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Invasão de conta de banco na internet dá direito a indenização

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24 de janeiro de 2005, 17h51

O Banco Itaú terá de reparar por danos morais dois clientes que tiveram o dinheiro de sua conta corrente retirado indevidamente através da internet por hackers assaltantes. Além do prejuízo financeiro, as vítimas foram punidas pelo banco que os denunciou aos órgãos de proteção ao crédito e retirou os benefícios concedidos a clientes especiais a que tinham direito.

Para um dos autores da ação foi fixado 50 salários mínimos. Para outro ficou estabelecido 30 salários mínimos. A 12ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que ditou a sentença, considerou que “o banco agiu de forma imprudente, precipitada e de forma abusiva, causando prejuízos morais aos autores”. Cabe recurso.

O banco apelou da decisão da primeira instância que fixou o valor em 50 salários mínimos para cada correntista. O relator do recurso, desembargador Heemann Junior, entendeu que o recurso deveria ser parcialmente provido. Ele reconheceu que o dano moral não foi igual para ambos e reduziu a reparação de um deles para 30 salários mínimos.

Foi mantida a quantia de 50 salários mínimos para o autor da ação que teve abalo moral em maior extensão, permanecendo com o nome no cadastro de devedores, mesmo após a concessão de liminar para a anulação do registro.

Com relação à pertinência da reparação por danos morais, o desembargador reproduziu trecho da sentença da juíza da primeira instância, Helena Marta Suarez Macial. “Mesmo após admitir possibilidade de que os autores tivessem sido vítima de fraude, o banco encaminhou o nome dos autores aos órgãos de restrição ao crédito, emitiu título cobrando o débito e o encaminhou a protesto e enviou avisos de cobrança aos autores, retirando-lhes todos os privilégios concedidos aos clientes especiais! A abusividade do réu é flagrante. Nem se fala da total falta de respeito ao cliente!”.

O desembargador salientou que, no caso, a relação contratual está subordinada às disposições do Código de Defesa do Consumidor e cabendo, por isso, aplicação do princípio da inversão do ônus da prova. Para o relator, o banco deveria “comprovar que os débitos foram legitimamente lançados”.

Processo nº 70009506122

Leia a íntegra do acórdão

APELAÇÃO. CAUTELAR E REPARATÓRIA POR DANOS MORAIS. DÉBITOS INDEVIDAMENTE LANÇADOS NA CONTA-CORRENTE DOS AUTORES VIA INTERNET.

1.Admitindo o banco réu a possibilidade de que os débitos discutidos pelos autores foram lançados via internet por “hackers”, não se têm por incontroversos os valores exigidos pela instituição financeira.

2.Ausência de inconformidade específica quanto ao estorno de valores deferido em liminar e mantido na sentença.

Incidentes na relação contratual debatida as disposições do Código de Defesa do Consumidor e o princípio da inversão do ônus da prova, incumbia ao réu a comprovação da regularidade dos débitos efetuados por transações via Internet.

3.Danos morais ocorrentes. Aponte de título, envio dos nomes dos demandantes a cadastros de inadimplentes e cancelamento do cheque especial após o ajuizamento da demanda cautelar.

Reconhecido o maior abalo moral do co-autor que teve o nome negativado após a concessão da medida obstativa de cadastramento. Manutenção, quanto a ele, da verba reparatória de 50 salários mínimos. Redução, quanto ao outro autor, para 30 salários mínimos.

Apelo parcialmente provido.

APELAÇÃO CÍVEL – DÉCIMA SEGUNDA CÂMARA CÍVEL

Nº 70009506122 – COMARCA DE PORTO ALEGRE

BANCO ITAÚ S.A. – APELANTE

DAVI EGAZ MONIS – APELADO

ANDRE NEVES RICO – APELADO

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Magistrados integrantes da Décima Segunda Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em dar parcial provimento ao apelo.

Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, além do signatário (Presidente), as eminentes Senhoras DESA. NAELE OCHOA PIAZZETA E DRA. AGATHE ELSA SCHMIDT DA SILVA.

Porto Alegre, 18 de novembro de 2004.

DES. ORLANDO HEEMANN JUNIOR,

Presidente e Relator.

RELATÓRIO

DES. ORLANDO HEEMANN JUNIOR (PRESIDENTE E RELATOR)

Trata-se de apelação interposta por BANCO ITAÚ S.A. da sentença que julgou procedentes as ações cautelar e reparatória por danos morais, em face de valores indevidamente debitados em conta-corrente, demandas propostas por DAVI EGAZ MONIZ e ANDRÉ NEVES RICCO, tornando definitiva a medida de sustação de protesto e condenando o réu ao pagamento de 50 salários mínimos a cada um dos autores, bem como em multa diária de R$100,00, pelo período de 03.11.2003 a 23.12.2003, por descumprimento da liminar.

O apelante evidencia que a liminar concedida não vedava o aponte cambial de título representativo da dívida. A existência do débito é incontroversa e não houve conduta ilícita a ensejar a reparação imposta na sentença. Ressalta ser parte ilegítima para a ação indenizatória, postulando a extinção do feito sem julgamento do mérito.

Aduz que agiu no exercício regular de seu direito e que não há prova de ocorrência de prejuízo aos demandantes, ou de culpa do ora apelante. Ressalta que o próprio julgador a quo evidenciou que o banco não pode ser responsabilizado por atitudes de terceiros (hackers) na conta-corrente dos ora apelados.

Requer o indeferimento da condenação imposta, ou sua redução, salientando que apenas um dos demandantes teve o nome negativado.

O recurso é tempestivo e foi preparado.

Contra-razões pela manutenção da sentença.

