Retrospectiva 2005

Direito e mercado se adaptam para enfrentar novas tecnologias

Autor

  • Nehemias Gueiros Jr

    é advogado especializado em Direito Autoral Show Business e Internet professor da Fundação Getúlio Vargas-RJ e da Escola Superior de Advocacia — ESA-OAB/RJ consultor de Direito Autoral da ConJur membro da Ordem dos Advogados dos Estados Unidos e da Federação Interamericana dos Advogados – Washington D.C. e do escritório Nelson Schver Advogados no Rio de Janeiro.

27 de dezembro de 2005, 9h19

Corroborando a famosa “Lei de Moore”, de que a cada 18 meses dobra a capacidade tecnológica dos engenhos e artefatos digitais disponíveis no mercado, o mercado do entretenimento e do show business nunca demonstrou tanto fôlego e capacidade de renascimento. Depois da debacle econômica provocada pelo que ficou conhecido como “efeito Napster”[1] no ano 2000, a indústria fonográfica, embora ainda combalida pela inesperada mudança, parece que começa a se movimentar no sentido de aproveitar o momento paradigmático em seu benefício, como afinal sempre fez desde o advento do fabuloso fonógrafo, inventado por Thomas Edison no apagar das luzes do século XIX.

Em 1948 o venerável disco fonográfico de longa duração de vinil, mundialmente conhecido como Long-Playing Record ou simplesmente LP, toma de assalto o mercado musical, substituindo o até então intocável disco compacto de 78 RPM (rotações por minuto), uma “desgraça” tecnológica que só tocava de um lado e produzia mais ruídos do que propriamente sons musicais mas dominou o mercado fonográfico durante mais de 30 anos no início do século XX. O LP reinou insubstituível até o limiar da década de 80, quando a Era Digital se apresentou ao mercado, com o advento do disco compacto com leitura ótica a laser[2] compact disk ou CD, sepultando definitivamente o contato entre superfícies (a agulha leitora com a face dos discos) e inaugurando a fase da leitura ótica.

De lá para cá, a tecnologia continuou sendo a senhora absoluta dos desdobramentos experimentados pelo mercado do entretenimento mundial, deixando em polvorosa a comunidade jurídica – ciosa de proteger os titulares de direitos autorais, garantindo-lhes o recebimento da legítima compensação financeira pela exploração econômica de suas criações intelectuais – e fazendo a festa dos usuários de computadores em redor do mundo, de posse de uma ferramenta infalível e gratuita para ter acesso a todas as obras musicais de sua veneração. Entretanto, a cada nova tentativa de criação de salvaguardas jurídicas, o avanço tecnológico fez tábula rasa do esforço legal. Essa vertiginosa evolução da técnica não encontra precedentes na história da humanidade e lança a todos nós, juristas, advogados e estudiosos do Direito numa cruzada interminável para alcançar o melhor método de controle e administração dos direitos intelectuais gerados pela evolução da sociedade contemporânea.

O ano de 2005 foi especialmente intenso no que diz respeito à consolidação das mudanças de paradigmas tecnológicos e, por conseguinte, também jurídicos, na evolução contínua do novo mercado musical da Era Digital. A explosão do segmento dos ringtones de telefonia celular, a febre do iPod da Apple – a última palavra em mobilidade sonora pessoal – a fusão de duas grandes potências multinacionais do disco (a japonesa Sony Music e a alemã Bertelsmann), o julgamento definitivo do caso Grokster pela Suprema Corte Americana, o pagamento de valores milionários por parte das majors do mercado pela prática do “jabá”, a certeira e voraz expansão do Google, o retorno do Napster e a complexa questão do controle da Internet, todos representaram fatos que continuam a tecer vertiginosamente o quadro do mercado do entretenimento mundial do Novo Milênio. A seguir destacamos individualmente alguns desses acontecimentos, que sinalizam, sem qualquer sombra de dúvida, que o Direito sempre será refém da tecnologia, em sua tentativa célere de acompanhar a velocidade da evolução da técnica para conferir proteção adequada aos detentores de direitos intelectuais na sociedade trimilenar.

Os Ringtones

Um dos mais espetaculares exemplos da imediata absorção da tecnologia do mercado das comunicações pelo do entretenimento foi o advento dos tons especiais para telefones celulares, também conhecidos como ringtones, que se subdividem em ringtones e realtones ou truetones e podem ser baixados através da Internet[3]. Essa nova modalidade de utilização comercial de obras musicais no mercado internacional, incluindo o Brasil, já resultou numa verdadeira coqueluche, gerando, somente no mercado norte-americano no primeiro semestre de 2005 o equivalente a US$ 500 milhões em receita de royalties fonográficos. Não raro deparamo-nos com os mais conhecidos ou exóticos tons de campainha telefônica celular em locais públicos, “berrando” do celular da pessoa que está ao nosso lado, e mais do que certamente esses tons foram baixados legalmente, vale dizer, pagando os correspondentes royalties aos autores e titulares dos direitos autorais envolvidos. A nova possibilidade de geração de receita é tamanha que no Brasil, o ECAD – Escritório Central de Arrecadação e Distribuição, responsável pela coleta, administração e repasse dos direitos conexos de autor gerados pela execução pública musical em locais de freqüência coletiva, já está se movimentando para abocanhar uma fatia desse bolo. Em reportagem recente do periódico Valor Econômico, pudemos constatar a voraz sanha do ECAD em relação aos toques polifônicos da telefonia móvel no Brasil. Atento ao aumento dos downloads em todo o país, o órgão arrecadador quer de qualquer maneira abocanhar uma fatia considerável da receita gerada com esses ringtones, tendo até agora notificado 9 operadoras de telefonia móvel e 22 fornecedores e já ajuizado uma ação judicial contra 18 empresas envolvidas com a geração de conteúdo de telefonia móvel celular, objetivando recolher uma taxa de execução pública incidente sobre os tons polifônicos. Tudo isso em função dos tentadores números do segmento: estima-se que algo em torno de 70 milhões de downloads fechem o ano de 2005 no Brasil, com generosa receita autoral de royalties, o que naturalmente atrai a cobiça dos agentes econômicos do setor como o ECAD. Trata-se de uma cobrança polêmica, não prevista pela legislação em vigor e, justamente por isso, alvo da avassaladora cobrança do ECAD, que não encontra amparo no ordenamento jurídico brasileiro. O signatário entende que os ringtones constituem uma “execução pública privada” e não pública, pois o tom de campainha de um aparelho telefônico celular não pode ser ouvido a mais do que alguns metros de sua origem e isso, por si só, já impossibilita sua categorização pública para efeito de cobrança de direitos conexos de autor tal como prescrito na Lei 9.610/98, a Lei Brasileira dos Direitos Autorais. A modesta opinião do articulista é corroborada pela Associação Nacional das Operadoras Celulares (ACEL), cuja assessora de estratégias regulatórias, Ana Luiza Valadares afirma, taxativamente: “O toque do celular é de uso privado da obra musical pelo usuário. A conclusão do nosso setor já foi manifestada ao ECAD e nossa orientação é para que as operadoras notificadas reiterem essa posição”, continuou a executiva da ACEL em sua entrevista ao jornal Valor Econômico.


