eficaz, teve início no ano de 1992 mediante a apresentação da Proposta de Emenda Constitucional nº 96/1992(1), pelo então Deputado Federal Hélio Bicudo.

Oito anos depois da proposta inicial foi que a Deputada Federal Zulaiê Cobra apresentou relatório à Câmara dos Deputados, que então aprovou, em dois turnos, a referida PEC. Também em 2000, agora como Proposta de Emenda Constitucional nº 29/2000(2), foi enviada à apreciação do Senado Federal.

Finalmente foi promulgada a Emenda Constitucional nº 45, publicada em 31 de dezembro de 2004.

Ocorre que a redação dada ao inciso I do artigo 114 da Constituição Federal, veiculado pelo artigo 1° daquela emenda, requer atenção especial, eis que evidentemente eivada de vícios. Tal fato será demonstrado a seguir, pelo relato detalhado das normas pertinentes e dos procedimentos adotados pelas Casas Legislativas.

Dizia o artigo 114 da Lei Maior, na redação anterior à EC nº 45/2004:

“Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos entre trabalhadores e empregadores, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta dos Municípios, do Distrito Federal, dos Estados e da União, e, na forma da lei, outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, bem como os litígios que tenham origem no cumprimento de suas próprias sentenças, inclusive coletivas.

§ 1º Frustrada a negociação coletiva, as partes poderão eleger árbitros.

§ 2º Recusando-se qualquer das partes à negociação ou à arbitragem, é facultado aos respectivos sindicatos ajuizar dissídio coletivo, podendo a Justiça do Trabalho estabelecer normas e condições, respeitadas as disposições convencionais e legais mínimas de proteção ao trabalho.

§ 3º Compete ainda à Justiça do Trabalho executar, de ofício, as contribuições sociais previstas no art. 195, I, a, e II, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir. (Parágrafo acrescentado pelo artigo 1º da Emenda Constitucional nº 20, publicada em 16.12.98) ”

Por sua vez, a Câmara dos Deputados, ao apreciar a Proposta de Emenda Constitucional nº 96/1992 para alteração do artigo anteriormente citado, aprovou em dois turnos uma redação para o artigo 115 que, entre suas novidades, ganhou um inciso I, na forma seguinte:

“Art.115. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:

I – as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;

(…)”

(sem grifos no original)

Regularmente aprovado o texto da PEC nº 96/1992 pela Câmara dos Deputados, a Proposta de Emenda à Constituição foi enviada à apreciação do Senado Federal, como PEC n° 29/2000, tendo sido designado como relator o Senador José Jorge.

Na Casa Revisora, de acordo com o Parecer nº 451, de 2004, exarado pela Comissão de Constituição, Cidadania e Justiça, foi apresentada a Emenda n° 240, dividindo a proposta originária entre (a) texto destinado à promulgação e (b) texto destinado ao retorno para a Câmara dos Deputados.

No texto destinado à promulgação, foi operada a renumeração do artigo 115 aprovado pela Câmara, que passou a ser artigo 114; também foi aprovada emenda de redação sugerida pelo relator, inserindo uma expressão restritiva da competência da Justiça do Trabalho, no inciso I do artigo 114, excluindo expressamente da previsão desse dispositivo os servidores ocupantes de cargos criados por lei, de provimento efetivo ou em comissão, de tais entes e de suas autarquias e fundações públicas.

Eis como ficou o mencionado artigo, na redação sugerida para a PEC 29/2000 e destinada à promulgação:

“Art.114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:

I — as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, exceto os servidores ocupantes de cargos criados por lei, de provimento efetivo ou em comissão, incluídas as autarquias e fundações públicas dos referidos entes da federação.”

(sem grifos no original)

Essa redação foi devidamente aprovada em primeiro turno no plenário do Senado; no segundo turno, a PEC 29/2000 foi novamente aprovada, mediada pelo Parecer da CCJ n° 1747, de 2004, com a mesma expressão consignada na primeira votação.


Em paralelo ao Parecer 1747/2004, a CCJ também apresentou o Parecer n° 1748/2004, no qual repetiu a sugestão de redação do inciso I do artigo 114, desta vez destinada a retornar para a Câmara dos Deputados, sob a designação de PEC 29-A/2000(3).

Em resumo, quer para promulgação imediata (PEC 29/2000 – Emenda Constitucional n° 45/2000), quer para composição do texto que retornaria para reapreciação da Câmara dos Deputados (PEC 29-A/2000), o inciso I do artigo 114 da CF/88 foi aprovado com a exclusão dos “servidores ocupantes de cargos criados por lei, de provimento efetivo ou em comissão, incluídas as autarquias e fundações públicas”, vinculados à União, Estados, Distrito Federal ou Municípios.

Nesse contexto, a questão poderia ter sido resolvida sob dois enfoques distintos:

1º) a Câmara dos Deputados não pretendia excluir os referidos servidores da competência da Justiça do Trabalho e a alteração inserida pelo Senado (Casa Legislativa Revisora da PEC) na proposta encaminhada pela primeira (Casa Legislativa Iniciadora da PEC), contrariou a vontade legislativa inicial e promoveu mudança de mérito significativa no inciso I do artigo 114 da Constituição Federal de 1988; ou

2º) a Câmara dos Deputados pretendia, desde o início, a exclusão daqueles servidores e a alteração inserida pelo Senado Federal apenas tornou explícita essa intenção originária, mediante a emenda de redação do relator, aprovada pela CCJ e pelos dois turnos de votação.

Surpreendentemente, e contrariando as soluções jurídicas que seriam logicamente aplicáveis a qualquer um dos enfoques acima mencionados, e viesse a ser adotado, o texto do artigo 114, promulgado e personificado na Emenda Constitucional nº 45/2004, foi o seguinte:

“Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:

I – as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;

II – as ações que envolvam exercício do direito de greve;

III – as ações sobre representação sindical, entre sindicatos, entre sindicatos e trabalhadores, e entre sindicatos e empregadores;

IV – os mandados de segurança, habeas corpus e habeas data , quando o ato questionado envolver matéria sujeita à sua jurisdição;

V – os conflitos de competência entre órgãos com jurisdição trabalhista, ressalvado o disposto no art. 102, I, o;

VI – as ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho;

VII – as ações relativas às penalidades administrativas impostas aos empregadores pelos órgãos de fiscalização das relações de trabalho;

VIII – a execução, de ofício, das contribuições sociais previstas no art. 195, I, a , e II, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir;

IX – outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, na forma da lei.

§ 1º – Frustrada a negociação coletiva, as partes poderão eleger árbitros.

§ 2º Recusando-se qualquer das partes à negociação coletiva ou à arbitragem, é facultado às mesmas, de comum acordo, ajuizar dissídio coletivo de natureza econômica, podendo a Justiça do Trabalho decidir o conflito, respeitadas as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho, bem como as convencionadas anteriormente.

§ 3º Em caso de greve em atividade essencial, com possibilidade de lesão do interesse público, o Ministério Público do Trabalho poderá ajuizar dissídio coletivo, competindo à Justiça do Trabalho decidir o conflito.”

(sem grifos no original)

Como se vê, no momento da promulgação da emenda constitucional foi simplesmente desconsiderado o texto integral aprovado no Senado Federal, sendo promulgado somente parte do mesmo, gerando um inciso I mais genérico e sem o esclarecimento sabiamente acrescido pelos legisladores dessa Casa Revisora.

O resultado desse procedimento foi a promulgação de um inciso I ao novo artigo 114 em afronta direta ao previsto no § 2° do artigo 60 da Constituição Federal de 1988.

Na melhor hipótese, o texto foi promulgado com margem à interpretação duvidosa e sem a redação consensual adequada, qual seja, a que inclui a explicitação feita pelo Senado Federal e, nessa hipótese, somente poderia adquirir harmonia com o restante do texto constitucional mediante interpretação conforme ao mesmo.

Em qualquer caso, o proceder inconstitucional produz seus frutos nefastos e imediatos para todos os operadores jurídicos e, em especial, no ramo Judiciário ao qual está vinculada a classe dos Juízes Federais, representada pela Autora, ante a indefinição do que se tenha por “relação de trabalho”.

A dubiedade de sentido do texto promulgado é manifesta. Como exemplo que pode ser sentido em outras esferas judiciárias, os foros trabalhistas e federais se debatem, ausente a precisão ou certeza, sobre a quem coube a competência para processar as ações decorrentes das relações de trabalho que envolvam a União, quando versem sobre servidores ocupantes de cargos criados por lei, de provimento efetivo ou em comissão, incluídas as autarquias e fundações públicas.


Com efeito, além das evidentes inconstitucionalidades que serão abordadas e requerem o provimento final desse Excelso Pretório, a desconsideração da redação aprovada pelo Senado Federal também produz um iminente caos institucional.

Sem outra alternativa para o restabelecimento do equilíbrio constitucional violado, é proposta a presente Ação Direta de Inconstitucionalidade com Pedido de Medida Cautelar, que tem no inciso I do artigo 114 da Lei Maior, na redação alcançada pela Emenda Constitucional n° 45/2004, seu dispositivo impugnado.

DA LEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM DA ENTIDADE AUTORA

A Associação dos Juízes Federais do Brasil – AJUFE – é entidade de classe que representa a categoria da magistratura federal, de 1º e 2º graus, em todo o território brasileiro.

Conforme seu estatuto, em anexo, a entidade tem por finalidade congregar todos os magistrados integrantes da Justiça Federal de primeiro e segundo graus, bem como os ministros do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, representando-os com exclusividade em âmbito nacional, judicial ou extrajudicialmente.

Dessa forma, cumpre satisfatoriamente a exigência do art. 103, inciso IX, da Constituição Federal, e do art. 2º, inciso IX, da Lei nº 9.898/99, respectivamente:

Constituição Federal:

“Art. 103. Podem propor a ação de inconstitucionalidade: (…)

IX – confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.”

Lei nº 9.868/99:

“Art. 2º. Podem propor a ação direta de inconstitucionalidade: (…)

IX – confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.”

É importante, contudo, asseverar que a AJUFE constitui, efetivamente, uma entidade de classe de âmbito nacional. É que não existe uma definição legal para tanto, o que dificulta e ocupa esta Colenda Corte em fazer a triagem entre as organizações gerais de defesa de interesses e aquelas entidades a que se refere o inciso IX da Constituição Federal.

Nessa esteira, inúmeras decisões vêm estreitando o conceito de entidade de classe de âmbito nacional, deixando claro que não é qualquer associação de pessoas físicas ou jurídicas que possuem a autorização constitucional para propor uma ação direta de inconstitucionalidade.

Assim, a restrição começou a ser moldada em decisão da ADIn nº 34, onde o STF julgou extinto o processo porque a respectiva associação autora não se caracterizou como entidade de classe, dizendo que não integra esta “a simples associação de empregados de determinada empresa, por não congregar uma categoria de pessoas intrinsecamente distinta das demais, mas somente agrupadas pelo interesse contingente de estarem a serviço de determinado empregador”.(4)

Como visto, foram excluídas do conceito de entidade de classe de âmbito nacional as simples organizações de trabalhadores, devendo existir um elemento suplementar que as diferencie.

Em seguimento, o STF também estabeleceu que “não se pode considerar entidade de classe a sociedade formada meramente por pessoas físicas ou jurídicas que firmem sua assinatura em lista de adesão ou qualquer outro documento idôneo (…), ausente qualquer particularidade ou condição objetiva ou subjetiva, que distingam sócios de não-associados”.(5)

Também ficou assente que não possuem legitimidade para promover ação direta de inconstitucionalidade as “associações de associações”, que representam a união de diversas pessoas jurídicas, visto que estas, com efeito, não forma categoria qualquer. É preciso, assim, que seja representada uma classe de indivíduos integrantes de determinada categoria.(6)

Enfim, o permissivo constitucional do inciso IX do art. 103 deve ser analisado sob o caso concreto, de maneira que a respectiva entidade atue efetivamente na defesa de uma categoria profissional.

A AJUFE, como já exposto, enquadra-se perfeitamente no disposto na Constituição Federal e na Lei nº 9.868/99, já que representa todos os magistrados de 1º e 2º graus e os ministros do STF e do STJ.

Vale, nesse sentido, trazer a manifestação do próprio STF na ADIn nº 2.874, quando analisa a legitimidade da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público, fazendo uma comparação com a Associação dos Magistrados Brasileiros:

“Quanto à legitimidade da requerente, verifica-se situação em tudo semelhante a da Associação dos Magistrados Brasileiros. É ela formada mediante aglutinação de membros do Ministério Público da união e dos Estados, ativos e inativos, tendo por objetivo a defesa dos princípios e garantias institucionais do Ministério Público, sua independência e autonomia funcional, administrativa, financeira e orçamentária, bem como a preservação dos predicamentos, das funções e busca dos meios próprios ao exercício da atividade (…)”.(7)


Ora, apesar de não haver qualquer relação de dependência (filiação ou associação) entre a Associação dos Magistrados Brasileiros e a AJUFE, o precedente é bastante elucidativo e demonstra o acerto desta Corte em considerar legítima uma entidade representante de toda uma classe do Judiciário para a propositura de uma ação direta de inconstitucionalidade.

