Retrocesso na reforma

As modificações do Agravo de Instrumento pela Lei 11.187

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23 de dezembro de 2005, 10h55

Lamentavelmente, o legislador pátrio houve por bem modificar drasticamente o atual regime do Agravo de Instrumento que, em 1995 já havia sido modificado com vistas a agilizar o acesso da parte à instância superior, quando esta precisasse ver corrigida qualquer decisão interlocutórias que lhe fosse prejudicial.

Antes da Lei 9.139 de 1995 o Agravo de Instrumento, remédio indispensável para a correção imediata de decisões interlocutórias imperfeitas e que não poderiam ser modificadas apenas por ocasião da apreciação de eventual recurso de apelação (mediante a interposição do Agravo na sua forma retida), interpunha-se o recurso perante o Juízo agravado, que se encarregava de fazer o juízo de admissibilidade, o eventual juízo de retratação e, se não fosse o caso de denegação ao seguimento, a determinação de intimação da parte contrária para oferecimento das contra-razões e a posterior remessa à instância ad quem.

Como referido sistema recursal, na maioria das vezes, se revelava ineficaz em razão da morosidade própria do volume de trabalho nas instâncias a quo, ocorrendo um emperramento do seu trâmite até que o recurso chegasse ao seu destinatário, o legislador, acertadamente, modificou então esta sistemática antiga, disciplinando que o recurso de Agravo de Instrumento passaria então, a ser interposto diretamente perante os órgãos ad quem.

Com isso, conferiu-se ao trâmite recursal do Agravo de Instrumento uma agilidade ímpar, vez que, com efeito, passou a ser dispensável o uso tão comum da impetração de Mandado de Segurança junto ao órgão ao qual era dirigido o Agravo interposto perante o Juízo a quo, para a obtenção do que conhecemos hoje como efeito suspensivo.

Ou seja, a parte interessada, antes do advento da Lei 9.139/95 era obrigada a, em casos de relevância e urgência, assim reconhecidos aqueles que pudessem ocorrer lesão grave ou de difícil reparação, interpor o Recurso de Agravo perante o juízo prolator da decisão agravada e, concomitantemente, impetrar Mandado de Segurança perante o juízo encarregado de analisar a questão suscitada no recurso, para conseguir que fosse atribuído àquele o efeito suspensivo.

À parte atingida pela decisão malévola, impunha-se um esforço hercúleo para que pudesse alcançar a modificação imediata das decisões eivadas de erro.

A nova sistemática de então, implementada pela Lei 9.139/95, trazia vários benefícios às partes litigantes, a começar pela economia financeira, principalmente àqueles residentes em comarcas distantes das sedes dos tribunais, já que em uma única peça processual era possível postular a reforma do julgado e, ainda, a concessão de “liminar” para suspensão dos efeitos da decisão guerreada.

Outro benefício enorme com o qual as partes haviam sido coroadas pelo advento daquela lei, consistia-se no encurtamento do prazo que uma decisão gravosa levaria para ser avaliada pela Instância ad quem.

Antes, como já dito, o trâmite do Agravo de Instrumento emperrava na burocracia e na morosidade de algumas varas que não tinham condições de fazer tramitar rapidamente o recurso, até que o mesmo estivesse em condições de ser remetido à instância superior.

Pela sistemática implementada, a parte interessada levaria seu reclamo diretamente ao órgão ad quem, que poderia já no momento do recebimento, conceder efeito suspensivo sem a oitiva da parte contrária, que seria posteriormente intimada para apresentar suas contra-razões, o que representava o afastamento quase que total do risco de uma decisão judicial gravosa surtir efeitos irreparáveis, dada a agilidade do sistema.

A isto, some-se que a parte poderia, caso quisesse, interpor o Agravo na sua forma retida, cuja apreciação se daria por ocasião da apreciação de eventual Recurso de Apelação, desde que reiterado o pedido de apreciação do Agravo Retido nas razões de apelação ou na contra-minuta ao recurso.

Com tais providências implementadas pela Lei 9.139/95, comemoradas por todo país pelos operadores do direito de um modo geral, sem dúvidas, promoveu-se um verdadeiro avanço inigualável na sistemática recursal do Código Buzaid, já que atendia aos clamores antigos que se faziam em prol da adoção de medidas que tornassem mais célere o trâmite do Agravo.

Agora, deparamo-nos com o advento da Lei 11.187/05 que, a nosso ver, trouxe um verdadeiro retrocesso ao sistema recursal civil brasileiro e que, certamente, será alvo de muitas críticas por parte dos juristas pátrios.

E o primeiro retrocesso que podemos apontar no presente ensaio, consiste na drástica redução das possibilidades de interposição do Recurso de Agravo de Instrumento, passando a tornar-se regra a interposição do referido recurso na sua forma retida, já que o Agravo será interposto, necessariamente, na forma retida para que seja conhecido pela Instância ad quem apenas por ocasião da eventual apreciação de recurso de apelação e, inclusive, porque somente em casos excepcionais, será admitida a interposição por Instrumento.

Ora, com isto, as decisões interlocutórias que, embora não necessitem da concessão imediata de efeito suspensivo ou suspensivo ativo, careçam de reforma antes da prolação da sentença, passarão a ser atacadas necessariamente pelo Agravo na forma retida.

