Donos da causa

Assassinato de freira é de competência da Justiça estadual

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14 de fevereiro de 2005, 13h06

O inquérito e o processo sobre o assassinato da freira americana Dorothy Stang, ocorrido no fim de semana, deve ou não ser federalizado? Para os especialistas ouvidos pela revista Consultor Jurídico, a resposta é não.

Dorothy Stang atuava em movimentos sociais envolvidos em conflitos fundiários no Pará. A missionária foi assassinada, no sábado (12/2), por pistoleiros que dispararam seis tiros contra ela. O procurador-geral da República, Claudio Fonteles, está no Pará e analisa a possibilidade de pedir a federalização do inquérito e do processo.

A federalização de crimes contra direitos humanos está prevista na reforma do Judiciário. De acordo com o texto aprovado em dezembro do ano passado, “nas hipóteses de grave violação de direitos humanos, o procurador-geral da República, com a finalidade de assegurar o cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil seja parte, poderá suscitar, perante o Superior Tribunal de Justiça (STJ), em qualquer fase do inquérito ou processo, incidente de deslocamento de competência para a Justiça Federal”.

O presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), Jorge Maurique, argumenta que a federalização de crimes não pode ser “banalizada”, apesar de toda comoção em torno do assunto. “Nesse caso, há atividade policial efetiva na investigação e o Poder Judiciário local já decretou as prisões. Por isso, não há necessidade da federalização. O assunto deve ser examinado pelo procurador com muita cautela”, afirma o presidente da Ajufe.

Para o caso ir para as mãos da Justiça Federal, é preciso haver omissão na apuração dos fatos ou não se chegar ao julgamento final na Justiça estadual, segundo ele. Maurique ressalva que até mesmo um homicídio pode ser federalizado desde que haja requisitos para tanto.

O fato de a vítima ser líder do movimento social não significa, necessariamente, que o crime possa ser caracterizado como violação dos direitos humanos. Por exemplo, a assassinato do líder seringueiro e defensor do meio-ambiente, Chico Mendes, mesmo que ocorresse hoje, seria de competência da Justiça estadual. Para ser julgado pela Justiça Federal, seria necessário que houvesse omissão do Poder Público na apuração do crime ou na punição dos culpados, de acordo com Maurique. “A Justiça estadual agiu efetivamente nesse caso”, diz.

O professor Luiz Flávio Gomes, doutor em Direito Penal, entende que não é adequada a federalização do crime porque se trata de um homicídio. “O problema é local. Federalização de crimes seria adequada, por exemplo, no caso de Eldorado dos Carajás e chacina do Carandiru”.

O juiz estadual Ítalo Morelle também é contra a federalização do crime da missionária. “Não se pode confundir a repercussão de um caso com o que previu o legislador na reforma do Judiciário. Caso haja deslocamento da competência, será aberto um precedente perigoso. Crime contra um integrante do Movimente Sem Terra, por exemplo, é crime contra os direitos humanos?”, questiona.

O advogado criminalista Jair Jaloreto Júnior tem a mesma opinião dos juízes e do professor. “O fato de ela ter feito trabalho humanitário não retira da Justiça comum a competência para julgar o caso”. Segundo ele, o crime poderia ser analisado pela Justiça Federal se fosse, por exemplo, genocídio ou racismo.

“Homicídio deve ser julgado pela Justiça estadual”, reafirma. “Caso contrário, furtos, crimes contra o consumidor e todos os outros seriam considerados crimes contra os direitos humanos e não foi isso que desejou o legislador na reforma do Judiciário”, finalizou.

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