Com efeito, a AJUFE não concentra apenas uma parcela de profissionais, mas, ao contrário, engloba toda a categoria dos Juízes Federais e Ministros do STJ e STF. Há que se fazer, assim, diferenciação entre os magistrados federais (membros da AJUFE) e os demais membros do Poder Judiciário, sejam eles magistrados estaduais ou não (cada qual com sua respectiva associação).

É que os membros da AJUFE constituem aproximadamente 99% (noventa e nove por cento) dos magistrados federais do Brasil, representando, assim, uma categoria específica, com regime jurídico específico (Lei Complementar nº 35/79).

Ainda, quanto à questão da territorialidade, importante frisar que a AJUFE é entidade de classe que tem abrangência nacional, presente em todos os Estados da Federação.

Os precedentes dessa egrégia Corte são harmoniosos no sentido de que há legitimidade das associações de classe que representam os integrantes do Poder Judiciário e dos sujeitos indispensáveis à administração da Justiça, a saber:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ARTIGO 11 E PARÁGRAFOS DA MEDIDA PROVISÓRIA Nº 43, DE 25.06.2002, CONVERTIDA NA LEI Nº 10.549 , DE 13.11.2002. TRANSFORMAÇÃO DE CARGOS DE ASSISTENTE JURÍDICO DA ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO EM CARGOS DE ADVOGADO DA UNIÃO. ALEGAÇÃO DE OFENSA AOS ARTS. 131, CAPUT; 62, § 1º, III; 37, II E 131, § 2º, TODOS DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. Preliminar de ilegitimidade ativa “ad causam” afastada por tratar-se a Associação requerente de uma entidade representativa de uma categoria cujas atribuições receberam um tratamento constitucional específico, elevadas à qualidade de essenciais à Justiça. Precedentes: ADI nº 159, Rel. Min. Octavio Gallotti e ADI nº 809, Rel. Min. Marco Aurélio. (…)” (sem grifos no original)

(STF. ADIn nº 2713/DF. Relatora Min. Ellen Gracie. DJU em 18.12.2002, p. 153. Requerente Associação Nacional dos Advogados da União – ANAUNI)

“CONSTITUCIONAL. LEI ESTADUAL QUE CRIA GRUPO ESPECIAL DE ADVOGADOS COMPOSTO POR OCUPANTES DE CARGO PÚBLICO DE ADVOGADO NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA DIRETA, AUTÁRQUICA E FUNDACIONAL. CARACTERIZADO O ENQUADRADAMENTO AUTOMÁTICO, SEM CONCURSO PÚBLICO. OFENSA AO ART. 37, II, DA CF. AÇÃO JULGADA PROCEDENTE”.

(STF. ADIn nº 824/MT. Relator Min. Nelson Jobim. DJU em 10.08.2001, p. 69. Requerente Associação Nacional dos Procurados de Estado – ANAPE)

Enfim, na esteira dos dispositivos constitucionais (art. 103, inciso IX) e legal (art. 2º, inciso IX, da Lei nº 9.868/99), bem como na orientação jurisprudencial desta egrégia Corte, possui a AJUFE legitimidade ad causam para propor ação direta de inconstitucionalidade, eis que se caracteriza como entidade de classe de âmbito nacional.

Da pertinência temática

Na forma de requisito implícito, outro elemento exigido para que se configure a legitimidade ativa ad causam da entidade de classe de âmbito nacional é a pertinência temática entre o objeto da ação direta de inconstitucionalidade e a atividade de representação da referida entidade.

Apesar de não haver dispositivo legal a respeito desta exigência, o STF já construiu entendimento que, para a Mesa da Assembléia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal, do Governador do Estado ou do Distrito Federal, das confederações sindicais ou entidade de âmbito nacional, tal requisito implícito deve estar presente.(8)

Ora, no caso em questão a pertinência é evidente, pois o aspecto impugnado da reforma do judiciário – inciso I do artigo 114 da Constituição Federal de 1988 – interfere, diretamente, na forma com que se irá interpretar e desenvolver a atividade jurisdicional dos magistrados federais.

Com efeito, embora o dispositivo trate da competência da Justiça do Trabalho, a forma com que foi promulgado(9) gera dubiedade e diversos processos da Justiça Federal serão redistribuídos para o Juízo Trabalhista, quando tratarem de ações referentes a servidores ocupantes de cargos criados por lei, de provimento efetivo ou em comissão, demandas essencialmente de direito administrativo, vinculadas a questões funcionais do servidor federal.

Independente dos argumentos que conferem o pano de fundo desta ação direta há evidente relação de pertinência entre o ponto constitucional impugnado e o interesse dos Juízes Federais na solução da controvérsia estabelecida.

De fato, há a necessidade de se manter claro que a competência dos Juízes Federais se mantém para os processos que dizem respeito aos servidores federais ocupantes de cargos criados por lei, de provimento efetivo ou em comissão, sem o que, os transtornos serão imensos.


Em sintonia com esse entendimento, cita-se decisão em situação análoga, que demonstra com clareza a presença da pertinência temática e, conseqüentemente, a legitimidade da Autora:

“EMENTA: MEDIDA LIMINAR EM AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. REGIMENTO INTERNO DO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DE SANTA CATARINA: § 2º DO ART. 45: REDAÇÃO ALTERADA PELA RESOLUÇÃO ADMINISTRATIVA Nº 062/95-TRT/SC: PROMOÇÃO POR ANTIGÜIDADE: JUIZ MAIS ANTIGO; VOTO SECRETO. PRELIMINAR: ASSOCIAÇÃO DOS MAGISTRADOS BRASILEIROS – AMB; LEGITIMIDADE ATIVA; PERTINÊNCIA TEMÁTICA. DESPACHO CAUTELAR, PROFERIDO NO INÍCIO DAS FÉRIAS FORENSES, AD REFERENDUM DO PLENÁRIO (art. 21, IV e V do RISTF). 1. Preliminar: esta Corte já sedimentou, em sede de controle normativo abstrato, o entendimento da pertinência temática relativamente à legitimidade da Associação dos Magistrados Brasileiros – AMB, admitindo que sua atividade associativa nacional busca realizar o propósito de aperfeiçoar e defender o funcionamento do Poder Judiciário, não se limitando a matérias de interesse corporativo (ADI nº 1.127-8). 2. Mérito do pedido cautelar: a) competência do tribunal para obstar a promoção do Juiz mais antigo: a única alteração foi referente ao quorum: “2/3 (dois terços) dos seus Membros”, em lugar de “2/3 (dois terços) de seus Juízes vitalícios”: nesta parte, a alteração não afronta texto constitucional; b) a Resolução Administrativa que alterou a redação do § 2º do art. 45 do Regimento Interno do TRT/SC manteve o critério da escolha pelo voto secreto; se é certo que a Constituição Federal, em seu art. 93, inciso II, letra “d”, faculta a recusa do Juiz mais antigo para a promoção, impondo o quorum de dois terços, também não é menos certo que, em se tratando de um dos tipos de decisão administrativa, venha ela desacompanhada da respectiva motivação, a teor do enunciado do mesmo art. 93, em seu inciso X; c) ao Juiz preterido há de ser assegurado o seu direito constitucional de conhecer as razões da preterição; o que não pode é o Juiz ser recusado sem saber qual o motivo; esse direito é um dogma constitucional que se incorpora ao direito do preterido; d) o texto do § 2º do art. 45 do Regimento Interno do TRT/SC, com a redação data pela Resolução Administrativa nº 062/95, não está integralmente contaminado pelo vício de inconstitucionalidade, mas, tendo em vista a plausibilidade jurídica do pedido, dele há de excluir-se a palavra “secreto”. 3. Referendado em parte, o despacho cautelar, para suspender, até a decisão final da ação, a vigência da palavra ‘secreto’.”• (sem grifos no original)”.

Assim, resta claro que a Associação dos Juízes Federais do Brasil – AJUFE, apresenta legitimidade ativa ad causam, uma vez que está presente a pertinência temática, já que o dispositivo da Emenda Constitucional nº 45, o qual se busca a declaração de inconstitucionalidade, é dirigido, também, de maneira direta, a classe dos juízes federais, que são regular e nacionalmente representados pela mesma.

DOs fundamentos para a procedência da adi

Como referido brevemente nos fatos, há duas proposições básicas para a compreensão do desenvolvimento dos fundamentos para a procedência da presente ação direta de inconstitucionalidade, quais sejam:

1ª) a proposta aprovada na Câmara dos Deputados pretendia que as ações oriundas da relação da União, Estados, Distrito Federal e Municípios com seus servidores ocupantes de cargos criados por lei, de provimento efetivo ou em comissão, incluídas suas autarquias e fundações públicas, fossem da competência da Justiça do Trabalho, hipótese em que a alteração inserida pelo Senado contrariou a vontade legislativa inicial e promoveu mudança de mérito significativa no inciso I do artigo 114 da Constituição Federal de 1988; ou

2ª) a Câmara dos Deputados não desejava, desde o início, a inclusão das ações daqueles servidores na competência do foro trabalhista e a alteração inserida pelo Senado Federal, mediante emenda de redação do relator, devidamente votada e aprovada, apenas tornou explícita essa intenção originária.

Na primeira hipótese, o texto promulgado está contaminado por inconstitucionalidade formal evidente. Na segunda, o equívoco foi não ter sido promulgada a emenda com a explicitação do Senado, o que gerou um texto de sentido duvidoso, o que poderia ser sanado, em última análise, pelo instituto da interpretação conforme, sem redução de texto.

Embora não se ignore que a vontade do legislador da Câmara dos Deputados, de maneira implícita, também foi a de não inclusão dos servidores excepcionados, de forma explícita, pelo Senado, na competência da Justiça do Trabalho, a presente ADI se divide em duas linhas de argumentação.

Essas linhas derivam justamente do exposto nos parágrafos acima e das conseqüências técnicas que o entendimento aplicado ao caso pode produzir.


Nesse sentido, o primeiro conjunto de fundamentos se vincula à inconstitucionalidade formal, intimamente ligados à hipótese da alteração do Senado ser considerada como contraposição de sentido substancial à redação da Câmara. Essa abordagem é necessária, pois, formalmente, o texto promulgado não corresponde ao aprovado no Senado.

Já o segundo conjunto de fundamentos está vinculado à necessidade da interpretação conforme e leva em consideração, dentre outros fatores relevantes, a obviedade de que a Câmara dos Deputados não desejou, em qualquer momento, incluir os servidores ressalvados pelo Senado na competência da Justiça do Trabalho.

Em qualquer caso, porém, a atual redação do inciso I do novo artigo 114 da Lei Maior, requer dessa Corte Suprema o deferimento da cautelar e a procedência de um dos pedidos sucessivos principais, delineados ao final.

Do processo legislativo para a criação de emenda constitucional

A alteração da Constituição Federal – autorizada por meio de emendas – só é possível se for conduzida de acordo com o disposto no próprio texto constitucional, previsto pelo legislador constituinte originário.

Bem por isso, é preciso observar o que dispõe o art. 60 da Constituição Federal e, no que mais importa ao momento, com especial atenção para o previsto no seu § 2°:

“Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:

I – de um terço, no mínimo, dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal;

II – do Presidente da República;

III – de mais da metade das Assembléias Legislativas das unidades da Federação, manifestando-se, cada uma delas, pela maioria relativa de seus membros.

§ 1º – A Constituição não poderá ser emendada na vigência de intervenção federal, de estado de defesa ou de estado de sítio.

§ 2º – A proposta será discutida e votada em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, considerando-se aprovada se obtiver, em ambos, três quintos dos votos dos respectivos membros.

§ 3º – A emenda à Constituição será promulgada pelas Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, com o respectivo número de ordem.

§ 4º – Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:

I – a forma federativa de Estado;

II – o voto direto, secreto, universal e periódico;

III – a separação dos Poderes;

IV – os direitos e garantias individuais.

§ 5º – A matéria constante de proposta de emenda rejeitada ou havida por prejudicada não pode ser objeto de nova proposta na mesma sessão legislativa.”

(sem grifos no original)

Na forma do inciso §2º do art. 60, o projeto de emenda constitucional deverá se votado em dois turnos nas duas casas legislativas (Senado Federal e Câmara dos Deputados), obtendo, no mínimo, três quintos dos votos dos respectivos membros. É de se observar que há necessidade de quorum diferenciado para a aprovação da proposta e de dupla votação nas duas Casas Legislativas.