Assim, uma eventual decisão saneadora que, por exemplo, indefira a produção de provas orais em audiência ou a produção de prova pericial, por entender o magistrado prolator, que seja o caso de julgamento antecipado da lide (artigo 330, do CPC), somente poderá ser atacada por Agravo Retido, porquanto não haverá, ao menos em tese, o risco de lesão grave ou de difícil reparação, já que as instâncias ad quem poderão, pelo relator, converter liminarmente o Agravo de Instrumento em Retido (inciso II, do artigo 527, do CPC), sob o argumento de que somente o advento da sentença é que será capaz de demonstrar a necessidade ou não da produção daquela prova obstada pela decisão objurgada.

Outro problema verificado na nova sistemática está em que, eventual decisão danosa proferida em audiência de instrução e julgamento, terá que ser atacada, obrigatoriamente, por Agravo Retido oralmente interposto na própria audiência e, não, no prazo de 10 dias, conforme preceitua o atual parágrafo 3º, do artigo 523, mas ato continuo à decisão a ser guerreada.

De referida alteração, dessume-se que não haverá possibilidade de interposição de Agravo de Instrumento da decisão malévola proferida em audiência, por absoluta falta de permissão legal, já que, uma vez não interposto o Agravo Retido oralmente, a nosso ver, estará preclusa a oportunidade de interposição de Agravo de Instrumento, já que o legislador não previu expressamente esta modalidade recursal, como o fez no caput do artigo 522.

À parte, s.m.j., restará a faculdade de interpor o Agravo Retido oralmente para evitar a preclusão consumativa e, em havendo possibilidade de a decisão causar lesão grave ou de difícil reparação (v.g., fixação de multa diária elevada para o cumprimento de uma obrigação imposta em antecipação de tutela), junto à instância ad quem, impetrar Mandado de Segurança com pedido de liminar para suspensão do ato, em caso de ilegalidade, ou a interposição de Medida Cautelar Inominada, com o mesmo desiderato, quando se tratar de violação a direito baseado em fato.

Não menos importante é destacar o mal ao qual o agravante estará sujeito diante da possibilidade de ser surpreendido em audiência por decisão já pronta, elaborada previamente pelo magistrado, diante do que terá pouco tempo para expender suas razões recursais, ante ao fato de que terá que expô-las sucintamente.

Tal quadro será deveras nocivo ao exercício do direito da ampla defesa, à medida em que a decisão a ser agravada já vier pronta, após minudente estudo dos autos por parte do magistrado, situação que colocará o agravante em nítida desvantagem em relação à parte beneficiada pela decisão danosa.

Com o devido respeito, entendemos que o legislador errou ao não fixar um prazo mínimo, em minutos, para que o agravante possa expender suas razões recursais, de modo que, ante a falta de normatização, poderá ficar refém do entendimento do juiz que estiver conduzindo a audiência, inclusive nos casos não raros em que a pauta encontrar-se atrasada.

Acreditamos que poderá ser suscitada a inconstitucionalidade de referida disposição, por afrontar o princípio constitucional da ampla defesa (artigo 5º, inciso LV, da CF/88), inclusive porque a parte poderá ficar ter o exercício recursal mitigado abruptamente pelo fator surpresa, diante do qual não esteja habilmente preparado para objurgar.

Outra relevante mudança em detrimento do direito de recorrer, observamos na nova redação do parágrafo único, do artigo 527, do CPC.

Por sua nova redação, infere-se que não será mais possível a interposição de Agravo Inominado (“agravinho”) e nem do Agravo Regimental nos casos em que o Relator negar seguimento ou converter em retido, liminarmente, o Agravo de Instrumento, na forma prevista pelo artigo 557, do Código de Processo Civil.

E entendemos que não será possível, justamente porque a nova redação do parágrafo único, do artigo 527, faz desaparecer a figura do Agravo Inominado (parágrafo 1º, do artigo 557) e do Agravo Regimental, por tornarem-se incompatíveis com a novel disposição, já que referidos institutos visavam, precipuamente, atacar as decisões monocráticas dos Relatores, proferidas liminarmente quando da análise inicial do Agravo de Instrumento.

Cremos que ao agravante nestes casos, restará a possibilidade de adotar apenas uma de duas posturas, quais sejam:

A primeira, no sentido de proceder à formulação de ‘pedido de reconsideração’ dirigido ao relator, para que este reconsidere a sua decisão por ocasião do julgamento definitivo do Agravo.

Alternativamente, a segunda, a exemplo do que citamos linhas atrás, e junto ao presidente do Tribunal que seria competente para analisar, em grau de recurso, a decisão proferida no Agravo de Instrumento, impetrar Mandado de Segurança com pedido de liminar para reforma do ato, ou a interposição de Medida Cautelar Inominada, com o mesmo fito.

Obviamente que somente a prática irá suscitar outros problemas aqui não enfrentados.

Contudo, apenas a título de ensaio, é possível vislumbrar-se claramente o prejuízo da “reforma” ora perpetrada, em prejuízo dos jurisdicionados, àqueles que têm seus feitos tramitando em cidades nas quais o julgamento de uma apelação pode levar até 5 anos, contados da data da distribuição.

Restará aos advogados militantes, pois, a faculdade de empenharem-se ainda mais na adoção de medidas heróicas em favor da defesa dos direitos de seus constituintes ou, quem sabe, acreditar que tanto a Justiça Comum Estadual, quanto a Justiça Comum Federal, passarão a ser tão céleres quanto a Justiça do Trabalho, onde a inexistência da figura do Agravo de Instrumento com a mesma finalidade do agravo do processo civil, é muitas vezes despicienda pela celeridade com que as demandas normalmente são julgadas nesta Seara Especializada.

O tempo dirá.

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