Limite em jogo

O rito das Medidas Provisórias deve ser repensado

Autor

  • José Levi Mello do Amaral Júnior

    é professor associado de Direito Constitucional da USP professor do mestrado e do doutorado em Direito do Ceub livre-docente doutor e mestre em Direito do Estado procurador da Fazenda Nacional cedido ao TSE e secretário-geral da Presidência do TSE.

23 de fevereiro de 2005, 13h22

A Emenda Constitucional nº 32, de 11 de setembro de 2001, trouxe diversos ganhos à disciplina da medida provisória. Proibiu, com clareza, medida provisória em certos assuntos, eliminou a possibilidade de reedição, equacionou melhor os efeitos surtidos pela medida não apreciada ou não aprovada.

A maior virtude da Emenda nº 32 é a imposição de prazos inexoráveis à tramitação da medida provisória, “o que força ou a votação (aprovando, modificando ou rejeitando) ou a caducidade da decretação de urgência por decurso de prazo” (AMARAL JÚNIOR, José Levi Mello do. Medida provisória e a sua conversão em lei. A Emenda Constitucional nº 32 e o papel do Congresso Nacional, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 266).

Os prazos de tramitação impostos à medida provisória têm por objetivo “forçar” que seja ela votada, superando a indefinição que o modelo originário de 1988 gerava. Assim, hoje, uma medida provisória não dura mais do que duzentos dias. Neste período, vale insistir, ou é votada ou caduca por decurso de prazo. Ademais, trata-se de prazo mais realista do que os trinta dias do modelo originário de 1988.

Por outro lado, após o quadragésimo quinto dia de tramitação sem votação em plenário, a medida provisória tranca a pauta da Casa em que se encontra. É o regime de urgência próprio das medidas provisórias (parágrafo 6º do art. 62 da Constituição), diferente do regime de urgência constitucional dos projetos de lei (parágrafos do art. 64 da Constituição).

Exemplo: medida provisória com 45 dias de tramitação na Câmara dos Deputados tranca-lhe — automaticamente — a pauta até que seja votada. Se e quando aprovada, a medida vai ao Senado Federal, trancando-lhe, de imediato, a pauta. Diferentemente, no caso de projeto de lei em regime de urgência constitucional, há contagem de novo período de 45 dias para que opere o trancamento da pauta do Senado (op. Cit., p. 251 e 252).

A idéia é boa: imprimir celeridade no processo, decidindo-se, rapidamente, a sorte da medida provisória.

No entanto, quando várias medidas provisórias conhecem tramitação em um mesmo momento, o novo modelo resulta diversos trancamentos de pauta, sobrepostos e sucessivos. Com isso, ocorre embaraço aos trabalhos parlamentares normais. Cabe, então, cogitar modos de superar o problema.

A Constituição da Espanha, de 1978 (apartados 1 e 2 do art. 86), prevê duas vias de tramitação para o decreto-ley. A primeira passa somente pelo Congreso de los Diputados. Implica convalidação ou derrogação, em única câmara, da decretação de urgência. A segunda, facultativa, passa por ambas as Cortes, o Congreso de los Diputados e o Senado (Cortes Generales). Implica a tramitação — bicameral — de um projeto de lei em procedimento de urgência.

Tramitação similar esteve em estudo para o decreto-legge italiano, mas não prosperou.

Há que ter realismo no jogo político. Seria difícil — ou muitíssimo pouco provável — aprovar uma modificação constitucional em detrimento de uma das Casas parlamentares (veja-se o exemplo italiano). Ainda assim, o modelo espanhol inspira proposta a considerar.

De modo a simplificar a tramitação da medida provisória — mormente quando relativa a matéria não polêmica — vale examinar a possibilidade de permitir à Comissão mista de Deputados e Senadores a que se refere o parágrafo 9º do art. 62 da Constituição a aprovação, de modo terminativo, da medida ou respectivo projeto de lei de conversão, nos termos do inciso I do parágrafo 2º do art. 58 da Constituição.

A sugestão — pretensamente — tem as seguintes virtudes:

(1) abreviaria a tramitação congressual de medida provisória;

(2) preservaria a participação de Deputados e Senadores;

(3) faria uso de mecanismo bem aceito e de boa prática (o inciso I do parágrafo 2º do art. 58 da Constituição combinado com o inciso II do art. 24 do Regimento Interno da Câmara dos Deputados e com o art. 91 do Regimento Interno do Senado Federal); e

(4) não excluiria a competência dos Plenários de ambas as Casas, que manifestar-se-iam sempre que houvesse “recurso de um décimo dos membros da Casa” (art. 58, parágrafo 2º, I, in fine, da Constituição), o que, ademais, não tolhe grupos parlamentares minoritários da discussão.

A sugestão teria que ser objeto de proposta de emenda constitucional, porque o parágrafo 9o do artigo 62 da Constituição requer processo bicameral em nível de Plenários.

Propõe-se, então, a seguinte redação para o dispositivo em causa:

“Caberá à Comissão mista de Deputados e Senadores examinar as medidas provisórias e sobre elas emitir parecer, antes de serem apreciadas, em sessão separada, pelo plenário de cada uma das Casas do Congresso Nacional, sem prejuízo do disposto no art. 58, § 2º, I.” (grifamos)

Enfim, é possível e recomendável que a sugestão ajude a evidenciar o importante papel da Comissão mista a que se refere o parágrafo 9º do art. 62 da Constituição. Ademais, posta em nível constitucional, a Comissão mista tornou-se imperativo constitucional cuja inobservância (isto é, em especial, a sua não-instalação) é potencial inconstitucionalidade formal (op. Cit., p. 281 e 282).

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