Por outro lado, havendo alteração no projeto aprovado pela Casa Revisora (no caso, a Câmara dos Deputados), deverá o mesmo retornar à Casa Iniciadora, pois sem esse procedimento não se tem atendido o requisito do § 2º do artigo 60 da Lei Maior.

Posteriormente, há a fase complementar do processo legislativo de criação de emenda constitucional, constituída da promulgação, em conjunto, pelas Mesas do Senado Federal e da Câmara dos Deputados.

Por conseguinte, se a proposta de emenda constitucional não seguir a tramitação adequada e necessária para sua promulgação (não obediência da dupla votação e aprovação do texto nas duas Casas Legislativas, por exemplo), incidirá em inconstitucionalidade de natureza formal, que pode ser objeto do controle concentrado.

A relevância de serem observadas as regras do processo legislativo, tal qual estipuladas na Carta Política de 1988, pode ser conferida no voto proferido pelo Ministro Celso de Mello, no julgamento da ADI nº 574-0/DF, na parte em que afirma:

“A definição constitucional do iter formativo das leis evidencia, nesse processo de positivação da vontade estatal, a existência de fases insuprimíveis, que se sucedem dentro de uma rígida ordem de vinculação causal. Nesse contexto, torna-se juridicamente impossível a atuação per saltum do legislador, que também não poderá, sob pena de viciar o processo legislativo, suprimir momentos procedimentais de observância compulsória.”

Em verdade, é pacífica a noção de que uma proposta de emenda constitucional ou projeto de lei deve atender ao devido processo legislativo constitucional. Igualmente assente que, em não havendo o respeito à tramitação legislativa adequada, a norma jurídica resultante se torna formalmente inconstitucional.

Assim, com a ciência do afirmado acima, e como primeira hipótese de raciocínio, cabe a análise da inconstitucionalidade formal constante do inciso I do artigo 114 da Constituição Federal, alterada pela recente Emenda Constitucional nº 45, publicada em 31 de dezembro de 2004.


Da inconstitucionalidade formal do promulgado inciso I do novo artigo 114 da Constituição Federal de 1988

Da violação ao § 2° do artigo 60 da Constituição Federal de 1988: texto alterado no Senado Federal deve passar novamente, por dois turnos, pela Câmara dos Deputados

Como visto anteriormente, a emenda constitucional deve ser aprovada em dois turnos, por ambas as Casas Legislativas Federais.

Ocorre que, no aspecto que interessa ao objeto de impugnação da presente ação direta de inconstitucionalidade, qual seja, o inciso I do artigo 114 da Constituição Federal de 1988, tal circunstância não foi observada na promulgação da Emenda Constitucional nº 45/2004.

Como referido no capítulo dos fatos, ao apreciar a Proposta de Emenda Constitucional nº 96/1992 (que deu origem à posterior PEC 29/2000, no Senado), a Câmara dos Deputados, regularmente, aprovou em dois turnos uma redação para o artigo 115, inciso I, da Constituição Federal de 1988, na forma seguinte:

“Art.115. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:

I – as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios; (Grifo nosso).

Uma vez aprovada a PEC 96/1992 pela Câmara dos Deputados, esta seguiu para apreciação do Senado Federal (PEC 29/2000), em respeito ao artigo 60, § 2º, da Constituição Federal de 1988.

Por sua vez, renumerando o dispositivo para artigo 114, o Senado Federal aprovou, em dois turnos, o texto originário acrescido da expressão restritiva do sentido inicialmente proposto pela Câmara, tornando explícita a exclusão da competência da Justiça do Trabalho, em relação aos litígios com a União, Estados, Distrito Federal e Municípios, que envolvam “os servidores ocupantes de cargos criados por lei, de provimento efetivo ou em comissão, incluídas as autarquias e fundações públicas dos referidos entes da federação”.

Eis a redação aprovada no Senado:

“Art.114 Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:

I – as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, exceto os servidores ocupantes de cargos criados por lei, de provimento efetivo ou em comissão, incluídas as autarquias e fundações públicas dos referidos entes da federação; (sem grifos no original)

Ocorre que, pela análise do texto promulgado da Emenda Constitucional nº 45, publicada em 31.12.2004, percebe-se que a redação usada foi aquela aprovada, unicamente, pela Câmara dos Deputados, acatada apenas a renumeração de artigo 115 para 114.

Com efeito, diz o artigo 114, inciso I, na redação promulgada e publicada em 31 de dezembro de 2004:

“Art.114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:

I – as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios; ”

(sem grifos no original)

Ora, resta clara a violação ao processo legislativo constitucional, na medida em que houve a desconsideração do texto aprovado em dois turnos pelo Senado Federal, ou seja: o texto promulgado não foi aprovado pelas duas Casas legislativas, em afronta direta ao § 2º do artigo 60 da Constituição Federal de 1988.

No caso em apreço, houve a modificação, pelo Senado, do texto inicialmente aprovado pela Câmara dos Deputados, que acresceu ao texto original expressão que, como se pode observar, ressalvou que a competência até então outorgada à Justiça do Trabalho não envolveria servidores ocupantes de cargos criados por lei, de provimento efetivo ou em comissão.

Ademais, a devida leitura do disposto no artigo 114, inciso I da Constituição Federal de 1988 (aprovado pela Câmara dos Deputados), em contraposição ao texto aprovado pelo Senado Federal, denota a flagrante divergência entre os mesmos, na medida em que se partiu de uma disposição constitucional genérica para uma disposição mais específica e restritiva.

Ora, devidamente analisada a matéria, vê-se que a necessidade de retorno de propostas legislativas com alterações de sentido decorre de reiteradas manifestações em julgados do Supremo Tribunal Federal, entre os quais se destaca o julgamento da Ação Declaratória de Constitucionalidade n° 3, cujo relator designado foi o Ministro Nelson Jobim.

Em determinado trecho de seu voto, o eminente magistrado destaca que a alteração que recomenda o retorno do projeto legislativo à Casa iniciadora é aquela que produz mudança de sentido, de âmbito de aplicação da norma jurídica constante da proposta originária.


Diz o Ministro Nelson Jobim:

“O retorno do projeto emendado à Casa iniciadora não decorre do fato de ter sido simplesmente emendado.

Só retornará se, e somente se, a emenda tenha produzido modificação de sentido na proposição jurídica.

Ou seja, se a emenda produzir proposição jurídica diversa da proposição emendada.

Tal ocorrerá quando a modificação produzir alterações em qualquer um dos âmbitos de aplicação do texto emendado: material, pessoal, temporal ou espacial”(10).

(sem grifos no original)

Ora, a hipótese de retorno obrigatório extraída do significado maior do voto colacionado se enquadra, perfeitamente, no caso do dispositivo impugnado, pois:

a) na redação do inciso I do artigo 114 da Constituição Federal de 1988, elaborada pela Câmara dos Deputados, a competência da Justiça do Trabalho está centrada na expressão “ações decorrentes da relação de trabalho”;

b) a referida proposição original é de uma extensão, no mínimo, dúbia e atribuída de forma genérica, estruturando competência do Foro Trabalhista para processar e julgar todas as questões advindas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, do Distrito Federal e dos Municípios;

c) a redação dada ao dispositivo pelo Senado Federal, do ponto de vista hermenêutico, alterou substancialmente o texto aprovado pela Câmara dos Deputados, modificando seu âmbito de aplicação, mediante a inserção do trecho “exceto os servidores ocupantes de cargos criados por lei, de provimento efetivo ou em comissão, incluídas as autarquias e fundações públicas dos referidos entes da federação”. Houve, aqui, uma demonstração expressa da intenção de retirar da competência da Justiça do Trabalho as lides que envolvam os servidores ocupantes de cargos criados por lei, de provimento efetivo ou em comissão.

A alteração operada e não considerada na promulgação da EC 45/2004 promoveu um desvio no âmbito de aplicação da norma, pois no Senado a competência da Justiça do Trabalho passou a conter um complemento de expressões excludentes, por exemplo, das ações envolvendo servidores públicos regidos pela Lei nº 8.112/90 (Regime Jurídico Único) e pelos diversos regimes estatutários estaduais, distritais e municipais.

Essa exclusão expressa, em momento algum poderia ser considerada dissociável ou suprimível do restante da norma proposta originalmente, pois a esta conferia novo sentido.

Esse entendimento manifestado em caso análogo, quando o plenário do Supremo Tribunal Federal, na ADI n° 2031, discutiu acerca da inconstitucionalidade formal, por vício no processo legislativo, da Emenda n° 21, de 18 de março de 1999, que incluiu no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias o artigo 75.

Iniciou a tramitação daquela emenda no Senado Federal, sofrendo alterações na Câmara dos Deputados, sem que voltasse a matéria ao exame da Casa de origem, contrariado, assim, o disposto no art. 60, § 2 da Constituição.

A alteração julgada inconstitucional estava vinculada ao § 3º do novo artigo 75 do ADCT, quando suprimida, ao fim do dispositivo, a expressão “hipótese em que o resultado da arrecadação verificado no exercício financeiro de 2002 será integralmente destinado ao resgate da dívida pública federal“.

Ora, tratava-se, na verdade, de texto final alterado sem nova remessa para dois turnos de votação no Senado Federal, e por isso, viciado em seu processo de tramitação; não poderia ter sido promulgado, à semelhança do que ocorreu com o inciso I do artigo 114 veiculado na Emenda Constitucional n° 45/2004.

Do voto da relatora na ADI 2031, Ministra Ellen Gracie:

“No que toca à alteração ocorrida no § 3° do novo art. 75 do ADCT, filio-me ao entendimento esposado pela maioria dos Ministros da Casa no julgamento cautelar, de que a expressão suprimida “hipótese em que o resultado da arrecadação verificado no exercício financeiro de 2002 será integralmente destinado ao resgate da dívida pública federal”, não tinha autonomia em relação à primeira parte do dispositivo, assim redigida: “É a União autorizada a emitir títulos da dívida pública interna, cujos recursos serão destinados ao custeio da saúde e da previdência social, em montante equivalente ao produto da arrecadação da contribuição, prevista e não realizada em 1999”. Entendeu o Plenário que o Senado havia autorizado a emissão de títulos da dívida pública para compensar a ausência de arrecadação no período de janeiro a junho de 1999, em face da não votação da proposta de emenda em tempo hábil. No entanto, essa autorização foi condicionada à destinação da arrecadação da contribuição, verificada no exercício financeiro de 2002, ao resgate desses mesmos títulos. A vontade do Senado, assim, autorizando tal emissão, foi no sentido de condicioná-la à aplicação do produto da arrecadação ocorrido no ano de 2002 no resgate desses títulos. Entendeu a maioria dos Ministros, ao meu ver corretamente, que não se estava diante de duas normas autônomas, mas interdependentes, tendo em vista que a expressão suprimida indicava justamente a fonte prevista pelo Senado para a cobertura dos títulos emitidos. Diante dessa vinculação, a supressão da mencionada expressão, pela Câmara dos Deputados, deveria ter dado azo ao retomo da proposta ao Senado Federal, para nova apreciação, visando ao cumprimento do disposto no § 2° do art. 60 da Carta Política.”


Eis a ementa resultante:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. CONTRIBUIÇÃO PROVISÓRIA SOBRE MOVIMENTAÇÃO OU TRANSMISSÃO DE VALORES E DE CRÉDITOS E DIREITOS DE NATUREZA FINANCEIRA-CPMF (ART. 75 E PARÁGRAFOS, ACRESCENTADOS AO ADCT PELA EMENDA CONSTITUCIONAL N° 21, DE 18 DE MARÇO DE 1999).

1 – O início da tramitação da proposta de emenda no Senado Federal está em harmonia com o disposto no art. 60, inciso 1 da Constituição Federal, que confere poder de iniciativa a ambas as Casas Legislativas.

2 – Proposta de emenda que, votada e aprovada no Senado Federal, sofreu alteração na Câmara dos Deputados, tendo sido promulgada sem que tivesse retomado à Casa iniciadora para nova votação quanto à parte objeto de modificação. (…) Ofensa existente quanto ao § 3° do novo art. 75 do ADCT, tendo em vista que a expressão suprimida pela Câmara dos Deputados não tinha autonomia em relação à primeira parte do dispositivo, motivo pelo qual a supressão implementada pela Câmara dos Deputados deveria ter dado azo ao retomo da proposta ao Senado Federal, para nova apreciação, visando ao cumprimento do disposto no § 2° do art. 60 da Carta Política.

(…)

5 – Ação direta julgada procedente em parte para, confirmando a medida cautelar concedida, declarar a inconstitucionalidade do § 3° do art. 75 do ADCT, incluído pela Emenda Constitucional no 21, de 18 de março de 1999.”(11)

Logo, é aplicável a ratio decidendi do julgado colacionado à hipótese que se traz para apreciação dessa Corte, para que seja reconhecida a inconstitucionalidade formal existente.

