Nudez sem nitidez

Publicação de foto de jovem em suingue não gera dano moral

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3 de janeiro de 2005, 11h43

A Editora Abril e a casa de suingue Sofazão Fantasy Club estão desobrigadas a indenizar uma jovem no Rio Grande do Sul. Ela apareceu nua na revista de outubro de 2000, realizando ato sexual com um homem, numa reportagem com o título “Elas se exibem para você”. A decisão é da 9ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça gaúcho. O processo tramita em segredo de Justiça. Cabe recurso. As informações são do site Espaço Vital.

A relatora no TJ-RS, desembargadora Marilene Bernardi, considerou que “reconhecer o direito à indenização seria dar margem ao enriquecimento sem causa da postulante, porquanto nunca se poderia afirmar com segurança, examinando as provas dos autos, que a autora é a pessoa que esta na imagem reproduzida na revista”.

“Tenho boa visão – atestada por oftalmologista -, mesmo sem uso de óculos, e observei com perspicácia a foto juntada inclusive valendo-me do auxílio de uma lente de aumento, mas de forma alguma logrei encontrar características que denunciassem ser a autora a pessoa retratada”, afirmou a desembargadora em seu voto.

Para a desembargadora, no caso em questão, “o dever de indenizar se mostra mais distante ainda, já que sequer restou evidenciado que seja a autora, de fato, quem figura na foto publicada”. Os desembargadores Adão Sérgio Cassiano e Iria Helena Nogueira concordaram com a relatora.

Caso concreto

Segundo os autos, a autora da ação se surpreendeu ao se reconhecer em duas fotos publicadas na revista Playboy de outubro de 2000, completamente nua, praticando ato sexual com um homem. A publicação informava que a foto havia sido capturada no site da casa de suingue Sofazão de Porto Alegre. A reparação e a indenização pedida eram de R$ 7,00 (preço de capa) para cada exemplar vendido da revista – com condenação solidária darevista e da casa noturna.

A jovem disse que, apesar das fotos não estarem claras, se identificou nelas. Argumentou ser uma pessoa só, sem vínculos conjugais, e freqüentadora do Sofazão “onde busca satisfazer suas necessidades intimas e fantasias sexuais”. Ela admitiu que, em uma das inúmeras vezes em que esteve na boate, se dirigiu ao recinto intitulado “suíte virtual”, onde tudo que acontece é filmado e transmitido à Internet.

Em juízo, a autora da ação admitiu ter consciência de que as imagens seriam transmitidas à Internet. Ressaltou, porém, que não deu permissão nem para o Sofazão Swing Fantasy, nem para a Editora Abril para publicar as imagens. Segundo ela, apenas o site da Sofazão tinha autorização para usar as cenas.

A primeira instância condenou as duas empresas ao pagamento de indenização no valor de R$ 2 mil cada; a Editora Abril pelo uso de imagem sem prévia autorização e o Sofazão pela divulgação da imagem sem anuência específica da autora. A Abril apelou para que a ação fosse julgada improcedente. A mulher pediu que a indenização fosse aumentada. A casa de Swing não se manifestou sobre a decisão.

Leia o acórdão

RESPONSABILIDADE CIVIL. DANOS MORAIS E MATERIAIS. PUBLICAÇÃO DE FOTO RETIRADA DURANTE O ATO SEXUAL, EM REVISTA, SEM AUTORIZAÇÃO DA PESSOA RETRATADA. IMAGEM RETIRADA DE SAITE DA INTERNET. NÃO CONSTATADA A IDENTIDADE DA POSTULANTE. IMAGEM MINÚSCULA, COM POUCA DEFINIÇÃO E SEM DECLINAÇÃO DE NOMES.

Não logrando a autora, sequer demonstrar de forma escorreita que é a pessoa retratada, não pode pretender ver-se indenizada por danos sofridos em decorrência da publicação de foto em revista. Desnecessário até ingressar na discussão acerca da existência ou não de dano moral, tendo em vista que a autora adentrou a sala com plena consciência de que sua imagem estava sendo disponibilizada na internet – conforme ela mesma afirma -, ou mesmo no debate em torno da existência de danos materiais, já que a revista teria utilizado a imagem da autora como atrativo de vendas, embora, importante ressaltar, não haja qualquer alusão na capa sobre a matéria e a autora não seja, em absoluto, pessoa conhecida do público.

APELAÇÃO DA RÉ PROVIDA E DA AUTORA PREJUDICADA.

RELATÓRIO

Dr.ª Marilene Bonzanini Bernardi (RELATORA) – Trata-se de recursos de apelação interpostos por XXXXX e EDITORA ABRIL S.A., nos autos da ação de indenização por uso sem consentimento de imagem, por danos morais e materiais que aquela move em desfavor desta e de SOFAZAO SWING FANTASY.

