Pedido fundamentado

STF mantém quebra de sigilos de corretora pela CPI dos Correios

Autor

19 de dezembro de 2005, 19h32

Está mantida a quebra dos sigilos bancário, fiscal e telefônico da Novinvest Corretora de Valores Mobiliários decretada pela CPMI dos Correios. O ministro Carlos Ayres Britto, do Supremo Tribunal Federal, negou pedido de liminar em Mandado de Segurança para impedir a quebra. Ele entendeu que o requerimento da Comissão estava fundamentado.

A corretora questionava a legalidade do ato da CPI que determinou a quebra dos sigilos para verificar se haveria intermediações financeiras lesivas ao patrimônio de fundos de previdência complementar privada, patrocinados por empresas estatais.

O ministro entendeu que o requerimento questionado pela corretora é documento oficial “que intenta, sim, demonstrar a necessidade de sua aprovação, na sobredita perspectiva do envolvimento da impetrante em comportamentos abstratamente descritos como delituosos, sob as coordenadas aqui referidas”.

Leia a íntegra da decisão

MED. CAUT. EM MANDADO DE SEGURANÇA 25.656-7 DISTRITO FEDERAL

RELATOR : MIN. CARLOS BRITTO

IMPETRANTE(S) : NOVINVEST CORRETORA DE VALORES MOBILIÁRIOS LTDA

ADVOGADO(A/S) : LUCIANO FERREIRA LEITE E OUTRO(A/S)

IMPETRADO(A/S) : COMISSÃO PARLAMENTAR MISTA DE INQUÉRITO – CPMI DOS CORREIOS

DESPACHO: Vistos, etc.

Cuida-se de mandado de segurança, aparelhado com pedido de medida liminar, contra ato da “Comissão Parlamentar Mista dos Correios – CPMI/CORREIOS”. Ato que requisitou a transferência dos sigilos bancário, fiscal e telefônico da impetrante, para o fim de apurar possível envolvimento dela, autora, com intermediações financeiras lesivas ao patrimônio de fundos de previdência complementar privada, patrocinados por empresas estatais.

2. Tais operações, consoante os termos do requerimento parlamentar que deu origem ao ato impugnado pelo writ, exibem as mesmas características de outros negócios a cargo de corretoras já com sigilos quebrados, algumas delas apontadas como clientes da impetrante, no âmbito mais dilargado de condutas sinalizadoras de crimes de lavagem de dinheiro e evasão de divisas.

3. Diga-se mais: cuida-se de mandado de segurança que teve o exame do seu pedido liminar condicionado à prestação de informações pelo órgão apontado como coator. Informações, a seu turno, já recebidas pelo pertinente serviço de protocolo deste Supremo Tribunal Federal, em tempo hábil.

4. Pois bem, o que liminarmente postula a autora do mandamus é o reconhecimento do que ela entende por direito líquido e certo de sua exclusiva titularidade. Direito, esse, que, segundo os dizeres da própria demandante (fls. 05):

“(…) decorre, exatamente, da invalidade resultante de ato administrativo da impetrada, expedido pelo ilustre Presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito, que aprovou requerimento formulado pela douta Relatoria relativo a quebra dos sigilos bancário, fiscal e telefônico da impetrante”.

(…)”

5. Isto relatado, e tendo em conta que a nuclear fundamentação fático-jurídica do pretendido direito da impetrante se acha reproduzida e contraditada nas informações prestadas pelo órgão tido por coator, passo a transcrever os termos em que tais informações estão redigidas. Isto quanto aos trechos que verdadeiramente interessam ao julgamento do pedido liminar, que são as seguintes (fls. 51/59):

“(…)

Deságua, a tese da impetrante, na assertiva de que ´… somente agentes e órgãos da Administração direta e indireta é que podem estar sujeitos, em caráter excepcional, a terem investigadas suas contas bancárias, a par de dados fiscais e telefônicos para o fim específico de apuração de ilícito’.

(…)

Ademais, nenhum ato foi praticado pela CPMI que não estivesse robustamente amparado pela lei ou que estivesse fora da sua competência expressa. E nem a Impetrante apontou isso, limitando-se a afirmar que a CPMI impetrada não detém poderes para determinar a quebra de sigilo da Requerente quando afirma que ‘…somente agentes e órgão da Administração direta e indireta é que podem estar sujeitos, em caráter excepcional, a terem investigadas suas contas bancárias, a par de dados fiscais e telefônicos para o fim específico de apuração de ilícito’.