Resta claro que, constatada a mudança na proposição legislativa inicial, tornou-se imprescindível a devolução integral do inciso I do artigo 114 à Câmara dos Deputados, a fim de que, regularmente apreciado e aprovado por dois turnos, também naquela Casa, possa o texto em sua redação final ser promulgado e, após publicado, produza seus efeitos, de acordo com o devido processo legislativo constitucional.

Assim, cabe a essa Suprema Corte declarar a inconstitucionalidade do inciso I do novo artigo 114 da Constituição Federal de 1988, na redação incluída pela Emenda Constitucional nº 45/2004, por afronta direta ao disposto no artigo 60, parágrafo 2º daquela Carta Política.

Da analogia com o § 2 do artigo 66 da Constituição Federal de 1988

Devidamente analisada a promulgação do inciso I do novo artigo 114, vê-se que, nesse momento, as mesas da Câmara e do Senado pretenderam manter no texto do inciso apenas o que seria, no seu entendimento, consenso (no sentido meramente gramatical) entre as duas casas, dispensando-se o restante.

Ocorre que esse procedimento é de inconstitucionalidade formal patente, eis que representa outorga às mesas das duas Casas Congressuais do exorbitante e preocupante poder, não previsto constitucionalmente, de modificar os textos das emendas constitucionais aprovadas pelos respectivos plenários.

É evidente no caso a violação do artigo 60, § 2º, da Constituição Federal, tendo em vista que o procedimento inovador adotado desrespeita o processo legislativo previsto expressamente para o caso das emendas constitucionais.

Por outro lado, essa forma de agir, inominada, deve ser interpretada analogicamente com a figura do veto presidencial parcial, inserida no § 2º do artigo 66 da CF/88, que diz:

“Art. 66. A Casa na qual tenha sido concluída a votação enviará o projeto de lei ao Presidente da República, que, aquiescendo, o sancionará.

§ 1º Se o Presidente da República considerar o projeto, no todo ou em parte, inconstitucional ou contrário ao interesse público, vetá-lo-á total ou parcialmente, no prazo de quinze dias úteis, contados da data do recebimento, e comunicará, dentro de quarenta e oito horas, ao Presidente do Senado Federal os motivos do veto.

§ 2º O veto parcial somente abrangerá texto integral de artigo, de parágrafo, de inciso ou de alínea.”

(sem grifos no original)

A Constituição Federal, quando se referiu à possibilidade de cisão de um texto, no caso do veto, foi clara ao determinar o que deveria ou não retornar para nova votação. Na hipótese de discordância em algum ponto de um inciso (e no caso em análise todos os pontos estão interligados), no momento da promulgação, todo ele deve ser devolvido para o Congresso Nacional.

No caso das emendas constitucionais, não havendo regra específica sobre a inusitada situação da promulgação parcial de um inciso aprovado pela Casa Revisora, resta aplicável, por analogia, a regra constante do dispositivo constitucional transcrito supra.

Ora, sob esse raciocínio, constata-se que a forma de promulgar o inciso I contrariou também a referida norma da Lei Fundamental, o que reforça a argumentação da inconstitucionalidade formal do inciso I do artigo 114.


Da inexistência de consenso no texto promulgado da EC 45/2004

Outro aspecto essencial para a verificação da inconstitucionalidade da forma com que foi conduzida a tramitação final da PEC 29/2004 (EC 45/2004), diz respeito ao que se poderia considerar visão consensual do texto aprovado nas duas Casas Legislativas.

De início, deve ser reprisada a idéia de que, como regra geral, para um projeto de Emenda Constitucional não precisar retornar à Casa Iniciadora (no caso, a Câmara do Deputados Federais), para novos dois turnos de votação, não poderá ter ocorrido alteração na Casa Revisora (no caso, o Senado Federal).

Contudo, conforme sua natureza, há algumas alterações que, na postura manifestada pelo Supremo Tribunal Federal (ADC nº 3, com trecho colacionado anteriormente), não tornariam obrigatório o retorno da parcela legislativa alterada à Casa Iniciadora.

Em outras palavras: quando a alteração realizada na Casa Revisora não fosse substancial (apenas a explicitação de um detalhe do texto existente, para evitar interpretação equivocada), seria dispensada a nova votação na Casa iniciadora, promulgando-se, então, o texto aprovado na segunda etapa legislativa, por representar uma versão ainda concordante.

Devidamente analisado, verifica-se que o problema pode ser visto pelo ângulo de saber se houve ou não consenso entre a Câmara e o Senado, e, em havendo, qual foi a extensão do consenso, bem como qual o texto que poderia ter sido promulgado, sem a necessidade de nova votação, em dois turnos, na Câmara Federal.

Aqui, faz-se necessário lembrar que o vocábulo consenso que dizer “conformidade, acordo ou concordância de idéias, de opiniões”, e que, aplicado ao caso em foco, esta expressão significa aquilo que está contido ideologicamente na redação das duas Casas Legislativas.

À evidência que, no processo de investigação do que é consensual, não basta a justaposição dos textos, de forma literal, mantendo-se as expressões idênticas e excluindo-se o que é excedente; o processo é inverso: na investigação de dois conjuntos de idéias, consensual é a hipótese mais restritiva, pois o que excede a esta se transforma em divergência.

Nesse contexto, havendo alguma alteração no texto original aprovado, anteriormente, pela Câmara dos Deputados, só será dispensada de nova votação nesta Casa Legislativa, aquela parte do projeto que for ideologicamente igual à inicialmente aprovada.

Tratando-se de uma comparação entre dois textos de uma proposta de emenda constitucional, não há dúvida de que serão ideologicamente idênticos na redação menos abrangente, mais específica ou mais explícita, porque somente a hipótese mais restritiva é que representa acordo de idéias.

Como já referido, o texto aprovado pelo Senado Federal ressalvou expressamente que a competência da Justiça do Trabalho não se estende às ações envolvendo servidores ocupantes de cargos criados por lei, de provimento efetivo ou em comissão, incluídas as autarquias e fundações públicas dos referidos entes da federação, enquanto o da Câmara não fez tal menção.

Por esses fundamentos, com clareza inequívoca, afirma-se:

a) o texto, com a exceção, aprovado pelo Senado Federal, é substancialmente diverso do texto da Câmara Federal, não sendo permitida a promulgação do texto na forma da redação inicial, sem nova tramitação da integralidade do inciso I do artigo 114 na Casa Iniciadora (tema dos tópicos anteriores);

b) por hipótese, mesmo que fosse aceita a promulgação de uma versão consensual entre a Câmara dos Deputados e o Senado Federal, essa coincidência está apenas na totalidade do texto aprovado em dois turnos no Senado, por ter conteúdo menos abrangente, motivo pelo qual permanece a inconstitucionalidade da emenda promulgada, por violação ao § 2º do artigo 60 e ao inciso II do artigo 5°, da Constituição Federal de 1988.

Contudo, consoante o texto conferido pela Emenda Constitucional nº 45/2004, promulgado e publicado em 31 de dezembro de 2004, houve a promulgação da versão não convergente aprovada pela Câmara Federal.

Infelizmente, se o raciocínio que permeou a hipertrofiada promulgação da EC 45/2004 partiu de uma interpretação do que seriam os textos gramaticalmente consensuais, o resultado foi inverso no que diz com as idéias contidas em tais textos, e representou equívoco crasso de percepção dos conteúdos das proposições.

Por conseguinte, o inciso I do art. 114 da CF/88, consolidado pela promulgação e publicação da Emenda Constitucional nº 45/2004, está contaminado com vício insanável de inconstitucionalidade formal.

Do texto que poderia ter sido promulgado sem nova apreciação da Câmara dos Deputados

Após as considerações feitas no tópico precedente, uma decorrência essencial merece ser fixada, que diz com a conjugação entre a o texto do inciso I, impugnado, e a jurisprudência do STF na paradigmática ADC nº 3/UF(13), relator o Ministro Nelson Jobim.


Como se viu, ao final das tramitações legislativas, a real versão consensual do texto obtido dizia respeito ao texto do Senado, com a emenda de redação do relator, Senador José Jorge, em que excepcionada a relação dos servidores mencionados da competência da Justiça Laboral.

Ora, se a emenda tornou o texto convergente, sendo ao texto acrescido mera explicitação do que fora aprovado pela Câmara, permitindo que alguma parte do mesmo fosse promulgada sem retorno àquela casa por sua convergência com a intenção original, essa teria de ser a aprovada pela Casa Revisora.

Essa é a conseqüência direta do posicionamento constante no trecho do voto do Ministro Nelson Jobim, na referida ADI, já transcrita.

A idéia contida no excerto jurisprudencial referido é perfeita ao entendimento de que, se o texto na Casa Revisora contém emenda que mantém convergência com a redação inicial, esta emenda é que não requer nova passagem pela Casa Legislativa Iniciadora, e não o contrário, como foi feito na promulgação da EC 45/2004.

Por outro lado, se a intenção da Câmara era divergente do Senado e algo fosse possível promulgar imediatamente, então seria apenas a parte em que ambos convergiam, novamente: a redação restritiva aprovada no Senado.

Da manutenção da competência clássica da Justiça do Trabalho na hipótese de declaração da inconstitucionalidade do inciso I do novo artigo 114, em face do que dispõe o inciso IX do mesmo dispositivo da Constituição Federal de 1988

Diante das conseqüências que a declaração de inconstitucionalidade do inciso I do artigo 114 poderia suscitar, pode-se questionar que a competência nuclear da Justiça do Trabalho seria extinta, em função de estar, em maior parte, no mencionado inciso.

Entretanto, isso não ocorre, pois entre os diversos incisos inseridos no novo artigo 114 da Lei Maior, consta o inciso IX, que diz:

“Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:

(…)

IX – outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, na forma da lei.”

Ora, a remissão à lei, constante do inciso colacionado acima, deve ser lida em conjugação com a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), mais precisamente nos seus artigos 1° e 643:

“Art.1º – Esta Consolidação estatui as normas que regulam as relações individuais e coletivas de trabalho, nela previstas.

(…)

Art. 643 – Os dissídios, oriundos das relações entre empregados e empregadores bem como de trabalhadores avulsos e seus tomadores de serviços, em atividades reguladas na legislação social, serão dirimidos pela Justiça do Trabalho, de acordo com o presente Título e na forma estabelecida pelo processo judiciário do trabalho. (Redação dada pela Lei nº 7.494, de 17.6.1986)” (sem grifos no original)

Os artigos colacionados demonstram, por certo, que não será esvaziada a competência da Justiça do Trabalho, tampouco se criará situação caótica com a declaração de inconstitucionalidade pretendida na presente ação direta de inconstitucionalidade.

Ausente o prejuízo, será mantida a competência tradicional do foro trabalhista, com os acréscimos do novo artigo 114, à exceção do seu inciso I, que deverá ser votado novamente na Câmara, para só então, se for aprovada em dois turnos a mesma redação do Senado, esta venha a ser promulgada.

Da necessidade de se dar interpretação conforme ao inciso I do artigo 114 da Constituição Federal, caso rejeitada sua inconstitucionalidade formal

Caso essa Corte entenda por não declarar a inconstitucionalidade formal do dispositivo impugnado, o que se admite apenas como hipótese e devido ao princípio da eventualidade processual, cabe abordar a necessidade de se julgar procedente a ação para dar à mesma interpretação conforme, afastando, do inciso I do artigo 114, a exegese que pretenda a inclusão dos servidores ocupantes de cargos criados por lei, de provimento efetivo ou em comissão, incluídas as autarquias e fundações públicas dos entes da federação.

Esse é o tema que será abordado no decorrer dos tópicos abaixo.

Da interpretação conforme

Primeiramente, torna-se imperioso tecer algumas observações sobre o que seria interpretar as normas jurídicas para o operador do direito.

Interpretação, no entendimento clássico de Savigny, “é a reconstrução do conteúdo da lei, sua elucidação, de modo a operar-se uma restituição de sentido ao texto viciado ou obscuro”.

Para Paulo Bonavides:

“Trata-se evidentemente de operação lógica, de caráter técnico mediante a qual se investiga o significado exato de uma norma jurídica, nem sempre clara ou precisa. Busca a interpretação, portanto estabelecer o sentido objetivamente válido de uma regra de direito”.(14)

Assim, a atividade interpretativa busca, sobretudo, reconstruir o conteúdo normativo, explicitando a norma em concreto em face de determinado caso.


Feitas essas breves considerações sobre interpretação em sentido lato, deve-se avançar para o tratamento específico do instituto da interpretação conforme a Constituição, quanto à obscuridade do texto do inciso I do novo artigo 114 da CF/88, estabelecido pela Emenda Constitucional n° 45/2004.

