Princípio do contraditório

Falência da Transbrasil é suspensa pela terceira vez

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18 de fevereiro de 2005, 17h16

O acórdão que decretou a falência da Transbrasil, pedida pela General Electric, foi suspenso pela terceira vez no Supremo Tribunal Federal. A decisão é do ministro Eros Grau e revoga decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo dada em 2002 em favor da GE.

Com isso, o STF consolida o entendimento de que o processo de quebra da empresa aérea não observou os princípios do contraditório, do devido processo legal e da ampla defesa.

A primeira decisão de Eros Grau neste sentido — uma medida cautelar — foi dada em dezembro do ano passado. Nela, o ministro considerou que o procedimento da Justiça paulista “à primeira vista, parece teratológico”, em razão das falhas verificadas no processo.

O entendimento de Eros Grau foi contestado pela GE, que pediu reconsideração da decisão e, caso contrário, que fosse apreciado um agravo regimental. O pedido foi analisado pelo presidente do STF, ministro Nelson Jobim, durante o recesso da Corte. Jobim confirmou a decisão de Eros Grau e determinou que ele apreciasse a adequação do agravo no caso.

Nesta última decisão, Grau negou provimento ao agravo regimental. Ele afirmou que não se pode decretar falência de uma empresa sem a devida produção de provas. Isso porque a Transbrasil apresentou, ainda ao TJ paulista, documentos comprovando que os títulos devidos pela empresa para a GE, no valor de R$ 2,7 milhões, já estavam quitados. Extratos do Banco do Brasil confirmaram o pagamento da dívida.

Por seu lado, a GE alegou que não cabia a produção de provas ao caso. O argumento foi desconsiderado por Eros Grau.

Leia íntegra da decisão

DECISÃO

Pela decisão de fls. 350/3, deferi medida cautelar em favor da Transbrasil S/A Linhas Aéreas para determinar o imediato processamento do recurso extraordinário que, injustificadamente, encontra-se sobrestado no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. E, para maior efetividade da liminar, concedi efeito suspensivo ativo ao recurso extraordinário em processamento, para obstar a execução provisória dos acórdãos proferidos pelo Tribunal de Justiça, até o julgamento do recurso a ser submetido a exame desta Corte.

2. Contra esse ato judicial foi interposto o presente agravo regimental, em que a empresa General Electric Capital Corporation requer seja reformado o provimento que concedeu a medida cautelar, por entender incidirem na espécie as Súmulas 634, 282 e 279 do Supremo Tribunal Federal, que obstam a concessão de efeito suspensivo a recurso extraordinário ainda não admitido na origem e o seu conhecimento quando a matéria constitucional não estiver prequestionada e demandar revolvimento de matéria probatória.

3. Passo ao exame da questão.

4. Quanto à incidência das Súmulas 282 e 279 desta Corte, ressalto que a cautelar deferida se ateve à determinação de ser processado o extraordinário, que se encontra sobrestado no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, sendo concedido efeito suspensivo ativo ao recurso em processamento, tão-só para obstar a execução provisória dos julgados proferidos naquela instância. Conclui-se, por isso, que o tema pertinente à prolação de juízo de admissibilidade ainda está condicionado ao processamento do recurso.

5. No que concerne à aventada inobservância do enunciado da Súmula 634/STF, recordo que em rápida pesquisa que fiz da jurisprudência desta Corte a respeito da concessão de medida liminar para conferir efeito suspensivo a recurso de sua competência, pude verificar que a excepcionalidade prevista no artigo 21, inciso IV, do RISTF, mantém-se como norma aberta, submetida ao juízo subjetivo do magistrado. Isso não obstante a edição das Súmulas 635 e 634, que fixam a competência para a concessão de liminares quando ainda pendente de juízo de admissibilidade pelo Presidente do Tribunal a quo e a do Supremo Tribunal Federal, se já prolatada a decisão.

6. A pesquisa da jurisprudência desta Corte trouxe-me a certeza de que o caráter de excepcionalidade de concessão de medida liminar para conceder efeito suspensivo a recurso da nossa competência não se reduz às hipóteses em que o extraordinário tenha sido admitido na origem ou esteja neste Tribunal. Ao contrário do que se poderia supor, esta Corte tem deferido a concessão de efeito suspensivo a recurso de sua competência:

a) quando há juízo positivo de admissibilidade do extraordinário, embora o processo não esteja na Corte —veja-se acórdão na Medida Cautelar em Ação Cautelar 265/PE, Primeira Turma, Relator o Ministro Marco Aurélio, DJ de 3.9.2004;

b) quando há juízo negativo de admissibilidade e agravo de instrumento interposto — veja-se acórdãos nas Medidas Cautelares nas Ações Cautelares 299/PR e 260, Primeira Turma, Relator o Ministro Marco Aurélio, DJs de 17.09.2004 e 27.08.2004, respectivamente;

