Abuso de imagem

Empregado é multado por usar fotos de cadáveres em ação trabalhista

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23 de janeiro de 2005, 12h20

Não é legal usar fotos de cadáveres como prova de que o trabalho em cemitério é insalubre. O Tribunal Regional da 4ª. Região condenou por litigância de má-fé um ex-empregado de uma funerária de Pelotas, Rio Grande do Sul justamente por esse motivo. A justiça reconheceu que o trabalho era insalubre, mas condenou o trabalhador a pagar multa de 1% do valor da causa, quantia que será doada ao programa Fome Zero, pelo uso das fotos macabras anexadas aos autos.

Segundo os autos encaminhados ao TRT-4, o ex-empregado Ronaldo Marins Lemes anexou ao processo 13 fotografias de cadáveres de pessoas alheias aos fatos. Na primeira instância o juiz já havia determinado a retirada das fotos dos autos, por causa de seu conteúdo agressivo.

Os juízes da 1ª Turma do TRT-4 consideraram a atitude do autor atentatória à dignidade da Justiça e determinaram que as fotografias fossem retiradas dos autos e devolvidas à parte antes da publicação do acórdão.

Tanto a primeira instância, como a segunda reconheceram que “o reclamante trabalhou na árdua tarefa de preparo dos cadáveres para as cerimônias fúnebres, velórios e enterros, com corpos de pessoas passíveis de contaminações variadas”. Na atividade, o empregado protegia-se apenas com luvas.

“A insalubridade somente poderia ser elidida com a utilização efetiva de macacão fechado dos pés à cabeça (impermeável), luvas, máscaras e exaustores ambientais”, registrou o acórdão do TRT-4. Nada disso existia na rotina de trabalho do empregado.

Processo nº 00150-2004-102-04-00-4 – RO

Leia as informações processuais e o acórdão

Procedência: 2ª Vara do Trabalho de Pelotas

Num. Proc. Originário: 00150-2004-102-04-00-4

Na Autuação: 2 Volumes / 297 folhas

Juiz: RICARDO HOFMEISTER DE ALMEIDA MARTINS COSTA

Órgão Julgador: 1a. Turma

Recte: Formolo Bortolotto e Cia Ltda.

Procurador: Sergio Yehoshua Laks

Recdo: Ronaldo Marins Lemes

Procurador: Airam Moraes Machado

12/01/2005 – Publicação de Acórdão pelo Órgão Julgador

EMENTA: DIFERENÇAS SALARIAIS. Hipótese em que não foram observados pela reclamada os salários normativos e os reajustes determinados nas normas coletivas, sendo devido o pagamento das diferenças deferidas. Apelo que se nega provimento, no particular.

ADICIONAL DE INSALUBRIDADE. O autor preparava cadáveres para as cerimônias fúnebres, velórios e enterros, exposto a corpos de pessoas passíveis de contaminações variadas. O simples fornecimento de luvas não tem o condão de elidir a ação dos possíveis agentes insalubres. O labor em tais condições enseja a percepção de adicional de insalubridade em grau máximo, nos termos do Anexo 14 da NR 15 da Portaria 3.214/78.

HORAS EXTRAS. Os registros de horário carreados aos autos apresentam registros invariáveis, sendo, portanto, imprestáveis como meio de prova, na esteira da Orientação Jurisprudencial nº 306 da SDI-I do TST. A prova testemunhal confirma que os empregados anotavam nos cartões-ponto apenas os horários estipulados pela empresa, bem como gozavam apenas dez ou quinze minutos de intervalo. Arbitramento da jornada e concessão de diferenças de horas extras que se impõe.

VISTOS e relatados estes autos de RECURSO ORDINÁRIO interposto de sentença proferida pelo MM. Juízo da 2ª Vara do Trabalho de Pelotas, sendo recorrente FORMOLO BORTOLOTTO E CIA LTDA e recorrido RONALDO MARINS LEMES.