Nesse sentido, a principal função da interpretação se afirma como mecanismo de controle, eis que busca assegurar, sempre que necessário, um razoável grau de constitucionalidade das normas com dubiedade de sentido (um deles inconstitucional), sem retirá-las do ordenamento jurídico.

Essa forma de interpretação determina que, quando o aplicador de determinado texto legal se encontrar frente a normas de caráter polissêmico, plurissignificativo, ou até mesmo ambíguo, deve priorizar a interpretação que possua um sentido em conformidade com a Constituição.

Nas palavras do Ministro Gilmar Ferreira Mendes:

“(…) oportunidade para interpretação conforme a Constituição existe sempre que determinada disposição legal oferece diferentes possibilidades de interpretação, sendo algumas delas incompatíveis com a própria Constituição(15)”.

Esse procedimento se realiza como preservação da presunção de constitucionalidade das normas e da função legislativa, associada à preponderância de sua interpretação constitucional.

Não por acaso, esclarece o Ministro Moreira Alves na Rp. nº 1.417:

“a interpretação da norma sujeita a controle deve partir de uma hipótese de trabalho, a chamada presunção de constitucionalidade, da qual se extrai que, entre dois entendimentos possíveis do preceito impugnado, deve prevalecer o que seja conforme a Constituição” (RTJ 126/53).

A interpretação em questão é princípio que se situa no âmbito do controle de constitucionalidade, ou seja, não pode ser visto apenas como regra de hermenêutica.

Tanto é verdade que o instituto em questão foi previsto na Lei nº 9.868/99, do ponto de vista dos seus efeitos, no parágrafo único do seu artigo 28, verbis:

“Art. 28. Dentro do prazo de dez dias após o trânsito em julgado da decisão, o Supremo Tribunal Federal fará publicar em seção especial do diário da Justiça e do Diário Oficial da União a parte dispositiva do acórdão.

Parágrafo único. A declaração de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade, inclusive a interpretação conforme a Constituição e a declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto, têm eficácia contra todos e efeito vinculante em relação aos órgãos do Poder Judiciários e à Administração Pública Federal, estadual e municipal.”

Com efeito, a aplicação desse princípio possibilita ao Supremo Tribunal Federal declarar a inconstitucionalidade de uma lei, quando a norma impugnada admite mais de uma interpretação, atuando como Corte Constitucional e mantendo apenas a exegese que se coadune com o texto da Lei Maior(16).

Ora, no caso em tela, a forma inadequada da tramitação do inciso I do novo artigo 114 da Constituição Federal de 1988 produziu norma jurídica com redação dúbia, centrada na amplitude da “relação de trabalho” como critério de definição da competência da Justiça do Trabalho, matéria sobre a qual o Supremo Tribunal Federal foi instado a se manifestar no passado, na redação anterior do caput do mesmo dispositivo.

Não suficiente, a redação aprovada também foi destoante da vontade manifesta do legislador, permitindo que equívocos de exegese produzam, a um só tempo, a aplicação da nova norma jurídica de forma inconstitucional e divergente da mens legislatoris.

É por isso que, caso ultrapassada a inconstitucionalidade formal antes apontada, mas sem desviar os olhos do conjunto de equívocos e dispositivos constitucionais envolvidos na tramitação inadequada da Emenda Constitucional n° 45/2004, a hipótese então requer desse Tribunal Superior que use da interpretação conforme para a filtragem do dispositivo impugnado, afastando sua má utilização.

Da interpretação conforme como critério de respeito à vontade do legislador e afastamento da ambigüidade do inciso I do art. 114

O fato é que a vontade do legislador, implícita (Câmara) ou manifesta (Senado), em excluir do texto do inciso I do artigo 114 da Constituição Federal, os servidores ocupantes de cargos criados por lei, de provimento efetivo ou em comissão, incluídas as autarquias e fundações públicas dos entes da federação, tem comprovação evidente, por dois fatores:

a) a Câmara, em nenhum momento, propôs que a abrangência da nova competência da Justiça do Trabalho alcançasse os servidores referidos, embora tenha usado de redação imprecisa, ou seja, a vontade da Casa Legislativa Iniciadora era pacífica pela exclusão, apenas usando uma redação tecnicamente sujeita à dubiedade de interpretações; e


b) quando a Proposta de Emenda Constitucional n° 29/2000 foi levada à apreciação do Senado, este, ciente da vontade verdadeira contida na proposta, tomou o cuidado de tornar explícito o que estava subentendido, aprovando a emenda de redação necessária.

A interpretação conforme requerida se sustenta pela manifesta ambigüidade do dispositivo impugnado, pois foi infeliz ao tratar sem ressalvas das “ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios”.

Aliás, tão manifesta a confusão das expressões que o Senado, ao receber a PEC oriunda da Câmara, resolveu tornar explícito que a alteração da norma de competência do foro trabalhista não abrangia os servidores que aquela Casa Revisora teve o cuidado de especificar.

Assim, de todo o exposto resta clara a necessidade de que se dê interpretação conforme a Constituição ao inciso I do artigo 114, declarando inconstitucional a exegese que pretenda incluir seu âmbito de abrangência os servidores ocupantes de cargos criados por lei, de provimento efetivo ou em comissão, incluídas as autarquias e fundações públicas dos entes da federação, como forma de sanar a ambigüidade textual e preservar a vontade do legislador.

Do consenso ideológico

Conforme abordagem feita no capítulo da inconstitucionalidade formal, e admitindo-se, para argumentar, que as intenções da Câmara e do Senado tenham sido divergentes, pode-se afirmar categoricamente que houve consenso entre as duas casas no que diz com a competência atribuída pelo inciso I do artigo 114, exceto no que diz com a situação dos servidores ressalvados na redação da última Casa Legislativa.

Vista a questão sob esse prisma, a divergência entre as duas Casas resume-se à inclusão ou não dos mencionados servidores na competência atribuída pelo referido dispositivo.

Com efeito, embora no texto promulgado o ponto destacado tenha sido desconsiderado, não há como afastar de sua interpretação a noção de que apenas conjugando aquela exclusão expressa é que houve concordância no Congresso.

Esse fator restritivo está, portanto, implícito na redação promulgada, excluindo da relação de trabalho os servidores ressalvados expressamente pelo Senado; trata-se, em verdade, de hipótese obrigatória para que se tenha por formalmente constitucional o mencionado inciso I, sem deixar de se pagar o tributo necessário ao § 2° do artigo 60 da CF/88.

Desse modo, se a redação promulgada é imprecisa, não o foi a convergência de intenções nesta contida, motivo pelo qual deve ser preservada, mediante o recurso à interpretação conforme.

Da interpretação conforme como adequada à postura da Corte Constitucional, acerca da expressão relação de trabalho

Questão de extrema relevância para a o uso da interpretação conforme é a que diz respeito ao real significado do termo “relação de trabalho”, como fator determinante da competência da Justiça do Trabalho atribuída pelo malsinado inciso I do artigo 114.

Como se sabe, a competência é tida, no nosso ordenamento jurídico, como elemento limitador da jurisdição de determinado ramo do Poder Judiciário, correspondendo à “medida da jurisdição atribuída a cada juiz, ou seja, a área geográfica e o setor do direito dentro dos quais o juiz pode decidir”(17).

Na Constituição Federal de 1988, a competência da Justiça do Trabalho foi estabelecida, originariamente, na redação anterior do seu artigo 114, in verbis:

“Art.114. Compete à Justiça do Trabalho conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos entre trabalhadores e empregadores, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta dos Municípios, do Distrito Federal, dos Estados e da União, e, na forma da lei, outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, bem como os litígios que tenham origem no cumprimento de suas próprias sentenças, inclusive coletivas”.

(sem grifos no original).

Pela leitura do dispositivo colacionado pode-se verificar que a competência da Justiça do Trabalho, antes da Emenda Constitucional n° 45/2004, vinculava-se ao exame dos litígios (a) advindos da relação de emprego, (b) daqueles conflitos que, derivados da relação de trabalho, encontrassem previsão legal expressa similar, e (c) daqueles decorrentes do cumprimento de suas próprias decisões.

Pois bem, então a menção genérica às “controvérsias decorrentes da relação de trabalho”, quando pautadas ao lado da alteração recente operada pela Emenda Constitucional n° 45/2004, conferem um significado idêntico às duas redações, no aspecto que interessa para a demonstração da viabilidade da tese da Autora.


Para tanto, basta observar os dois dispositivos, lado a lado:

ARTIGO 114 ANTERIOR À EC 45/2004

Art.114. Compete à Justiça do Trabalho conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos entre trabalhadores e empregadores, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta dos Municípios, do Distrito Federal, dos Estados e da União, e, na forma da lei, outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, bem como os litígios que tenham origem no cumprimento de suas próprias sentenças, inclusive coletivas.

ARTIGO 114, I, POSTERIOR À EC 45/2004

Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:

I – as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;

Como se vê, o centro da dubiedade do atual texto do inciso I está na expressão relação de trabalho, motivo pelo qual a investigação de sua amplitude, segundo a interpretação dispensada por essa Corte Suprema, deve ser empreendida para definir seus limites e se estes abrangem, ou não, os servidores ocupantes de cargos criados por lei, de provimento efetivo ou em comissão, incluídas as autarquias e fundações públicas dos entes da federação.

É com esse pensamento que deve ser lido o voto proferido pelo Ministro Celso de Melo, interpretando o anterior artigo 114 da CF/88, no julgamento da ADI 492-1//DF, quando cita Orlando Teixeira da Costa(18):

“As relações litigiosas que a Justiça do Trabalho tem, agora, por competência, apreciar, são as de trabalho e não apenas as de emprego.

Relações de trabalho são aquelas que vinculam o trabalhador e um tomador de serviços. Mas o trabalhador deve relacionar-se com aquele que se beneficia dos seus serviços por um contrato e não por outros meios estranhos à contratação, mormente por um estatuto, que estabelece um vínculo legal.

(…)

O caput do art.114 da Constituição atribui competência à Justiça do Trabalho para resolver litígios decorrentes de relação de trabalho e não relações estatutárias, pois se refere a dissídios entre trabalhadores e empregadores.

Quando quis tratar dos servidores públicos civis, previu que eles seriam sujeitos a um regime jurídico único, regime que, por opção manifestada pelo legislador ordinário, através da Lei 8.112/90, foi o estatutário e não o contratual trabalhista”.

(sem grifos no original)

A interpretação que exclui os servidores da expressão relação de trabalho está contida também no trecho do voto do Ministro Carlos Velloso:

“(…) a novidade do art.114, em vigor, resume-se à inclusão dos dissídios com pessoas de direito público externo e com a União Federal, antes submetidos à Justiça Federal.

(…) Não com referência aos servidores de vínculo estatutário regular ou administrativo especial, porque o art.114, ora comentado, apenas diz respeito aos dissídios pertinentes a trabalhadores, isto é, ao pessoal regido pela Consolidação das Leis do Trabalho, hipótese que, certamente, não é a presente(19)”.

E ainda, segue seu raciocínio, mencionando o parecer da Procuradora do Ministério Público Federal Odília da Luz Oliveira(20), e concluindo:

“(…) Em síntese: a eventual expedição da lei mencionada na parte final do art. 114 (e, muito menos, a superveniência da norma aqui impugnada) em nada afetará a tese, já adotada por esse Tribunal e pelo Superior Tribunal de Justiça nos acórdãos mencionados, segundo o qual a relação de trabalho referida na Constituição é apenas aquela regulada pelo Direito do Trabalho, não a de Direito Administrativo. (fls.224/225)”.(sem grifos no original)

Com efeito, vê-se que, no exemplo do serviço público federal, a relação é nitidamente estatutária, regida pela Lei n° 8.112/90 e pelo direito administrativo, com características totalmente diversas dos contratos passíveis de inserção na expressão “relação de trabalho”.

Na esteira da ADI 492-1/DF, sob a égide da Constituição Federal de 1988, surgiram uma série de precedentes, demonstrando a vinculação dos servidores estatutários em geral à Justiça Comum (Federal ou Estadual), do que são exemplos os julgados abaixo:

“EMENTA: ACÓRDÃO QUE ATRIBUIU COMPETÊNCIA À JUSTIÇA COMUM ESTADUAL PARA APRECIAR CAUSA EM QUE SE PRETENDE O RECONHECIMENTO DE ESTABILIDADE A SERVIDOR CELETISTA. Apresenta-se sem utilidade o processamento de recurso extraordinário quando o acórdão recorrido se harmoniza com a orientação do Pleno do STF no sentido de que foge à Justiça do Trabalho competência para apreciar controvérsias relacionadas ao chamado Regime Jurídico Único (ADI 492-1). Agravo regimental improvido.”(21).