É muito importante destacar para os leitores da ConJur que no caso dos ringtones, todos os agentes econômicos envolvidos no processo de oferta dos tons polifônicos de celular já pagam os direitos autorais diretamente aos titulares, através de contratos previamente celebrados, em contraponto às argumentações do ECAD, que procura incessantemente encontrar brechas legais para fundamentar sua absurda e inaceitável cobrança. Os fonogramas musicais utilizados nas campainhas dos celulares já foram objeto de contratos entre artistas, intérpretes, autores, gravadoras e a ponta final, que são as operadoras de telefonia móvel. Pretender “inventar” uma cobrança superveniente e desprovida de qualquer fundamento jurídico é apenas mais uma trapalhada das várias que o ECAD vem praticando há anos no mercado musical brasileiro.

Esta polêmica ainda irá render no próximo ano e estaremos atentos para analisar todos os seus aspectos e prontamente informar aos nossos leitores, mas professamos nossa convicção de que os ilustres membros do Poder Judiciário aos quais forem submetidas as questões envolvendo essa polêmica, irão atentar para a realidade de que os tons de campainha dos telefones celulares são, não apenas sons resultantes de uma execução privada e pessoal da obra musical realizada pelo usuário individualmente, como o resultado final de negociações já realizadas anteriormente entre as gravadoras, seus artistas contratados e as operadoras de telefonia móvel, não restando mais qualquer espaço útil de cobrança. O ECAD está mais uma vez tentando imiscuir-se em um universo econômico gerado pelo advento de uma nova tecnologia, cujos direitos em nada se confundem com os direitos conexos de execução pública regularmente controlados e distribuídos pelo órgão segundo a legislação brasileira em vigor.

Os ringtones constituem uma vertente tecnológica que só tende a crescer, consolidando uma nova modalidade de receita autoral para os sujeitos de direitos intelectuais e corroboram a tese professada pelo signatário deste artigo de que a tecnologia é, efetivamente, inexorável. Aos segmentos jurídicos do mercado cabe aprofundar os estudos e as pesquisas no sentido de aperfeiçoar as salvaguardas legais necessárias para proteger a geração, a arrecadação e a liquidação dos direitos autorais originados de mais essa nova modalidade de reprodução de obras intelectuais do engenho humano.

O fenômeno I-Pod

A Apple de Steven Jobs sempre foi pioneira em tudo o que empreendeu. Primeira empresa do mercado de TI a apresentar uma proposta revolucionária para os PCs, a Apple lançou o MacIntosh no início da década de 80, quando as configurações internas das máquinas assemelhavam-se ao que hoje possui o relógio digital de pulso do leitor. Nesses 20 anos que se passaram, a empresa continuou a consolidar seu nicho de mercado independente da expansão global da poderosa Microsoft, atraindo os usuários com maior conhecimento de informática e necessidades gráficas e científicas da computação. Um dos mais conhecidos anúncios desse período destacava a peculiaridade dos computadores Apple afirmando “Macs are for Loners” (computadores MacIntosh são para solitários).

Agora, na nova era da música digital baixada da Grande Rede, a Apple mais uma vez inovou na tecnologia da mobilidade sonora. Enquanto a concorrência continua apostando nos pen-drives de até 2 Gigabytes – aqueles pequenos artefatos em forma de canetas que também oferecem total mobilidade aos amantes da música mas menos capacidade de armazenagem – a empresa de Jobs lançou o seu produto mais cobiçado, o iPod. Também pequeno e portátil, mas maior do que os pen-drives, o gadget se tornou a coqueluche da adolescência e da juventude em todo o mundo. Ao preço de US$ 299.00, incluindo em sua versão recentemente lançada uma mini-tela capaz de reproduzir filmes inteiros, o aparelhinho, no modelo com 30 Gb é capaz de armazenar até 15.000 músicas de uma só vez ou 30.000 no modelo de 60 Gb. Coisa para ninguém botar defeito, sem deixar de mencionar seu design arrojado e as cores (branca e preta) em que pode ser adquirido. O iPod da Apple certamente foi o presente mais cobiçado da árvore de Natal de 2005, mas ainda apresenta forte oposição por parte das grandes empresas da indústria fonográfica, justamente por sua capacidade quase ilimitada de “baixar” e reproduzir músicas em formato digital a partir da Internet, em franco arrepio ao respeito necessário dos direitos autorais incidentes sobre a exploração econômica resultante. Entretanto, é preciso destacar que a Apple, antes de lançar o iPod, tratou de criar um site específico na Web para “alimentar” o aparelhinho, denominado iTunes. E fechou contrato com todas as quatro grandes da indústria musical, justamente para poder ter acesso ao necessário conteúdo para seu produto. Ocorre que qualquer um de posse do aparelho pode conectar-se à Internet e baixar o que quiser, pois a máquina foi desenvolvida justamente para ser um repositório de músicas em formato binário, independentemente de sua origem. Trata-se de um mercado inexorável, que não conhece volta e que já traçou uma linha na areia: quem não se adaptar, sucumbirá…