Aduziu a autora, na inicial, que teria se surpreendido ao saber, através de sua irmã, que na revista Playboy de outubro de 2000 teriam sido publicadas duas fotos onde apareceria nua, realizando ato sexual com um homem, em matéria publicada com o título “Elas se exibem para você”. Na matéria teria sido citado como fonte o saite da casa noturna – co-ré – , Sofazão Swing Fantasy. Disse ter se reconhecido nas fotos.

Expôs ser pessoa só, sem vínculos conjugais, e como tal, freqüentadora da casa noturna referida, onde busca satisfazer suas necessidades intimas e fantasias sexuais. Ainda, que em uma das vezes nas quais esteve na boate, teria se dirigido a recinto intitulado ‘Suíte Virtual’, local onde é filmado e transmitido à Internet o que ali acontece. Informou que tinha consciência de que as imagens, naquele momento, seriam transmitidas à Internet, mas ressaltou que não deu nenhum tipo de permissão, tanto para Sofazão Swing Fantasy como para a Editora Abril, para que as imagens fossem publicadas ou veiculadas em outros meios de comunicação, ou em espaço temporal que não aquele.


Salientou, que a publicação das fotos denegriu sua imagem frente a sua família e à sociedade. Com base no disposto, requereu fossem condenadas as rés ao pagamento: de indenização por danos materiais no valor do cachê pago à modelo da capa da referida edição da revista Playboy; de indenização por danos morais no valor de R$ 7,00 por revista vendida naquela tiragem, corrigidos e com juros legais desde a data em que a edição chegou às bancas. Pugnou, ainda, que lhe fossem concedidos o acesso gratuito à justiça e a tramitação em segredo do processo.

À fl. 52 foi deferida a anotação do segredo de justiça, e à fl. 59 foi concedido o benefício pleiteado.

Citada, a ré Sofazão Swing Fantasy apresentou contestação. Argüiu, preliminarmente, carência de ação por ilegitimidade ativa, pois as fotos seriam demasiadas pequenas e confusas, não sendo possível a identificação das pessoas que nela estão retratadas. Ainda, suscitou impossibilidade jurídica do pedido e ilegitimidade passiva com relação a si, uma vez que a ação se basearia em uso, sem consentimento, de imagem, muito embora a autora tenha dito na inicial que sabia que as imagens feitas naquele recinto eram propagadas pela Internet, até onde poderia ir sua responsabilidade pelo evento. O uso feito das imagens dispostas no saite estaria fora de seu alcance ou poder, motivo pelo qual os ingressantes da casa noturna são avisados de tal fato. Mencionou, que para maior proteção das pessoas que aparecem nas imagens, estas têm sua resolução diminuída. Afirmou nunca ter tido nenhum tipo de contato com a co-ré Editora Abril. Neste sentido, alegando não ter concorrido para nenhuma forma de dano contra a autora ou sua imagem, requereu a improcedência da ação.

Igualmente citada, a co-ré Editora Abril acostou contestação. Dispôs, preliminarmente, que a autora não poderia se identificar através de fotos minúsculas e de tão baixa resolução. No mérito, disse se tratar a ação de uma aventura jurídica, onde a autora se expõe muito mais do que se fosse realmente a pessoa retratada nas fotos publicadas. Referiu, que a autora, ao ingressar na sala controlada por câmeras, teria anuído com o fato de que milhões de pessoas pudessem assistir aos atos que lá praticou, inclusive pessoas que não tivessem acesso à Internet, uma vez que qualquer imagem pode ser impressa e repassada, sem constrições, a terceiros. Nesta senda, requereu a improcedência da ação e o julgamento antecipado da lide.

Houve réplica (fls. 116-129), onde a autora enfrentou as razões expostas nas contestações, e requereu que a ré Sofazão regularizasse sua representação processual e fosse condenada à litigância de má-fé, por ter trazido aos autos informações de alegadas condenações criminais, sobre sua pessoa, que não existiriam.

Em audiência de instrução (fl. 225) foi realizada a oitiva das testemunhas arroladas pelas partes. As partes apresentaram memoriais.

Sobreveio sentença julgando parcialmente procedente a ação, condenando as rés ao pagamento de indenização no valor de R$ 2.000,00 cada, a Editora Abril pelo uso de imagem sem prévia autorização e Sofazão por proveito em divulgação sem anuência específica da autora. Em face da sucumbência recíproca, as custas foram divididas em metade pela autora e o saldo pelas rés, permitida a compensação. Os honorários advocatícios restaram fixados em R$ 1.000,00 para o procurador da autora – dividido entre as rés – e R$ 500,00 para os procuradores das rés, não compensáveis. As obrigações atinentes à autora restaram suspensas, por litigar esta sob o pálio da justiça gratuita.