“COMPETÊNCIA – CONTROVERSIA A ENVOLVER SERVIDOR PÚBLICO – RELAÇÃO JURÍDICA REGIDA PELA CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DO TRABALHO. Conforme decidido pelo Plenário no julgamento da ação direta de inconstitucionalidade n. 492-1, foge a Justiça do Trabalho competência para apreciar controvérsias relacionadas com o chamado Regime Jurídico Único. A ‘contrario sensu’, subsiste a conclusão no sentido de que o artigo 114 da Constituição Federal alberga a atuação da Justiça do Trabalho quando a relação jurídica está submetida à Consolidação das Leis do Trabalho”.(22)

Lembre-se, a propósito, que na visão do Supremo Tribunal Federal a categoria dos servidores públicos sequer se encaixa na expressão genérica “trabalhadores”, da qual obviamente deriva a expressão “relação de trabalho”, posição essa adotada quando do julgamento dos processos em que os servidores pleiteavam o reajuste de 10,87% concedidos aos trabalhadores em geral.

Essa a postura extraída dos julgados abaixo:

“EMENTA: Servidor público: vencimentos: inaplicabilidade do reajuste de 10,87% assegurado aos trabalhadores pelo art. 9º da MPr 1053/95: CF, art. 37, X (versão original): Precedente (RMS 24.651, 2.2.03, M. Aurélio, DJ 12.3.2004). Até a nova redação do art. 37, X, da Constituição – resultante da EC 19/98 – posterior, assim, à MP 1053/95 – o entendimento do Tribunal se sedimentara no sentido de que em sua versão original, a Constituição nem assegurava revisão anual da remuneração dos servidores públicos, nem, via de conseqüência, lhes fixara data-base para o reajuste. É o que basta para confirmar que a eles – servidores públicos – que, então, no ponto, não se poderiam entender compreendidos na alusão geral aos “trabalhadores”-, não beneficiava o diploma legal invocado.”(23) (sem grifos no original)

“EMENTA: 1. RECURSO. Extraordinário. Inadmissibilidade. Servidor público. Vencimentos. Reajuste. MP 1.053/95, convertida na Lei nº 10.192/2001. Aplicação apenas a trabalhadores em geral. Agravo regimental não provido. Precedentes. O reajuste de 10,87%, decorrente da MP 1.053/95, convertida na Lei nº 10.192/2001, destina-se tão somente aos trabalhadores da iniciativa privada, não sendo extensível aos servidores públicos. 2. RECURSO. Agravo. Regimental. Jurisprudência assentada sobre a matéria. Caráter meramente abusivo. Litigância de má-fé. Imposição de multa. Aplicação do art. 557, § 2º, cc. arts. 14, II e III, e 17, VII, do CPC. Quando abusiva a interposição de agravo, manifestamente inadmissível ou infundado, deve o Tribunal condenar o agravante a pagar multa ao agravado”(24). (sem grifos no original)

Importante destacar que o próprio Tribunal Superior do Trabalho tem posição no mesmo sentido da fundamentação apresentada pela Autora, verbis:

“Ementa: INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. COISA JULGADA. LIMITAÇÃO DA CONDENAÇÃO A 12-12-1990, DATA DA ENTRADA EM VIGOR DA LEI Nº 8112/90.

Mostra-se incompetente esta Justiça para estabelecer direitos em situações jurídicas em que inexiste relação de trabalho. Não se pode cogitar, nesta circunstância, de “limitação temporal dos efeitos da coisa julgada trabalhista” ou de “não reconhecimento desta Justiça Especializada para executar seus próprios julgados na forma integral”. Na realidade, a partir da vigência da Lei nº 8112/90, a relação entre União e a Reclamante deixou de ser contratual, passando a institucional, do tipo estatutária. As parcelas devidas pela Reclamada deixam de ser trabalhistas, passando a sê-lo de Direito Administrativo e precisamente em função disso não pode a Justiça do Trabalho decidir sobre a matéria, sob pena de vulnerar o artigo 114 da Carta Magna, que fixa a competência material da Justiça do Trabalho. Recursos de Revista conhecido e parcialmente provido(25)”.

(sem grifos no original)

Incontroverso, pois, inclusive com a concordância da mais alta Corte do Judiciário Trabalhista, que inexiste relação de trabalho entre os servidores públicos ocupantes de cargos ou de funções criadas por lei, de provimento efetivo ou em comissão, e os órgãos públicos a que estejam vinculados, sejam eles a União, os estados, os municípios, os distrito federal, ou suas autarquias e fundações públicas.

Também por essas razões, conjugadas com a vontade manifesta do legislador, durante a tramitação da EC 45/2004, deve ser dada interpretação conforme ao inciso I do novo artigo 114, para excluir, por inconstitucional, a exegese que pretenda a delineada competência da Justiça do Trabalho para o julgamento das demandas propostas pelos servidores ocupantes de cargos criados por lei, de provimento efetivo ou em comissão, incluídas as autarquias e fundações públicas dos entes da federação.

Do princípio da razoabilidade ou proporcionalidade

Diante do expendido até aqui, quer sob o ponto de vista da inconstitucionalide formal, ou, caso ultrapassada, sob o ponto de vista da inconstitucionalidade que recomenda a interpretação conforme à Constituição, a procedência da ação é requisito de obediência ao princípio da razoabilidade.


A razoabilidade é também conhecida como princípio da proporcionalidade, não obstante algumas divergências doutrinárias que pretendam a proporcionalidade como sub-princípio da primeira.

De qualquer forma, a sua observância na condução dos atos do Poder Público se encontra como objeto de apontamentos da doutrina e jurisprudência pátrias, obtendo menções honrosas sempre que utilizado para resolver qualquer divergência surgida sobre a forma com que determinada situação deve ser solucionada.

Nas palavras de Edimur Ferreira de Faria:

“A razoabilidade aparece como elemento norteador da Administração, orientando o seu agente à conduta que melhor atenda à finalidade da lei e aos interesses públicos de acordo com a conveniência e a oportunidade, núcleo do ato. O comportamento administrativo, em desacordo com a razoabilidade, conduz, inexoravelmente, ao vício do ato decorrente”.(26)

Transportado do direito administrativo para o direito constitucional, de uso recente no âmbito do controle de constitucionalidade das leis e atos normativos, o princípio em debate encontra plena justificativa doutrinária e, no campo constitucional positivo, encontra-se autorizado no artigo 5º, § 2º da Constituição Federal, quando este preconiza:

“Art. 5º (…)

§ 2º Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.”

No âmbito do Poder Legislativo, assim como no Judiciário, o princípio da razoabilidade/proporcionalidade enuncia que o legislador e o julgador devem obedecer a critérios aceitáveis na busca da melhor exegese.

O Supremo Tribunal Federal vem, sistematicamente, adotando tal princípio como critério de seus julgamentos sobre várias matérias. Entre as decisões proferidas, pode-se destacar: ADI nº 2209/PI, relator Ministro Maurício Corrêa, julgado em 19/03/2003, publicado no DJ de 25/04/2003, p. 32; ADI nº 2019/MS, Relator Ministro Ilmar Galvão, julgado em 02/08/2001, publicado no DJ de 21/06/2002, p. 95; ADI 2667 MC/DF, relator Ministro CELSO DE MELLO, julgado em 19.06.2002, publicado no DJ de 12.03.2004, p. 36, ement vol-02143-02 p. 275; ADI 247/RJ, relator Ministro NELSON JOBIM, julgado em 17.06.2002, publicado no DJ de 26.03.2004, p. 5, ement vol-02145-01 p. 29.

Com efeito, a razoabilidade – ou proporcionalidade – é princípio que se apresenta como a relação entre meio e fim dos atos legislativos, como forma de controlar o arbítrio, o excesso ou a interpretação equivocada e inconstitucional.

Por outro lado, o princípio em questão pode ser decomposto em três sub-princípios, quais sejam: a adequação, a necessidade e a proporcionalidade em sentido estrito.

A adequação é propriamente a relação entre os meios e os fins aptos a alcançar a finalidade perseguida, situação que deve ser analisada caso a caso. Se o meio escolhido pelo legislador ou julgador contribuir para que se obtenha o resultado almejado, está-se diante de medida legislativa ou judicial adequada.

A necessidade, por sua vez, abarca em si o requisito da adequação e significa que, na escolha do meio adequado para a consecução de determinado fim, deve ser escolhido também o meio mais idôneo para a restauração do equilíbrio constitucional.

Finalmente, a proporcionalidade em sentido estrito complementa os dois sub-princípios anteriores e objetiva perquirir se o meio utilizado pelo legislador ou julgador foi razoavelmente proporcional ao fim por ele perseguido.

Nas palavras de Paulo Bonavides, falando sobre a proporcionalidade:

“Em verdade, trata-se daquilo que há de mais novo, abrangente e relevante em toda a teoria do constitucionalismo contemporâneo; princípio cuja vocação move, sobretudo no sentido de compatibilizar a consideração das realidades não captadas pelo formalismo jurídico, ou por este marginalizadas, com as necessidades atualizadoras de um Direito Constitucional projetado sobre a vida concreta e dotado da mais larga esfera possível de incidência – fora, portanto, das regiões teóricas, puramente formais e abstratas.”(27).

Nesse sentido, o princípio em debate pode ser aplicado às mais diversas situações:

a) na hipótese legislativa, sua observância requer que a integralidade do fim almejado pela norma jurídica seja atingido, sem que a mesma implique em contradição ou ultrapasse seu âmbito de aplicação;

b) na hipótese judicial, determina que o julgador corrija os desvios da legislação, mediante provimento que a afaste ou lhe dê interpretação adequada.

Na hipótese legislativa, aplicada para o caso em análise, a promulgação do inciso I do artigo 114, desconsiderando-se a redação que lhe foi dada pelo Senado e a vontade do legislador, demonstra clara violação à razoabilidade na forma de conduzir o processo legislativo.


Na hipótese de hermenêutica judicial, a razoabilidade serve para constatar e corrigir o equívoco legislativo, com a finalidade de: a) declarar a inconstitucionalidade formal do inciso I do novo artigo 114, suprimindo-o; ou b) declarar a inconstitucionalidade do dispositivo impugnado para que lhe seja dada interpretação conforme a Constituição e o princípio da razoabilidade.

DA MEDIDA CAUTELAR

De fácil percepção, pelo relatado nos tópicos anteriores, que a presente ação direta de inconstitucionalidade clama o deferimento de provimento cautelar, inaudita altera parte, como faculta a letra “p” co inciso I do artigo 102 da Lei Maior, bem como o § 3º do artigo 10 da Lei nº 9.868/99, sob pena dos efeitos caóticos, derivados da divergência na exegese do inciso I do artigo 114 da CF/88, produzirem o seguinte quadro:

a) alguns juízes do trabalho e Tribunais Regionais do Trabalho avocando competência para os processos que tratam da relação dos servidores ocupantes de cargos criados por lei, de provimento efetivo ou em comissão, incluídas as autarquias e fundações públicas, com os respectivos entes da Federação, outros entendendo que não adquiriram tal competência;

b) alguns juízes federais, Tribunais Regionais Federais, juízes de direito e Tribunais de Justiça estaduais declinando competência para os processos referidos acima, outros entendendo pela manutenção da sua competência quanto aos mesmos.

Essa discussão seria obviamente estimulada pelo disposto no artigo 87 do Código de Processo Civil, que diz que a competência se deslocaria imediatamente, mesmo para os processos em andamento, verbis:

“Art. 87. Determina-se a competência no momento em que a ação é proposta. São irrelevantes as modificações do estado de fato ou de direito ocorridas posteriormente, salvo quando suprimirem o órgão judiciário ou alterarem a competência em razão da matéria ou da hierarquia”.