O caso Sony/BMG

Como já vinha acontecendo nos últimos 10 anos, a poderosa indústria fonográfica mundial, enfraquecida pela avalanche do “ataque” virtual propiciado pela tecnologia de “baixa” (download) digital propiciada pela Grande Rede de computadores Internet, vem recorrendo a fusões e aquisições para ampliar seu catálogo de títulos musicais disponíveis, aumentar sua receita de vendas e gerar capital suficiente para investir em novas tecnologias capazes de viabilizar uma estratégia destinada a enveredar pelo admirável mundo novo da Era Digital com mais controle econômico do que hoje possui. Foi assim com a PolyGram, adquirida pela Universal Music em 1995, por sua vez depois comprada pela gigante internacional canadense das bebidas destiladas Seagram Co., que depois foi vendida para a francesa Vivendi Plus. A Warner Music, do grupo homônimo americano, foi incorporada ao poderoso grupo AOL-Time, que, entre outras, controla a rede internacional de notícias CNN, a America On-Line na Internet e o grupo Sports Illustrated. Agora, foi a vez da segunda maior gravadora do mundo comprar a quarta, criando o segundo maior grupo musical industrial do planeta: Sony/BMG, que juntou o braço musical da Sony Corporation do Japão com a BMG Music, pertencente ao grupo de detém a maior cadeia de editoras musicais e literárias do mundo, a Bertelsmann AG, da Alemanha. Toda essa movimentação financeira certamente contribuirá para incrementar o lucro financeiro anual do grupo, que agora tem sob o mesmo teto artistas do peso de Santana, Adriana Calcanhoto, Michael Jackson, Shakira, Whitney Houston e Celine Dion, mas não é suficiente para resolver o problema mais premente enfrentado por essa indústria secular: o paradigma tecnológico.

Em recente confronto com a justiça americana, a Sony/BMG teve que capitular de sua tentativa de inserir em todos os seus suportes musicais, especialmente os CDs, um software destinado a coibir a cópia de seus fonogramas musicais, que se comportava como spyware dentro dos computadores dos usuários. Em 15/11/05 a nova gigante musical anunciou publicamente que estava retirando de circulação novos lançamentos como Ricky Martin, Neil Diamond, Amerie, Trey Anastasio, Celine Dion e Van Zant, entre outros, porque seus CDs continham embutido o programa XCP de proteção à copiagem fabricado pela empresa britânica First 4 Internet. A gigante americana Microsoft e diversas outras empresas do setor de TI, incluindo a Computer Associates, Symantec e F-Secure designaram o programa XCP como sendo um spyware malicioso, que monitora o comportamento dos usuários, é muito difícil de desinstalar e deixa a máquina extremamente vulnerável à invasão por vírus. O recall da Sony/BMG, que chega a 52 títulos de seu catálogo, sendo 24 deles topo-de-linha, custará à gravadora aproximadamente US$ 6.5 milhões em taxas de retorno e custos adicionais de fabricação, de acordo com especialistas da indústria fonográfica e da revista Billboard. A empresa informou que já havia distribuído cerca de 4.7 milhões de unidades desses produtos contendo o software XCP aos revendedores e que pelo menos a metade já havia sido vendida. A empresa também está oferecendo uma promoção em conexão com esse recall, permitindo aos consumidores trocarem os seus CDs que contém o XCP por outros da gravadora que não têm o programa. Enquanto a gravadora tenta remediar o problema, ações judiciais já começam a bater na porta da empresa. Uma delas, de natureza coletiva, já foi ajuizada em Nova Iorque e outras estão a caminho. Os valores montam aos milhões de dólares, como é comum em processos desse tipo nos Estados Unidos, sob a bandeira das perdas e danos materiais.

Em que pesem todos esses desdobramentos, a música em formato digital chegou para ficar, e isso foi sobejamente comprovado pela tecnologia do jovem americano Shawn Fanning com seu Napster (veja tópico específico adiante), e a palavra de ordem é “engajamento”. Com mais recursos do que os pequenos selos musicais e produtoras independentes, caberá justamente às multinacionais da música o papel de liderança para criar e consolidar um novo business model capaz de garantir, a um só tempo, a continuidade do faturamento global dos produtos musicais, que garantem empregos, pagam impostos, fazem circular a riqueza e divulgam a cultura, como também – o que é de não menos importância – o respeito e o conseqüente recolhimento dos direitos autorais gerados por essa operação comercial aos artistas, intérpretes, autores e demais titulares de direitos que povoam esse segmento econômico.

