PSDB X Lula

PSDB quer que STF exija explicações de Lula sobre corrupção

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28 de fevereiro de 2005, 17h52

A diretoria nacional do PSDB quer que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva se explique sobre as declarações de que acobertou acusação de corrupção do governo FHC em processos de privatização. A interpelação judicial foi protocolada nesta segunda-feira (28/2), no Supremo Tribunal Federal.

Para o PSDB, Lula foi omisso ao se referir à acusação: não deixou claro em que órgão a corrupção teria acontecido o “grande processo de corrupção”.

Agora, o partido quer que o STF exija que o presidente traga às claras se realmente sabia da corrupção e, mesmo assim, não ordenou que o caso fosse apurado.

O PSDB é representado pelos advogados Rodolfo Machado Moura e Gustavo Kanffer, que pedem ainda que Lula esclareça o propósito ou a intenção do uso do termo “achincalhar” o governo anterior.

No discurso, o presidente disse que apurar a acusação seria bom se ele tivesse tomado a decisão de “achincalhar” o governo FHC. Mas, segundo ele, sua conduta seria a de não ficar preocupado com o que o governo anterior teria deixado de fazer, mas sim com o que ele teria que fazer para o país.

As declarações de Lula foram feitas na última semana, em visita à Estação Fazenda Alegre, no Espírito Santo.

Ainda na petição, os advogados justificam o pedido de explicação em juízo como a única ferramenta judicial cabível à questão. Segundo eles, a jurisprudência do STF não permite que o crime de difamação seja cometido contra pessoa jurídica.

Leia a íntegra da petição

EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO NELSON JOBIM,

D.D. PRESIDENTE DO EGRÉGIO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

PARTIDO DA SOCIAL DEMOCRACIA BRASILEIRA – PSDB (1), partido político com representação no Congresso Nacional, devidamente registrado no Tribunal Superior Eleitoral (2), com sede e foro nessa Capital, no SGAS Quadra 607, Edifício Metrópolis, Cobertura 02, CEP 70.200-670, regulamente inscrito no CNPJ sob o nº 03.653.474/0001-20, neste ato representado por seu advogado subscrito in fine, nos termos do instrumento de outorga em anexo (3), vem, com o respeito e o acatamento devidos, à ilustre presença de Vossa Excelência, com fulcro na legislação de regência e, em especial, nos artigos 102, I, ‘b’, da Constituição Federal, e 144 do Código Penal, formular o presente

PEDIDO DE EXPLICAÇÕES EM JUÍZO

Tendo como interpelado o PRESIDENTE DA REPÚBLICA, Senhor Luiz Inácio Lula da Silva, com endereço nessa Capital, no Palácio do Planalto, Esplanada dos Ministérios, CEP 70.150-900, pelas razões fáticas e jurídicas expostas nas páginas a seguir.

I – DA COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Dispõe a Constituição Federal, em seu artigo 102, I, ‘b’, que compete ao Supremo Tribunal Federal processar e julgar, originariamente, o Presidente da República nas infrações penais comuns.

Já o artigo 144 do Código Penal assevera, in verbis:

“Art. 144. Se, de referências, alusões ou frases, se infere calúnia, difamação ou injúria, quem se julga ofendido pode pedir explicações em juízo. Aquele que se recusa a dá-las ou, a critério do juiz, não as dá satisfatoriamente, responde pela ofensa”.

Assim, o presente Pedido de Explicações em Juízo é medida preliminar em relação a ação penal por crime de difamação, cuja competência para apreciá-la, vez que o Requerido goza de foro especial por prerrogativa de função, é do Supremo Tribunal Federal.

Portanto, indubitável que a competência para processar o presente Pedido de Explicações em Juízo é também deste Colendo STF.

II – DA LEGITIMIDADE ATIVA

A mais balizada doutrina e a pacífica jurisprudência do Supremo Tribunal Federal são no sentido da possibilidade do crime de difamação ser cometido contra pessoa jurídica.

