Consultor Jurídico

Arbitragem se consolida ao fazer dez anos no Brasil

29 de dezembro de 2005, 10h23

Por Eduardo Damião Gonçalves, Shirly Eliane Vogelfang

imprimir

Às vésperas de que se complete a primeira década da entrada em vigor da Lei de Arbitragem (Lei 9.307/96) — que revolucionou a prática desse método extrajudicial de solução de controvérsias no Brasil — vivemos em 2005 mais um ano de avanço e consolidação do instituto no Brasil.

Na esteira dos avanços da arbitragem em 2004, foi publicada a Resolução 22 do Superior Tribunal de Justiça que dispõe sobre a Emenda Constitucional 45/2004 referente à transferência do Supremo Tribunal Federal para o Superior Tribunal de Justiça da competência para conceder o exequatur e homologar sentenças estrangeiras e sentenças arbitrais estrangeiras, acrescendo-se ao inciso I do artigo 105 da Constituição da República, a alínea “i”.

Como resultado dessa mudança de competência, em fevereiro, o ministro Celso de Mello reconheceu a cessação da competência originária do STF para apreciar a ação de homologação de sentença estrangeira, determinando a remessa dos autos ao STJ, em razão do artigo 105, I, “i”, da Constituição Federal, redação dada pela EC 45/2004 (SEC 5.778).

Em maio, o STJ deferiu a homologação da primeira sentença arbitral estrangeira, que prevê a obrigatoriedade da empresa brasileira Têxtil União, com sede no Ceará, pagar mais de US$ 900 mil à empresa suíça L´Aiglon, referente a descumprimento parcial do contrato de compra e venda de algodão cru (SEC 856).

Em agosto a Corte Especial do STJ homologou sentença arbitral estrangeira cuja homologação era contestada em razão da suposta violação da ordem pública por negativa da aplicação da lei brasileira, o que não foi reconhecido pela Corte.

A arbitragem envolvendo a administração pública também recebeu novo incentivo em 2005, dando prosseguimento à tradição brasileira de considerar arbitrável questões envolvendo o Estado. Em outubro, o STJ (RESP 612.439-RS) reconheceu a validade da cláusula compromissória em um contrato administrativo, resultante de um procedimento licitatório relativo a uma sociedade de economia mista — a Companhia Estadual de Energia Elétrica —- com a AES Uruguaiana.

Mais um avanço para a arbitragem no setor público em 2005 foi a inclusão do artigo 23 da Lei Geral das Concessões, modificada pela Lei 11.196 de 21 de novembro de 2005, enfatizando a possibilidade de utilização da arbitragem e de outros mecanismos privados de solução de conflitos nos contratos de concessão, desde que a arbitragem seja realizada no Brasil e em língua portuguesa.

Neste ano ainda, abriram-se novas possibilidades de utilização da arbitragem. A nova Lei de Falências, a Lei 11.101/ 2005, trouxe para o Brasil a tendência moderna da tentativa de recuperação da crise econômico-financeira do empresário ou da sociedade empresária. Apesar da complexidade da estrutura da nova lei, é possível vislumbrar meios de utilização da arbitragem como forma de solução de controvérsias entre credores e devedores nesse processo de recuperação.

E como vem ocorrendo nos últimos anos, foi organizado o V Congresso Internacional de Arbitragem, pelo Comitê Brasileiro de Arbitragem em conjunto com a Câmara de Arbitragem Empresarial — Brasil e o Centro de Arbitragem da Amcham, desta vez sediado em São Paulo entre os dias 28 e 30 de setembro, que contou com um público de aproximadamente 350 pessoas e teve como temática central “Arbitragem e Infra-estrutura”, contando ainda com expressiva participação internacional.

Ainda sobre a participação internacional em eventos arbitrais nacionais, em outubro de 2005, o Brasil recebeu pela primeira vez a visita da secretária-geral da CCI, Anne Marie Whitesell, como reflexo do fato do número de árbitros brasileiros registrados no sistema da CCI ter pulado de 8 em 2000 para 22 em 2004, enquanto a escolha do Brasil como sede legal das disputas avançou de um caso há cinco anos para 10 em 2004.

Segundo o Conima — Conselho Nacional das Instituições de Mediação e Arbitragem, de 1.999 a 2004, foram realizados 19.995 procedimentos de arbitragem e mediação no âmbito das 79 câmaras associadas ao Conima. De acordo com o levantamento, em 2004, das 3.375 arbitragens realizadas, 3.198 foram do campo trabalhista, e esse número continuou crescendo em 2005. Os 177 casos restantes de 2004 corresponderam a conflitos relacionados a contratos cíveis ou comerciais.

Em relação à arbitragem na área trabalhista houve importante decisão da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, permitindo a um trabalhador (RESP 742.252) que sacasse o saldo do FGTS em demissão sem justa causa, comprovada nos autos por sentença arbitral.

Ainda no mês de junho, o Tribunal Superior do Trabalho começa, pela primeira vez, debate sobre arbitragem trabalhista em caso que envolve o uso da arbitragem em um contrato individual de trabalho, aonde a corte deverá decidir se o trabalhador deverá reclamar as diferenças de verbas trabalhistas num procedimento arbitral ou na esfera judicial.

Finalmente, foi intensificado o combate às entidades arbitrais inidôneas que buscam deturpar a arbitragem, oferecendo cursos de formação de árbitros, utilizando indevidamente símbolos pátrios e vendendo carteiras profissionais de árbitros.

As comissões das diversas seccionais da OAB, o Comitê Brasileiro de Arbitragem, o Centro de Estudos das Sociedades de Advogados, profissionais da arbitragem aliados aos Tribunais de Justiça estaduais, corregedores-gerais de Justiça e Ministérios Públicos estaduais têm conseguido punir algumas dessas instituições inidôneas.

No intuito de coibir o aparecimento dessas entidades inidôneas, foi feito um Projeto de Lei 4.891/05 que tramita na Câmara dos Deputados e pretende alterar a Lei de Arbitragem. Esse Projeto de Lei propõe a regulamentação da atividade dos árbitros e mediadores, criando um Conselho Federal e Conselhos Regionais aos quais os árbitros deveriam estar inscritos, dentre outras disposições.

Em que pese a necessidade de combate às instituições inidôneas, as principais instituições de fomento da arbitragem no Brasil entendem que a regulamentação da profissão de arbitro e mediador é iniciativa temerária. Essa iniciativa, se aprovada, criaria uma dificuldade muito grande para a utilização de árbitros e câmaras arbitrais de fora do país, que não se sujeitariam à inscrição nos Conselhos Regionais e Conselho Federal, obrigando o Brasil a retroceder enormemente em seus avanços relacionados à arbitragem internacional.

Para concluir, uma nota de pesar pela perda irreparável de um dos maiores nomes da arbitragem no Brasil em 2005, o professor Guido Soares, a quem dedicamos este artigo.