Ataque à MP 232

Comissão da OAB chama MP 232 de contrabando jurídico

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22 de fevereiro de 2005, 17h49

Um “contrabando jurídico” que fere a Constituição e todo o ordenamento jurídico do país. Essa é a classificação que a Ordem dos Advogados do Brasil deu para a Medida Provisória 232, que elevou a base de cálculo da CSLL e do IR para as empresas prestadoras de serviços.

A classificação foi dada em documento entregue, nesta terça-feira (22/2), pelo presidente da entidade, Roberto Busato, ao presidente da Frente Parlamentar dos Advogados na Câmara, deputado Luiz Piauhylino (PDT-PE).

Na manifestação, a OAB pede a imediata e total rejeição da MP pelo Congresso Nacional, “pelas diversas inconstitucionalidades que ela encerra”. No manifesto público, a entidade sustenta que “a sociedade civil está escandalizada com a truculência dessa Medida Provisória, produzida na semi-clandestinidade, sem debate prévio com o povo ou setores envolvidos, em realidade um contrabando jurídico”.

O manifesto foi produzido pela ‘Comissão Especial de Estudo da Carga Tributária e de suas Implicações na Vida do Contribuinte da OAB’. Coordenada pelo professor de Direito Tributário e ex-secretário da Receita Osiris Lopes Filho, a comissão também é composta por Ives Gandra Martins, Hugo de Brito Machado, José Luiz Mossmann Filho e Vladimir Rossi.

Segundo o estudo da OAB, a carga tributária do Brasil é hoje de cerca de 38%, ultrapassando níveis de países como Japão e Estados Unidos. No entanto, essa elevada carga de impostos não tem apresentado “o indispensável retorno em equivalência à oneração tributária”. Ele destaca também que no Brasil tributa-se mais os rendimentos obtidos pelo trabalho, discriminação que é seguida pela MP 232.

Ao pregar a rejeição total da MP pelo Congresso, o documento assinala que, “possivelmente, alguns adeptos da teoria do mal menor hão de alegar ser melhor aprovar as Tabelas do Imposto de Renda, posto que a sua correção, embora insuficiente em face da capacidade contributiva aferida pela inflação ocorrida desde a sua edição de 1995, atenuaria a situação mais cruel e brutal do que a mesquinha e insuficiente correção realizada”.

Leia a íntegra do manifesto

Manifestação pública da Ordem dos Advogados do Brasil à edição da Medida Provisória 232/04, apresentada ao Congresso Nacional:

I – A missão

A Ordem dos Advogados do Brasil instituiu recentemente comissão especial, composta por cinco advogados, especializados em Direito Tributário, destinada ao estudo da carga tributária existente no País e de suas implicações na vida do contribuinte.

II – A circunstância

A partir da década de 90, do século passado, o peso dos tributos que por largo período não ultrapassava 25% do Produto Interno Bruto passou a crescer em rítmo acelerado. Para tanto, houve decisivo impulso realizado pela manipulação da norma tributária, mediante a edição abusiva de medidas provisórias, criando e elevando tributos, em usurpação da produção de leis tributárias pelo Poder Legislativo.

III – A voracidade arrecadatória – a sua cria, as contribuições.

Infelizmente, essa diarréia de medidas provisórias objetivou menos o aperfeiçoamento do sistema tributário e mais atender à voracidade arrecadatória que impregnou o aparelho do Estado Brasileiro. A avidez pela obtenção de acréscimos progressivos e elevados de novas receitas obteve correspondência na criação de novos tributos, mediante a proliferação das contribuições, geralmente utilizando bases econômicas típicas dos impostos existentes, aproveitando a fluidez constitucional que lhes é peculiar em contraste com a rigidez disciplinatória principalmente aplicável aos impostos.