Inconformada com a sentença proferida, recorre ordinariamente a reclamada. Busca a reforma quanto às diferenças salariais, adicional de insalubridade, horas extras, adicional noturno, diferenças de FGTS, honorários periciais e honorários assistenciais. Há contra-razões.

Cumprido o despacho da fl. 294, em que determinado o desentranhamento, com depósito em Secretaria, dos documentos das fls. 290-5 (carmim), juntados com as contra-razões, vêm os autos conclusos para julgamento. É o relatório.

ISSO POSTO:

I – PRELIMINARMENTE.

1. DOCUMENTOS JUNTADOS COM O RECURSO. NÃO CONHECIMENTO. INTEMPESTIVIDADE.

Não se conhece dos documentos juntados nas fls. 270-82, trazidos à colação somente na fase recursal com a interposição do recurso ordinário, por se tratarem de documentos anteriores à prolação da sentença e até mesmo do ajuizamento da ação, não provado o justo impedimento para a sua oportuna apresentação. Aplica-se, à espécie, o entendimento vertido no Enunciado 08 do TST.

2. DOCUMENTOS JUNTADOS COM AS CONTRA-RAZÕES. NÃO CONHECIMENTO. INTEMPESTIVIDADE. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ.

Não conheço dos documentos juntados com as contra-razões e desentranhados dos autos, com depósito em Secretaria, consoante despacho da fl. 294, por não ser hipótese de que cogita o Enunciado 8 do TST. Ratifica-se o desentranhamento determinado na instrução do feito pelo despacho da fl. 238-carmim e determina-se a devolução de tais documentos à parte, antes mesmo da publicação da presente decisão.


A atitude do recorrido, carreando nas contra-razões novamente as fotografias – que em vista do seu conteúdo agressivo (expondo a imagem de cadáveres de pessoas alheias ao feito) foram desentranhadas, consoante determinação do juízo a quo – fl. 239-carmim -, representa ato atentatório à dignidade da justiça (art. 14, inciso V, do CPC) e procedimento temerário, configurando litigância de má-fé, na forma prevista no art. 17 do CPC. Condena-se, assim, o recorrido ao pagamento de uma multa que se arbitra em 1% sobre o valor atribuído à causa, em favor do programa nacional FOME ZERO, a ser depositada no Banco do Brasil, agência 1607-1, conta corrente 1002003-9.

II – MÉRITO.

1. DIFERENÇAS SALARIAIS.

Inconforma-se a recorrente com a condenação ao pagamento de diferenças salariais. Aduz que os reajustes da categoria foram corretamente pagos, em folha de pagamento suplementar, sob a rubrica “diferenças de dissídio coletivo”. Sem razão.

Judiciosa a sentença. Compulsando os recibos de pagamento carreados aos autos, constato que não foram observados pela recorrente os salários normativos determinados nas normas coletivas. Cito, como exemplo, o pagamento efetuado em fevereiro de 2001 (fl. 133). Segundo a Convenção Coletiva das fls. 21-8, vigente de 01.09.00 a 31.08.01, o salário normativo da categoria do autor seria R$ 262,00. Contudo, o referido contracheque apresenta como salário base R$ 243,00, restando cristalina a inobservância das disposições coletivas.

Não bastasse isso, os citados diplomas coletivos determinam a concessão de reajustes salariais aos integrantes da categoria do autor, os quais não foram devidamente observados pela recorrente. À guisa de exemplo, a Convenção Coletiva das fls. 29-36, vigente de 01.09.01 a 31.08.02, determina reajuste de 7,31% em 01.09.01. Analisando os recibos dos meses de agosto de 2001 e outubro de 2001 (fls. 129-30), verifica-se que não houve tal reajuste.

Quanto à alegação de pagamento dos reajustes sob o título de “diferenças de dissídio”, trata-se de tese inovatória à lide. Ademais, mesmo que assim não se entendesse, não haveria falar em prejuízo à recorrente, porquanto expressamente autorizada a compensação dos valores e reajustes concedidos no curso do contrato. Recurso desprovido.

