Mina de ouro

BB banca despesas do TJ do Rio em troca de depósitos judiciais

Autor

19 de dezembro de 2005, 13h04

O Banco do Brasil mantém no Rio de Janeiro, desde outubro de 2003, um convênio por meio do qual dá “apoio financeiro” de cerca de R$ 170 milhões ao Tribunal de Justiça. Em troca, tem sob controle cerca de R$ 3 bilhões — o total dos depósitos judiciais tutelados pelo TJ fluminense.

O convênio entre o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e o Banco do Brasil acaba de ser renovado até 2010. O novo acordo chega agora a R$ 177 milhões a serem utilizados de acordo com as conveniências do Judiciário fluminense — que incluem desde reformas ou construção de novas sedes e aumento de benefícios para servidores, até a produção de vídeos institucionais. As informações são de reportagem de Robson Pereira, do jornal O Estado de S. Paulo.

Em troca, o BB continuará por mais cinco anos na condição de “agente captador exclusivo” dos depósitos judiciais em todas as varas de jurisdição do tribunal, que chegam hoje a R$ 3 bilhões. O documento foi assinado em 30 de novembro e seu extrato saiu na semana passada no Diário Oficial do Rio.

Nos termos do convênio, o BB ajudará o Judiciário fluminense em reformas, na renovação do sistema de computadores e em despesas que incluem até “cerimônias oficiais promovidas pelo gabinete da presidência (do TJ)”.

O Conselho Nacional de Justiça quer tirar do Banco do Brasil e da Caixa Econômica Federal a exclusividade pela gestão dos depósitos judiciais. A discussão faz parte de um conjunto de propostas que pretendem definir uma política financeira e administrativa para o Judiciário, com fontes autônomas de receitas e diretrizes comuns aos tribunais de todo o país. Os depósitos judiciais representam fatia importante nos lucros anuais dos bancos e no próprio orçamento do Poder Judiciário.

O desembargador fluminense Marcus Antonio de Souza Faver, coordenador da Comissão de Fundos de Financiamento, Depósitos Judiciais e Custas do Conselho Nacional de Justiça, admite que rediscutir a exclusividade desses depósitos nos bancos oficiais é assunto “delicado”, mas a discussão a respeito “já começou”.

O caminho mais rápido para a autogestão definitiva do Judiciário, diz ele, passa pela massa gigantesca de depósitos judiciais, dinheiro que os contribuintes dão em garantia nos processos que ainda serão julgados. “Pela legislação atual, os depósitos judiciais devem ficar em bancos oficiais”, afirma o desembargador Jessé Torres Pereira Júnior, gerente do Fundo Especial do Tribunal de Justiça do Rio.

“Se fosse possível a transferência para bancos privados, faríamos um leilão e com certeza arrecadaríamos muito mais.” Hoje, os depósitos pagam apenas o equivalente à poupança — a taxa referencial, mais 0,5% de juros ao mês. No Tribunal de Justiça do Rio e em outros tribunais do país tem ocorrido uma peregrinação de bancos particulares interessados naqueles recursos.

Longo Prazo

Só na Caixa Econômica Federal existem R$ 19,8 bilhões à espera de decisões da Justiça Federal — dos quais R$ 7,6 bilhões em São Paulo. A maior parte dessas ações envolve questões tributárias que levam anos — às vezes, décadas — até a sentença final. Nos tribunais estaduais, a estimativa é que existam outros R$ 15 bilhões em depósitos. Na Justiça do Trabalho, pelo menos R$ 10 bilhões, a maior parte no Banco do Brasil ou em bancos privatizados. Em tribunais superiores, os volumes são da mesma ordem.

Administrar esses recursos significa uma alta taxa de retorno, obtida com a diferença entre os juros previstos na lei para esse tipo de depósito e a valorização real do dinheiro no mercado financeiro em aplicações de longo prazo. Responsável pelos estudos e pelas propostas que depois serão levadas ao plenário do CNJ, Marcus Faver reconhece que em vários tribunais existe a sensação de que “não é justo os bancos lucrarem tanto com um dinheiro que é de responsabilidade da Justiça”.

O Banco do Brasil remunera com a TR, mais 0,5% ao mês, os R$ 3 bilhões em depósitos judiciais do TJ do Rio. Uma simulação do site do banco mostra que um depósito de R$ 10 milhões com previsão de resgate em cinco anos renderá 51,2% na época do saque. Um cálculo básico mostra que esse mesmo depósito, aplicado num fundo conservador, rendendo 1% ao mês, daria só de juros (sem a TR) 81,7% nesses 5 anos. Os R$ 10 milhões dariam R$ 18,2 milhões.

“Se o contribuinte que depositou o dinheiro vencer a demanda judicial vai receber bem menos do que receberia se aplicasse o dinheiro no mercado financeiro”, compara Hélio Fraga, analista de investimentos do Ibmec. “É a pior aplicação que alguém poderia fazer.”

Já um importante advogado tributário do Rio, com centenas de processos envolvendo depósitos judiciais, considera “tão grave quanto isso” a pretensão do Judiciário de dividir os lucros com os bancos. “Até o fim do processo, o dinheiro depositado pertence ao contribuinte e apenas a ele”, defende o advogado, sob a condição de anonimato. “Não vejo sustentação legal ou moral para que os bancos ou o Judiciário se apropriem de lucros gerados por algo que não lhes pertence.”

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!