Nesse o magistério de Damásio Evangelista de Jesus, Heleno Fragoso e o acórdão lavrado quando do julgamento do RHC 83.091/DF, conforme se depreende da ementa a seguir transcrita:

“LEGITIMIDADE – QUEIXA-CRIME – CALÚNIA – PESSOA JURÍDICA – SÓCIO-GERENTE. A pessoa jurídica pode ser vítima de difamação, mas não de injúria e calúnia. A imputação da prática de crime a pessoa jurídica gera a legitimidade do sócio-gerente para a queixa-crime por calúnia. QUEIXA-CRIME – RECEBIMENTO – ESPECIFICAÇÃO DO CRIME. O pronunciamento judicial de recebimento da queixa-crime há de conter, necessariamente, a especificação do crime. AÇÃO PENAL PRIVADA – INDIVISIBILIDADE. A iniciativa da vítima deve direcionar-se à condenação dos envolvidos, estendendo-se a todos os autores do crime a renúncia ao exercício do direito de queixa em relação a um deles. QUEIXA-CRIME – ERRONIA NA DEFINIÇÃO DO CRIME. A exigência de classificação do delito na queixa-crime não obstaculiza a incidência do disposto nos artigos 383 e 384 do Código de Processo Penal. QUEIXA-CRIME – ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO – NARRATIVA – AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. O fato de o integrante do Ministério Público, em entrevista jornalística, informar o direcionamento de investigações, considerada suspeita de prática criminosa, cinge-se à narrativa de atuação em favor da sociedade, longe ficando de configurar o crime de calúnia” (4) (grifos nossos).

Portanto, cristalina a possibilidade de proposição do presente Pedido de Explicações em Juízo.

III – DOS FATOS

No último dia 24 de fevereiro, o Presidente da República, Sr. Luiz Inácio Lula da Silva, em visita às obras da Estação Fazenda Alegre, no Estado do Espírito Santo, proferiu longo discurso, sendo que do texto disponibilizado no sítio da própria Presidência da República, (www.planalto.gov.br) (5), faz-se necessário destacar os seguintes trechos:

“(…) Eu me lembro de um momento, logo no início do governo, quando um alto companheiro meu, de uma função muito importante, foi prestar contas de como tinha encontrado a instituição em que ele estava trabalhando – e me permitam, aqui, não dizer o nome da instituição – e ele me dizia simplesmente o seguinte: “Presidente, a nossa instituição está quebrada, estamos falidos. O processo de corrupção que aconteceu, antes de nós, foi muito grande. Algumas privatizações que foram feitas em tais lugares levaram a instituição a uma quebradeira.

Eu disse ao meu companheiro: “olhe, se tudo isso que você está me dizendo é verdade, você só tem o direito de dizer para mim. Para fora, feche a boca e diga que a nossa instituição está preparada para ajudar no desenvolvimento deste país”. Ele não entendeu. E eu dizia para ele: “é isso mesmo,” porque se nós, com três dias de posse, ou com três meses de posse, saíssemos pelo Brasil vendendo a idéia de que determinadas coisas importantes em que a sociedade brasileira acredita, se determinadas instituições de que a República tanto necessita, como uma espécie de alavanca para o desenvolvimento deste país, se a gente saísse dizendo que estavam está quebradas, eu me pergunto: que mensagem nós íamos passar à sociedade? Tanto à sociedade interna, quanto à sociedade externa?

Isso poderia ser bom se eu tivesse tomado a decisão de achincalhar o governo que substituí. E eu tomei uma decisão muito pessoal e fiz com que o governo assumisse essa posição, de que o presidente que tinha deixado o governo, tinha feito aquilo que ele entendia que deveria fazer, e eu, ao invés de ficar preocupado com o que ele deixou de fazer, deveria me preocupar com o que eu tinha que fazer neste país. Portanto, se tinha alguma coisa que não estava funcionando, não era mais da responsabilidade de quem tinha deixado o governo, mas era da responsabilidade de quem tinha assumido o governo. Aliás, meu querido Carlos Wilson, eu, numa linguagem mais popular, sempre digo o seguinte: quando a gente casa com uma viúva, a gente não recusa a família; a gente casa com a viúva, com os filhos, com a mãe, com o pai e com as virtudes e os defeitos que a pessoa possa ter. E a recíproca é verdadeira: quando a mulher casa com o viúvo, também, leva a penca de problemas que, no primeiro momento, pensa que são soluções. Mas isso faz parte da vida” (grifos não constantes do original).