Significativa, para a implantação e sedimentação da avalanche das contribuições, a relevância atribuída pela Constituição de 88 à seguridade social, garantindo-lhe fontes tributárias poderosas, que entre as possíveis, só não lhe deferiu as relativas à propriedade. Vasto o campo aberto para novas incidências tributárias, prazerosamente ocupados pela criação de contribuições, das quais as mais aberrantes, por atentatórias às linhas mestras do nosso sistema tributário, são a contribuição para o custeio do serviço de iluminação pública e a contribuição previdenciária dos aposentados. Muito tem contribuído para a expansão dessa tendência o fato de a União ser titular da competência privativa de instituí-las, não havendo obrigatoriedade de distribuí-las aos outros entes federativos; a utilização das medidas provisórias para viabilizá-las juridicamente; a complacência do Poder Legislativo em não rejeitá-las, posto que são usurpatórias de seu poder histórico e constitucional de legislar; e uma lamentável tendência de as instituições destinadas ao seu controle de legalidade e constitucionalidade terem sido contaminados pelas razões de Estado, cada vez mais voraz na obtenção de novos recursos de origem tributária.


Por outro lado, o gasto público não se aperfeiçoou o suficiente para conter as mazelas que historicamente o minaram: corrupção, desperdício e incompetência dos seus responsáveis. Mesmo regras constitucionais rígidas como as relativas à aplicação das contribuições destinadas à seguridade social – saúde, previdência e assistência social – foram submetidas a dreno consagrado na Constituição, por emendas, desvinculando parte substancial desse recurso de sua finalidade ontológica. Isso se fez em caráter provisório, que vai se tornando definitivo pelas prorrogações, cuja última titulação é a de Desvinculação das Receitas da União, que retira 20% da arrecadação de impostos e contribuições da União das finalidades para as quais foram criados.

IV – Carga tributária elevada sem retorno equivalente à sociedade

Há um processo contínuo de solapamento das bases do novo Estado de Direito, como concebido na Constituição de 88, submetida às emendas como atividade rotineira, que somadas ultrapassam meia centena, em 16 anos de vigência.

No plano tributário tem-se que a carga tributária do País, situada em cerca de 38% do PIB, ultrapassa a de Países desenvolvidos como os Estados Unidos e o Japão, estabelecidas em níveis inferiores a 34% dos seus PIBs. Por outro lado, a pressão tributária padecida pelos cidadãos brasileiros, que deveria ser utilizadas, na prestação, pelo Estado, de serviços públicos essenciais – educação, saúde, segurança, previdência e assistência social, urbanismo, rodovias – não apresenta o indispensável retorno em equivalência à oneração tributária imposta ao seu povo.

V – O auge da hipertrofia legislativa do Poder Executivo – a Medida Provisória n. º 232/04.

A produção da medida provisória nº. 232/04 significa menosprezo à missão do Congresso de legislar, principalmente em matéria tributária, pilar do Estado de Direito, desde a Magna Carta, de 1215; aparelhamento do Estado Brasileiro a sustentar o gasto público, desviado do bem comum e do bem estar do povo brasileiro, posto que viciado por desvios, como corrupção, desperdício e incompetência; aparência de pseudo-legalidade, eis que falta a essa manifestação precária da norma jurídica a legitimidade conferida pela participação criativa da representação popular, com assento no parlamento; vulneração dos requisitos de urgência e relevância, eis que grande parte da majoração de tributos que estabelece só terá eficácia no exercício financeiro de 2006, mesmo, assim, caso consiga ser convertida em lei, consoante dispõe o art. 62, § 2º, da Constituição Federal; agressão a vários dispositivos da Constituição configurando desrespeito aos princípios da capacidade contributiva e da proibição do confisco, inobservância da personalização do imposto, atentado à isonomia entre os contribuintes detentores do capital e os que sobrevivem do trabalho; ofensa ao amplo direito de defesa, despeito ao devido processo administrativo e legal; vulneração ao princípio da legalidade, por ausência da proporcionalidade e racionalidade na destinação da carga tributária; finalmente, agressão ao duplo grau de jurisdição administrativa, consagrado por lei complementar (Código Tributário Nacional, art. 151, inciso III).

