Porta aberta

Justiça nega prisão por falta de pagamento de pensão em acidente

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17 de janeiro de 2005, 13h07

A prisão civil não pode ser decretada pela falta de pagamento de pensão decorrente de acidente de trânsito. A medida se aplica somente em caso de dívida relacionada ao Direito de Família. O entendimento foi firmado pela 11ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul.

Os desembargadores atenderam pedido de Habeas Corpus impetrado contra ato do juiz da 1ª Vara Cível da Comarca de Bagé, que determinou a prisão pelo descumprimento da obrigação firmada em juízo. Cabe recurso.

O desembargador Antônio Maria Rodrigues de Freitas Iserhard, relator da matéria, seguiu o entendimento de que o artigo 5º, inciso LXVII, da Constituição Federal, deve ser interpretado de forma restritiva, já que se trata de medida excepcional.

Para ele, é impossível a prisão civil em razão da natureza da dívida cobrada. “A coerção pessoal somente pode ser deferida no caso de dívida relacionada ao direito de família”, afirmou.

Os desembargadores Manoel Velocino Pereira Dutra e Voltaire de Lima Moraes acompanharam o voto e, por unanimidade, declararam ilegal o mandado de prisão civil.

Processo n٥ 70.009.895.517

Leia a íntegra do acórdão

HABEAS CORPUS. PRISAO CIVIL. decorrente de dívida oriunda de acidente de trânsito.

Não é possível a prisão civil em caso de dívida oriunda de pensionamento decorrente de obrigação relativa a acidente de trânsito, somente o sendo na quando se tratar de pensão oriunda ao direito de família. Interpretação restritiva do art. 5º, LXVII, da Constituição Federal.

ORDEM CONCEDIDA.

Habeas Corpus – Décima Primeira Câmara Cível

Nº 70009895517 – Comarca de Bagé

M.D. – IMPETRANTE/ PACIENTE

J.D.1. C.C.B. – COATOR

INTERESSADO

A.T.P.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Desembargadores integrantes da Décima Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em conceder a ordem.

Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores Des. Manoel Velocino Pereira Dutra (Presidente) e Des. Voltaire de Lima Moraes.

Porto Alegre, 17 de novembro de 2004.

DES. ANTÔNIO MARIA RODRIGUES DE FREITAS ISERHARD,

Relator.

RELATÓRIO

Des. Antônio Maria Rodrigues de Freitas Iserhard (RELATOR)

Trata-se de Habeas Corpus impetrado por MOACIR DEIBLER contra ato do Dr. Juiz de Direito da 1ª Vara Cível da Comarca de Bagé, que determinou a prisão civil do paciente.

Às fls. 02/08, o impetrante sustenta que os exeqüentes são partes ilegítimas para executá-lo com a prestação alimentar, pois não são seus familiares.

Aduz que o rito proposto não é adequado, visto que não configura as hipóteses do art. 397, do Código Civil anterior.

Afirma que o art. 5º, LXVII, da CF, assegura a impossibilidade de prisão civil em virtude de dívida, ressalvado o caso obrigação alimentícia que entende não compreender o caso em tela.

Argumenta que na hipótese de prisão, o regime adequado seria o aberto – domiciliar -, conforme leciona o Estatuto do Idoso, uma vez que possui 78 anos de idade.

Assevera que é responsável pela esposa de 79 anos, que sofre de mal de Parkinson.

Expõe que não causou o acidente ensejador do pensionamento, razão pela qual não tem responsabilidade direta com o ocorrido.

Indeferida a liminar para suspender o mandado de prisão civil, foram postuladas informações ao juízo a quo.

Prestadas as informações, às fls. 87/88, vieram os autos conclusos.

É o relatório.

VOTOS

Des. Antônio Maria Rodrigues de Freitas Iserhard (RELATOR)

Trata-se de hábeas corpus preventivo oriundo de acidente de trânsito, onde o paciente busca a declaração da ilegalidade e abuso de poder na decisão que decretou sua segregação.

Postula a denegação da ordem, alegando a impossibilidade de sua prisão em vista da natureza da dívida cobrada.

Repensando despacho exarado em cognição sumária, concedo a ordem pleiteada.

Com efeito, não pode ser decretada a prisão civil do paciente em vista do inadimplemento referente à pensão alimentícia decorrente de acidente de trânsito, uma vez que a coerção pessoal somente pode ser deferida na hipótese de dívida relacionada ao direito de família.

