O custo da água

Cobrança pelo uso da água tem mais efeito moral do que prático

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19 de dezembro de 2005, 14h25

A proposta sobre a cobrança pelo uso da água em São Paulo para os que utilizam mais do que 10 m³ mensais — recentemente aprovada pela Assembléia Legislativa de São Paulo — deverá servir mais para conscientizar a população do que para solucionar o problema de investimento para recuperação e preservação da água. A opinião é do editorial do jornal O Estado de S. Paulo.

Leia o editorial

O Custo da Água

A Assembléia Legislativa de São Paulo aprovou o projeto de lei que estabelece a cobrança pelo uso da água no estado. Chegou ao fim a novela que se iniciou há sete anos, quando o então governador Mário Covas encaminhou o Projeto de Lei 20/98 à Casa, propondo a cobrança prevista pela Lei Federal 9.433, de 1997, que criou a Política Nacional de Recursos Hídricos.

Apesar da baixa disponibilidade hídrica do estado e da alta carga de poluição de seus cursos d’água e de grande parte dos seus poucos reservatórios, os deputados paulistas resistiram o quanto puderam à aprovação da cobrança. Tanto emendaram o projeto de Mário Covas que a proposta voltou ao gabinete do governador e teve de ser refeita. De volta à Casa, em 2000, tramitou sob o número 676/00 e só foi à votação após outra série de concessões, entre elas a que assegura prazo de quatro anos para que os consumidores que utilizam água para irrigação no setor agrícola possam se adequar à cobrança.

Pela nova lei, agricultores, indústrias, empresas de abastecimento e os consumidores domésticos, que utilizem mais do que 10 m³ mensais, deverão pagar pelo uso da água, a partir de março. Cada metro cúbico custará, no máximo, R$ 0,01. A cobrança é um instrumento que permitirá aos comitês de bacias hidrográficas o controle da exploração dos reservatórios e, a longo prazo, a criação de fundos capazes de assegurar investimentos em obras para a recuperação de rios, córregos, represas e matas ciliares nas próprias bacias.

Como instrumento de criação de receitas, a lei não será a solução do problema dos investimentos necessários para assegurar a preservação, a recuperação e a gestão sustentável das bacias hidrográficas. Ela servirá mais para conscientizar os consumidores sobre a questão do desperdício e do mau uso da água.

A cobrança levará as empresas a adotarem processos de reutilização da água e a investirem na compra de equipamentos para o tratamento da água. Por sua vez, as companhias de abastecimento, que, ao lado das indústrias, estão na lista das maiores consumidoras, serão levadas a reformarem suas redes para evitar os vazamentos de grandes proporções.

Na Bacia do Paraíba do Sul, localizada nos estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, num projeto pioneiro no país, a ANA — Agência Nacional de Águas iniciou a cobrança em 2001. A agência é a responsável pela captação dos recursos por se tratar de rio federal que corta mais de um estado. O plano de recursos hídricos elaborado pelo comitê da bacia local prevê investimentos de R$ 150 milhões anuais durante 20 anos para recuperar os rios que abastecem hoje 13 milhões de brasileiros. No ano passado, a cobrança pelo uso das águas desses consumidores e empresas gerou apenas R$ 6 milhões. Para este ano, são esperados R$ 7 milhões. Mas foram muitas as empresas que colocaram em prática iniciativas para reduzir o consumo de água.

A proposta recentemente aprovada pela Assembléia Legislativa de São Paulo deixa clara a intenção do governo estadual de não transformar a cobrança da água em mais um imposto. Ao que se visa é criar um mecanismo capaz de estimular o uso racional da água. O valor fixado é baixo e há incentivos e descontos aos consumidores que tratarem a água utilizada antes de devolvê-la aos mananciais.

Estimativas apontam para uma arrecadação de R$ 458 milhões anuais se todo o consumo em São Paulo fosse cobrado. O consumo urbano do Estado de São Paulo soma 3,2 bilhões de m³ por ano. A indústria consome outros 3,6 bilhões de m³/mês e o setor agrícola, 1,2 bilhão de m³/mês. Além dos descontos, incentivos e prazos para adequação de setores à cobrança, é preciso considerar a inadimplência que, certamente, reduzirá a arrecadação. Ainda que todos pagassem, no entanto, o valor arrecadado seria inferior aos R$ 594 milhões previstos pelo Plano Estadual de Recursos Hídricos.

O importante é que a população e os setores produtivos usem a água de forma consciente e eficiente, para que os mananciais não se degradem ainda mais.

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