O caso Grokster

Corroborando a firme decisão da indústria do entretenimento de não tolerar a utilização desautorizada e “não-pagante” de obras audiovisuais, o site Grokster, um dos mais populares sítios de troca de arquivos em regime P2P (peer-to-peer) do jovem mercado eletrônico, sofreu forte abalo judicial no mês passado. O juiz Stephen Wilson, da Corte do Distrito Central da Califórnia emitiu decisão no último dia 7 de novembro, confirmando a decisão de junho passado da Suprema Corte dos Estados Unidos de que a empresa poderia ser responsabilizada se uma corte inferior entendesse que o Grokster “induzia” usuários a infringir a lei de direitos autorais, ao “trocar” arquivos música e filmes. Diante do impacto, o Grokster optou pelo acordo, para não enfrentar um poderoso e midiático julgamento, pois a questão ainda não estava inteiramente submetida ao Judiciário americano, era apenas uma audiência preliminar para confirmação da possibilidade de violação de direitos autorais. A decisão envolveu os sítios Grokster e Swaptor e determinou o pagamento de US$ 50 milhões à indústria do entretenimento pela distribuição ilegal de fonogramas musicais protegidos, a ser distribuídos em forma equânime entre as gravadoras, editoras musicais e os estúdios de cinema. Além disso, os sites devem sair imediatamente do ar (tentem o www.grokster.com e já verão a mensagem oficial postada pela Justiça americana, que lançou o serviço na ilegalidade até que o novo sistema seja lançado – ver tópico adiante, O Napster Volta À Cena). As empresas também não podem vender os seus negócios para quaisquer terceiros sem alertar para a decisão judicial emitida e as condições nela estabelecidas. Enquanto isso, os direitos autorais e os extremamente populares iPods da Apple continuam em rota de colisão. Alguns especialistas vêm polemizando que copiar músicas de um CD para o iTunes estaria protegido pelo instituto do fair use ou “uso justo” da lei autoral dos Estados Unidos, desde que realizada apenas uma vez. Outros entendem que o fair use acaba protegendo o usuário de ser processado por violação de direitos autorais. Aparentemente vai prevalecer o teor do Audio Home Recording Act (lei americana de 1992 que alterou o capítulo X do Copyright Act de 1976 dos EUA), de que “nenhuma lei pode conferir a alguém o direito de copiar a obra intelectual protegida de terceiros”, vale dizer, uma cópia feita sob a égide do fair use não pode ser comercializada sem a autorização expressa do detentor/titular dos direitos envolvidos. Como podemos ver, a questão é polêmica e ainda promete diversos rounds jurídicos antes de se tornar pacífica. Nós da ConJur, estaremos sempre acompanhando atentamente todos os desdobramentos desse fascinante universo da música digital, com o objetivo de manter informados os nossos leitores e contribuir para amplificar e referendar o saudável debate e a fundamental disseminação de todos os temas correspondentes.


O Payola ou “Jabá”

Vilão do mundo musical e objeto do ódio de todos os artistas, intérpretes e músicos do mercado, o payola ou “jabá”, como é conhecido no Brasil[4], constitui uma prática nefanda e irregular das grandes gravadoras de “pagar-para-tocar” (pay-to-play) em emissoras de rádio e televisão os seus mais recentes lançamentos musicais, com o objetivo de produzir sucessos instantâneos de vendas e, consequentemente, receitas milionárias. Em 2005, pela primeira vez em mais de 30 anos, uma grande gravadora multinacional aceitou pagar US$ 10 milhões para não ser processada judicialmente pela Procuradoria do Estado de Nova Iorque pela prática do payola. O Procurador-Geral daquele estado, Eliot Spitzer, notificou uma-a-uma todas as quatro grandes empresas multinacionais da música mundial (pela ordem de faturamento anual, Universal Music, Sony Music, Warner Music e EMI Group), ameaçando-as de processo judicial se não concordassem em efetuar o pagamento de uma soma específica em dinheiro como forma de multa pelas irregularidades até aqui praticadas. As quatro empresas concordaram em compor amigavelmente para não serem alvo de processos judiciais certamente fulminantes para os seus negócios, mas até agora somente a Sony/BMG aceitou pagar US$ 10 milhões e a Warner Music US$ 5 milhões.

No Brasil, infelizmente a realidade é outra. O payola ou “jabá” continua a ser uma realidade corriqueira no mercado musical. Emissoras de rádio e televisão – e seus respectivos funcionários e executivos – continuam a ser agraciados com pagamentos em dinheiro, benefício, passagens aéreas e outros bens móveis como eletrodomésticos e similares, para “tocar-com-mais-intensidade” músicas de interesse das grandes gravadoras. Trata-se de uma prática triste e desleal, que nivela por baixo a qualidade e o talento dos múltiplos e inúmeros artistas e talentos da música brasileira que buscam um lugar ao sol, negando posicionamento a uma pluralidade de profissionais que tentam fazer da arte musical sua sobrevivência, no mais das vezes sem sucesso. Criando uma verdadeira “Caixa de Pandora” dentro das emissoras de rádio e televisão, a prática do “jabá” escapou completamente do controle das próprias gravadoras que o criaram no final dos anos 50 quando da explosão da música pop, pois nada parece deter a avassaladora sanha dos programadores, DJs e executivos de corporações do entretenimento na busca por mais dinheiro e benefícios para “fabricar” novos sucessos de mídia. O “jabá” tornou-se uma senha velada nos negócios do entretenimento, já incorporado aos orçamentos de novas produções e desde o início condenando ao fracasso aqueles que não aderirem ao sistema. É justamente nesse universo que os recentes acordos das majors em Nova Iorque trazem algum alento para os artistas, intérpretes e criadores de conteúdo intelectual musical. Enquanto estivermos atuantes no mercado e em condições de manifestar nossa opinião ao grande público, estaremos atentos a essa atividade ruinosa e ilegal que contamina o rico mercado musical brasileiro (e mundial), com o objetivo de regulamentar e organizar as relações jurídico-econômicas resultantes dos negócios da música em nosso país.

A Biblioteca “do mundo”

Que o Google é um fenômeno ninguém mais pode discordar. Jovem empresa com menos de 10 anos de existência e valor acionário individual maior do que a lendária General Motors na Bolsa de Wall Street (na última semana de nov/2005 uma única ação do Google valia US$ 410.00, elevando o patrimônio total da companhia a assombrosos US$ 120 bilhões depois de seu lançamento em ago/2004 a US$ 36.00), a Google tomou de assalto a comunidade internáutica desde o ano 2000. Maior, melhor e mais avançado robô de busca eletrônica na Grande Rede Mundial de computadores Internet, a companhia criada há 7 anos pelos jovens americanos Larry Page e Sergey Brin desbancou todas, literalmente todas, as teorias econômicas de sucesso corporativo dos últimos 40 anos nos Estados Unidos e em qualquer outro lugar do mundo. Segundo a revista VEJA[5], logo no lançamento do sítio, seus fundadores afirmaram categoricamente que “chegamos para organizar o caos de informações da Internet”. Sempre adiantando-se às necessidades do mercado e adotando soluções inovadoras no atendimento aos usuários, a Google acaba de lançar um de seus mais arrojados empreendimentos, que certamente poderíamos denominar de “A Biblioteca do Mundo”, uma ferramenta eletrônica capaz de perscrutar a totalidade do conteúdo de livros publicados. O serviço ganhou o nome de “Google Book Search” e consiste na digitação, com o objetivo de disponibilização virtual, de todos os livros cujos direitos autorais já tenham caído em domínio público, o que ocorre, em média, segundo a maioria das leis autorais em vigor no mundo, 70 (setenta) anos após a morte de seus autores. Este empreendimento já foi concluído e encontra-se à disposição de qualquer interessado no planeta, sem qualquer ônus financeiro.


