Palavra de honra

Depoimento de policial garante condenação por tráfico de drogas

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10 de fevereiro de 2005, 14h39

O depoimento de policiais militares, em caso de flagrante, é suficiente para levar à condenação de acusado por tráfico de drogas. O entendimento é da 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul.

Os desembargadores negaram apelação do réu, mantendo a decisão da primeira instância. Ele foi condenado a três anos de reclusão e três meses de detenção, em regime integralmente fechado, e 50 dias-multa, com base no artigo 12 da Lei 6.368/76. Cabe recurso.

Parte da pena foi aplicada pelo crime de falsa identidade (artigo 307 do Código Penal). O réu se apresentou à polícia com o nome de seu irmão. Denunciado por vender maconha em bar no litoral norte gaúcho, o condenado pediu que fosse absolvido alegando falta de provas do delito.

Na avaliação do relator, desembargador Manuel José Martinez, o auto de apreensão e o laudo toxicológico não deixaram dúvidas quanto à existência do delito. Quanto à alegação de porte de drogas apenas para consumo, o fato de a substância estar condicionada em “buchinhas” de um e dois gramas manifestam a intenção de venda. O fato se agravou porque o réu, no momento do flagrante, estava com a droga escondida na boca.

“Ora, se a droga fosse para consumo próprio, o único motivo pra estar em um bar seria a busca de diversão. E quem sai à noite para se divertir com oito buchinhas de maconha na boca?”, indagou o relator, ao citar o relato dos policiais. Ele destacou a importância do depoimento para o esclarecimento do caso e ressaltou que não encontrou motivos para duvidar de sua veracidade.

O desembargador considerou também que os PMs não conheciam o delinqüente, e vice-versa. Segundo Martinez, os policiais militares estavam “apenas estavam cumprindo suas funções, e posteriormente relataram com exatidão o ocorrido”, explicou.

Processo: 7.000.939.865-2

Leia a íntegra do acórdão

APELAÇÃO-CRIME. ART. 12 DA LEI N.º 6.368/76. APREENSÃO DE RAZOÁVEL QUANTIDADE DE MACONHA ACONDICIONADA EM DIVERSAS TROUXINHAS DE UM E DOIS GRAMAS. FLAGRANTE OCORRIDO EM BAR LOCALIZADO NO LITORAL, COM INTENSO MOVIMENTO DE JOVENS NO VERÃO. CONSONÂNCIA DOS DEPOIMENTOS DOS POLICIAIS MILITARES. CONDENAÇÃO QUE SE IMPUNHA. REGIME CARCERÁRIO INTEGRALMENTE FECHADO.

Apelo improvido.

APELAÇÃO CRIME – PRIMEIRO CÂMARA CRIMINAL

Nº 70009398652 – COMARCA DE TRAMANDAÍ

JEFERSON LUIS DE SOUZA – APELANTE

MINISTERIO PÚBLICO – APELADO

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Desembargadores integrantes da Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em negar provimento ao apelo defensivo.

Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores DES. IVAN LEOMAR BRUXEL (PRESIDENTE) E DES. MARCEL ESQUIVEL HOPPE.

Porto Alegre, 29 de setembro de 2004.

DES. MANUEL JOSÉ MARTINEZ LUCAS,

Relator.

RELATÓRIO

DES. MANUEL JOSÉ MARTINEZ LUCAS (RELATOR)

Na Comarca de Tramandaí, HÉLIO MEDINA VIEIRA e JOSÉ EDUARDO DE SOUZA foram denunciados como incursos nas sanções do artigo 12 da Lei n.° 6.368/76, c/c o art. 29 do Código Penal.

A peça acusatória, recebida em 06.03.2002 (fl. 81), é do seguinte teor: “Em 11 de fevereiro de 2002, por volta das 02h35min, na Rua General Osório, n.° 1051, em frente ao Bar Maresias, em Balneário Pinhal, nesta Comarca, os denunciados HÉLIO MIDINA VIEIRA e JOSÉ EDUARDO DE SOUZA, em comunhão de esforços e conjunção de vontades, expuseram à venda, para terceiros, 19 (dezenove) gramas de “Cannabis Sativa”, vulgarmente conhecida como “maconha”, que contém o princípio ativo tetraidrocanabinol, conforme autos de apreensão das fls. 10 e 11 do A.P.F.. Tal substância entorpecente causa dependência física e psíquica, conforme laudo de constatação da natureza da substância da fl. 18, estando em desacordo com determinação legal e regulamentar.

