Sem emprego

Juiz manda empresa pública demitir empregados terceirizados

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21 de dezembro de 2005, 18h00

A empresa pública de direito privado Codeplan — Companhia do Desenvolvimento do Planalto Central deve demitir todos os funcionários terceirizados e está proibida de contratar novos empregados que não tenham feito concurso. A decisão, em liminar, é do juiz Grijalbo Fernandes Coutinho, da 19ª Vara do Trabalho do Distrito Federal, que prevê multa de R$ 30 mil, por empregado terceirizado mantido na empresa.

O juiz aceitou a Ação Civil Pública do procurador do Trabalho da 10ª Região (Distrito Federal e Tocantins), Valdir Pereira da Silva, que denunciou a existência de pelo menos 300 pessoas trabalhando sem concurso na Codeplan, por meio de pelo menos 12 empresas prestadoras de serviços, inclusive de informática.

De acordo com a sentença, a Codeplan terá 30 dias para dispensar os funcionários terceirizados da área de informática e fica proibida de promover qualquer intermediação na terceirização de atividades de outros órgãos.

No entendimento do juiz, desprezar a exigência de que os empregados devem ser concursados “viola os princípios da moralidade, da impessoalidade e da legalidade, além de não levar em consideração que a remuneração paga ao trabalhador do serviço público é fruto dos impostos recolhidos pelo cidadão, contribuinte que se vê impedido de pleitear, pela via legítima do concurso público e em iguais condições com os demais postulantes, trabalho digno, o que não pode ser de modo nenhum admitido.”

O juiz também determinou que seja providenciada pelo juízo a busca e apreensão, por mandado, da relação dos funcionários terceirizados, evitando que estes sejam mantidos. Para ele, as provas e os depoimentos demonstraram ser evidente que a empresa não apenas contrata funcionários terceirizados para trabalhar em seus quadros como também atuava, sem autorização legal, como verdadeira agenciadora de mão-de-obra para trabalhar em outros órgãos.

O juiz decidiu que os funcionários terceirizados devem ser demitidos, já que “não pode jamais permitir que a contratação de pessoal se faça por meio proibido, sem a observância dos princípios e exigências descritas pelo artigo 37 da Constituição Federal em vigor, que impõe como condição primeira para ingresso no serviço público o concurso público aberto a todos que preencham os requisitos mínimos para participar da seleção.”

Leia a íntegra da sentença:

Processo 1292-2005-019-10-00-0

CONCLUSÃO

Nesta data, faço conclusos os presentes autos à consideração de V. Exa.

Em 19/12/2005 (2ª f)

Jacqueline Paiva Rufino

Diretora de Secretaria da 19ªVara do Trabalho

Vistos, etc

AÇÃO CIVIL PÚBLICA

A ação foi ajuizada no dia 16 de dezembro de 2005( sexta-feira). Vieram-me conclusos os autos no dia 19 de dezembro de 2005, às 17:55 horas.

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO ajuizou, por intermédio da Procuradoria do Trabalho da 10ª Região, ação civil pública contra a COMPANHIA DO DESENVOLVIMENTO DO PLANALTO CENTRAL – CODEPLAN, objetivando seja determinado a esta última, em sede liminar e sem audiência da parte contrária, que cesse de imediato a contratação de pessoal sob a modalidade denominada de terceirização de mão-de-obra, não apenas no que toca às suas atividades finalísticas, que necessariamente deveriam estar sob os cuidados do seu pessoal efetivo, integrantes, portanto, de seu quadro permanente, como também das de meio, proibindo-a inclusive, de forma geral e abrangente, de fazer novas contratações sob modalidade ora encetada, que se dá por interposta pessoa.

Pugna também, em continuação, cesse ela de imediato a prática constante de disponibilizar o pessoal agregado sob a forma nefasta da terceirização a outros órgãos da administração local, além de residências particulares e oficiais, assim como seja providenciada, pelo juízo, a busca e apreensão, por mandado, da relação de pessoal admitido sob a modalidade ora versada, evitando-se com isso sejam adulterados pelas entidades envolvidas, de modo a frustar a atuação da justiça. Pugna, por fim, seja imposta multa, em caráter solidário, por descumprimento dos comandos liminares aqui repetidos à ré e ao administrador responsável pela perpetuação das práticas antes relatadas.