c) por fim, quando sequer havia juízo de admissibilidade, negativo ou positivo, por cuidar-se da hipótese de recurso extraordinário retido e não havia notícia de qualquer impugnação, na origem, relacionada com a decisão do Presidente daquele Tribunal: Petição 1.834, Primeira Turma, Relator o Ministro Octavio Gallotti, DJ de 17.12.99; Ação Cautelar 48/GO, pela qual o Ministro Carlos Velloso, em 25.8.2003 deferiu medida liminar “para o fim de determinar o regular processamento do recurso extraordinário”; também da lavra do Ministro Velloso é o acórdão prolatado na Ação Cautelar (Questão de Ordem) 152/GO, DJ de 5.3.2004, quando foi deferido efeito suspensivo a recurso extraordinário interposto nos autos de Agravo de Instrumento de decisão antecipatória de tutela em ação civil pública, hipótese em que o Supremo Tribunal Federal tem como inadmissível o recurso extraordinário, por não se cuidar de decisão definitiva, conforme decidido na Petição (Questão de Ordem) 2.222/PR, Primeira Turma, Relator o Ministro Sepúlveda Pertence, DJ de 12.03.2004; e é ainda nesse precedente que se colhe mais uma excepcionalidade na concessão de medidas liminares no âmbito desta Corte; transcrevo a ementa desse julgado, dada a importância dos fundamentos que ela contém:

“Ementa: Medida cautelar em recurso extraordinário: competência do Supremo Tribunal Federal para o julgamento das medidas cautelares de RE, quando nela se oponha o recorrente à aplicação do art. 542, § 3º, do C. Pr. Civil: incidência do disposto no parágrafo único do art. 800 do C. Pr. Civil (“interposto o recurso, a medida cautelar será requerida diretamente ao tribunal”): hipótese de medida cautelar que visa a afastar óbice ao processamento do recurso na instância a quo, diversa do problema do início da jurisdição cautelar do Supremo para conceder efeito suspensivo ao RE.

(…).”

7. Bem se vê, então, que esta Corte tem deferido providências cautelares em situações que não estão descritas nas Súmulas 634 e 635. Em todos esses precedentes visou-se à garantia do resultado útil do processo e o não perecimento do direito. Foi assim na Petição (AgR) 982/SP, Relator o Ministro Carlos Velloso, DJ de 14.05.2001: Sua Excelência assentou que, “no que tange ao periculum in mora, Sr. Presidente, aprendi, em votos que li de notáveis juízes desta Casa, que só se empresta efeito suspensivo a recurso extraordinário quando se está diante da possibilidade de o direito perecer”. Por não vislumbrar tais requisitos, Sua Excelência indeferiu a cautelar. Mas nesse julgamento restou expresso no voto-vencido do Ministro Marco Aurélio que “o Supremo Tribunal Federal, diante de um caso concreto, em que conclui pelo concurso do sinal do bom direito e do risco de manter-se com plena eficácia o quadro jurídico, decorrente de um acórdão impugnado via extraordinária, pode, excepcionalmente é certo, conceder liminar em demanda cautelar”.

8. Dessume-se, por isso, a insubsistência dos argumentos suscitados pela empresa General Electric Capital Corporation.

9. Esclareço, no entanto, que os fundamentos acima lançados vêm apenas a título ilustrativo, dado ser evidente o não-cabimento da petição juntada aos autos sob o nome de “agravo regimental” (fls. 590). É que a jurisprudência desta Corte assenta ser inadmissível o agravo regimental, por falta de interesse de recorrer, se interposto contra decisão do relator que defere medida liminar com base no artigo 21, IV e V, do Regimento Interno desta Corte, por estar sujeito, o provimento judicial, a referendo do Tribunal. Esta é a ementa do julgado proferido na Petição 2.267-PR, Relator o Ministro Sepúlveda Pertence, publicada no DJ de 4.5.2001:

“Ementa: I – Agravo regimental: inadmissibilidade, à falta de interesse de recorrer, se interposto de decisão individual sujeita a referendo do colegiado, a exemplo da que defere medida cautelar em recurso extraordinário (RISTF, art. 21, IV e V).

II – (…).”

10. No mesmo sentido, o Plenário desta Corte, ao apreciar a Medida Cautelar na Ação Cível Originária 714-1-MT, Relator o Ministro Marco Aurélio, DJ de 10.9.2004:

“Ementa: Limites Territoriais. Indefinição. Regularização de Terras. Suspensão.

(…)

Liminar. Referendo. Agravo. Estando o pronunciamento sujeito ao referendo do Colegiado, mostra-se inadequado agravo interposto com o objetivo de cassar tal decisão.”

11. Esse entendimento foi ratificado por ocasião do julgamento da Ação Cautelar 509, de que fui relator, Sessão do dia 13 de dezembro de 2004.

Assim, em consonância com a jurisprudência desta Corte, com base no artigo 21, § 1º, do RISTF, indefiro o agravo regimental.

Intime-se.

Brasília, 2 de fevereiro de 2005.

Ministro EROS GRAU

– Relator –

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