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Não cabe ao Conselho do MP legislar sobre nepotismo

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15 de dezembro de 2005, 16h06

Entre 1999 e 2000 a APMP — Associação Paulista do Ministério Público, por seu Departamento de Estudos Institucionais, realizou pesquisa com os promotores e procuradores de Justiça de São Paulo sobre diversos temas de interesse para a carreira (O Ministério Público na visão de seus membros, Edições APMP, 2001).

Um deles dizia respeito ao controle externo do Ministério Público. E dos quase 700 promotores e procuradores que espontaneamente responderam à consulta, 66,76% admitiam alguma forma de controle externo, contra 28,94% que rejeitavam a idéia (4,30% não responderam à questão).

Isso é prova viva de que os promotores e procuradores de Justiça paulistas não temiam, como não temem, “abrir as portas” da Instituição, por confiarem no trabalho que realizam em prol da sociedade, sobretudo depois da promulgação da Constituição cidadã de 1988.

Interessante notar, também, que as duas matérias mais citadas àquela época como passíveis de controle externo eram a “sugestão de prioridades para a atuação funcional do MP” e o “controle de abuso de poder na atuação funcional”.

Sinal cristalino do pensamento moderno e transparente que já permeava os membros do Ministério Público de São Paulo mais de cinco anos antes da promulgação da Emenda Constitucional nº. 45, que criou o Conselho Nacional do Ministério Público.

E por que essa introdução? Para que fique bem claro: os promotores e procuradores de Justiça de São Paulo jamais se opuseram ou temeram o Conselho Nacional do Ministério Público ou qualquer outro órgão similar. Porque sabem que a folha de serviços da Instituição a que pertencem em favor da sociedade lhes permite, de fronte erguida, enfrentar qualquer tipo de exame ou análise.

Isso não significa que devamos aceitar medidas tomadas ao total arrepio da Constituição.

Antes de falarmos sobre a flagrante inconstitucionalidade da linha de atuação eleita por essa primeira composição do Conselho Nacional do MP, devemos lembrar que tanto a APMP como as demais entidades estaduais correlatas, por meio da Conamp — Associação Nacional dos Membros do Ministério Público, manifestaram seu inconformismo e lutaram para que houvesse uma composição mais equilibrada daquele órgão.

De fato, aos 26 Ministérios Públicos estaduais, que lidam com a grande maioria das demandas sociais, só foram reservados três assentos no Conselho Nacional, contra cinco para o Ministério Público da União e seis para pessoas estranhas à Instituição.

Mais do que a quebra do pacto federativo, a desproporção faz parte da clara estratégia de concentração de poder na esfera federal, cujos efeitos nefastos têm sido vistos nos últimos meses.

Bem ou mal, porém, o Conselho Nacional do Ministério Público está aí e é importante valorizar a sua atuação, que certamente contribuirá para a melhoria da Instituição que, sem dúvida, é uma das que detêm maior credibilidade perante a população.

Infelizmente, contudo, o Conselho Nacional, talvez animado pela repercussão midiática que certos assuntos proporcionam, tem trilhado um caminho equivocado e, pior, claramente ilegal. E justamente o órgão relacionado à Instituição a quem cabe, dentre outros princípios fundamentais, zelar pela ordem jurídica (artigo 127 da CF).

Em sã consciência, alguém de boa-fé pode ser contrário ao fim do nepotismo? Ou à existência de um Código de Ética para membros do Ministério Público?

Os promotores paulistas seguramente não são, tanto que no MP de São Paulo o nepotismo não existe na prática e, ao lado de uma Corregedoria atuante, há mais de duas décadas contamos com um Manual de Atuação Funcional.

O problema, entretanto, não está no mérito das “resoluções” do Conselho Nacional do MP, mas em questão antecedente.

Mudemos a indagação: alguém de boa-fé pode ser contrário ao princípio da legalidade inserido na Carta de 1988 (“ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude da lei” – art. 5º, inciso II)?

Para legislar, a República brasileira conta com o Poder Legislativo, em seus três níveis (federal, estadual e municipal). No primeiro nível, somente o Congresso Nacional, composto pelo Senado e pela Câmara dos Deputados, está autorizado a editar normas que obrigarão todos nós, brasileiros, a fazer ou deixar de fazer o que quer que seja.

Não é admissível, por inconstitucional, que um mero ato administrativo ou resolução do Conselho Nacional do Ministério Público tenha força de lei e determine o que devam fazer os Ministérios Públicos de todo o Brasil. Qualquer que seja a matéria! Por melhor que seja a intenção ou conteúdo da resolução!

Preservar o princípio constitucional da legalidade deveria ser preocupação não somente dos promotores e juízes, mas principalmente do cidadão, sobretudo o mais humilde, que é quem mais sofre os efeitos das ilegalidades.

Se aceitarmos o caminho equivocadamente escolhido pelo Conselho Nacional do Ministério Público, seremos obrigados a nos conformar também quando, por exemplo, a Receita Federal decidir, por mera portaria, aumentar impostos, independente de previsão legal emanada do Poder constitucionalmente investido para tal mister.

Tudo o que foi dito até aqui vale para o Conselho Nacional de Justiça.

A quem tiver interesse em se aprofundar no assunto, de forma isenta e técnica, sugerimos a leitura dos artigos dos membros do MP de São Paulo Sérgio Roxo da Fonseca e Wallace Paiva Martins Júnior, publicados no site www.apmp.com.br, além da tese do promotor fluminense Emerson Garcia, aprovada por unanimidade no XVI Congresso Nacional do MP (vide www.ammp.org.br/XVICongresso/teses.htm).

Fim do nepotismo, sim! Código de Ética para juízes e promotores, sim! Decisões transparentes dos Tribunais e Ministérios Públicos, sim! Mas desde que sua exigência venha por meio de lei, após amplo debate nas Casas Legislativas. Aí sim caberá aos Conselhos Nacionais fiscalizar a aplicação dessas leis e punir quem se desviar das normas nelas estabelecidas.

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