A moldura geral do projeto é mais ambiciosa e prevê o oferecimento eletrônico de todas as obras literárias integrantes da Biblioteca Pública de Nova Iorque e dos acervos literários de quatro grandes instituições universitárias mundiais: Stanford*, Harvard*, Michigan e a inglesa Oxford, sendo duas delas* integrantes da poderosa Ivy League (a Liga de Marfim, que reúne as mais prestigiosas universidades dos Estados Unidos). Estamos falando de milhões de livros e de um custo estimado em algo como US$ 200 milhões. O trabalho que está sendo realizado pelo Google despenderá em torno de 06 (seis) anos, ao passo que, se empreendido individualmente por cada uma das instituições envolvidas até aqui, consumiria assustadores 300 anos.

Por causa da grita levantada pelas editoras e titulares dos direitos autorais incidentes sobre as obras literárias ainda não caídas em domínio público, os responsáveis pelo Google optaram por permitir apenas uma espécie de “consulta” a esses livros, cujo conteúdo pode ser apenas parcialmente “folheado” se for em forma gratuita. Mesmo assim, um grupo de editores literários norte-americanos que integra a Associação de Editoras Americanas, indignado com a nova tecnologia, ajuizou processo judicial contra o Google há dois meses, antes mesmo do lançamento oficial do sítio. O contra-argumento utilizado pelos googlianos é o dispositivo, integrante da lei autoral americana (o U.S. Copyright Act de 1976), conhecido como fair use (algo como “uso razoável ou justo”), que permite determinadas utilizações de obras literárias, artísticas ou científicas, desde que possa restar comprovado que não houve intenção de lucro e apenas uma única vez. O problema é definir quanto pode ser utilizado de cada obra: um pequeno trecho, uma página, um capítulo inteiro?

Enquanto isso, a concorrência se arma. Em 2006, as empresas Yahoo! e Microsoft, aliadas, cientes dos largos lucros de seu rival, vão concorrer com o Google e lançar o Open Content Alliance, empreendimento similar de pesquisa e acesso a obras literárias, mas a verdade é que o mercado tende mesmo a migrar para a consulta “paga” de livros, à semelhança do que já começa a ocorrer com os sítios de música na Internet: os usuários interessados deverão pagar para reproduzir trechos de livros de seu interesse, até porque nunca se sabe que destino final terão essas preciosas páginas de conteúdo intelectual protegido.

Quem sabe no breve futuro a Library of the Congress of the United States of America (biblioteca do congresso norte-americano), a maior do mundo, hoje com cerca de 25 milhões de livros, estará parcialmente disponível na Internet, situação que certamente esbarrará na necessidade de uma negociação mais ampla e profunda dos direitos autorais de todos os livros ainda não caídos em domínio público? Uma tarefa certamente fascinante para todos os profissionais envolvidos, a quem desde já desejamos todo o sucesso.

O Napster volta à cena

O jovem americano Shawn Fanning fez 25 anos em novembro passado e já se passaram sete longos anos desde que ele idealizou um programa de computador juntamente com seus colegas de campus da Northeastern University of Boston, nos Estados Unidos, onde na época era calouro. Ele denominou o programa de Napster, seu próprio apelido (porque vivia cochilando aqui e ali) e o projeto se transformou num fenômeno da Internet ao mesmo tempo em que o enfant terrible da indústria fonográfica mundial. No mesmo mês de novembro/2005, o Grokster, um dos sítios de troca de arquivos em regime P2P que surgiu após o fechamento judicial do Napster em 2001 (ver tópico específico neste artigo, acima), foi obrigado a encerrar suas operações de distribuição virtual de fonogramas musicais e pagar o equivalente a US$ 50 milhões para a indústria do entretenimento. A empresa preferiu desistir da batalha judicial, que já havia sido praticamente perdida em junho passado, quando a Suprema Corte dos Estados Unidos decidiu unanimemente que quaisquer serviços de troca de arquivos peer-to-peer seriam responsabilizados pela indução à violação de direitos autorais (a respeito, consultar excelente artigo do advogado Attílio Gorini na Seção de Propriedade Intelectual da ConJur).

Nas próximas semanas, uma nova versão do Grokster estará sendo lançada, desta vez com o beneplácito da indústria fonográfica e utilizando a nova tecnologia Snocap, de autoria do mesmo jovem e rebelde Shawn Fanning. O novo sistema requer dos usuários que desejarem trocar arquivos musicais na Web, que paguem pela operação. Pode-se dizer então que o mesmo Shawn Fanning que libertou o gênio da garrafa quando desenvolveu o software para o Napster, está agora praticamente “vendendo” uma tecnologia para trancafiá-lo novamente. Sua nova empresa, Snocap, está produzindo um programa que na realidade concretiza o sonho dourado inicial do sítio Napster, que era conjugar uma grande comunidade de parceiros trocando arquivos musicais via Internet, ao mesmo tempo em que é capaz de monitorar todas as operações realizadas para efeito de cobrança de royalties.


