Telefonia fixa

Compete à Justiça Federal julgar cobrança de assinatura telefônica

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2 de janeiro de 2005, 12h02

Na edição do dia 28 de dezembro de 2004, respeitável periódico eletrônico de divulgação de assuntos jurídicos publicou que o “Superior Tribunal de Justiça”, em julgamento em que foi relator o ilustre Ministro Teori Albino Zavascki, decidiu que compete à Justiça Estadual o processo e julgamento de ação movida contra a Brasil Telecom, onde se discute a cobrança da assinatura básica mensal inerente ao serviço de telefonia.

Algo pode ser ponderado sobre o tema, mas apenas em tese – porque sobre o caso concreto não se pode falar sem antes conhecer os autos e os argumentos sopesados.

Inicia-se dizendo que provavelmente a decisão não é do “Superior Tribunal de Justiça” como um todo, reunido, por exemplo, como Tribunal Pleno, nem aparentemente de uma de suas Seções. É apenas de uma de suas turmas competentes para apreciar matéria.

Outrossim, tal julgamento parece conflitar com outro recente precedente do próprio STJ, sobre assunto muito semelhante, conforme segue:

“COBRANÇA DE TARIFA INTERURBANA PELA CONCESSIONÁRIA DE TELEFONIA. ANATEL. LEGITIMIDADE. COMPETÊNCIA. JUSTIÇA FEDERAL.

1. Proposta a ação em face da Agência Reguladora Federal, de natureza autárquica, é competente a Justiça Federal. Acaso a pretensão não seja acolhida em face da mesma, a matéria é meritória. A legitimidade afere-se in abstrato (vera sint exposita).

2. Hipótese em que as ligações telefônicas emanadas de distritos de um mesmo Município eram cobradas a título de ligações locais. Com a implantação da denominada privatização dos serviços de telefonia, sem qualquer comunicação ou aviso prévios aos usuários, as conexões provindas ou endereçadas a algumas dessas localidades passaram a ser consideradas ligações interurbanas, com os conseqüentes reflexos na tarifação.

3. Deveras, a definição sobre se as ligações locais podem ser cobradas como interurbanas prescinde de notório interesse da Agência reguladora em prol dos consumidores.

4. As Agências reguladoras consistem em mecanismos que ajustam o funcionamento da atividade econômica do País como um todo, principalmente da inserção no plano privado de serviços que eram antes atribuídos ao ente estatal. Elas foram criadas, portanto, com a finalidade de ajustar, disciplinar e promover o funcionamento dos serviços públicos, objeto de concessão, permissão e autorização, assegurando um funcionamento em condições de excelência tanto para o fornecedor/produtor como principalmente para o consumidor/usuário.

5. A ANATEL deve atuar como litisconsorte passiva necessária, posto tratar-se de serviço de utilidade pública e a contraprestação do serviço se perfaz com o pagamento de tarifa, cuja modificação e fixação é sempre vinculada à autorização do poder concedente. Por isso, a necessidade de a ANATEL integrar a relação jurídica.

6. A CRT – Brasil Telecom, sendo concessionária de serviços públicos de telecomunicações, tem como órgão regulamentador e fiscalizador a Agência Nacional de Telecomunicações. Cabe a esta a delimitação das concessões e o estabelecimento das políticas tarifárias (art. 175 da CF).

7. Recurso especial desprovido.

Acórdão

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por UNANIMIDADE, negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Teori Albino Zavascki, Denise Arruda, José Delgado e Francisco Falcão votaram com o Sr. Ministro Relator.

(STJ, Primeira Turma, RESP 572.906/RS, rel. Min. LUIZ FUX, v.u., julgado em 08/06/2004, DJ de 28/06/2004, p. 199).

De notar que esse julgamento teve a participação do mesmo ilustre Ministro Teori Albino Zavascki, o qual, naquela oportunidade, votou acompanhando o não menos ilustre Ministro Relator.

A matéria está longe de ser pacífica, pois, pelo menos até o noticiado julgamento, as questões semelhantes que estavam sendo objeto de apreciação do STJ estavam tendendo ao encaminhamento de questão desta natureza à Justiça Federal, conforme outros precedentes que seguem:

Superior Tribunal de Justiça – STJ.

“COMPETÊNCIA – Aumento – Tarifas telefônicas.