(sem grifos no original)

O caos seria evidente, eis que:

a) Multiplicar-se-iam, provavelmente aos milhões (afinal, qual será o número aproximado de processos afetados, nas Justiças Estaduais, Federal, e em todos os tribunais atualmente competentes para conhecerem tais processos?), os conflitos de competência, tanto negativos quanto positivos, paralisando os processos respectivos por anos e sobrecarregando absurdamente o Judiciário.

b) Nos casos em que os processos fossem redistribuídos, ocorreria o problema aparentemente insolúvel da adequação dos ritos do Código de Processo Civil para o rito trabalhista. Afinal, não há resposta para como ficariam eventuais recursos tramitantes ou ainda não interpostos (alguns com prazos diferentes), por exemplo, na seara federal, a exemplo dos agravos de instrumento, recursos de apelação, recursos especiais e recursos extraordinários, quando os processos fossem redistribuídos para a Justiça do Trabalho.

c) Enorme confusão se estabeleceria no que diz com a distribuição das novas ações judiciais, na medida em que haveriam entendimentos divergentes entre os diversos Juízos.

d) Todas as situações referidas nos itens precedentes implicariam numa sobrecarga de trabalho para os Juízes e secretarias, na medida em que demandariam milhões de decisões e de procedimentos burocráticos. A Justiça do Trabalho, por sua vez, sequer disporia de estrutura, tanto humana quanto física, para receber os milhões de processos em andamento que sofressem deslocamento de competência, do que decorreria seu emperramento por tempo indeterminado.

e) Maior ainda será o prejuízo quando, depois de toda essa maratona de conflitos de competência e redistribuição de autos, a Câmara vier a aprovar a integralidade do texto aprovado no Senado para o inciso I do artigo 114, esclarecendo definitivamente a questão, e remetendo todos os processos de volta para os juízos onde atualmente tramitam. A mesma situação ocorrerá no caso de indeferimento da medida cautelar ora pleiteada e posterior julgamento de procedência desta ação direta de Inconstitucionalidade.

f) O prejuízo social dessa situação absurda seria imensurável, tendo em vista a demora e desorganização que geraria na prestação jurisdicional, e afetaria de forma ainda mais grave os milhões de servidores doentes e/ou idosos que demandam já há anos em busca de seus direitos.

As possibilidades de prejuízo suscitadas ultrapassam largamente o terreno da mera especulação.

Em demonstração ao afirmado, o Juízo da Vara do Trabalho de Conceição de Coité, Bahia, no dia 10 de janeiro de 2005, proferiu sentença em que se reconhece competente para as demandas envolvendo servidor estatutário, com base na nova redação do artigo 114, inciso I, da CF/88, na forma inserida pela EC 45/2004.

Esse julgamento deu origem à notícia veiculada pela página da ANAMATRA na Internet, dia 13 de janeiro de 2005, com o conteúdo seguinte:


13/01/2005

JT coloca em prática novas competências garantidas pela reforma do Judiciário

Juiz baiano reconhece a competência da Justiça do Trabalho para julgamento de ações envolvendo servidores públicos estatutários.

Rossana Alves, assessora de imprensa da Amatra 5

A Justiça do Trabalho da Bahia está colocando em prática as novas competências atribuídas aos juízes do trabalho pela reforma do Judiciário, que entrou em vigor no início de 2005. Em sentença proferida no dia 10 de janeiro, o juiz Agenor Calazans Filho, titular da Vara do Trabalho de Conceição do Coité (BA), reconheceu a competência da Justiça do Trabalho para julgar ações envolvendo servidores públicos estatutários, prevista no novo texto constitucional.

A primeira decisão na Bahia reconhecendo a nova competência foi proferida a partir de ação movida por Maria de Lourdes Miranda Queiroz contra os municípios de Serrinha e de Barrocas. Ex-servidora pública concursada da prefeitura de Serrinha, posteriormente absorvida pela prefeitura de Barrocas, Maria de Lourdes foi demitida sem justa causa, apesar de ter estabilidade no emprego garantida pela Constituição. Sendo assim, pleiteou a reintegração no emprego com o pagamento de salários vencidos, além das gratificações natalinas e férias vencidas ao longo do período em que esteve afastada da prefeitura, as quais foram acatadas por Agenor Calazans.

A Constituição Federal estabelecia que a Justiça do Trabalho tinha competência para julgar apenas as ações oriundas da relação de emprego. Ou seja, os juízes do trabalho julgavam apenas os processos que envolviam controvérsias entre empregados e empregadores do setor privado e servidores públicos contratados com base na CLT, tais como o pagamento de salários, férias, 13o, horas extras, adicionais, entre outros.

O artigo 114 do novo texto constitucional amplia a competência, ao determinar que todas as ações oriundas da relação de trabalho passam para a esfera de atuação da Justiça do Trabalho. Na prática, isso significa que os magistrados trabalhistas passarão a julgar todos os conflitos gerados pelos contratos de prestação de serviço, que envolvem servidores públicos estatutários e celetistas, profissionais liberais, corretores, representantes comerciais, estagiários, trabalhadores eventuais, contratados pelo poder público por tempo determinado, entre outros profissionais.

Segundo a presidente da Associação dos Magistrados do Trabalho da 5a Região (Amatra 5), juíza Maria de Fátima Stern, a ampliação da competência terá reflexos profundos na atuação dos juízes do trabalho, que passarão a analisar um número bem maior de processos. “A Justiça do Trabalho terá que repensar toda a sua estrutura, tanto do ponto de vista material quanto de pessoal, para poder se adequar à nova realidade”, afirma Fátima Stern, que promoverá nos dias 28 e 29 de janeiro um seminário para discutir com os juízes baianos as novas atribuições.”(28)

A sentença noticiada, por sua vez, tem seus principais trechos transcritos abaixo:

“VARA DE CONCEIÇÃO DO COITÉ

(processo 01170-2003-251-05-00-4-RT) SENTENÇA

MARIA DE LOURDES MIRANDA QUEIROZ reclama contra MUNICÍPIO DE SERRINHA e MUNICÍPIO DE BARROCAS pleiteando reintegração no emprego com o pagamento de salários vencidos e vincendos ou, sucessivamente, o pagamento de verbas rescisórias sob alegação de dispensa injusta, além de, em qualquer das hipóteses, o pagamento das gratificações natalinas e férias vencidas ao longo do vínculo, tudo conforme narrativa da inicial de fls. 1/5. Postulou, mas teve indeferida a antecipação dos efeitos da tutela principal pretendida (fl. 14). O primeiro reclamado respondeu argüindo a incompetência da Justiça do Trabalho, suscitando preliminares de prescrição e de inépcia da inicial e, no mérito, defendendo a improcedência. O segundo reclamado ofertou exceção de incompetência em razão da matéria, recebida como preliminar (ata de fls. 15/16) e contestou argüindo prescrição e, no mérito, defendendo a improcedência. Inicial e defesas instruídas com documentos, assegurada a vista devida. As partes foram dispensadas de interrogatórios. Depôs uma testemunha apresentada pela reclamante. Reiterativas as razões finais. Alçada fixada oportunamente. Sem êxito as propostas de conciliação. É O RELATÓRIO.

I.

Incompetência da Justiça do Trabalho.

Suscitam-na ambos os acionados sob o argumento de que mantêm regime jurídico não celetista, pelo que faleceria competência à Justiça do Trabalho para a contenda. Matéria superada. A Emenda Constitucional n.º 45/2004, empresta a seguinte redação ao artigo 114, da Carta Magna:

“Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:

I – as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios”.


Como se vê, estão atribuídas ao conhecimento da Justiça especializada não apenas ações oriundas de relações de emprego, mas todas as ações que tenham por origem relações de trabalho. Não há, ademais, como antes havia, exceção referente aos servidores públicos federais, estaduais ou municipais. Enfim, não será o caso de por haver sido proposta “reclamação trabalhista” não se conhecer da postulação, pois não importa o nome da ação, mas o pedido formulado, incidindo o princípio de que as partes dizem os fatos e o Juiz diz o Direito. Rejeito a argüição de incompetência.

II.

Inépcia.

O primeiro reclamado suscita preliminar inominada, pois apenas pede a extinção do processo sem julgamento do mérito, mas, porque acusa a inicial de padecer da falta de indicação de requisito essencial, aponta, evidentemente, defeito de formação, logo, diz ser inepta a peça vestibular. O fato, conforme o argüente, seria a omissão de qual dos acionados seria o responsável pela contratação no período de janeiro de 2001 a setembro de 2003. A argüição não tem mínima razoabilidade. A contratação teria sido efetivada desde 1994. A criação de um novo município fez surgir o debate quanto a responsabilidade pelo período indicado na preliminar. Exatamente essa definição persegue a autora. Rejeito a preliminar.

III.

Prescrição.

Argüição de ambos os acionados. O primeiro afirma que a reclamante teria deixado seu serviço desde dezembro de 2000 e o segundo argumenta com a própria narrativa da exordial, segunda a qual desde janeiro de 2001, quando deixou de receber vencimentos, teria a reclamante obtido informação do Prefeito de cada município reclamado de que a responsabilidade pelo pagamento dos salários não era sua, mas do litisconsorte. Diz o segundo acionado que isso corresponderia a despedimento e assim já teria se consumado o prazo prescricional de dois anos para ajuizamento de reclamação trabalhista. Lembre-se, está reconhecido que o vínculo não era de emprego. Demais disso, a inicial informa que a reclamante continuou trabalhando até 20 de junho de 2002 e quanto a essa alegação não houve contestação. Nessa data, conforme a inicial, cada Prefeito orientou a reclamante a deixar de trabalhar. Desse modo, houve alegação de despedimento em 20 de junho de 2002 e dessa data até o ajuizamento da ação não operou-se prescrição. Rejeito a preliminar de prescrição absoluta.

IV.

Coisa julgada.

O segundo reclamado trouxe à colação decisão do Colendo Tribunal de Justiça do Estado proferida em julgamento de mandado de segurança impetrado pela ora reclamante contra ato omissivo do Chefe do Executivo municipal. A notícia desse julgamento impõe conhecimento de preliminar de coisa julgada, já que naquele feito buscava a ora demandante o pagamento de salários, como faz nesta reclamação. O “writ” foi indeferido, havendo a Corte estadual proclamado a ilegitimidade passiva do Município de Barrocas. O fundamento da decisão foi o de que o desmembramento territorial do município empregador não implica sucessão com transferência de responsabilidade para o município derivado. Ora, em sendo assim, houve, necessariamente, a conclusão de que a responsabilidade persiste com o município originário. Ocorre que o Município de Serrinha, o originário, não participara daquela ação mandamental, logo, a decisão ali proferida não lhe é oponível. A relação processual não se formou corretamente, vênia concedida. Não há, pois, coisa julgada, cumprindo, por derradeiro, invocar a regra processual de que os fundamentos da decisão não fazem, de fato, coisa julgada (artigo 469, inciso I, CPC).

V.

Natureza do vínculo. O litisconsórcio passivo.

Conquanto já rejeitada a argüição de incompetência, base na nova redação do artigo 114, da Constituição Federal, tal a dicção da Emenda 45/2004, cabe definir quanto à natureza da relação jurídica de direito material. A rigor, não há controvérsia quanto aos fatos, propriamente. A reclamante submeteu-se a concurso público, foi nomeada e empossada no serviço do primeiro reclamado (Município de Serrinha) em 02 de maio de 1994. O vínculo então estabelecido não fora o de emprego, conforme se constata no termo de compromisso e posse (fl. 10) e a anotação na CTPS, providência desnecessária que poderia ensejar alguma confusão, não fora de contratação, mas de nomeação (fl. 12) – cabe lembrar, por oportuno, já não ser obrigatória a existência de único regime jurídico de pessoal, tal a atual redação do artigo 39, da Constituição Federal, agora com a redação que lhe foi dada pela Emenda Constitucional n.º 19/1998. Estava, pois, a reclamante submetida ao regime instituído pelo próprio município. Adveio, porém, o desmembramento do município de Serrinha para a criação do Município de Barrocas, isso ocorrido em 30 de março de 2000, conforme a Lei Estadual n.º 7.620/2000 (fls. 105/106). O problema surge quando um município atribui ao outro a responsabilidade pelo pagamento dos vencimentos da reclamante, o que se deu a partir de janeiro de 2001. Diz o artigo 8º da lei estadual já mencionada que o município de origem deve administrar o novo município até a data de sua efetiva instalação. Somente se compreende o esforço de isenção de responsabilidade de cada município como decorrente de desentendimento ocasional. Não há dúvida que a reclamante laborava em serviço do interesse do antigo distrito de Barrocas, elevado a município. Não pode haver dúvida quanto à absorção da força de trabalho da reclamante. A prova testemunhal reforça, pois não havia controvérsia, o fato de que a reclamante laborava em estabelecimento de ensino situado no distrito, hoje município, de Barrocas. Com acerto, o Prefeito do município de origem – Serrinha – baixou decreto tratando da disponibilidade dos servidores para o novo município. É certo que a expressão “disponibilidade” não corresponde, necessariamente, à transferência de quadro. Trata-se, contudo, de mera impropriedade de alocução, tanto assim que no artigo 2º do mesmo decreto, há referência à responsabilidade pelos direitos assegurados (fls. 69/70). O nome da reclamante está incluído no rol daqueles transferidos (fl. 72). Reconheço a responsabilidade do Município de Barrocas, sem que isso seja excludente de responsabilidade do Município de Serrinha, já que este deve responder pelos encargos relativos ao período no qual a força de trabalho era empregada a seu serviço.


VI.