Aplicada ao novo site Grokster, essa tecnologia, denominada de audio fingerprinting technology, terá a capacidade de bloquear os downloads se os usuários se recusarem a pagar os royalties correspondentes. Um dos aspectos mais interessantes da tecnologia Snocap é conhecida como missing masters ou “fitas matrizes desaparecidas”. Quando uma gravadora envia à empresa todas as músicas que compõem seu catálogo, o software pode ser utilizado para “visualizar” todas as demais seleções musicais oficiosas disponíveis, gravadas por qualquer outro artista e também denominadas gray tracks – gravações piratas (bootlegs) captadas por fãs em shows e concertos ou secretamente por engenheiros em estúdios oficiais. Estima-se que existam cerca de 25 milhões de faixas desse gênero no mundo disponíveis pelo sistema P2P e não mais do que 2 milhões em sites oficiais de download pago.

Vários artistas estabelecidos gostariam de eliminar estas faixas, por considerarem-nas de qualidade técnica inferior, mas Shawn Fanning prevê que a maioria acabará por autorizar sua comercialização, sob o entendimento de que vale mais à pena gerar receita com faixas musicais que até hoje eram simplesmente contrabando do que ficar gastando dinheiro em batalhas judiciais nem sempre bem-sucedidas.

As negociações com o establishment fonográfico demoraram cerca de um ano para se concretizarem e certamente irão resultar em mais um breakthrough no mercado musical ao redor do mundo, embora além das grandes gravadoras, até agora apenas o Mashboxx tenha aderido. Todos os demais prestadores de serviços digitais de música terão que obter licenças individuais das majors para ter acesso a seus catálogos de fonogramas. Em outras palavras, o temor da Internet é grande e as salvaguardas existentes – ainda poucas e de discutida eficácia – tendem a se tornar cada vez mais burocráticas e restritivas para o comércio de música online.

Ainda não se pode precisar o sucesso que esse sistema irá atrair quando sites como o novo Grokster iniciarem sua cobrança pelo usufruto musical online, principalmente porque continua a existir na Internet um sem-número de sítios de troca de arquivos musicais operados por voluntários e puristas da Grande Rede, que utilizam a tecnologia do open source file-sharing software, isto é, a possibilidade de continuar a realizar a baixa das obras ilegalmente, sem pagar. Nesse meio-tempo, a indústria fonográfica vem tentando “botar pra quebrar” contra a pirataria digital, ajuizando milhares de processos judiciais (hoje já mais de 3.500 deles) contra fabricantes de softwares, usuários P2P e até contratando os chamados “hackers do bem” para infectar os sites de troca de arquivos com dezenas de aparentes canções e músicas de sucesso que, na realidade, são vírus contendo estática e ruídos que contaminam os sistemas dos usuários.

Como num grande pesadelo, o Napster acabou se tornando um imenso e atabalhoado dinossauro, desafiando a poderosa indústria fonográfica mundial sem na realidade gerar substanciais lucros para si mesmo nos quase três anos em que “esteve no poder”. Depois que todos os planos falharam, as ações judiciais foram perdidas e o dinheiro acabou, aparentemente Shawn Fanning está decidido a recuperar o comando da revolução que desencadeou em 1999 e deixou el jefe para trás.

O “Controle” da Internet

Desde seu advento bombástico no decorrer dos últimos 10 anos, muito se tem falado e escrito sobre a importância e a necessidade de controle das operações da Grande Rede mundial de computadores Internet. Fruto de projeto militar americano originado no limiar da década de 60 nos Estados Unidos em resposta ao avanço espacial soviético que colocou o satélite Sputnik em órbita geossincrônica ao redor do nosso planeta, a Internet (abreviação cunhada das palavras em inglês International Network) revolucionou as comunicações e o relacionamento social e profissional da humanidade nos últimos 10 anos. Acumulando uma colossal quantidade de informações, incomparável a qualquer outro instante da história da humanidade, a Internet, ou Web, ou Grande Rede, ou Net, como é comumente referida ao redor do mundo, é a mais desafiadora experiência humana no campo das comunicações registrada em qualquer período da História. Entretanto, ao mesmo tempo em que a Internet representa a maior experiência de manipulação de informações da história da humanidade, também abre o maior precedente de invasão de privacidade até hoje registrado.

Sim, pois, à semelhança do mundo fantástico de George Orwell[6], em que apesar de todos os esforços cruéis e invasivos do governo a sociedade continuou a burlar o sistema, a grande rede de computadores Internet continua existindo livre e praticamente incontrolada no mundo contemporâneo, oferecendo desde pornografia infantil, pedofilia, comércio de armas e drogas até receitas de fabricação de bombas convencionais, nucleares e químicas, passando por sites de estímulo ao ódio e ao racismo. Embora a partir de ordem judicial ou simples vontade tecnológica de rastreamento, teoricamente qualquer pessoa ou usuário da Web possa afinal ser identificado, o anonimato na Internet ainda é uma assustadora realidade no mundo, apesar de muitos apontarem o contrário, como, por exemplo, a possibilidade literal do país que controla a Rede, os Estados Unidos, ter a capacidade praticamente real de “desligar” uma empresa, um banco ou até um sistema administrativo inteiro de uma nação, através de comandos eletrônicos cumulados com novíssimas técnicas que vêm sendo desenvolvidas em sombrios departamentos de Cyber Ops (abreviação do inglês Cyber Operations ou operações cibernéticas) criados pelos americanos e algumas das potências mundiais no âmago de suas Forças Armadas.