VI – A imperiosidade da rejeição da MP n. º 232/04

Essa concentração de atentados à Constituição de 88, de caráter predominantemente princípiológico, indica a imperiosidade da sua rejeição, para demonstrar que o Congresso considera como valor maior a Constituição, como fonte reguladora do poder no Estado de Direito e o cumprimento da sua missão primordial, a de legislar, em especial, em matéria tributária, para conferir-lhe legitimidade, decorrente da criação de normas sustentadas pela representação do povo.

Assim é que a manifestação da OAB é no sentido de rejeição total dessa medida provisória, inclusive para demonstrar ao Executivo que a exarcebação da competência tributária não tem guarida nas Casas dos Representantes do Povo, pela extorsividade que encerra, não agasalhada pela Constituição.

Possivelmente, alguns adeptos da teoria do mal menor hão de alegar ser melhor aprovar as Tabelas do imposto de renda, posto que a sua correção embora insuficiente em face da capacidade contributiva aferida pela inflação ocorrida desde a sua edição em 1995, atenuaria a situação, a que veio modificar, mais cruel e brutal do que a mesquinha e insuficiente correção realizada.

VII – Alternativa para a rejeição da MP n.º 232/04

Existem no Congresso vários projetos referentes a essa matéria – atualização das tabelas do imposto de renda de pessoa física e das suas deduções – que podem, em regime de urgência, dinamizadas de sorte a se cumprir a disciplinação constitucional a respeito: tributar progressivamente tanto os rendimentos do capital, quanto os do trabalho, em tabela unificadora, de índole não discriminatória, consagrando a orientação constitucional específica do que o imposto de renda deve ser regido pelos princípios de generalidade (todos os que têm renda devem ser submetidos à incidência do tributo), universalidade (todas as rendas hão de estar sujeitas a sua incidência) e o modo de realizar isso, pela progressividade, vale dizer, que haja uma variação crescente das alíquotas, correspondente à elevação das rendas, por conseqüência da capacidade contributiva, isonomia vertical e utilidade marginal da renda (art. 145, § 1º e 153, § 2º, I, da C.F).


Nessa linha, deve ser respeitado o princípio da personalização do tributo (art. 145, § 1º da C.F.) que consagra deva o seu cálculo levar em consideração critérios diferenciadores entre os contribuintes, de modo que dois contribuintes, com a mesma renda bruta (soma dos rendimentos,) terminem pagando imposto diferente, pelas peculiaridades específicas referentes a cada um, em face dos critérios a serem estabelecidos pela legislação.

A legislação do imposto de renda prevalente em vários países, defere melhor tratamento tributário aos rendimentos obtidos pelo trabalho.

No Brasil, tendo por presidente pessoa cuja origem política deu-se como líder sindical valorizador do trabalho, atingindo o mais elevado cargo público do País, adota-se legislação agravadora do inferno tributário em que se encontram os que sobrevivem do trabalho.

Em suma, o tratamento discriminatório adotado pela medida provisória n. º 232/04 é brutal contra os rendimentos pessoais obtidos pelo trabalho. E não se harmoniza com o princípio da personalização do imposto, aplicável por excelência ao imposto de renda, ao indicar a necessidade de se ampliar o elenco de deduções e torná-las mais efetivas e representativas das diferenciações entre os contribuintes, principalmente aquelas consideradas relevantes sobre o ponto de vista social: as relativas a dependentes e gastos com instrução (uniformes, transporte escolar e material para estudo).

O viés normativo dessa medida provisória contra o trabalho é total. Em curto período, elevou-se no 2º semestre de 2004 o percentual referente à apuração do lucro presumido de 12% para 32%, e agora para 40%. Brutal oneração acumulada de cerca de 250% do trabalho realizado mediante empresas prestadoras de serviço, ignorando que estas empresas absorvem grande parte da mão-de-obra do País.

A justificativa das autoridades fazendárias divulgada pela imprensa foi a de combate à elisão dos profissionais liberais, que fugiriam da incidência mais elevada do imposto de renda pessoal, para camuflar-se no da pessoa jurídica, sob a apuração do lucro presumido, para obter economia do tributo.