Inconformada com a decisão, a autora interpôs recurso de apelação. Reeditando o posicionamento previamente colacionado, requereu fosse dado provimento ao apelo para: julgar totalmente procedente a ação nos moldes da inicial, com a reforma da sentença, ainda, no tocante aos honorários advocatícios, aviltantes, em seu entendimento.

Igualmente irresignada, a ré Editora Abril opôs contestação à sentença. Expôs não ter restado comprovado nos autos que seria a autora a pessoa retratada nas fotografias, o que ensejaria o acolhimento das preliminares suscitadas em sede de contestação. Ainda, que mesmo no caso de legitimidade da autora, não estariam presentes os requisitos necessários para a condenação ao pagamento de indenização.

Com as contra-razões, subiram os autos a esta corte. Vieram conclusos. É o relatório.

VOTOS

Dr.ª Marilene Bonzanini Bernardi (RELATORA): Eminentes colegas, estou convencida da inexistência de qualquer dano a ser reparado em virtude dos fatos trazidos por estes autos.

Tenho boa visão – atestada por oftalmologista -, mesmo sem uso de óculos, e observei com perspicácia a foto juntada a fl. 46, inclusive valendo-me do auxílio de uma lente de aumento, mas de forma alguma logrei encontrar características que denunciassem ser a autora(que traz foto sua à fl. 48) a pessoa retratada.


A imagem reproduzida pela revista é de pouca nitidez, com baixa resolução e tem tamanho mínimo, pouco mais de dois (2) centímetros. O nome da autora, obviamente, não foi citado.

Reconhecer o direito à indenização seria dar margem ao enriquecimento sem causa da postulante, porquanto nunca se poderia afirmar com segurança, examinando as provas dos autos, que a autora é a pessoa que esta na imagem reproduzida na revista.

Desnecessário, destarte, ingressar na discussão acerca da existência ou não de dano moral, tendo em vista que a autora adentrou a sala com plena consciência de que sua imagem estava sendo disponibilizada na Internet – conforme ela mesma afirma -, ou mesmo no debate em torno da existência de danos materiais, já que a revista teria utilizado a imagem da autora como atrativo de vendas, embora, importante ressaltar, não haja qualquer alusão na capa sobre a matéria e a autora não seja, em absoluto, pessoa conhecida do público. A autora não logrou, sequer, demonstrar de forma escorreita que é a pessoa retratada, de tal sorte que não pode pretender ver-se indenizada.

Recentemente tive acesso a julgamento de caso análogo pelo Superior Tribunal de Justiça. Naquele caso, contudo, restou incontroverso que a pessoa que postulava indenização, havia tido a sua foto publicada em jornal de grande circulação, flagrada enquanto fazia topless voluntário em praia pública. Mesmo assim, considerando a existência do fato e a publicação em jornal diário que atinge uma imensidão de leitores, aquela Corte entendeu inexistente o dever de indenizar.

O relator, Ministro César Asfor Rocha[1], ressaltou que “a própria recorrente optou por revelar sua intimidade, ao expor o peito desnudo em local público de grande movimento, inexistindo qualquer conteúdo pernicioso na veiculação, que se limitou a registrar sobriamente o evento sem sequer citar o nome da autora”. Disse ainda o Ministro que “se a demandante expõe sua imagem em cenário público, não é ilícita ou indevida sua reprodução sem conteúdo sensacionalista pela imprensa, uma vez que a proteção à privacidade encontra limite na própria exposição realizada”.

No caso dos autos, como já mencionei, o dever de indenizar se mostra mais distante ainda, já que sequer restou evidenciado que seja a autora, de fato, quem figura na foto publicada.

Diante do exposto, dou provimento da apelação da ré para julgar improcedente a ação. O recurso da autora resta prejudicado. A autora vai condenada ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios dos patronos das demandadas que fixo em R$ 2.000,00 para cada. A exigibilidade das custas e honorários fica suspensa, tendo em vista litigar a autora sob o pálio da AJG. É o voto.

Des. Adão Sergio do Nascimento Cassiano (PRESIDENTE E REVISOR) – De acordo.

Des.ª Fabianne Breton Baisch – De acordo.

O SR. PRESIDENTE (DES. ADÃO SERGIO DO NASCIMENTO CASSIANO) – Apelação Cível nº 70006739072 de Porto Alegre

Nota de rodapé

1 – STJ-4ª Turma, Min. Cesar Asfor Rocha, REsp 595600.

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