Calote geral

Supremo suspende pagamento de precatório de quase R$ 2 milhões

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7 de janeiro de 2005, 17h51

O Supremo Tribunal Federal suspendeu, nesta quinta-feira (6/2), o pagamento de precatório não alimentar pelo município de Mauá (SP) no valor de R$ 1,9 milhão. A liminar deferida suspende decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo que havia determinado o seqüestro de verbas do município para o pagamento do débito.

Agora, a quantia ficará bloqueada até decisão final de Reclamação ajuizada no Supremo pelo município. A presidente interina do STF Ellen Gracie entendeu que Mauá poderia ter suas atividades comprometidas “dada a dificuldade em que o município se encontrará, caso efetue o pagamento de tão vultoso valor”.

Para ela, em exame preliminar, há “manifesta ausência de liquidez dos valores devidos pelo município”. O município sustentou que o montante, devido em processo de desapropriação, teria sido apurado indevidamente (com a incidência de juros compensatórios, mesmo após a vigência da Constituição Federal de 1988). Afirmou, ainda, que já havia quitado 60% do débito e que devia cerca de R$ 317 mil, e não R$ 1,9 milhão.

Questões envolvendo precatórios têm sido amplamente discutidas nos últimos dias. Nunca se viu tamanho calote por parte de estados e municípios nem tantas propostas de alteração no processo de pagamento das dívidas judiciais dos Estados e da União no Congresso Nacional. Em uma delas, a mais recente, o senador Pedro Simon (PMDB-RS) propõe a punição de integrantes dos três Poderes com a perda dos direitos políticos caso os precatórios não sejam pagos.

Legalmente, no entanto, o pagamento dos precatórios pode estar prejudicado. Uma lei de 21 de dezembro do ano passado (nº 11.033), dispõe, em seu artigo 19, que a autorização para depósito em conta bancária de valores decorrentes de precatórios somente poderá ser dada mediante a apresentação de certidão negativa de tributos federais, estaduais e municipais. Também exige a apresentação de certidão de regularidade perante o INSS e o FGTS. Tantas exigências podem servir para retardar o pagamento da dívida.

Somente em precatórios alimentares, calcula-se que a dívida da prefeitura de São Paulo varie de R$ 1,6 bilhões a R$ 3 bilhões, valor que se acumula desde 1997 (quando Celso Pitta deixou a prefeitura o montante era de R$ 180 milhões). Segundo especialistas no assunto, os números não são exatos pois há má vontade dos governantes em divulgar o tamanho do rombo. Estados e municípios tem de tomar cuidado para não fazer com que a imagem de calote fique muito visível, inclusive para os organismos internacionais onde pedem dinheiro emprestado.

Em precatórios não alimentares – frutos de desapropriações, por exemplo –, a seccional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil avalia que o valor chegue a R$ 8 bilhões. A diferença é que eles foram pagos até a metade da terceira parcela. O mesmo não acontece com os precatórios alimentares, que são resultantes de pensões, salários e vencimentos de trabalhadores públicos. Por precaução, estados e municípios tendem a priorizar o pagamento das dívidas não alimentares.

A Emenda nº 30, de 2002, prevê o seqüestro de verbas em caso de não pagamento dos precatórios não alimentares, que podem ser quitados em dez parcelas. A medida poderia trazer extremos prejuízos ao orçamento da administração. Já para os alimentares, que teoricamente são os mais urgentes segundo o critério da necessidade do contribuinte, a sanção – esta prevista na Constituição Federal – é a intervenção federal.

O fato é que o Supremo Tribunal Federal já entendeu contrariamente à intervenção. A decisão seria um cheque em branco para os governantes, já que eles sabem que não serão punidos pelo atraso no pagamento das dívidas alimentares. Para o presidente da Corte Nelson Jobim, no entanto, a intervenção não é uma medida eficaz, nem a solução para o imbróglio. “De nada adiantaria. O interventor não vai chegar com um container de dinheiro para pagar os precatórios”, costuma dizer.

A tese é combatida pelo presidente do Movimento dos Advogados em Defesa dos Credores dos Poderes Públicos (Madeca) Felipo Scolari. “Esse argumento é triste, falacioso e desrespeita a Constituição. Não se pode aceitar que um Poder não cumpra a decisão do Judiciário. É desmoralizador”, diz ele. A intervenção está prevista no artigo 21, inciso 5 da CF e a obrigatoriedade do pagamento dos precatórios é disposta em seu artigo 100.

Scolari acredita que a intervenção seria uma forma de pressionar os governantes. Para ele, assim que soubesse da medida, o prefeito ou governador iria tentar resolver a situação com as partes. “Os precatórios do município de São Paulo, por exemplo, são plenamente pagáveis tendo em vista o orçamento de 2005. Só falta a vontade política para tanto”, afirma. A prefeitura conta com uma verba de R$ 15 bilhões para este ano.

A soma dos números da cidade com os do estado faz de São Paulo o campeão no calote. A OAB-SP calcula que a dívida do governo paulista chegue a cerca de R$ 20 bilhões. A diferença entre estado e município estaria no diálogo e na disposição política em honrar o débito.

“O governador [Geraldo] Alckmin se dispôs a pagar R$ 40 milhões todos os meses em precatórios alimentares e anualmente os não alimentares. E está pagando”, diz o presidente da Comissão Especial de Assuntos Relativos a Precatórios Judiciais da seccional São Paulo da OAB, Flávio de Souza Brando. “Não se espera que todo o estoque acumulado seja pago, mas que haja no mínimo um cronograma de pagamento”.

Vista como um primeiro passo, a demonstração de boa vontade de Alckmin, se parar por aí, no entanto, está longe de indicar uma solução para problema. Feitas as contas, com o pagamento de R$ 40 milhões por mês o estado demoraria mais de 40 anos para quitar a dívida. No Rio de Janeiro, que deve, ao todo, R$ 1,1 bilhão em precatórios, a perspectiva também não é das melhores.

Nos primeiros meses de janeiro, foi publicada a Lei Complementar 109 para regulamentar a Lei 10.482/02, que determinou que o estado pode usar 80% dos depósitos judiciais de tributos para pagar precatórios. O fato é que a LC dispõe que o estado use apenas uma parcela de 15% dos 80% para pagar os precatórios alimentares e outra parcela de 15% para os não alimentares.

No fim, o governo teria de destinar apenas 24% para o pagamento dos precatórios como um todo. “A medida é uma tentativa da dona Rosinha [Garotinho, governadora do Rio] de dar um cala-boca nos credores”, diz Adriana Brasil Guimarães, membro da Comissão de Precatórios da OAB-RJ, que já ajuizou ação pedindo que o governo pague a primeira parcela dos precatórios não-alimentares. O pedido foi acatado pelo presidente do TJ-RJ Miguel Pachá, que determinou o imediato pagamento da parcela.

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