E foi justamente essa questão do controle da Internet que reuniu cerca de 15.000 pessoas em Túnis, capital da Tunísia, no início de novembro passado, numa conferência internacional realizada pelas Nações Unidas sobre a Grande Rede Mundial de computadores. O evento foi batizado de WSIS, abreviação de World Summit on the Information Society, que muito poucas pessoas já ouviram falar ou têm conhecimento de seus objetivos. Um dos principais pontos da agenda da reunião foi uma tentativa de mudança substancial na governança da Internet, professada por diversos delegados da conferência, que pretendem dar um fim ao controle até hoje exercido pelo Departamento de Comércio dos Estados Unidos sobre, por exemplo, a determinação dos nomes de domínio da Web e os endereços eletrônicos de e-mail. O argumento dos delegados é que o controle unilateral pelos EUA sobre a Grande Rede apenas reflete o fato de terem sido os americanos os inventores da Internet na década de 60 e já não é mais necessário após a exponencial ampliação global da rede eletrônica. Porque devem os Estados Unidos continuar controlando os registros de endereços de correio eletrônico de brasileiros, chineses e alemães? Se os americanos não possuem controle sobre a fabricação de automóveis ingleses como os Bentley e aviões franceses como os Airbus, porque na Internet a situação deve ser diferente?

Entretanto, os americanos sempre têm um argumento aparentemente convincente para colocar sobre a mesa nessas grandes conferências da ONU, reflexo real de suas proficientes ciências de marketing e show business ao redor do mundo. Segundo eles, “em um mundo ideal, qualquer unilateralismo deve ser abolido. Mas em um quadro de imperfeição como o que grassa no mundo contemporâneo após o fim da Guerra Fria, soluções unilaterais eficientes fazem mais efeito do que as movimentações multilaterais sem-fim, que nunca alcançam seu objetivo primígeno.”

E os yankees realmente capricham em sua fundamentação, lembrando que “pode ser indesejável que a Marinha dos Estados Unidos (U.S. Navy) continue a prover a maior parte da segurança nas rotas internacionais de navegação, mas na prática, é o que permite ao comércio mundial continuar operando, numa realidade de crescente pirataria e ataques a navios civis de carga e passageiros em todos os quadrantes do globo.” Continuando em sua apaixonada defesa, Tio Sam argumenta que “substituir a U.S. Navy por uma polícia naval multinacional não teria o mesmo efeito.” E eles não deixam de ter alguma razão, na medida em que nenhuma outra força naval no mundo tem condições tecnológicas e econômicas de se fazer presente em todos os oceanos e mares do mundo como a americana. Com mais de 1.000 embarcações e belonaves, que vão desde pequenas lanchas contra-torpedeiras de ataque com velocidades superiores a 60 nós (cerca de 80 km/h na água!) a mastodônticos porta-aviões da classe Nimitz carregando mais de 150 aviões e helicópteros de combate, além de cruzadores, destróieres, encouraçados e corvetas, passando por submarinos nucleares da classe Trident e Sea Wolf capazes de permanecer mais de 6 meses submersos e lançar mísseis atômicos para mais de 240 cidades diferentes cada um, trata-se de uma formidável demonstração de poder, sem igual no mundo atual e que se reflete imaterialmente no mundo eletrônico. Será que nós, em posição similar, faríamos diferente?

Ainda de acordo com o raciocínio americano, o mesmo aplicar-se-ia à Internet, pois a tarefa de assinar nomes de domínio eletrônicos oferece inúmeras oportunidades de fraudes e violação de direitos, como a própria estatística recente pode comprovar. Quem quer que controle essa tarefa tem em mãos a fabulosa chance de negar acesso à Web a determinadas pessoas, entidades ou organizações (políticas ou econômicas, por exemplo), ou permiti-lo em troca de generosas somas de dinheiro. Muitos têm a impressão de que a Internet é totalmente desregulamentada, mas isso não corresponde à verdade, pois razoável controle é exercido através da ICANN (The Internet Corporation for Assigned Names and Numbers), entidade que tem funcionários em pelo menos três continentes ao redor do mundo e tem sido reconhecida por sua conduta isenta e imparcial nos assuntos relativos à governança da Grande Rede. Qualquer cidadão ou organização que deseje registrar um nome de domínio que ainda não tenha sido solicitado, poderá fazê-lo. Os oportunistas e aventureiros, que “sentavam em cima” de marcas notórias no mundo eletrônico para depois buscar vantagens financeiras, há algum tempo já estão com os seus dias contados. Os Estados Unidos alegam que durante todo o período de seu controle sobre a Rede, poucas violações efetivamente ocorreram. É provável.

Nas palavras de Leonard Kleinrock, um renomado cientista da computação na UCLA – Universidade da Califórnia em Los Angeles, “quem controla o fluxo dos oceanos? Ninguém! E assim mesmo eles funcionam perfeitamente. Existem algumas coisas que simplesmente não podem ser inteiramente controladas e deveriam ser autorizadas a continuar pulverizadas, como a Internet”. A idéia de substituir a ICANN, embora de detectável desejo entre os cerca de 15.000 delegados presentes à WSIS não tem grande futuro”, diz Robert Kahn, executivo do Pentágono que nos anos 60 participou da captação original de recursos para a ArpaNet que deu origem à Web e depois, nos anos 70, juntamente com o cientista Vinton Cerf, deu vida ao design da estrutura fundamental da Rede, conhecida como TCP/IP (Transfer Control Protocol / Internet Protocol). Vinton Cerf, atualmente presidente da ICANN e alto executivo da vitoriosa empresa Google®, advoga a idéia de que “as complexidades tecnológicas envolvidas tornaram todas as discussões de âmbito político em torno da Internet inócuas. Como exemplo, ele cita a tentativa de vários governos mundiais de pressionar para obter o registro de nomes de domínio na Internet em todas as línguas existentes no mundo. Diz ele: “se alguém lhe der um cartão de visita inteiramente em chinês, o que você fará?”


Trazendo o raciocínio deste artigo mais próximo da realidade brasileira, por exemplo, apesar de ainda estarmos distantes de um patamar tecnológico capaz de assumir o controle e a administração de uma entidade como a ICANN, o Brasil já ostenta números substanciais no que respeita à Grande Rede Mundial de computadores, para avocar para si papel mais preponderante nas discussões jurídico-econômicas que orbitam o setor virtual. Nosso sistema tributário de declaração de imposto é o mais moderno do mundo, coqueluche de autoridades fiscais de múltiplos países que vêm ao Brasil para observar e aprender. Idem com relação ao sistema de online banking. Apesar das desigualdades sociais, a população cibernética brasileira cresce a espantosos 25% ao ano. São números que nos permitem conjecturar o futuro e especular, em forma otimista, a realização do potencial brasileiro na Era Eletrônica, desde que resolvidos – e eliminados – os abutres políticos que sangram o Tesouro Nacional. São números bons que apontam para melhor. Para mais desenvolvimento. Para mais equanimidade no panorama da renda nacional.

