Retrospectiva 2005

Tecnologia impulsionou acesso à informação jurídica

Autor

  • Omar Kaminski

    é advogado e consultor gestor do Observatório do Marco Civil da Internet membro especialista da Câmara de Segurança e Direitos do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) e diretor de Internet da Comissão de Assuntos Culturais e Propriedade Intelectual da OAB-PR.

16 de dezembro de 2005, 11h23

A informática jurídica teve grande impulso no ano de 2005, com a adoção de sistemas unificados de acompanhamento processual, como no caso do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, sediado em São Paulo, que em seguida sofreu uma pane e forçou a prorrogação dos prazos.

O TJ pernambucano implantou o protocolo eletrônico; a Justiça Federal do Rio Grande do Norte adotou o juizado virtual; a OAB-SP, um sistema eletrônico de intimações; a Justiça do Espírito Santo disponibilizou certidões negativas na Internet; a Justiça do Paraná implantou uma pauta eletrônica para audiências; TRT-SP implantou projeto de petição pela Internet; o TST adotou novo sistema de penhora online, além do Sistema Integrado de Protocolização e Fluxo de Documentos Eletrônicos da Justiça do Trabalho (e–DOC) — contestado pela OAB; o Conselho Nacional de Justiça e os Tribunais discutem melhorias no sistema de informatização; a Câmara dos Deputados disponibilizou o banco de dados completo de legislação; o projeto de lei sobre a informatização do processo judicial foi aprovado no Senado, e mais.

Mesmo com toda busca pela modernidade, com o prestígio da jurisprudência do STJ à publicação eletrônica e com as informações processuais veiculadas pela internet classificadas como “confiáveis”, ainda “não podem ser aceitas para fins de contagem do prazo recursal por absoluta falta de previsão legal”, no entendimento da 2ª Turma do STJ, pela lavra da Ministra Eliana Calmon em sede de Recurso Especial.

As TVs Câmara e Senado tiveram audiência inédita com as CPIs. Em outras palavras, nunca o cidadão teve tanto interesse por assuntos ligados ao mundo jurídico e legislativo, o que despertou para campanhas como da “simplificação da linguagem jurídica”, movida pela Associação dos Magistrados do Brasil.

Certificação digital

Uma das questões relevantes que retomou a pauta foi a adoção da certificação digital, com a implantação da Autoridade Certificadora da Justiça (AC-JUS), primeira AC do Sistema Justiça Federal e considerada a primeira do Poder Judiciário mundial. Novas discussões sobre a MP 2.200-2 tiveram lugar, com a OAB sustentando a validade da ICP-OAB diante da ICP-Brasil. Também podemos citar o e-CPF e e-CNPJ, que contêm certificados digitais.

O Sistema Interativo de Atendimento Virtual da Receita Federal (Receita 222) passa a se chamar Centro Virtual de Atendimento ao Contribuinte ( e-CAC). O Banco Central merece menção por seu Cadastro de Clientes do Sistema Financeiro Nacional (CCS), um supercomputador com a alcunha de “Hal”, referência ao filme “2001, Uma Odisséia no Espaço”.

Segundo reportagem da Istoé Dinheiro, a máquina foi criada especialmente para reunir, atualizar e fiscalizar todas as contas bancárias das 182 instituições financeiras instaladas no país. “Toda conta que for aberta, fechada, movimentada ou abandonada, em qualquer banco do país, estará armazenada ali, com origem, destino e nome do proprietário”. Seria um Echelon tupiniquim?

Crimes informáticos

A prática de fraudes eletrônicas como o “phishing scam” continua alarmante, em que pesem as prisões em diversos estados. Em outras palavras, nunca houve tantas mensagens indesejadas contendo arquivos espiões (“cavalos de tróia”) escondidos em um link (ou URL) que parece real, e que uma vez executados (“clique aqui”) se apoderam dos dados pessoais das vítimas, principalmente senhas de banco.

Há diversas variações: prometendo fotos ousadas de modelos, vídeos eróticos, cartões virtuais de amor, músicas dedicadas em rádios, supostos escândalos e assassinatos envolvendo celebridades e políticos (como o que promete “fotos exclusivas do assassinato de Roberto Jefferson”, que circula há meses), sem falar nas diversas empresas e entidades que têm seus nomes envolvidos na fraude, inclusive Supremo Tribunal Federal, Tribunal Superior Eleitoral e Receita Federal, entre outros.

O Brasil já é o terceiro na especialidade. Some-se a isto a declaração de um expert, que o cibercrime global foi mais lucrativo que o narcotráfico em 2004, e temos um cenário assustador, em boa parte fruto da inobservância de regras básicas.

Iniciativas como a do portal Hotline.br merecem destaque — trata-se do primeiro site da América Latina e do Caribe a integrar a rede Inhope, principal organização internacional de canais de denúncia de pornografia infantil na internet.