Prosseguindo o julgamento, após voto-vista do Min. Peçanha Martins e a retificação do voto do Min. Relator, a Seção, por maioria, declarou competente o juízo da 2ª Vara Federal do DF para analisar e decidir as ações que discutem o aumento das tarifas de telefonia autorizado pela Anatel. E, por unanimidade, declarou nulo os atos decisórios praticados nas ações conexas pelos demais juízes. O voto-vista destacou: que se aplica o artigo 93, II, do CDC nessas situações em que a matéria tratada nas lides diz respeito à massa de consumidores do país, usuários de telefonia; por outro lado, a Anatel, ente federal, é parte ou litisconsorte passivo necessário nas ações propostas, com foro federal (artigo 109 da CF/1988); além de o juízo federal do DF ser prevento em razão da primeira distribuição de ação popular e de ser o primeiro a decidir. (…). Precedentes citados: CC 28.003-RJ, DJ 11/3/2002; CC 19.686-DF, DJ 17/11/1997; CC 17.533-DF, DJ 30/10/2000; REsp 218.492-ES, DJ 18/2/2002; CC 433-DF, DJ 25/6/1990, e RSTJ 106/15.

(STJ – CC nº 39.590-RJ – Rel. Min. Castro Meira – J. 27.08.2003).


Superior Tribunal de Justiça – STJ.

“COBRANÇA DE TARIFA INTERURBANA PELA CONCESSIONÁRIA DE TELEFONIA. ANATEL. LEGITIMIDADE. COMPETÊNCIA. JUSTIÇA FEDERAL.

1. Proposta a ação em face da Agência Reguladora Federal, de natureza autárquica, é competente a Justiça Federal. Acaso a pretensão não seja acolhida em face da mesma, a matéria é meritória.

A legitimidade afere-se in abstrato (vera sint exposita).

2. No caso em tela, as ligações telefônicas emanadas de bairros de um mesmo Município eram cobradas a título de ligações locais. Com a implantação da denominada privatização dos serviços de telefonia, sem qualquer comunicação ou aviso prévios aos usuários, as conexões provindas ou endereçadas a algumas dessas localidades passaram a ser consideradas ligações interurbanas, com os conseqüentes reflexos na tarifação. Não se trata, portanto, de ação de repetição de indébito contra a concessionária, mas de ação civil pública em que se discute a delimitação da área urbana que autorize a cobrança da tarifa interurbana. Nesse segmento, a ANATEL deve atuar como litisconsorte passiva necessária, posto tratar-se de serviço de utilidade pública e a contraprestação do serviço se perfaz com o pagamento de tarifa, cuja modificação e fixação é sempre vinculada à autorização do poder concedente.

3. (…).

4. (…).

5. Dissentindo do voto do e. Ministro Relator, NEGO PROVIMENTO ao recurso especial para reconhecer a legitimidade passiva da ANATEL e, conseqüentemente, a competência da Justiça Federal para julgar a ação civil pública.

(STJ, Primeira Turma, RESP 573475/RS, rel. Min. JOSÉ DELGADO, v.u., DJ de 16/08/2004, p. 143).

O art. 21, inciso XI, da Constituição Federal, com a redação dada pela Emenda Constitucional nº 8, de 15.08.95 – DOU 16.08.95, dispõe que “compete à União (…) explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os serviços de telecomunicações, nos termos da lei, que disporá sobre a organização dos serviços, a criação de um órgão regulador e outros aspectos institucionais”.

Na esfera normativa infraconstitucional, é a Lei nº 9.472, de 16 de Julho de 1997, que “Dispõe sobre a organização dos serviços de telecomunicações, a criação e funcionamento de um órgão regulador e outros aspectos institucionais, nos termos da Emenda Constitucional nº 8, de 1995”.

Tal lei possui a mesma “hierarquia”, é posterior e especial em relação à Lei nº 8.078, de 11/09/1990 (Código do Consumidor).

A citada Lei nº 9.472/97 dispõe que as concessionárias de telefonia, ao cobrarem a “assinatura mensal” nada mais fazem que cumprir o contrato de concessão ou permissão de serviço público federal, o qual é gerenciado, disciplinado e regulamentado pela Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL).

Nesse sentido dispõem inúmeros dispositivos da Lei nº 9.472/97 – dos quais citam-se apenas alguns, a título de exemplo:

“Art. 8 – Fica criada a Agência Nacional de Telecomunicações, entidade integrante da Administração Pública Federal indireta, submetida a regime autárquico especial e vinculado ao Ministério das Comunicações, com a função de órgão regulador das telecomunicações, com sede no Distrito Federal, podendo estabelecer unidades regionais.

(…).

Art. 19 – À Agência compete adotar as medidas necessárias para o atendimento do interesse público e para o desenvolvimento das telecomunicações brasileiras, atuando com independência, imparcialidade, legalidade, impessoalidade e publicidade, e especialmente:

(…).

VII – controlar, acompanhar e proceder à revisão de tarifas dos serviços prestados no regime público, podendo fixá-las nas condições previstas nesta Lei, bem como homologar reajustes;

(…).

X – expedir normas sobre prestação de serviços de telecomunicações no regime privado;

(…).

Art. 103 – Compete à Agência estabelecer a estrutura tarifária para cada modalidade de serviço.

(…).