Sustenta pois o parquet, em defesa das pretensões que manifesta, que realizou, em razão de denúncias que chegaram ao seu conhecimento, dois procedimentos investigatórios nas dependências da ré e do Instituto Candango de Solidariedade – ICS, ocasião em que foram encontradas “…situações de inconstitucionalidades e ilegalidades que demonstram, insofismavelmente, o completo desrespeito ao art. 37, II, da Constituição Federal e contrariedade ao entendimento jurisprudencial cristalizado no Enunciado 331, do TST, nos moldes e limites a que antes se fez ampla menção.


Denuncia ainda que, num atitude inusitada, cedeu a ré a quase totalidade de seus funcionários efetivos, em número aproximado de 478, a outras entidades da administração, ao mesmo tempo em que contratava outros, valendo-se, como já dito alhures, da terceirização de mão-de-obra, repassando várias de suas atividades ditas finalísticas e, portanto, estratégicas, a outras empresas, consoante farto elenco descrito à fl. 6 da exordial

Relata ainda o parquet que, uma delas, a SAPIEN TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO LTDA, contratou outras 10 (dez), todas para prestarem serviços a ré, ocupando-se sempre de setores estratégicos para o seu efetivo controle e funcionamento.

Desnecessário, a meu ver, a emissão, em juízo preliminar, a emissão de quaisquer esclarecimentos complementares não só sobre a legitimidade do Ministério Público do Trabalho para o ajuizamento da ação civil pública como também sobre a competência hierárquica das varas do trabalho para o seu processamento e julgamento, diante da inegável pacificação da questão no âmbito desta justiça especializada do trabalho.

A contratação indireta de pessoal por pessoas interpostas, a despeito de se tratarem de pessoas jurídicas de direito público ou mesmo privado, sob o rótulo do contrato de gestão, para o desempenho efetivo de atividades ditas finalísticas da entidade que contrata, configura prática contrária ao comando constitucional que exige a prévia submissão a certame público para a investidura em cargo ou emprego público (CF/88, art. 37, inciso II).

O contrato de gestão, não há negar, possibilita ao Estado prestar serviços públicos sem as naturais amarras que se impõe à administração pública com um todo, o que não significa dizer possam ser negados os princípios basilares que devem reger a atividade pública em todas as suas esferas de atuação.

Pois bem. Restou evidente, à luz do conjunto probatório emergente destes autos, consubstanciado na reprodução de depoimentos colhidos em procedimentos de investigação de iniciativa do autor, perpetrados não só no âmbito da ré, como também nas dependências do Instituto Candango de Solidariedade, além de controles de freqüência e documentos atestando a designação de servidores em atuação na ré, em sede finalística ou mesmo de meio, como também em outros órgãos integrantes da administração local, a flagrante malferição ao regramento contido no art. 37, inciso II, da Carta Maior, alem de despeito direto aos princípios maiores que orientam a atividade pública, dentre os quais o da moralidade e da impessoalidade.

Ficou evidente, pela análise dos depoimentos colhidos e da farta prova documental produzida, que a ré não apenas contrata pessoal para trabalhar em seus quadros por pessoas interpostas, dentre as quais o ICS, em detrimento de seu quadro e pessoal efetivo, em total desprestígio e inegável irregularidade, como também atuava, sem autorização legal, como verdadeira agenciadora de mão-de-obra para trabalhar em outros órgãos, promovendo condenável promiscuidade administrativa, ao arrepio não só do interesse público dominante, mas em especial do regramento constitucional vigente, que se compadece com tais práticas, negando-lhes legitimidade.

Não é a primeira vez, nem será a última, que este magistrado do trabalho se depara com situações desse tipo, tal como se deu antes, p. ex., em ação idêntica movida contra o ICS (processo 767/99- 3ª VT-DF : RR 16696/2002, julgado pelo TST em 07 de maio de 2003 e publicado no DJU no dia 23 de maio de 2003) , quando constatei a ocorrência de malferições e irregularidades do mesmo nível das aqui enfrentadas, sempre no intuito único de burlar a exigência constitucional do certame público, com o que, acreditem, jamais comungarei.