“Na ocasião, os denunciados foram abordados por policiais militares após várias denuncias de que estavam traficando no local. Ato contínuo, após revista pessoal, foram apreendidas em poder de Hélio duas “buchinhas” da aludida substância entorpecente: uma pesando 01 (uma) grama e a outra 2 (duas) gramas. Em poder do co-denunciado José Eduardo foram apreendidas oito “buchinhas” cada uma contendo 2 (duas) gramas de maconha, totalizando dezesseis gramas, devidamente embaladas para a mercancia.

“Na mesma ocasião, também foram apreendidos com os denunciados valores em moeda corrente, totalizando R$ 80,80 (oitenta reais e oitenta centavos), conforme autos de apreensão das folhas 10 e 11.”

A denúncia foi aditada as fls. 141/144, a fim de retificar a qualificação do denunciado Jéferson Luis de Souza, ao invés de José Eduardo de Souza, irmão daquele, denunciando-o, ainda, pelo crime de falsa identidade. O aditamento foi recebido em 07.06.2002 (fl. 145) e é do seguinte teor:


1 ° FATO:

“Em 11 de fevereiro de 2002, por volta das 02h35min, na Rua General Osório, n.° 1051, em frente ao Bar Maresias, em Balneário Pinhal, nesta Comarca, os denunciados HÉLIO MEDINA VIEIRA e JEFERSON LUIS DE SOUZA, em comunhão de esforços e conjunção de vontades, expuseram à venda, para terceiros, 19 (dezenove) gramas de “Cannabis Sativa”, vulgarmente conhecida como “maconha”, que contém o princípio ativo tetraidrocanabinol, conforme autos de apreensão das fls. 10 e 11 do A.P.F.. Tal substância entorpecente causa dependência física e psíquica, conforme laudo de constatação da natureza da substância da fl. 18, estando em desacordo com determinação legal e regulamentar.

“Na ocasião, os denunciados foram abordados por policiais militares após várias denuncias de que estavam traficando no local. Ato contínuo, após revista pessoal, foram apreendidas em poder de Hélio duas “buchinhas” da aludida substância entorpecente: uma pesando 01 (uma) grama e a outra 2 (duas) gramas. Em poder do co-denunciado Jeferson foram apreendidas oito “buchinhas” cada uma contendo 2 (duas) gramas de maconha, totalizando dezesseis gramas, devidamente embaladas para a mercancia.

“Na mesma ocasião, também foram apreendidos com os denunciados valores em moeda corrente, totalizando R$ 80,80 (oitenta reais e oitenta centavos), conforme autos de apreensão das folhas 10 e 11.

“2° FATO:

“Nas mesmas condições de data, logo após a prática do fato acima descrito, nas dependências da Delegacia de Polícia de Balneário Pinhal, situada na Rua Vitório Sperotto, 1900, nesta Comarca, no momento em que foi preso em flagrante pela prática do delito de tráfico de entorpecentes, o denunciado JEFERSON LUIS DE SOUZA atribuiu-se falsa identidade, para obter vantagem em proveito próprio.

“Na oportunidade, o denunciado identificou-se como JOSÉ EDUARDO DE SOUZA, nome e qualificação de seu irmão, com a intenção de ocultar a sua própria identidade.”

Assim, HÉLIO MEDINA VIEIRA foi denunciado como incurso nas sanções penais do artigo 12 da lei n° 6.368/76 combinado com o artigo 29 do Código Penal e JEFERSON LUIS DE SOUZA foi denunciado como incurso nas sanções penais do artigo 12 da lei n° 6.368/76, c/c os artigos 29 e 307 do Código Penal, na forma do artigo 69, do mesmo diploma legal.

O processo foi cindido com relação ao co-réu Hélio (fl. 145).