VOTOS

DES. ORLANDO HEEMANN JUNIOR (PRESIDENTE E RELATOR)

Acerca da prefacial de ilegitimidade passiva, cabe salientar que a matéria invocada se confunde com o mérito, e nesses termos será apreciada.

O presente caso envolve débitos lançados na conta-corrente dos demandantes, que se efetivaram via Internet e que, segundo a inicial, não foram efetuados pelos correntistas.

O banco, por sua vez, imputa a “hackers” a realização das operações, cujos códigos constantes dos extratos juntados aos autos sequer identificou.

A relação contratual aqui debatida está subordinada às disposições do Código de Defesa do Consumidor. Nesse sentido, a Súmula 297 do STJ. Cabe então aplicar-se o princípio da inversão do ônus da prova, quando verossímil a explanação dos fatos (art. 6º, inc. VIII).

Cabia, pois, ao banco demandado comprovar que os débitos foram legitimamente lançados.

Ora, se reconheceu a possibilidade de que “hackers” teriam efetuado operações ilícitas na conta dos demandantes, por certo que admitiu indevidos os valores debitados, de maneira que ilegítima a reiterada cobrança efetivada, inclusive após a propositura da demanda cautelar.

Pelo que se extrai das razões recursais, o banco não se insurge contra o cancelamento dos débitos, medida que foi autorizada em liminar – na demanda preparatória – e mantida pela sentença.

Todavia, cumpre ressaltar que resta mantida a responsabilidade da instituição ré pelo estorno dos débitos infirmados, principalmente ante as declarações prestadas por sua preposta (fls.73), no sentido de que outros casos semelhantes ao dos autores ocorreram no banco, tendo havido a devolução dos valores sem nenhuma perda para os clientes”.

Portanto, contrariamente ao sustentado pelo apelante, não há falar em dívida incontroversa.

Acerca dos danos morais, são devidos na situação concreta.

A sentença, de lavra da Dra. Helena Marta Suarez Maciel, bem apreciou a matéria, pelo que adoto o seguinte trecho, como razões de decidir:

“(…) Os autores eram clientes antigos do réu, desde 1983. Possuíam conta especial. O banco estava ciente de que os autores contestavam as operações realizadas pela Internet, comprovadamente desde a citação da cautelar, mas segundo as testemunhas, desde a ocorrência do fato. Em 28.7.2003, o banco apresenta contestação no feito cautelar admitindo a possibilidade de que os autores tivessem sido vítima de fraude pela Internet, fato este que já ocorrera com outros clientes, conforme declarou a representante legal do banco (fl. 73), mesmo assim, encaminha o nome dos autores aos órgãos de restrição ao crédito, emite título cobrando o débito e o encaminha a protesto, envia avisos de cobrança aos autores, retirando-lhes todos os privilégios concedidos aos clientes especiais! A abusividade do réu é flagrante. Nem se fala da total falta de respeito ao cliente! O banco agiu de forma imprudente, precipitada e de forma abusiva, causando prejuízos morais aos autores, inclusive descumprindo a liminar concedida pelo juízo, já que, em 10.12.2003 o autor André continuava cadastrado junto ao SPC (fl. 43) mesmo ciente da liminar ao menos desde 03.11.2003 quando peticionou em juízo nos autos da cautelar”. (fl. 87)

Aduz o apelante que a liminar concedida não vedava o aponte cambial de título representativo da dívida.

Tal argumento não encontra amparo no conjunto probatório.

Observe-se que o banco levou a aponte letra de câmbio (fl.47 da cautelar apensa), o que motivou o deferimento de liminar de sustação do protesto (fl.76 dos autos em apenso), contra o que não houve recurso do banco.

Ora, se o demandado já tinha ciência da discussão acerca dos débitos lançados através da internet, poderia ter adotado maiores cautelas para preservação de seus clientes, antes da cobrança, se notória a ocorrência de situações como a narrada nos autos, em face da informatização dos serviços bancários.

Pelo mesmo motivo, de ser rechaçada a alegação de que a conduta do banco se pautou pelo exercício regular de direito.

Os danos morais sofridos pelos demandantes decorrem das circunstâncias acima enunciadas bem como do cancelamento do limite de crédito (conforme demonstra o aviso de fl. 13) e do envio do nome dos demandantes aos cadastros de inadimplentes, após a propositura da demanda cautelar.

Todavia, forçoso reconhecer que o abalo moral de maior extensão coube ao autor André Neves Ricco, que teve o nome negativado após a concessão da medida liminar, situação que perdurou, ao menos, até 10.12.2003, segundo o documento de fl. 43.

Diante disso e considerando os parâmetros adotados por esta Câmara, bem como as condições econômicas das partes (os autores são empresários em sociedade de turismo), o caráter punitivo da reparação, mas também a circunstância de que não se deve prestigiar o enriquecimento sem causa, estou por reduzir a verba reparatória destinada ao autor Davi Egaz Moniz a 30 salários mínimos, mantendo a soma arbitrada na sentença, quanto ao autor André Ricco.

Nesses termos, DOU PARCIAL PROVIMENTO ao apelo, apenas para reduzir a verba reparatória por danos morais ao autor Davi Egaz Moniz a 30 salários mínimos.

Vão mantidos os ônus sucumbenciais como fixados na sentença.

DESA. NAELE OCHOA PIAZZETA (REVISORA) – De acordo.

DRA. AGATHE ELSA SCHMIDT DA SILVA – De acordo.

DES. ORLANDO HEEMANN JUNIOR – Presidente – Apelação Cível nº 70009506122, Comarca de Porto Alegre: “DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO APELO. UNÂNIME.”

Julgador(a) de 1º Grau: HELENA MARTA SUAREZ MACIEL

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