IV – DO DIREITO

O instituto inserto no artigo 144 do Código Penal – Pedido de Explicações em Juízo deve ser utilizado sempre que houver obscuridade, ambigüidade ou equivocidade da ofensa, pois “para constituir crime contra a honra os fatos que o configurariam devem sempre ser claros e positivos. Sua obscuridade, ambigüidade ou equivocidade obrigam o prévio pedido de esclarecimentos” (6).

Outra não poderia ser a lição de Damásio Evangelista de Jesus, ipsis litteris:

“Pode ocorrer que o sujeito manifeste frase em que não se mostre com evidência a intenção de caluniar, difamar ou injuriar, causando dúvida ao intérprete quanto à sua significação. Neste caso, aquele que se sente ultrajado pode, ao invés de requerer a instauração de inquérito policial ou iniciar ação penal, pedir explicações ao ofensor” (7).

E o discurso proferido pelo Presidente da República quando de sua visita à Estação Fazenda Alegre está repleto de obscuridades, ambigüidades e equivocidades que precisam ser esclarecidas e elucidadas.

Tão repleto que a primeira obscuridade não poderia ser mais patente!

Ao fazer referência ao governo que o antecedeu, atingindo diretamente a imagem e a reputação do PSDB, recusou-se o Presidente da República a revelar a instituição sobre a qual se referia, onde haveria ocorrido, segundo o mesmo, ‘grande processo de corrupção’.

Assim, fazem-se necessárias explicações!

V – DA CONCLUSÃO

Ante o exposto, recebido o presente Pedido de Explicações em Juízo, requer-se que V.Exa. se digne em determinar a notificação do Sr. Presidente da República para vir prestar as explicações necessárias, em especial para esclarecer e extirpar as obscuridades, ambigüidades e equivocidades presentes nas ofensas, tais como:

Se realmente tomou conhecimento de “processo de corrupção grande” e, mesmo assim, não ordenou a sua devida apuração?

Em caso positivo, faz-se necessário, ante a obscuridade latente, que seja esclarecido qual o ‘alto companheiro’ que, supostamente ao “prestar contas de como tinha encontrado a instituição em que ele estava trabalhando” haveria afirmado a existência de eventual “processo de corrupção”?

Ainda em caso de ser positiva a resposta à indagação formulada na alínea ‘b’, informe o Presidente da República onde se deram os eventuais fatos?

Finalmente, qual o propósito ou intenção da utilização do termo “achincalhar” o governo anterior?

Após transcorrido o prazo legal, prestadas ou não as devidas explicações, sejam os autos entregues ao Requerente.

Dá-se a causa, para efeitos meramente fiscais, o valor de R$ 100,00 (cem reais).

Nesses Termos,

Pede Deferimento.

Brasília – DF, 28 de fevereiro de 2005.

RODOLFO MACHADO MOURA

OAB/DF nº 14.360

GUSTAVO KANFFER

OAB/DF n° 20.839

Notas de rodapé

(1) Documento nº 01 – Estatutos do PSDB.

(2) Documento nº 02 – Certidão do TSE.

(3) Documento nº 03 – Instrumento de procuração.

(4) STF – RHC 83.091/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, 1ª Turma, D.J. de 05.08.2003.

(5) Documento nº 04 – Discurso do presidente Luiz Inácio Lula da Silva na visita às obras da Estação Fazenda Alegre.

(6) MIRABETE, Julio Frabbini. Código de processo penal interpretado. 5ª ed. São Paulo: Atlas, 1997 – p. 659.

(7) JESUS, Damásio Evangelista de. Código penal anotado. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 1995 – p. 433.

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