Também o termo firmado entre os maiores provedores de Internet brasileiros e Ministério Público Federal de São Paulo, no qual as empresas se comprometem a colaborar com as investigações, mantendo os cadastros de seus usuários e possibilitando que provas de atos ilícitos possam ser preservadas.

Mas ainda não se chegou a um consenso sobre o prazo ideal de manutenção dos registros de transações, ou “logs” pelos provedores de serviço Internet, e o que poderá ser coletado. O projeto de lei nº 5.403/01, que “dispõe sobre o acesso a informações da Internet, e dá outras providências” teve designada uma Comissão Especial para proferir parecer, com a difícil tarefa de harmonizar os 16 projetos de lei que tramitam na Câmara sobre o tema.

Privacidade no ambiente de trabalho

A 1ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho, em importante julgado, decidiu que “os sacrossantos direitos do cidadão à privacidade e ao sigilo de correspondência, constitucionalmente assegurados, concernem à comunicação estritamente pessoal, ainda que virtual (‘e-mail’ particular). Assim, apenas o e-mail pessoal ou particular do empregado, socorrendo-se de provedor próprio, desfruta da proteção constitucional e legal de inviolabilidade”.

Para o relator do processo, Ministro Oreste Dalazen, “pode o empregador monitorar e rastrear a atividade do empregado no ambiente de trabalho, em e-mail corporativo, isto é, checar suas mensagens, tanto do ponto de vista formal quanto sob o ângulo material ou de conteúdo. Não é ilícita a prova assim obtida, visando a demonstrar justa causa para a despedida decorrente do envio de material pornográfico a colega de trabalho”.

A decisão repercutiu, servindo para os empresários atentarem para a necessidade de políticas formalizadas (de segurança, de uso, de privacidade) para o acesso à Internet pelos funcionários, que não deve ser negado diante da inegável utilidade.

Novas tecnologias, novos desafios

O Orkut foi tomado de assalto pelos brasileiros (cerca de 75% dos usuários, com predominância na faixa 18-25 anos em cerca de 50%), e se revelou um território propício para crimes contra a honra e badernas virtuais de todo o tipo. Teve seu auge e decadência em 2005. Outras comunidades semelhantes se seguiram, inclusive o UOLKut, depois alterado para UOL K.

O poder do Google se consolida. Sentindo-se ameaçada, a Microsoft compra a briga, e afirma que software se tornou mídia. Mas para a Sun, outra grande do gênero, software é um serviço.

A Apple dita a moda com seu iPod. O mercado dos jogos eletrônicos, em constante aquecimento, contou com a adesão de Steven Spielberg. Novas tecnologias de DVD no horizonte: o blu-ray e o HD-DVD. A nova mania do podcasting vai tomando lugar, bem como os ringtones e demais conteúdos compatíveis com celulares, culminando nos programas de TV com a geração 3G.

A voz sobre IP (ou VoIP) é outra nova tecnologia que vem desafiando o mercado tradicional. O site de leilões online eBay adquiriu o Skype, o mais popular dos programas desse tipo.

E a TV Digital brasileira continua uma promessa para os próximos anos.

Domínios da Internet

Foi realizada em novembro a 2ª Cúpula Mundial sobre a Sociedade da Informação ( WSIS), na Tunísia. Descontentes com a administração centralizada, Brasil, China, Índia e os 25 integrantes da União Européia tentaram reduzir o poder dos EUA sobre a Internet. Não obtiveram êxito, mas será criado um fórum internacional já apelidado de “OMC da Internet”.

O recém-criado Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto br (NIC.br) sucedeu a Fapesp nas funções administrativas relativas ao domínio “.br”. Trata-se da nova entidade executora do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br).

Cultura livre

O governo investiu no “Projeto Cidadão Conectado – Computador para Todos” e na política do software livre, que apesar das turbulências vem colhendo resultados positivos, mesmo com as dificuldades típicas de um novo modelo de negócios.

Com isso, os direitos autorais tradicionais são desafiados para a busca de novas soluções para as licenças chamadas genericamente de “livres”. A mais conhecida delas, a GNU-GPL, sofrerá a primeira revisão em 15 anos.

O estado norte-americano de Massachussets adota padrões livres e o Estado do Paraná é o primeiro a adotar uma licença de código livre por decreto.

Iniciativas de trabalho colaborativo como a Wikipedia se popularizam. Discussões envolvendo o compartilhamento e a livre disseminação da cultura e do conhecimento pela Internet tornam-se cada vez mais importantes.

Inclusão digital

Segundo o artigo “Era uma vez a privacidade”, de Pedro Dória, “dos 33 ministros do Superior Tribunal de Justiça, apenas seis mexem em computador com desenvoltura”, ou seja, 18% dos ministros.

Esse percentual é simbólico, mas não surpreende: recente pesquisa divulgada pelo CGI.br atestou que 55% da população brasileira nunca utilizou um computador e 68% nunca utilizou a Internet.

Autores

  • é advogado, diretor de Internet do Instituto Brasileiro de Política e Direito da Informática (IBDI) e membro suplente do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br).

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