Não é assim. O poder das Comissões Parlamentares de Inquérito, para a quebra de sigilos, é uma matéria que já está tranqüilizada pelas reiteradas decisões dessa E. Corte. Ao interpretar o dispositivo constitucional inscrito como art. 58, § 3º, como bem observou o i. Ministro Celso de Mello, no MS nº 25.668:

‘A jurisprudência constitucional firmada pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao interpretar o alcance da norma inscrita no art. 58, § 3º, da Constituição da República, reconhece assistir, a qualquer Comissão Parlamentar de Inquérito, o poder de decretar, ex autoritate própria’ a quebra de sigilo inerente aos registros bancários, fiscais e telefônicos, desde que o faça em ato adequadamente fundamentado, do qual conste referência a fatos concretos que justifiquem a configuração, ‘hic et nunc’, de causa provável, apta a legitimar a medida excepcional da ‘disclosure’ (RTJ 173/805, Rel. Min. Celso de Mello – RTJ 174/844 Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE – RTJ177/229, Rel. Min. Celso de Mello – RTJ 178/263, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE – MS 23.619/DF, Rel. Min. Octavio Galloti, v.g.).

(…)

No mérito, o impetrante afirma que houve ‘exercício da competência fora dos limites prefigurados no ordenamento jurídico positivo’ (sic.), com a alegação de que ‘direito líquido e certo do impetrante decorre, exatamente, da invalidade resultante de ato administrativo da impetrada, expedido pelo ilustre Presidente da comissão parlamentar de Inquérito, que aprovou requerimento formulado pela douta Relatoria relativo a quebra dos sigilos bancário, fiscal e telefônico do impetrante, ao afirmar: ‘inexiste previsão constitucional ou legal para tanto, cumprindo notar que a competência delas em nível infraconstitucional está delimitada no art. 2º da lei nº 1579/52’, quando se refere à competência da Comissão parlamentar de inquérito para determinar a quebra de sigilo bancário, fiscal, e telefônico.

(…)

Ademais, pretende o Impetrante, que o requerimento e a aprovação da quebra de sigilo não têm fundamentação. Isso, contudo, não é o que se verifica do longo texto do Requerimento nº 1157, de 2005, em anexo, subscrito pelo I. Senador Osmar Serraglio e pelo i. Deputado Antônio Carlos Magalhães Neto, de onde se extrai, somente a título de fixação, os seguintes pontos:

‘(…) com o objetivo de apurara possíveis irregularidades em operações dessas Instituições que envolvam o interesse das Entidades Privadas de Previdência Complementar abaixo relacionadas e respectivos Fundos de Investimento Exclusivos, com títulos em custódia no Selic e na Cetip, com títulos de renda varável, operações com ouro e com derivativos, em todas as suas modalidades, negociados em Bolsa de Valores, de Mercadorias e Futuros, e mercado de balcão’.

(…)

‘Os fundos de pensão patrocinados por entidades governamentais constituem, ao menos em parte, patrimônio público. O uso de seus recursos é, portanto, de extremo interesse da sociedade brasileira e, portanto, deve ser objeto de constante vigilância por parte do Estado e, mais especificamente, do Congresso Nacional (art. 49, X, da Constituição)’.

(…)

‘Por estar envolvida em operações irregulares, conforme Relatório de Auditoria da BM&F (rda-13/06/05), sobre a atuação de clientes: GLOBAL TREND INVESTIMENT LLC e TELETRUST DE RECEBÍVEIS S/A onde figura como uma das intermediadoras dessas operações, as quais apresentam as mesmas características praticadas pelas corretoras Bônus-Banval e Máster (Relatórios, também da BM&F: RAA- 28/07/03 e RDA – 04/06/04), tiveram os sigilos quebrados, através dos requerimentos 703 de 25/08/05 e 1.061 de 04.10.05, respectivamente’.

(…)

4. Destaca-se, ainda, que a Impetrante não demonstrou qualquer dos requisitos necessários para a concessão da medida liminar, não tendo apontado onde está esse direito líquido e certo, se no mérito não lhe assiste razão, e quando deveria ter apontado o perigo da demora, somente discorreu sobre seu eventual direito de não ter o seu sigilo quebrado. Ora, não lhe assistindo razão para obstar a quebra do sigilo também não se revela urgente o deferimento de qualquer medida.

No mérito, resta demonstrado que a CPMI não ‘desbordou’ os seus limites e não adentrou no pantanoso terreno da ilegalidade, não merecendo prosperar o presente pleito.

(…)”

6. Assim conhecidos os principais tópicos do arrazoado de cada qual das partes litigantes, o que me cabe é proferir decisão compatível com os juízos sumários (também rotulados como juízos de delibação) que são ínsitos a esta fase processual que antecede ao exame da questão de fundo, propriamente. Fazendo-o, tenho que o fiel da balança da justiça pende para a causa do órgão impetrado.

É que não me parece demonstrada, de plano, nem a ilegalidade nem a abusividade do ato adversado pela Segurança, que, a princípio, se limitou a aprovar requerimento parlamentar razoavelmente fundamentado.