Conclusão

O ano de 2005, com todas as suas fascinantes facetas e surpresas no campo do Direito Autoral e do Entretenimento, permitiu aos estudiosos, juristas, advogados, magistrados, autoridades e cidadãos comuns antenados com os vertiginosos desdobramentos da Era Digital, pintar um quadro mais realista do fabuloso potencial, aliado aos incessantes desafios e às inexoráveis oportunidades que a Propriedade Intelectual cria diariamente numa sociedade que trocou sua comunicação analógica da Idade da Pedra pelos fótons luminosos do amanhã.

Ninguém pode negar que a Internet representa hoje a mais pura e fundamental ferramenta de livre disseminação de idéias em toda a História da Comunicação Humana, esta fundamental Senhora, desgastada por milênios de sofrimento e subserviência pelas mãos de reis, imperadores, autoridades e integrantes de ditaduras populistas, militares e governos acintosamente corruptos. Nesse panorama, a Internet despontou como meio e prova, vigorosos e indetíveis, da vontade dos povos menos letrados de aproveitar esse admirável mundo novo da Era Digital em benefício do bem-estar e da consolidação das gerações futuras.


[1] O sítio eletrônico denominado Napster, uma corruptela da palavra nap em inglês, que significa “pessoa que cochila ou tira sonecas constantemente’’ era o apelido do jovem estudante californiano Shawn Fanning em 1998, ironizando as noites insones vividas por ele e seu colegas nerds de computadores para compilar catálogos de fonogramas musicais sem precisar pagar os royalties devidos aos legítimos detentores dos direitos autorais das canções utilizadas, foi o paradigma de uma verdadeira revolução jurídico-econômica que se abateu sobre a poderosa indústria fonográfica mundial em 1999 e provocou mudanças inexoráveis no business model do segmento musical comercial do planeta. Hoje melhor conhecida e domada, a nova tecnologia, também conhecida como P2P, abreviação modernosa de peer-to-peer (algo como parceiro-para-parceiro), depois de severamente atacada judicialmente pelo cerne da indústria do entretenimento, já começa a dar sinais de que será possível afinal criar uma nova vertente de receita autoral, capaz de remunerar condignamente os legítimos criadores das obras intelectuais musicais que encantam as nossas vidas.

[2] L.A.S.E.R. – Abreviação do inglês Light Amplification through Stimulated Emissions of Radiation (amplificação da luz através de emissões estimuladas de radiação), o raio laser revolucionou o conhecimento científico a partir do início dos anos 60 em diversos campos da ciência e provou-se mercurial no desenvolvimento de diversas outras tecnologias além da reprodução de sons e imagens na sociedade contemporânea.

[3] Depois da febre dos telefones celulares que assolou o mundo nos últimos 10 anos, uma nova onda de consumo e modismo se abateu sobre esse segmento do mercado: os ringtones ou tons de chamada dos aparelhos telefônicos móveis, também conhecidos como “tons polifônicos”. A significativa diferença desse novo nicho do mercado celular é que os tons polifônicos geram direitos autorais através de sua utilização. Eles dividem-se em tons especialmente produzidos para as campainhas dos aparelhos móveis (a partir de obras musicais pré-existentes) e trechos reais de músicas já lançadas no mercado (truetones ou realtones). No primeiro caso, o único direito devido é o direito do autor da composição musical, que é regravada para essa finalidade. No segundo, caso, além do direito do(s) autor(es) da composição, tem-se que pagar às gravadoras detentoras do direito de produção fonográfica originado pela gravação original da obra musical.

[4] Payola é uma contração gramatical das palavras payment (do inglês, pagamento) e victrola (palavra que denominou a primeira criação tecnológica da empresa americana RCA Victor, que reproduzia discos de vinil de 78 rotações no início do século XX) e significa a nefasta atividade de “pagar-para-tocar” (pay-to-play) que as grandes gravadoras praticam há mais de 50 anos, buscando criar sucessos irreais e fabricados nas ondas do rádio e da televisão através de benefícios financeiros, materiais e até de prostitutas e drogas aos programadores das emissoras. Nos Estados Unidos a prática do “jabá”, como é conhecido no Brasil, a partir de um diminutivo da palavra “jabaculê”, que significa “armação”, “negociata” ou “jogada ilegal”, é crime federal, punível com até 4 anos de cadeia e multa financeira. Recentemente duas grandes gravadoras multinacionais foram condenadas a pagar vultosas somas de dinheiro por essa prática (leia íntegra deste artigo).

[5] matéria publicada na edição de 07/12/2005, nas páginas 69, 70 e 72

[6] George Orwell, escritor inglês, celebrizou-se em 1948 com o lançamento do livro “1984”, em que descreveu uma sociedade do futuro em que o governo possuía o controle do pensamento das pessoas e punia o simples fato da relação sexual entre humanos. O sistema criado pelo governo tinha o nome de “Big Brother”, hoje emulado em várias obras audiovisuais, como, por exemplo, o programa BBB da emissora TV Globo Ltda. E operava, entre outras aberrações, um Ministério do Pensamento.

Autores

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    é advogado especializado em Direito Autoral, Show Business e Internet, professor da Fundação Getúlio Vargas-RJ e da Escola Superior de Advocacia — ESA-OAB/RJ , consultor de Direito Autoral da ConJur, membro da Ordem dos Advogados dos Estados Unidos e da Federação Interamericana dos Advogados – Washington D.C. e do escritório Nelson Schver Advogados no Rio de Janeiro.

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