Sociedade e família

Sucessão hereditária pode ameaçar continuidade de empresa

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15 de dezembro de 2005, 11h55

A disciplina legal da sociedade empresária prevê, como regra geral (artigo 1028 do Código Civil), a liquidação das cotas do sócio que vier a falecer, admitindo as três exceções ali constantes, sempre vinculadas à vontade dos sócios.

Essa abordagem genérica da lei não afasta o risco de decisões judiciais equivocadas, que ameaçam a continuidade da empresa, pois acabam impondo aos sócios remanescentes a admissão de herdeiro, e ainda lhe atribuem cargo de administrador, o que afronta o regime jurídico societário e inviabiliza a gestão da empresa.

Esse grave equívoco decorre da interpretação errônea da sucessão hereditária no âmbito do Direito Societário.

Da perspectiva da lei civil, a sucessão hereditária transmite aos herdeiros a posse e o domínio dos bens do falecido. Porém, do prisma do Direito Empresarial, a morte do sócio não implica o ingresso do herdeiro na sociedade de pessoas, não lhe atribuindo automaticamente o direito de ser sócio, mas apenas o eventual crédito correspondente às cotas herdadas, porque o que se transmite por herança é a propriedade destas.

O princípio da affectio societatis, que norteia a constituição da sociedade de pessoas, exige o consentimento dos sócios para qualquer alteração no quadro societário, pois, em razão do caráter pessoal da sociedade, a confiança recíproca é pressuposto de sua constituição e do cumprimento do seu objeto social. Em suma, à luz do regime jurídico societário, herdeiro não é sócio, seja sucessor do minoritário ou do majoritário.

Ao reconhecer-se ao herdeiro o direito ao crédito correspondente às cotas, cumpre-se a lei civil, sem desafiar a sistemática do Direito Societário, perante o qual a vontade dos sócios de sociedade de pessoas deve ser respeitada, sob pena de quebra da affectio societatis e violação do princípio constitucional da liberdade de associação e de contratação.

Se a doutrina não admite a transmissão hereditária do status de sócio em sociedade de pessoas, muito menos, do cargo de administrador, não se podendo compelir os sócios remanescentes a aceitarem o herdeiro na gerência da empresa. O critério de escolha do administrador se baseia nas suas características pessoais, pois o cargo exige credibilidade e aptidão para gerir os negócios da empresa, atributos que não se transferem por herança.

Ainda que o contrato social nada disponha a respeito, a omissão não deve ser interpretada como anuência tácita dos sócios remanescentes ao ingresso dos herdeiros na sociedade. Mas as lacunas do contrato têm gerado controvérsias de sérias conseqüências.

Daí a importância de definir no contrato social todas as coordenadas que disciplinarão a sucessão hereditária, de modo a tornar inequívoca a vontade dos sócios, para garantir o ingresso de herdeiros ou para vetá-los.

Não basta, porém, estabelecer condições genéricas para a sucessão. A permissão pura e simples de substituição do sócio falecido por seus herdeiros e sucessores pode representar um título em branco assinado antecipadamente pelos sócios em favor de herdeiros e sucessores eventualmente desconhecidos. Proibições mal definidas também podem dar ensejo a leituras equivocadas.

Portanto, o único meio seguro de evitar a aplicação errada da lei sucessória ao caso concreto, é especificar, com precisão técnica, no contrato social, todas as disposições de vontade dos sócios em relação à sucessão hereditária na empresa.

BIBLIOGRAFIA:

MARTINS, Fran. Curso de Direito Comercial. 28ª ed. RJ: Forense, p. 208.

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