Processado o feito, sobreveio a sentença de fls. 286/291 julgando procedente a denúncia a fim de condenar Jeferson Luis de Souza como incurso nas sanções penais do artigo 12 da lei n° 6.368/76, e art. 307 do Código Penal, a 03 anos de reclusão e 03 meses de detenção, em regime integral fechado, e 50 dias-multa.

Irresignada, apela a defesa.

Em suas razões, a defesa postula a absolvição do réu, uma vez que inexiste prova capaz de comprovar a traficância. Alternativamente, requer a desclassificação do delito para o art. 16 do Código Penal. Pleiteia, ainda, seja alterado o regime de cumprimento da pena para o inicial fechado (fls. 302/311).

Em contra-razões, o Ministério Público manifesta-se pela manutenção da sentença a quo (fls. 313/325).

Vieram os autos a este Tribunal.

Nesta instância, o doutor Procurador de Justiça opina pelo improvimento do recurso defensivo.

É o relatório.

VOTOS

DES. MANUEL JOSÉ MARTINEZ LUCAS (RELATOR)

Não pode prosperar o recurso interposto.

A materialidade delitiva está comprovada pelo auto de apreensão e laudo toxicológico (fls. 16 e 125).

A autoria, inobstante a alegação do apelante de que a droga era para seu consumo próprio, também é induvidosa em relação ao crime de tráfico ilícito de entorpecentes, senão vejamos.

Extrai-se dos autos que os policiais receberam uma denúncia anônima de que dois indivíduos estariam traficando drogas no Bar Maresias, sendo que o denunciante descreveu tais indivíduos. A fim de investigarem a informação, os policiais se dirigiram até o local, e ao identificarem o apelante e o co-denunciado Hélio, fizeram a abordagem, apreendendo duas buchinhas de maconha com este último, pesando um grama cada, e oito buchinhas em poder do ora apelante, cada uma contendo dois gramas de maconha.

O depoimento do policial militar Éton Luiz Pires corroborou a narrativa da peça acusatória: “Receberam uma denúncia anônima de que havia dois elementos no local vendendo drogas, Deslocaram-se até o bar e ficaram aproximadamente por cinco minutos até localizarem os dois réus, pois havia várias pessoas no local. Na abordagem não houve qualquer reação de Hélio ou José. Hélio tinha a droga em uma pochete de couro, sendo que uma parte da maconha estava em buchinhas e a outra em um recipiente de metal. José que estava com a droga em sua boca. Na ocasião, ambos os réus alegaram que a droga seria para consumo. Entretanto, a quantidade de droga que estava com os réus com certeza não seria para consumo, mas sim para venda. Inclusive a forma de acondicionamento da droga era para o comércio pois algumas buchinhas pesavam exatamente um grama e outras exatamente dois gramas. O depoente reitera que a pessoa que fez a ligação anônima afirmou que os réus estavam comercializando a droga no local.” (fl. 181).


Idêntico é o depoimento do policial Jorge Luiz Costa Pinto (fl. 269).

Esclareço que os policias, em seus depoimentos, referem-se ao apelante como José Eduardo de Souza, quando na verdade o recorrente se chama Jeferson Luis de Souza. Ocorre que este mentiu seu nome ainda na fase policial, fazendo-se passar por seu irmão José. Descoberta a farsa, a peça acusatória foi retificada e aditada (fl. 144), sendo o apelante também denunciado por falsidade ideológica, crime pelo qual restou condenado.

A forma como a droga estava acondicionada, em diversas buchinhas pesando exatamente um e dois gramas cada, ou seja, pronta para venda, não deixa dúvidas de que os co-denunciados estavam traficando. Também o fato de que o apelante estava com a droga escondida na boca, demonstra inequivocamente a traficância. Ora, se a droga fosse para consumo próprio, como alegou o recorrente, o único motivo para este estar em um bar seria a busca de diversão. E quem sai à noite para se divertir com oito buchinhas de maconha na boca??? O usuário de substâncias entorpecentes certamente não adota tal conduta. Agora, aquele que está vendendo drogas não está no local para se divertir, e portanto se sujeita a colocar oito buchinhas de maconha na boca, como fez o apelante.