Tais práticas somente se prestam a aumentar o endividamento público, em efetivo detrimento do aperfeiçoamento da atividade pública como um todo e dos seus agentes, em prejuízo dos interesses do cidadão que desta se vale no intuito único de ter solução imediata para os seus anseios legítimos por parte de quem tem o dever de responder-lhe.

Plenamente válida, portanto, é a preocupação do autor, já que os prejuízos não apenas financeiros como, sobretudo, morais, ocasionados pela implementação das contratações irregulares que se quer evitar, seriam muitos.

O judiciário trabalhista não tem pretensão alguma de interferir no mérito dos programas organizacionais e sociais implementados por este ou aquele administrador público, mas não pode jamais permitir que a contratação de pessoal se faça por meio proibido, sem a observância dos princípios e exigências descritas pelo art. 37 da Constituição Federal em vigor.

A Carta Política de 1988,representando a consolidação do rompimento institucional com a ditadura militar instalada no país por intermédio do golpe de 31 de março de 1964, ainda que não tenha atendido a todos os anseios da sociedade brasileira, foi um marco na perspectiva da valorização da cidadania. Os princípios fundamentais, as garantias individuais ampliadas, os direitos sociais e tantas outras conquistas ali inseridas provam que o constituinte originário esteve atento ao conceito do verdadeiro Estado Democrático de Direito.


Seguindo essa trajetória cidadã, a Constituição Federal não poderia ignorar a farra dos agentes políticos, nos três poderes, pois ávidos pela malsinada prática do nepotismo, passaram a nomear os seus parentes e outros próximos para a ocupação de espaço no serviço público, sem o necessário concurso de provas e títulos, de tal modo que o número de protegidos, apenas na Administração Pública Federal, era bem superior à quantidade de servidores habilitados pelo meio próprio. As janelas arrebentadas não mais comportavam tantas pessoas ingressando no Estado de maneira imoral, irregular e nada democrática.

A nova regra constitucional impôs como condição primeira o ingresso somente mediante concurso público aberto a todos que preenchessem os requisitos mínimos a participar do certame, além de fixar como princípios que orientam a Administração Pública, dentre outros, o da moralidade e o da impessoalidade (CF, artigo 37).

É verdade, porém, que Ato das Disposições Constitucionais Transitórias,numa espécie de contemplação com os servidores irregularmente nomeados, resolveu dar a todos, admitidos até 05 de outubro de 1983, a almejada estabilidade, mas fechando as janelas a partir de então.

O legislador ordinário, num evidente equívoco de interpretação da norma antes citada, escreveu, que além da estabilidade, os servidores em questão também faziam jus ao ingresso no Regime Jurídico Único do respectivo ente estatal, a cargo público e a todas as vantagens inerentes à carreira do funcionalismo público. Uma coisa é a estabilidade no emprego público, outra bem diferente é o direito a cargo público, sendo que para o desempenho deste último a própria Constituição Federal estabelece que somente o concurso público habilita alguém a ser detentor da condição de funcionário (numa acepção técnica da expressão) do Estado.

O Constituinte Originário, ao determinar a criação do regime jurídico único,jamais pretendeu remeter os empregados públicos estáveis de 1988, que deveriam permanecer num quadro em extinção, regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho, para uma situação idêntica a dos indivíduos que, por mérito próprio aferido democraticamente e por justiça, ocupam cargo público. Neste particular, não tenho qualquer dúvida, a Lei 8.112/90 e outras que trataram da matéria nos estados e municípios, são nitidamente inconstitucionais.

A matéria está posta no Supremo Tribunal Federal, por provocação do então Procurador-Geral da República, Dr. Cláudio Fonteles. Depois de dezesseis anos, com várias situações consolidadas e aposentadorias efetivadas, resta saber quais serão os efeitos da inconstitucionalidade a ser declarada pelo Supremo Tribunal Federal.

Pois bem. Depois de fechada parcialmente a janela, os governantes brasileiros, seguindo a recomendação de organismos financeiros internacionais, a partir dos anos 90, iniciaram uma ostensiva campanha de desqualificação do funcionalismo público, sob o argumento de haver inchaço na máquina pública, dos altos salários e do fraco desempenho da categoria. Eles, autores das aberrações e das contratações irregulares, colocaram todos os servidores no mesmo pacote. O objetivo central sempre foi o de privatizar funções essenciais mediante a desqualificação generalizada do setor que podia oferecer alguma resistência ao projeto de desmonte do Estado.

