Música na rede

EUA adotam direito autoral sobre execução de músicas na Internet

Autor

  • Nehemias Gueiros Jr

    é advogado especializado em Direito Autoral Show Business e Internet professor da Fundação Getúlio Vargas-RJ e da Escola Superior de Advocacia — ESA-OAB/RJ consultor de Direito Autoral da ConJur membro da Ordem dos Advogados dos Estados Unidos e da Federação Interamericana dos Advogados – Washington D.C. e do escritório Nelson Schver Advogados no Rio de Janeiro.

12 de janeiro de 2005, 12h22

Uma das maiores preocupações dos juristas, advogados e estudiosos do Direito Autoral e da Propriedade Intelectual nessa vertiginosa era digital em que vivemos é a questão do pagamento dos royalties correspondentes à utilização econômica de obras intelectuais na grande rede mundial de computadores.

Depois dos rumorosos casos do Napster e de uma variedade de sítios eletrônicos que disponibilizavam (dezenas ainda disponibilizam) o download gratuito de músicas, bem como imagens, fotografias, textos e animações, pode ser que o futuro não seja afinal tão perigoso para o Direito Autoral.

O mercado musical americano, líder mundial, está rapidamente modificando sua paisagem jurídica, ao adotar, lenta e gradualmente, um direito autoral proveniente da execução pública de obras musicais nas rádios virtuais da Internet e nas rádios via satélite. Trata-se de uma receita nova, denominada em inglês de performance right, da qual muitos artistas e gravadoras sequer têm conhecimento e que aqui no Brasil já é adotado há quase 40 anos e conhecido como “direito conexo” ou “direito vizinho” (a diferença é que esse direito conexo no Brasil é proveniente de rádios comuns e não da Internet ou via satélite).

Exemplo disso é que a cantora e compositora “Suzanne Vega”, mundialmente famosa por seu sucesso “Luka”, já está recebendo uma média de US$ 800 pela execução eletrônica de suas músicas, contra US$ 41 há apenas três anos. Segundo a empresa SoundExchange, por enquanto a única arrecadadora e distribuidora desses direitos nos Estados Unidos, esse valor é uma fração ínfima dos royalties recebidos por autores e editoras musicais pela execução pública tradicional das emissoras de rádio convencionais ou “terrestres” (terrestrial radios), mas esses números vêm crescendo a olhos vistos com a expansão dos serviços de rádio via satélite denominados Sirius e XM.

A grande diferença entre esses royalties e os tradicionais, é que eles são pagos apenas aos intérpretes (os cantores em músicas) e ao titular dos direitos de produtor fonográfico — em geral, uma gravadora e não aos autores e editoras musicais. A SoundExchange é uma agência sem fins lucrativos sediada em Washington, EUA, e possui autorização da United States Copyright Office (Escritório Americano de Direitos Autorais) para arrecadar royalties das entidades que transmitem músicas em forma digital e distribuí-los diretamente aos artistas intérpretes.

Fundada em 2000 como parte inicial da RIAA (Recording Industry Association of América), a entidade que congrega todas as gravadoras operantes no território americano, a SoundExchange começou a efetuar os primeiros pagamentos de royalties eletrônicos em 2001 e já começa a dobrar seu faturamento anual que, espera, atinja cerca de US$ 35 milhões em 2005.

Entretanto, um dos maiores obstáculos que a agencia enfrenta é divulgar sua atividade para a comunidade artística de forma que os artistas intérpretes se cadastrem para receber os pagamentos a que têm direito. Esses direitos formam uma nova categoria legal, ainda pouco conhecida e que os Estados Unidos nunca tiveram em seu ordenamento jurídico: direitos de execução. John Simson, diretor-executivo da SoundExchange, assevera: “Esse é um novíssimo direito para nós. Muitos artistas não o conhecem e estamos falando de 80 anos de indústria fonográfica na América sem um direito de execução pública.”

Na Europa e no resto do mundo, incluindo o Brasil, artistas intérpretes fazem jus a royalties pela execução pública de suas músicas em emissoras de rádio e televisão, mas como os EUA não possuíam esse direito em sua grade legislativa e portanto não o arrecadavam nem distribuíam, os demais países, em reciprocidade, também não pagavam os direitos dos intérpretes americanos em seus territórios.

Nos Estados Unidos, as rádios tradicionais regularmente pagam royalties somente aos autores das músicas e suas respectivas editoras musicais e não aos intérpretes e produtores fonográficos, mas esta relação jurídico-econômica é praticamente desconhecida do grande público. Quando uma música clássica dos Rolling Stones é tocada no rádio, Mick Jagger e Keith Richards recebem royalties, mas o resto da banda não, o que tem sido objeto de grande polêmica por parte de músicos executantes e gravadoras já há algum tempo.