Saliente-se, ainda, que a denúncia anônima era veemente no sentido de que o apelante e o co-denunciado Hélio estavam vendendo drogas no local, sendo feita, inclusive, a descrição dos indivíduos pelo autor do telefonema anônimo.

Convém ressaltar que inexiste qualquer motivo nos autos para se duvidar dos testemunhos dos policiais militares que efetuaram o flagrante. Nem os policiais conheciam os denunciados, nem os denunciados conheciam os policiais, ou seja, estes apenas estavam cumprindo suas funções, e posteriormente relataram com exatidão o ocorrido.

Vale dizer, ainda, que este órgão fracionário tem posicionamento firmado no sentido de ser possível a condenação por tráfico de drogas baseada exclusivamente nos depoimentos dos policias envolvidos no flagrante. A esse respeito, merece transcrição o seguinte precedente jurisprudencial:

“TÓXICO. TRÁFICO. AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS. CONDENAÇÃO BASEADA EM DEPOIMENTOS DE POLICIAIS ENVOLVIDOS NO FLAGRANTE. Seria incorreto credenciar-se agentes para exercer serviço público de repressão ao crime e garantir a segurança da sociedade e ao depois negar-lhes crédito quando fossem dar conta de suas tarefas no exercício de funções precípuas.

“(…)

“Negaram provimento ao recurso.” (APC n.º 70000277400, 1ª Câmara Criminal, Rel. Des. Marcel Esquivel Hoppe).

No tocante ao pedido de alteração do regime carcerário fixado, qual seja o integralmente fechado, melhor sorte não assiste à defesa técnica.

A questão tem sido objeto de acesos debates desde o advento da chamada Lei dos Crimes Hediondos e praticamente nada há para acrescentar à rica argumentação desenvolvida, tanto em sede doutrinária como jurisprudencial, pelos que admitem a progressão do regime, apesar da vedação legal, e pelos que a rechaçam, reconhecendo a constitucionalidade da norma impeditiva constante do referido texto legislativo.

Todos os que advogam a possibilidade da progressão do regime de pena, o fazem com fundamento na suposta inconstitucionalidade do art. 2º, § 1º, do citado diploma legal, que estaria em franca contrariedade com o disposto no art. 5º, XLVI, da Constituição Federal.

Não vislumbro, porém, a apontada contrariedade, mesmo porque a individualização da pena é feita no momento de sua fixação, consideradas todas as circunstâncias postas pela lei penal e apreciadas no caso concreto. Quanto aos regimes de cumprimento da pena, não guardam relação com a individualização desta e, portanto, não há vedação constitucional à regulamentação dos regimes, com maior brandura ou com maior severidade, conforme o caso, pelo legislador ordinário.

Nem se pode olvidar a causa determinante da promulgação da Lei dos Crimes Hediondos, ou seja, o enorme clamor popular diante do vertiginoso aumento da criminalidade, a exigir maior rigor na punição de delinqüentes cada vez mais ousados e mais insensíveis, condições sociais que não podem ser ignoradas ou menosprezadas pelo Poder Judiciário.

Conseqüentemente, a supressão de benesses ao sentenciado por crime considerado em tese repulsivo é efeito natural da própria definição de crime hediondo, sem o qual tal definição não teria qualquer sentido prático.

Por derradeiro, convém lembrar que a discussão em torno do tema é meramente acadêmica, uma vez que o Supremo Tribunal Federal, que tem a incumbência constitucional de interpretar e de dar vida à própria Carta Magna, já reconheceu, por decisão plenária, a constitucionalidade da norma em questão e, nesse sentido, é também a jurisprudência indissonante do Colendo Superior Tribunal de Justiça.

Em face do exposto, NEGO PROVIMENTO ao apelo.

É o voto.

DES. MARCEL ESQUIVEL HOPPE (REVISOR) – De acordo.

DES. IVAN LEOMAR BRUXEL (PRESIDENTE) – De acordo.

DES. IVAN LEOMAR BRUXEL – Presidente – Apelação Crime nº 70009398652, Comarca de Tramandaí: “NEGARAM PROVIMENTO. UNÂNIME.”

Julgador(a) de 1º Grau: CRISTIANE STEFANELLO SCHERER

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