A justificativa fazendária está desfocada da realidade. Raros são os casos em que, num mercado competitivo e exigente, pode sobreviver o profissional liberal ou autônomo como prestador de serviço, isolado. Em verdade, a prestação de serviço se transformou em tarefa a ser executada por unidade econômica formalizada por empresa, composta por várias pessoas.

A elevação dessa base de cálculo terá efeitos perversos no mercado provocando majoração em cadeia nos custos dos serviços, com reflexos inclusive nos preços finais de mercadorias, em que, no seu processo de produção, em nível intermediário, haja a prestação de serviços. Ademais, trata-se de tratamento discriminatório a atentar contra a isonomia da tributação, por consagrar ofensa à proporcionalidade e racionalidade da fixação da intensidade do imposto de renda e da contribuição social sobre o lucro líquido.

VIII – A generalização da retenção na fonte da Contribuição sobre o lucro líquido, COFINS e Contribuição para o PIS/PASEP.

O art. 5º da medida provisória amplia a incidência na fonte da CSLL, COFINS, e PIS/PASEP de que trata o art. 30 da Lei. n.º 10.833/03, para os serviços de medicina e de engenharia que menciona, aumentando os encargos burocráticos dos setores alcançados, criando ônus imediatos para os setores que exercem essas atividades.

Em verdade, trata-se de transferência de encargos de controle de contribuintes, estabelecida no interesse da fiscalização e arrecadação tributária, que vão antecipar ônus tributário, ampliando as despesas burocráticas e contábeis dos setores atingidos por tal expansão de antecipação do tributo.

IX – Oneração injusta dos pequenos produtores rurais e dos caminhoneiros autônomos.

O art. 6º dessa medida provisória, ao reportar-se aos art. 8º e 15º da Lei n. º 10.915/2004 e aos § 19 e 20 do art. 3º da Lei n.º 10.833/2003, que instituem crédito presumido do PIS e da COFINS, determina que as pessoas jurídicas produtoras de mercadorias de origem animal ou vegetal que dão direito à utilização do crédito presumido retenham, na fonte, imposto de renda e CSLL, às alíquotas de 1,5% e 1%, respectivamente, nos pagamentos feitos as pessoas físicas e pessoas jurídicas fornecedoras de insumos utilizados na produção de carnes, leite, ovos, mel, frutas, café, chá, cereais, farinha, gorduras, sucos de frutas, óleos, rações, etc.

Os pagamentos feitos às pessoas jurídicas estarão sujeitos à retenção do imposto de renda e da CSLL; já as pessoas físicas à do imposto de renda.

Idêntico tratamento alcança os pagamentos efetuados por empresas de transporte rodoviário de carga na sub-contratação de transportadoras optantes pelo simples e de transportadores autônomos. Neste caso, a base de retenção do imposto de renda corresponderá a 40% do pagamento efetuado à pessoa física.


A providência é injusta, pois atinge caminhoneiros autônomos e pequenos produtores rurais, cujas atividades já estão submetidas a muitas vicissitudes. Os caminhoneiros, ao péssimo estado das estradas, pedágios, quedas de barreiras; os pequenos agricultores, a juros altos, elevação de preços dos insumos, estiagens, inundações, aviltamento dos seus preços.

Essas retenções não estão levando em consideração as despesas dedutíveis na declaração anual de ajuste do imposto de renda, o que vai implicar na apresentação de declarações apenas para a obtenção da restituição do que tiver sido retido a maior que o devido na sistemática do ajuste.

Essas incidências representam injustificável aumento de tributação.