7. Com efeito, o requerimento em causa (requerimento de nº 1157/05), subscrito pelo relator e subrelator da CPMI-CORREIOS, deputados Osmar Serraglio e Antônio Carlos Magalhães Neto, respectivamente, não é peça desapegada das coordenadas empíricas de tempo, espaço e sinais exteriores de condutas delituosas, com os possíveis protagonistas e respectivos modos e área profissional de atuação. Bem ao contrário, é documento oficial que intenta, sim, demonstrar a necessidade de sua aprovação, na sobredita perspectiva do envolvimento da impetrante em comportamentos abstratamente descritos como delituosos, sob as coordenadas aqui referidas. Daí porque:

I – primeiramente, o nome ou a razão social da empresa a investigar se encontra expressamente grafado, com o respectivo CNPJ, de parelha com a indicação do seu espaço institucional e negocial de atuação, além de supostos clientes seus na área dos fundos privados de previdência complementar fechada e das próprias congêneres de corretagem de valores mobiliários e de mercadorias, todos também nominados e identificados pelo respectivo CNPJ;

II – diga-se o mesmo quanto ao dies a quo ou o marco temporal para cumprimento da diligência requerida (que é o dia 01/01/02), assim como o próprio objeto da diligência requestada e o histórico dos precedentes que apontam para uma ambiência negocial envolta em suspeições de criminosa lesividade ao patrimônio dos chamados “fundos de pensão”, de permeio com suspeita de crime de lavagem de dinheiro e evasão de divisas;

III – enfim, o documento em questão faz explícita referência às suas fontes de informação ou bases de inspiração, que principiam por “denúncias publicadas na imprensa”, passam por “órgãos reguladores da Administração Pública Federal”, incorporam a própria “equipe técnica” da CPMI” e deságuam em “Relatório de Auditoria da BM&F” (RDA-13/06/05).

8. Ilustrativas, a este respeito, são as seguintes passagens do requerimento:

“A fim de subsidiar as investigações desta CPMI, requeremos, com base na Lei Complementar nº 105/01, art. 4º, § 1º, combinada com a Lei 1579/52, art. 2º e com a Constituição Federal em seus art. 5º, XII, e 58, parágrafo 3º, que esta Comissão requisite a transferência dos sigilos bancário, fiscal e telefônico da NOVINVEST CORRETORA DE VALORES MOBILIÁRIO LTDA (CNPJ.: 43.060.029/0001-71) a partir de 01/10/2000, de suas matrizes e filiais, com o objetivo de apurar possíveis irregularidade em operações dessas Instituições que envolvam o interesse dos Entidades Privadas de Previdência Complementar (…).

(…)

Inúmeras são as denúncias publicadas na imprensa apontando que parte relevante das perdas financeiras dos Fundos de pensão de estatais está associada a operações, no mercado financeiro, conduzidas por corretoras de valores mobiliários específicas. Tais corretoras foram, então, identificadas por meio dessas reportagens, bem como por intermédio de informações obtidas junto a órgãos reguladores da Administração Pública federal pela equipe técnica desta CMPI.

(…)

Quanto aos Relatórios sobre a Bônus- Banval/Master (no caso: RAA-28/07/03, conste que: ‘A MASTER atua nos mercados da BM&F como Corretora de Mercadorias (um Título Patrimonial e cinco Permissões de Acesso) e a liquidação financeira junto à Câmara de Derivativos é realizada através da Novinvest S/A CVM.

(…)”

9. A meu sentir, portanto, e nessa órbita dos juízos precários que marcam os provimentos de índole meramente cautelar, entendo que mais não é preciso para dar por suficiente a base motivacional do requerimento em causa.

10. Acresce que não se está a por o dedo controlador do Estado em área de atuação exclusivamente privada. Isto porque os “fundos de pensão” a que se reporta o requerimento em causa configuram “entidades fechadas de previdência privada”, sob patrocínio (financeiro) de empresas estatais. É dizer, entes jurídicos que protagonizam relações de cuja ordem pública dá conta a própria Constituição Federal, como se lê dos §§ 3º a 6º do art. 202. Relações que, de tão importantes para a tutela previdenciária dos servidores de tais empresas governamentais (com visível repercussão no princípio da moralidade administrativa), têm a sua nuclear disciplina jurídica reservada à lei de natureza complementar, inclusive para o efeito de fixação dos requisitos para a designação dos membros das respectivas diretorias (tudo conforme os mencionados parágrafos, especialmente o de nº 6). O que sugere mesmo que a matéria é daquelas que se inscrevem na competência fiscalizadora e controladora do Congresso Nacional (inciso X do art. 49 da Constituição), de que as CPIs são instrumentos de particularizado exercício. Isto, ajunte-se, com os consectários que se extraem do parágrafo único do artigo 71 da Constituição Federal de 1988, em ordem a alcançar até mesmo pessoas totalmente privadas, quando for o caso.

11. Há mais o que dizer em prol da sanidade jurídica do ato impugnado, pois o fato é que, em situações idênticas a este processo, também sob os cuidados advocatícios dos causídicos aqui atuantes, a medida liminar postulada foi indeferida pelos ministros Marco Aurélio e Celso de Mello (MS’s 25.725, 25.726 e 25.717). O que me deixa em situação jurídica de maior conforto para denegar, como efetivamente denego, a pretensão acautelatória que se veicula pelo presente mandamus.

Comunique-se.

Publique-se.

Brasília, 19 de dezembro de 2005.

Ministro CARLOS AYRES BRITTO

Relator

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!