Mérito. As pretensões deduzidas:

a.. reintegração. A reclamante ingressou no serviço público de modo regular, após processo seletivo no qual galgou aprovação, foi nomeada e empossada. Diz o artigo 41, da Constituição Federal, que o servidor nomeado para cargo de provimento efetivo adquire estabilidade após três anos de efetivo exercício. É bem o caso. A reclamante foi empossada em 02 de maio de 1994, logo, desde 1997 adquiriu estabilidade, por isso não poderia ser despedida sem prévio procedimento de apuração de falta grave (jamais alegada neste feito). Deu-se a sucessão com o desmembramento do Município de Serrinha para a criação do Município de Barrocas. Cabe, pois, a reintegração no serviço do segundo acionado, que deve pagar os salários vencidos desde janeiro de 2001 e vincendos até a data da efetiva reintegração (os posteriores, obviamente, serão devidos, mas já em razão do próprio vínculo de direito material);

b.. gratificações natalinas. Postulação pertinente a todo o vínculo. Não há prova de qualquer pagamento. De 1994 a dezembro de 2000, a responsabilidade cabe ao Município de Serrinha e a partir de janeiro de 2001, o encargo é do Município de Barrocas;

c.. férias. Não há prova de concessão e pagamento. O contrato entre reclamante e segundo reclamado está vigendo. Não cabe cogitar, obviamente, de férias proporcionais. No tocante às vencidas, o pedido se limita ao pagamento. Ocorre que férias constituem direito irrenunciável. Vale dizer, não basta o pagamento, porquanto imprescindível a efetiva fruição, ou seja, o afastamento do trabalhador do serviço, o descanso anual. Não se compatibiliza com direito assim erigido a possibilidade de mero pagamento. A lei – artigo 137, § 1º, da CLT – confere ao trabalhador o direito de, vencido o prazo de concessão, desatendido pelo empregador, propor ação judicial perseguindo que seja fixada a época de gozo das férias adquiridas. Não é que o trabalhador não tenha direito a pagamento em dobro de férias vencidas não concedidas no devido prazo apenas porque subsiste o contrato de trabalho. Não é isso. Ocorre que o pagamento é dever subseqüente ao da concessão ou reparação pela impossibilidade de conceder as férias em razão da extinção do vínculo. Não há o pedido de fixação de época de concessão de férias. Assim, a reclamação não se afigura conforme a Lei, já que ensejaria pagamento sem fruição de férias, sendo, no entanto, esse direito irrenunciável, conforme antes observado. Desnecessário talvez assinalar, mas cumpre fazê-lo por dever de lealdade processual, que, embora indeferido o pleito como ora deduzido, nada impede que nova ação seja proposta na qual se postule a fixação do período de gozo das férias e o respectivo pagamento.

As demais pretensões foram formuladas para a hipótese de indeferimento da reintegração (verbas rescisórias), logo, não devem ser conhecidas.

CONCLUSÃO.

Isto posto, rejeito a argüição de incompetência, assim a preliminar de inépcia da inicial, também a preliminar de prescrição absoluta e, no mérito, julgo a ação procedente, em parte, condenando primeiro reclamado – Município de Serrinha – a proceder ao pagamento à reclamante de gratificações natalinas vencidas até o ano 2000, ficando condenado o segundo reclamado – Município de Barrocas – a efetivar a reintegração da reclamante no emprego, pagando-lhe salários vencidos desde janeiro de 2001 e vincendos até a data da efetiva reintegração, inclusive gratificações natalinas do mesmo período, TUDO nos termos da fundamentação supra. Incidem juros legais. Atenda-se a efetiva progressão salarial da reclamante e observe-se a restrição prescricional qüinqüenal (art. 11, CLT, c/c art. 178, § 10, Código Civil).

Em atendimento à exigência disposta na Lei 10.035/2000, cumpre expressar que têm natureza de remuneração, além dos salários, as gratificações natalinas.

Fixo o valor das custas processuais em R$ 60,00 (sessenta reais), calculadas sobre R$ 3.000,00 (três mil reais) valor atribuído à causa para esse efeito.

PRAZO de 8 (oito) dias.

São, no entanto, privilégios dos reclamados, por força do disposto no decreto-lei 779/69, o dobro do prazo para recurso, desnecessidade de depósito para o caso de interposição de apelo e necessário duplo grau de jurisdição, além de isenção de recolhimento de custas, conforme o inciso I, do artigo 790-A, da CLT, com a redação que lhe deu a Lei 10.537/2002. Assim, decorrido o prazo, mesmo sem recurso voluntário, SUBAM os autos ao Egrégio Tribunal Regional do Trabalho.

NOTIFIQUEM-SE.

10 de janeiro de 2005.”(29)

Diante dos riscos envolvidos e já confirmados, não há como compactuar com a manutenção pura e simples da vigência do inciso I do novo artigo 114 da Constituição Federal de 1988, pois além das violações apontadas anteriormente, o princípio da efetividade processual e a segurança jurídica restariam inevitavelmente comprometidos.


Ademais, a paralisia processual que os procedimentos descritos acima gerariam conspira contra todo o espírito que permeou a Reforma do Judiciário, de contribuir para uma justiça mais célere e eficaz.

Assim, pelo conjunto dos fundamentos traçados e do prejuízo institucional e imediato envolvido, tem-se por configurado o fumus boni iuris e o periculum in mora, devendo ser concedida a cautelar requerida pela Autora, para suspender a eficácia do inciso I do artigo 114 da CF/88 ou sustar qualquer aplicabilidade do dispositivo impugnado que pretenda incluir na competência da Justiça do Trabalho a relação da União, Estados, Distrito Federal e Municípios com os seus servidores ocupantes de cargos criados por lei, de provimento efetivo ou em comissão, incluídas as autarquias e fundações públicas, até o julgamento final dessa Ação Direta de Inconstitucionalidade.

DOS PEDIDOS

Em face do exposto, requer:

a) com fulcro na letra “p” do inciso I do artigo 102, da CF/88, bem como no § 3º do artigo 10 da Lei nº 9.868/99, presentes os requisitos necessários, a concessão de medida cautelar, inaudita altera parte, para o fim de:

a.1) sustar os efeitos do inciso I do artigo 114 da CF/88, inserido pela EC 45/2004, com eficácia ex tunc e até o julgamento final da ação; ou

a.2) sustar, com eficácia ex tunc e até o julgamento final da ação, os efeitos do dispositivo impugnado, ressalvando sua inaplicabilidade para qualquer exegese que pretenda dar aplicabilidade ao dispositivo impugnado para incluir na competência da Justiça do Trabalho a relação da União, Estados, Distrito Federal e Municípios com os seus servidores ocupantes de cargos criados por lei, de provimento efetivo ou em comissão, incluídas as autarquias e fundações públicas, de cada ente da Federação;

b) solicitação de informações ao Congresso Nacional, para que as preste, no prazo legal;

c) citação do Advogado-Geral da União, conforme o § 3º do artigo 102 da CF/88;

d) intimação do Procurador-Geral da República, para que se manifeste, no prazo legal;

e) conhecimento e processamento da presente ação, com o julgamento final de sua procedência, para os fins de:

e.1) declarar a inconstitucionalidade formal do inciso I do artigo 114 da CF/88, inserido pela EC 45/2004, com eficácia ex tunc;

e.2) sucessivamente, caso rejeitada a inconstitucionalidade formal, declarar a inconstitucionalidade do inciso I do artigo 114 da CF/88, com eficácia ex tunc, para que lhe seja dada interpretação conforme, sem redução de texto, reconhecendo-se a inconstitucionalidade da interpretação que inclua na competência da Justiça do Trabalhos a relação da União, Estados, Distrito Federal e Municípios com os seus servidores ocupantes de cargos criados por lei, de provimento efetivo ou em comissão, incluídas as autarquias e fundações públicas, de cada ente da Federação.

Dá-se à causa o valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais), para efeitos fiscais.

N.T.

P.D.

Brasília, DF, 25 de janeiro de 2005.

Paulo Roberto Saraiva da Costa Leite

OAB/DF 3.333

José Luis Wagner

OAB/DF 17.183

Rudi Meira Cassel

OAB/RS 49862

DOCUMENTOS ANEXADOS:

1) Instrumento de mandato, ata de posse da diretoria e designação do presidente, estatuto da AJUFE.

2) Câmara dos Deputados: diário de votação da PEC 96/1992, em primeiro e segundo turnos e texto aprovado.

3) Senado Federal: diário de votação da PEC 29/2000, em primeiro e segundo turnos e textos aprovados para promulgação e para retorno à Câmara dos Deputados.

4) Emenda promulgada e publicada no DOU de 31.12.2004

Notas de rodapé

(1) Cópia das principais peças de tramitação, em anexo.

(2) Cópia das principais peças de tramitação, em anexo.

(3) Cópia em anexo)

(4) STF. ADIn nº 34. Relator Min. Octavio Gallotti. DJU em 28.04.1989.

(5) STF. ADIn nº 52. Relator Min. Célio Borja. DJU em 29.09.1990, p. 9.721. Cf. Hely Lopes Meirelles. Mandado de Segurança. 23. ed. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 303.

(6)Celso Ribeiro Bastos; Ives Gandra Martins. Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 1997, v. 4, t. III. p. 256.

(7) STF. ADIn nº 2874. Relator Min. Marco Aurélio. DJU em 03.10.2003, p. 220.

(8) Alexandre de Moraes. Direito Constitucional. 12.ª ed. São Paulo: Atlas, 2002. p. 615-616.

(9) Sem observância da redação que lhe foi dada, em dois turnos de aprovação, pelo Senado Federal.

(10) Supremo Tribunal Federal.,ADC nº 3/UF, relator Ministro Nelson Jobim, julgada em 1º.12.1999, publicada no DJ de 9.5.2003, p. 43, ement. vol. 2109-01, p. 1.

(11) Supremo Tribunal Federal, Pleno, ADI n° 2031, relatora Ministra Ellen Gracie, acórdão publicado no DJ 17/10/2003. No mesmo sentido: Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 574, Pleno, unânime, relator Ministro Ilmar Galvão, publicado no DJ de 11.03.1994

(12) Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, 2ª edição, revisada e ampliada, Editora: Nova Fronteira, p. 457.

(13) Supremo Tribunal Federal.,ADC nº 3/UF, relator Ministro Nelson Jobim, julgada em 1º.12.1999, publicada no DJ de 9.5.2003, p. 43, ement. vol. 2109-01, p. 1.

(14) BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. São Paulo: Malheiros, 2003, 13ª ed. p.437.

(15) Jurisdição Constitucional, São Paulo, Saraiva, 1996, p. 222

(16) Exemplo de decisões do STF usando a interpretação em debate: ADI 2652/DF e ADI n° 1586/PA.

(17) GIGLIO, Wagner D. Direito Processual do Trabalho. 12ed. Ed. Saraiva. 2002. P.28.

(18) Os servidores públicos e a Justiça do Trabalho, in Synthesis, volume 15/92. p.77/81. Supremo Tribunal Federal, ADI 492-1/DF, relator Ministro Carlos Velloso, julgado em 12.11.1992, publicado no DJ de 12.3.1993, 3557, ement/vol. 1695-01, p. 80, RTJ 145-01, p. 68.

(19) Trecho do voto proferido pelo Ministro Carlos Velloso, referindo-se ao posicionamento do Min. Octavio Galllotti, na ADI nº 492-1/DF

(20) Parecer proferido pela Procuradora do Ministério Público Federal na Adin nº 492-1/DF.

(21) Supremo Tribunal Federal, AI 210749 AgR/RS, relator Ministro Ilmar Galvão, julgado em 11.12.1998, publicado no DJ de 7.5.1999, p. 5, ement./vol. 1949-03, p. 566.

(22) Supremo Tribunal Federal, RE 182053 AgR/SP, relator Ministro Marco Aurélio, julgado em 15.12.1994, publicado no DJ de 10.8.1995, p. 23605, ement./vol. 1795-11, p. 02267.

(23) Supremo Tribunal Federal, 1ª Turma, RE 412383, Relator Ministro Sepúlveda Pertence, julgado em 30/03/04, publicado no DJ 04/06/04.

(24) Supremo Tribunal Federal, 1ª Turma, Agravo Regimental em RE n° 407575 AGR/DF, relator Ministro Cezar Peluso, publicado no DJ de 03.08.2004.

(25) TST. RR 610241. Quinta Turma. Rel. Min. Rider Nogueira de Brito. DJ 07/02/2003.

(26) Curso de Direito Administrativo Positivo. 2 ed. Belo Horizonte: Del Rey, 1999. p.76.

(27) BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 7ª ed. São Paulo: Malheiros, 1998. p. 395.

(28) Notícia veiculada pela página www.anamatra.org.br, acesso em 14.1.2005.

(29) Sentença divulgada em 13.1.2005 na página www.anamatra.org.br, acesso em 14.1.2005.

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