O art. 7º eleva a burocracia fiscal e contábil ao dispor que o pagamento efetuado por pessoas jurídicas às empresas prestadoras de serviços de manutenção de bens móveis e imóveis e de transporte em geral, de medicina em ambulatórios, bancos de sangue, casas e clínicas de saúde, casa de recuperação e repouso, hospitais e prontos socorros, e de engenharia referentes à construção das estradas, pontes, prédios e obras assemelhadas, estão sujeitas à retenção do imposto de renda na fonte pagadora, à alíquota de 1,5%. Essa incidência, decorrente de ampliação de incidência na fonte já existente, tem o efeito de onerar em excesso a pequena e média empresa, por despesas de contabilidade e de índole burocrática.

X – Tributação da expectativa de lucro

O art. 9º consagra o ajuste do valor do investimento no exterior apurado pela variação cambial para o efeito de ser incluído na base de imposto de renda e da CSLL. Trata-se de tributação de expectativa de lucro, vulnerativa do conceito constitucional de renda, posto não ocorreu ainda a efetiva disponibilidade econômica da renda, vale dizer, não ocorreu a materialização da renda. Além do mais, provoca distorção no resultado das demonstrações financeiras da empresa. Representa mero expediente arrecadador ao qual falta base real para a incidência do imposto de renda.

XI – As ofensas ao direito de ampla defesa e ao devido processo administrativo e ao duplo grau de jurisdição.

O direito de defesa no âmbito administrativo tem sido submetido nos últimos tempos a reiteradas castrações. Depósito recursal de 30% da exigência contida na decisão de 1º grau, para a interposição de recurso ao Conselho de Contribuintes, ou a substituição de tal garantia por arrolamento de bens. No atual governo federal, houve a tentativa de criar-se recurso da Fazenda Nacional ao Ministro da Fazenda, em decisão final favorável ao Contribuinte, proferida pelo Conselho de Contribuintes. A tentativa realizada foi bloqueada por decisão do egrégio Superior Tribunal de Justiça. Mais recentemente procura-se com base em parecer aprovado pelo Ministro da Fazenda, anular, no Judiciário, decisões finais favoráveis ao contribuinte, proferidas pelo Conselho de Contribuintes. Há inequivocadamente orientação de minimizar a função dessa instituição septuagenária (instituída em 1931), de relevante desempenho na solução administrativa e ágil dos conflitos entre o Fisco e o Contribuinte. As suas decisões são pautadas no respeito à lei e ao direito, guias fundamentais em matéria tributária, por força do princípio da legalidade.

O art. 10 da medida provisória constitui o coroamento do desprestígio da missão institucional do Conselho de Contribuintes, paralelamente ao inconstitucional garroteamento ao direito de defesa do Contribuinte na esfera administrativa, consistindo em vulneração aos princípios apresentados no art. 5º, inciso LV da Constituição: direito de ampla defesa e devido processo administrativo. Ademais, ao instituir para certas matérias instância única, realiza por instrumento inidôneo – a medida provisória – alteração no Código Tributário Nacional, em seu art. 151, inciso III, que assegura a existência de recurso no processo tributário administrativo. Por outro lado, ao inovar o conceito de domicílio para o efeito de instituição de intimação do contribuinte, por meio eletrônico, concede ao Fisco atribuição de estabelecer o seu endereço eletrônico. O Código Tributário Nacional, no seu art. 127, determina como regra geral em matéria de domicílio tributário a sua eleição pelo contribuinte. Apenas na ausência dessa escolha aplicam-se outras regras. Todavia, jamais atribuiu o Código poder discricionário à administração tributária para determinar o endereço eletrônico do contribuinte para intimação, alterando o conceito de domicílio.

Em relação ao contribuinte de pequeno porte, essa nova regra é atentatória à segurança jurídica e ao amplo direito de defesa, e, portanto, nitidamente inconstitucional. Vai trazer custos adicionais como aquisição de computador, para utilização da internet, consultas diárias sobre a tramitação processual e insegurança, pois há determinados prazos exíguos, como o relativo à apresentação de embargos de declaração a acórdãos do Conselho de Contribuintes (5 dias).