Parágrafo terceiro – AS TARIFAS SERÃO FIXADAS NO CONTRATO DE CONCESSÃO, CONSOANTE EDITAL OU PROPOSTA APRESENTADA NA LICITAÇÃO.

Parágrafo quarto – EM CASO DE OUTORGA SEM LICITAÇÃO, AS TARIFAS SERÃO FIXADAS PELA AGÊNCIA E CONSTARÃO DO CONTRATO DE CONCESSÃO.

É certo, ainda, que o art. 104 da mesma legislação dispõe:

“Art. 104 – Transcorridos ao menos três anos da celebração do contrato, a Agência poderá, se existir ampla e efetiva competição entre as prestadoras do serviço, submeter a concessionária AO REGIME DE LIBERDADE TARIFÁRIA.

Parágrafo primeiro – No regime a que se refere o “caput”, A CONCESSIONÁRIA PODERÁ DETERMINAR SUAS PRÓPRIAS TARIFAS, devendo comunicá-las à Agência com antecedência de sete dias de sua vigência.

Parágrafo segundo – Ocorrendo aumento arbitrário dos lucros ou práticas prejudiciais à competição, a Agência restabelecerá o regime tarifário anterior, sem prejuízo das sanções cabíveis.


Mas, como se vê, mesmo sob o regime de liberdade acima referido (o qual, pelo que consta, ainda não foi implantado), a cobrança de tarifas pelas operadoras continuará sujeita ao crivo da ANATEL, e sujeitas às sanções do art. 110 da mesma lei.

Para espancar qualquer dúvida, a ANATEL, nos contratos elaborados com as empresas prestadoras de serviço público, EXPRESSAMENTE AUTORIZOU A COBRANÇA DE “TARIFA DE ASSINATURA”, CONFORME PORTARIAS NºS 217 E 226, AMBAS DE 03/04/97, DO MINISTRO DE ESTADO DAS COMUNICAÇÕES.

Prova do que ora se declara está estampada no endereço eletrônico da ANATEL na Internet, onde se encontra modelo de contrato prevendo expressamente a cobrança de tarifa por assinatura mensal (fonte:www.anatel.gov.br/Tools/frame.asp?link=/telefonia_fixa/stfc/concessionarias.pdf).

Logo, a ANATEL, autarquia federal, é litisconsorte passivo necessário, nos termos do art. 47 do Código de Processo Civil, pois parece não ser congruente se impor à concessionária de serviço público federal uma decisão eventualmente contra a normatização da agência federal que, por lei, está tal concessionária subordinada.

Na medida em que a ANATEL, autarquia federal, deve integrar o pólo passivo, a competência para o processo e julgamento de ação desta espécie é da Justiça Federal, consoante expressos termos do art. 109, inciso I, da Constituição da República – e dos precedentes jurisprudenciais nesse sentido, acima citados.

Adianta-se que não se aplica ao presente caso a norma do art. 109, § 3º, da Constituição Federal, pois não se trata de ação em que é parte “instituto de previdência social”, nem existe lei específica autorizando a competência delegada.

Muito ao contrário, o art. 93 e incisos do Código de Defesa do Consumidor determinam a competência territorial, local ou regional, para demandas referentes a danos contra o consumidor, “ressalvada a competência da justiça federal”.

No âmbito dos Juizados Especiais a situação não é diferente, pois dispõe expressamente o art. 20 da Lei nº 10.259, de 12/07/2001 (Lei dos Juizados Federais): “onde não houver Vara Federal, a causa poderá ser proposta no Juizado Especial Federal mais próximo do foro definido no artigo 4º da Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995, vedada a aplicação desta Lei no juízo estadual”.

Por outro enfoque, demandas desta espécie devem ser dirigida à Justiça Federal, também porque a matéria refere-se a normatização única da ANATEL para todo o Brasil, de forma que a conduta extrapola as fronteiras dos Estados Federados ou do Distrito Federal. Seria salutar evitar a multiplicidade de julgamentos nos mais variados sentidos, sobre a mesma matéria tratada de forma uniforme em todo o território nacional.

Não se pode ignorar, ainda, que a situação de litisconsorte passivo da ANATEL, pelo menos facultativo, parece patente, o que causaria estranha situação de duplicidade de competências absolutas, ao bel prazer da parte que resolver intentar ou não a ação também contra a ANATEL.

Assim, tenho que a decisão noticiada, se a parte interessada assim desejar, pode ser objeto de embargos de divergência, o que, aliás, muito contribuiria para se dirimir a questão, levando-se logo a questão a uma das Seções ou ao Plenário do Superior Tribunal de Justiça, de forma que se defina logo o entendimento dessa Egrégia Corte a respeito da necessidade ou não de integração da ANATEL no pólo passivo – e, conseqüentemente, da competência para o processo e julgamento de ações dessa natureza pelas Justiças Federais ou Estaduais.

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