2. ADICIONAL DE INSALUBRIDADE.

Investe a recorrente contra a condenação ao pagamento de adicional de insalubridade em grau máximo. Assevera que comprovou o fornecimento e controle do uso de EPI, o que elidiria a ação dos agentes insalubres. Entende ser devido apenas o adicional em grau médio, valor este que já alcançava ao obreiro. Sem razão.

Novamente judiciosa a sentença. O expert apresenta parecer conclusivo e relata com precisão as atividades realizadas pelo recorrido (fls. 226-7): “o reclamante trabalhou na árdua tarefa de preparo dos cadáveres para as cerimônias fúnebres, velórios e enterros, com corpos de pessoas passíveis de contaminações variadas. Apenas para lembrar, as hepatites são exemplos de fácil contaminação em acidentes punctórios ou ferimentos em geral, bem como o Vírus da Imunodeficiência Humana Adquirida e outras tantas doenças bem conhecidas e comuns como a Tuberculose. Nesses casos, a contaminação dos cadáveres, é mais regra que exceção e não são passíveis de serem bem diagnosticadas com exatidão, até porque, se não eram a causa da morte ou doença mais grave dos falecidos, não seriam lembradas ou citadas nos atestados de óbitos. Os acidentados mutilados poderiam ser portadores de quaisquer delas. Em face disso, o risco de contágio nesse trabalho é elevado e merece ser enquadrado, pela inspeção feita e análise qualitativa como insalubridade máxima. A insalubridade causada é a causada por agentes biológicos mencionada na NR 15, Anexo 14 e remunerada com 40%.”

Nessa senda, considerando tais condições de trabalho e a resposta do quesito 4º do reclamante (fl. 225), tenho que a insalubridade somente poderia ser elidida com a utilização efetiva de macacão fechado dos pés a cabeça (impermeável), luvas, máscaras e exaustores ambientais.

No caso em exame, os controles de recebimento de equipamento de proteção individual carreados aos autos evidenciam que o autor somente recebia luvas para o exercício de suas funções, não recebendo os equipamentos hábeis a elidir a ação dos agentes insalubres, consoante mencionado pelo perito.

Correta, pois, a sentença ao reconhecer o direito à percepção de adicional de insalubridade em grau máximo, nos termos do Anexo 14 da NR 15 da Portaria 3.214/78, deferindo o pagamento de diferenças e autorizando o abatimento dos valores pagos a título de insalubridade em grau médio. Recurso desprovido.

3. HORAS EXTRAS.

Rebela-se a recorrente com a condenação ao pagamento de horas extras. Aduz que as horas suplementares laboradas foram corretamente contraprestadas, consoante os contracheques juntados. Assevera, ainda, que os intervalos de uma hora foram integralmente usufruídos pelo obreiro. Sem razão.


Correta a sentença ao constatar que os registros de horário carreados aos autos apresentam registros invariáveis, sendo, portanto, imprestáveis como meio de prova. Assim, na esteira da Orientação Jurisprudencial nº 306 da SDI-I do TST, o ônus da prova relativo às horas extras passa ao empregador, prevalecendo o horário da inicial se dele não se desincumbir.

No caso, a prova testemunhal confirma que os empregados anotavam nos cartões-ponto apenas os horários estipulados pela empresa, bem como gozavam apenas dez ou quinze minutos de intervalo. Não bastasse isso, os recibos de pagamento relacionam horas extras não consignadas nos cartões-ponto, restando claro e sereno que os registros de horário não espelham a realidade.

Nessa senda, tendo em mira o depoimento da testemunha César (fl. 240-carmim), e na trilha do entendimento da sentença no sentido de que a jornada declinada na petição inicial e no depoimento do obreiro é exagerada e inverossímil. Considero, dessa forma, razoável o arbitramento de três horas extras um dia por semana, assim como a fixação de 10 minutos de intervalo, porquanto em consonância com a prova oral.