Assim, como a dívida objeto da presente demanda é oriunda de ato ilícito, não pode ser decretada a prisão do paciente, uma vez que ao artigo 5º, inciso LXVII, da Constituição Federal, deve ser dada interpretação restritiva, já que se trata de medida excepcional deferida pela Carta Magna.

Nesse sentido, a lição de Alexandre de Moraes[1]:

(…) possibilidade de prisão civil por falta de pagamento de prestação alimentícia decorrente de ação de responsabilidade ex delito; tendo decidido o Tribunal de Justiça de São Paulo pela sua inadmissibilidade, em virtude da ausência de natureza eminentemente alimentar da dívida (…)

Outrossim, a jurisprudência já se manifestou nesse sentido, conforme denotam os seguintes arestos:

HABEAS CORPUS PREVENTIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL. EXECUCAO DE DIVIDA DE NATUREZA ALIMENTAR. DECRETACAO DE PRISAO CIVIL. ILEGALIDADE DO ATO. TRATANDO-SE DE PENSAO DECORRENTE DE ATO ILICITO, NAO E POSSIVEL DECRETAR-SE A PRISAO CIVIL DO DEVEDOR, EM RAZAO DA FALTA DE PAGAMENTO. AUSENCIA DE PREVISAO LEGAL E CONSTITUCIONAL. ADEMAIS, NAO SE TRATA DE PENSAO ALIMENTICIA, MAS A TITULO DE ALIMENTOS. A SEGUNDA NAO E DERIVADA DE RELACAO DE DIREITO DE FAMILIA. CONCEDIDA A ORDEM DE HABEAS CORPUS. (6FLS.D.) (HABEAS CORPUS Nº 70004427209, DÉCIMA PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL, TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RS, RELATOR: JORGE ANDRÉ PEREIRA GAILHARD, JULGADO EM 06/11/2002)

HABEAS CORPUS. PRISAO CIVIL. PENSAO DECORRENTES DE ACIDENTE DE TRANSITO. DESCABE A EXECUCAO SOB PENA DE COERCAO PESSOAL, QUANDO O PENSIONAMENTO TEM ORIGEM EM OBRIGACAO DECORRENTE DE ACIDENTE DE TRANSITO. MEDIDA POSSIVEL SOMENTE QUANDO DECORRENTE DE ACAO RELACIONADA COM DIREITO DE FAMILIA. INTERPRETACAO RESTRITIVA DO ART.5º, LXVII, DA CF/88, QUE TRATA DA PRISAO CIVIL E DIZ RESPEITO SOMENTE AS RELACOES FAMILIARES. ORDEM CONCEDIDA.(6 FLS). (HABEAS CORPUS Nº 70003524592, DÉCIMA SEGUNDA CÂMARA CÍVEL, TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RS, RELATOR: ORLANDO HEEMANN JÚNIOR, JULGADO EM 13/12/2001)

PRISAO CIVIL. DIVIDA DE ALIMENTOS “EX DELICTI”. ILEGALIDADE DA PRISAO DO DEVEDOR DE ALIMENTOS DECORRENTES DO ATO ILICITO (ART. 1539, CC), VEZ QUE DESCABE INTERPRETACAO AMPLIATIVA PARA A APLICACAO DA MEDIDA, PREVISTA EM CARATER EXCEPCIONAL NA CONSTITUICAO FEDERAL (ART. 5, LXVII). INAPLICABILIDADE DE NORMAS INFRACONSTITUCIONAIS PERMISSIVAS (ART.733 DO CPC E ART. 19 DA L. 5.478/68). ORDEM DE “HABEAS CORPUS” CONCEDIDA. UNANIME. (HABEAS CORPUS Nº 194085767, NONA CÂMARA CÍVEL, TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RS, RELATOR: ANTÔNIO GUILHERME TANGER JARDIM, JULGADO EM 23/08/1994)

Com essas considerações, concedo a ordem pleiteada, no sentido da impossibilidade de prisão do paciente.

Des. Manoel Velocino Pereira Dutra (PRESIDENTE) – De acordo.

Des. Voltaire de Lima Moraes – De acordo.

Julgador(a) de 1º Grau: RICARDO PEREIRA DE PEREIRA

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