Indisfarçável a contra-mão constitucional instituída pela medida provisória n.º 232/04. Ela determina a instância única para as questões referentes “a penalidades por descumprimento de obrigação acessória e a restituição, o ressarcimento, a compensação, a redução, a isenção, e a imunidade de tributos e contribuições, bem como para o Sistema Integrado de Pagamento de Impostos e Contribuições das Micro-empresas e das Empresas de Pequeno Porte – Simples, e ao processo de exigência de crédito tributário de valor inferior a R$ 50.000,00” Tal instância única será atribuída às Delegacias de Julgamento da Receita Federal.

Além do cerceamento do recurso ao Conselho de Contribuintes, é preciso que se enfatize o absurdo da disciplinação hoje vigente para a Delegacia de Julgamento. Os julgadores são agentes do Fisco, que estão obrigados a seguir as orientações emanadas da Secretaria da Receita Federal.

Não há imparcialidade ou neutralidade do julgador. Ele está vinculado à orientação do chefe da repartição. Sua independência equivale a zero. O absurdo dessa orientação ressalta, pois o principio basilar do direito tributário é o da legalidade. A aplicação e interpretação do direito tributário deve ter com referência à lei e não à vontade do chefe.

O surto de esquizofrenia tributária, nessa matéria processual-administrativa, a malferir as diretrizes da Constituição, acentua-se no campo das intimações. Elas servem para dar conhecimento ao contribuinte de exigências em geral feitas para a instrução do procedimento comandado pela Fiscalização ou para intrução processual, bem como para ciência das decisões prolatadas pela Delegacia de Julgamento em relação às impugnações do contribuinte ou às decisões do Conselho de Contribuintes. Ciência decisiva para a interposição dos variados meios de defesa e de revisão das decisões proferidas.

Anteriormente, havia uma hierarquia: intimação pessoal, por meio postal, ou por edital, se os instrumentos anteriores não possibilitassem o conhecimento do contribuinte. A medida provisória malsinada estabelece sem preferência ou hierarquização a ciência pessoal, a realizada por meio postal ou a efetivada por meio eletrônico, à escolha da administração tributária. A intimação por edital só será realizada, supletivamente, se houver impossibilidade da intimação ser realizada, após a utilização dos três meios mencionados. Atende-se à conveniência do Fisco, mas se sacrifica a segurança jurídica do contribuinte e ao seu direito constitucional de ampla defesa e de garantia do devido processo administrativo.

XII – Conclusão

A sociedade civil está escandalizada com a truculência dessa medida provisória, produzida na semi-clandestinidade, sem debate prévio com o povo ou setores envolvidos, em realidade um “contrabando jurídico,” introduzido no nosso ordenamento jurídico, viciado pelas inconstitucionalidades apontadas ao longo do desenvolvimento desta manifestação da Ordem dos Advogados do Brasil, no exercício legal da sua missão de representar os advogados, cujo mister é considerado pela Carta Magna “como indispensável à administração da justiça” (art. 133 da Constituição).

A OAB, na missão de guardiã do nosso ordenamento jurídico, não pode se furtar de aconselhar a rejeição dessa medida provisória, pelas inconstitucionalidades que encerra, como apontado ao longo desta manifestação. Rejeitada a M.P., vai evitar a proliferação de ações que certamente ocorrerão, caso haja perda da sensibilidade constitucional, por parte do nosso Parlamento, aprovando esse absurdo. É necessário colocar o Poder Executivo sob o império da Constituição, para que ele a cumpra, correspondendo ao juramento feito pelo Presidente Lula, com fundamento no art. 78 da Carta Magna, ao prestar compromisso de “manter, defender e cumprir a Constituição, observar as leis e promover o bem geral do povo brasileiro”.

É com esse propósito de colaborar com o compromisso presidencial, que a Ordem dos Advogados do Brasil apresenta esta manifestação.

Brasília, 22 de fevereiro de 2005.

Roberto Antônio Busato

Presidente da OAB

Membros da comissão

Osiris de Azevedo Lopes Filho – Coordenador

Hugo de Brito Machado

José Luís Mossmann Filho

Vladimir Rossi

Ives Gandra Martins

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