Diante disso, tendo em vista que foi determinado o abatimento mês a mês dos valores alcançados pela recorrente a título de horas extras e reflexos, nada há a reparar na decisão. Recurso desprovido.

4. ADICIONAL NOTURNO.

Inconforma-se a recorrente com a condenação ao pagamento de diferenças de adicional noturno. Afirma que sempre remunerou o trabalho noturno corretamente, conforme os contracheques juntados aos autos. Sem razão.

Como bem apontado na origem, confrontando os registros de horário e os recibos de pagamento carreados aos autos, verifica-se discrepância entre os valores devidos a título de adicional noturno e os efetivamente remunerados ao recorrido. É o que se constata, por exemplo, no mês de junho de 2003 (ver fls. 116 e 207). Devidas, pois, as diferenças apontadas na decisão atacada.

Nego provimento.

5. DIFERENÇAS DE FGTS.

Insurge-se a recorrente contra a condenação ao pagamento de diferenças de FGTS no curso do contrato. Aduz que a contribuição foi regularmente depositada, nada sendo devido ao reclamante a tal título. Sem razão.

Conquanto a reclamada afirme que procedeu corretamente ao depósito do FGTS, não comprova a regularidade do pagamento, haja vista que sequer colaciona os extratos do fundo. Correta, pois, a sentença ao condenar a reclamada ao pagamento de diferenças. Nego provimento.

6. HONORÁRIOS PERICIAIS.

A reclamada recorre do valor arbitrado a título de honorários periciais – R$ 750,00 (setecentos e cinqüenta reais) -, ao entendimento de que excessivo. Pugna por sua redução a, no máximo, R$ 400,00 (quatrocentos reais). Sem razão.

Em face da complexidade com que se revestiu o exame técnico (laudo das fls. 225-7), o montante atribuído à verba honorária se encontra dentro da média atribuída a serviços análogos nesta Justiça Especializada.

7. HONORÁRIOS ASSISTENCIAIS.

Insurge-se a reclamada contra a condenação à paga de honorários assistenciais. Sustenta que não restaram implementadas as condições necessárias ao reconhecimento do direito, na forma preconizada na Súmula 20 deste Regional. Sem razão.

Após a promulgação da Constituição de 1988 tem-se por perfeitamente cabível a condenação em honorários assistenciais pela aplicação da Lei 1.060/50, eis que a manutenção do monopólio sindical da assistência judiciária (da qual cogita a Lei 5.584/70), importaria afronta ao disposto no artigo 5º, LXXIV da Lei Maior.

Assim, declarada a condição de miserabilidade econômica do reclamante, pelo próprio na fl. 08, bem como credencial de seus procuradores junto ao sindicato de classe obreiro, fl. 09, a qual entendo despicienda ao reconhecimento do direito, tem-se por implementados os requisitos essenciais ao reconhecimento do direito, em função do que nego provimento ao apelo, também no particular.

Ante o exposto, ACORDAM os Juízes da 1ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região:

Preliminarmente, à unanimidade de votos, em não conhecer os documentos das fls. 270-82.

Preliminarmente, ainda, à unanimidade de votos, em não conhecer os documentos depositados em Secretaria consoante despacho da fl. 294, determinando a devolução dos mesmos à parte, antes da publicação da presente decisão.

No mérito, à unanimidade de votos, em negar provimento ao recurso ordinário da reclamada.

De ofício, à unanimidade de votos, em condenar o autor ao pagamento de multa, por litigância de má-fé, arbitrada em 1% sobre o valor atribuído à causa, em proveito do programa nacional FOME ZERO, a ser depositada no Banco do Brasil, agência 1607-1, conta corrente 1002003-9.

Valor da condenação que se mantém inalterado para os fins legais.

Intimem-se.

Porto Alegre, 15 de dezembro de 2004.

RICARDO MARTINS COSTA – JUIZ CONVOCADO – RELATOR

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