Nos anos 90, duas leis federais americanas criaram um royalty para intérpretes de músicas executadas via Internet, através de satélites em órbita da Terra e serviços de música digital como Muzak, DMX e Music Choice. A lei de 1995, denominada The Digital Performance Right in Sound Recordings Act (O Direito Digital de Intérprete sobre Fixações Sonoras) e o Digital Millennium Copyright Act (Ato do Direito de Cópia Digital do Milênio) de 1998 determinaram pela primeira vez que os intérpretes de uma música e os detentores dos direitos autorais de uma gravação passassem a receber royalties em separado daqueles pagos a compositores e editores musicais.

No ano fiscal de 2004, os novos royalties gerados pelos direitos conexos de execução pública arrecadaram cerca de US$ 17,5 milhões, contra mais de US$ 350 milhões das rádios tradicionais — uma diferença ainda drástica. Mas esses números já estão mudando e a arrecadação de royalties gerada por execução radiofônica de música via satélite deve aumentar até dez vezes nos próximos cinco anos. É uma questão tecnológica.

A tarefa mais árdua de empresas como a SoundExchange será mesmo familiarizar os artistas com o novo direito conexo americano. Artistas como Men at Work e Nine Inch Nails ainda não se interessaram em preencher a papelada para fazer jus ao pagamento. Outro problema é localizar intérpretes que fizeram sucesso no passado e desapareceram, para efeito da correta liquidação de direitos pela execução de suas músicas.

Entre estes, destacam-se Mantovani, Laura Pausini e Dinah Washington, segundo levantamento da SoundExchange. O breakdown desses royalties é outra questão espinhosa. Atualmente, 50% vão para o detentor do master de uma gravação musical, 45% para o intérprete e 5% vão para músicos mais obscuros, como backing vocals e músicos de estúdio. Uma complicação a mais para a correta liquidação desses direitos em um país com as dimensões territoriais dos Estados Unidos e, sobretudo, com o ainda raro conhecimento do novo direito por parte do mercado.

No mercado americano, os artistas que mais estão se beneficiando desse novo direito conexo são os intérpretes de clássicos da música pop e flashbacks, que nunca haviam recebido royalties até hoje, pois essas canções remanescem em constante rotação nas programações das rádios de lá.

Fazendo uma ponte com o mercado brasileiro, onde apesar de o direito conexo de execução pública já existir desde a segunda metade da década de 60 (foi introduzido pela Socinpro — Sociedade Brasileira de Intérpretes e Produtores Fonográficos, no Rio de Janeiro), a situação é similar à americana: pouco conhecimento dos mecanismos legais em vigor, rara disposição das entidades e sociedades arrecadadoras de melhorar o panorama de liquidação correta dos royalties e necessidade quase inevitável de ter que contar com os serviços de advogados especializados para ver reconhecido — e pago — esse direito.

É bem verdade que com a criação do Ecad (Escritório Central de Arrecadação e Distribuição) pela lei autoral federal de 1973 (Lei 5.988) a paisagem se modificou um pouco, gerando maior assimilação do conceito de execução pública no Brasil, mas esta situação só é realidade no eixo dos grandes centros urbanos nacionais, que ostentam um segmento de diversão e entretenimento mais intenso. Para a grande maioria dos usuários públicos de música no país o direito conexo devido pela reprodução, retransmissão ou exibição de shows ao vivo é um enigma.

A metodologia de arrecadação e distribuição desses direitos ainda está muito aquém de um patamar de excelência se considerarmos a extensão territorial de nosso país e a pluralidade de gêneros e estilos de músicas existentes e que ainda têm seu acesso blindado ao grande público. Mas somente o estudo vigoroso e a disseminação contínua das fundamentais questões de Direito Autoral em nível superior nos possibilitará acompanhar o ritmo dos países industrializados no que respeita aos adequados entendimento e aplicação dos direitos conexos de execução pública no Brasil.

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  • é advogado especializado em Direito Autoral, Show Business e Internet, professor da Fundação Getúlio Vargas-RJ e da Escola Superior de Advocacia — ESA-OAB/RJ , consultor de Direito Autoral da ConJur, membro da Ordem dos Advogados dos Estados Unidos e da Federação Interamericana dos Advogados – Washington D.C. e do escritório Nelson Schver Advogados no Rio de Janeiro.

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