Crescente no país a modalidade de trabalho terceirizado, a Administração Pública intensificou a contratação de pessoal por intermédio de empresas prestadoras de serviço, diminuindo, significativamente, as despesas com a mão-de-obra.

Ora, veja só o desvio impulsionado pelos nossos governantes. O concurso público obrigatório veio para moralizar. A terceirização na Administração Pública serve para reduzir custos e tornar menos importante o papel do Estado e de seus servidores na formulação de políticas. Estão conseguindo encontrar um caminho paralelo para burlar a intenção contida no artigo 37, da Constituição Federal.

No Distrito Federal, além da notória inconstitucionalidade no processo de terceirização, com evidente ofensa aos princípios da impessoalidade, da legalidade e da moralidade, há um agravante, qual seja, o da admissão de pessoal por esta nefasta modalidade para atender aos desejos das forças políticas que ora dirigem o referido ente estatal, conforme restou demonstrado nas investigações conduzidas pelo atuante e imprescindível Ministério Público, em suas três esferas, cujos depoimentos foram trazidos aos autos.

A constituição última promulgada, visando coibir o ingresso de pessoal no serviço público, sem o devido concurso público, fato rotineiro na Administração Pública brasileira até então, fixou como forma principal de ingresso a submissão prévia ao certame público, por meio do qual todos os cidadãos têm as mesmas chances de ocupar cargo de caráter efetivo.


O desprezo a tal exigência viola, como já ressaltado antes, os princípios da moralidade, da impessoalidade e da legalidade, além de não levar em consideração que a remuneração paga ao trabalhador do serviço público é fruto dos impostos recolhidos pelo cidadão, contribuinte que se vê impedido de pleitear, pela via legítima do concurso público e em iguais condições com os demais postulantes, trabalho digno, o que não pode ser de modo nenhum admitido.

É de todo plausível, no meu sentir, o deferimento da providência liminar postulada, em todos os seus termos, no sentido exato de determinar à ré que se abstenha, de forma geral e concreta, de contratar pessoal sem o imprescindível certame público, diretamente ou por pessoa interposta, seja para a atuação em seu próprio proveito, em atividades finalísticas ou de meio, seja para a cessão irregular a outros órgãos da administração pública local direta ou indireta, sob pena de arcar, em caráter solidário com o administrador responsável, com o pagamento de multa diária no valor de R$ 30.000,00 (trinta mil reais), devida em seu total por cada empregado mantido, após a comunicação da ordem aqui exarada, em situação irregular.

Por conseguinte, determino à CODEPLAN que cesse, de imediato a terceirização de atividades finalísticas, promovendo a dispensa imediata de todo o pessoal contratado de empresas/entidades interpostas.

Esclareço, no entanto que a ré tem o prazo de 30 dias para dispensar o pessoal terceirizado da área técnica – especialidade informática, a contar da ciência da presente decisão, tudo com o objetivo de evitar a inviabilização da máquina estatal.

A CODEPLAN fica proibida, de imediato, de promover qualquer intemediação, via terceirização de atividades próprias de órgão da Administração Direta, Empresas Públicas, Sociedades de Economia Mista do Distrito Federal, bem como para residenciais oficiais/particulares de Administradores Públicos, de pessoas físicas e entidades privadas.

Do mesmo modo, acolho a pretensão manifestada na exordial, no sentido de determinar a busca e apreensão dos documentos indicados na alínea c, da petição inicial ( fl 30), na sede da CODEPLAN, e nos escritórios do ICS e da empresa Sapiens Tecnologia da Informação Ltda, por oficial de justiça.

O não cumprimento da ordem liminar aqui exarada implicará na caracterização de crime de Desobediência (CP, art. 330), com as conseqüências daí decorrentes, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei.

Cite-se a ré para, querendo, apresentar defesa aos fatos que lhe foram imputados na inicial, em audiência.

Dê-se ciência ao parquet do interior teor desta.

Inclua-se o feita na pauta de audiência inaugural, esta designara para a data de 14/02/2006., às 14:50 horas, notificando -se as partes para o comparecimento, sob as penas do artigo 844, da CLT.

Brasília, DF, 20 de dezembro de 2005.

GRIJALBO FERNANDES COUTINHO

Juiz Titular

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