Retrospectiva 2005

Investir na luta contra cartéis tem retorno garantido

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14 de dezembro de 2005, 10h23

Pergunta-se muito o que é real na atuação dos órgãos de defesa da concorrência relativamente ao combate aos cartéis. Começo por explicar que menciono aqui o Cade por ser o órgão mais conhecido do sistema, que é formado pela Secretaria de Direito Econômico (SDE), do Ministério da Justiça, pela Secretaria de Acompanhamento Econômico (Seae), do Ministério da Fazenda e pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), autarquia independente com vinculação administrativa ao Ministério da Justiça. Na verdade, a menção genérica do Cade deve ser compreendida como a menção do sistema todo.

Sabe-se que os cartéis são acertos entre empresas concorrentes em detrimento dos adquirentes de determinados produtos. Os cartéis podem ter como objetivos a fixação de preços (os concorrentes acertam não vender por preços inferiores ao combinado), alocação de mercado (os concorrentes acertam que cada adquirente fica alocado a determinado fornecedor, eliminando os beneficios da livre concorrência), fraude em licitação (os concorrentes acertam quem vai ganhar cada licitação, de modo a não permitir que os licitantes obtenham benefício da livre concorrência) e outros.

Os cartéis constituem, assim, um dano não apenas para os adquirentes prejudicados como também e sobretudo para a economia como um todo (até porque a defesa da concorrência é matéria de direito público, sendo já um axioma dizer que esse direito protege a concorrência e não os concorrentes), já que a lógica capitalista encontra uma de suas bases na disputa entre os agentes econômicos. Se a disputa é eliminada ou falseada, ocorre a reversão da lógica capitalista, com os adquirentes à mercê dos vendedores. Falamos aqui de vendedores como possíveis cartelizadores, pois esta é a hipótese mais conhecida pela doutrina e pela jurisprudência, mas também é possível a existência de cartel de compradores, sobretudo nos mercados e nas situações em que o poder da compra é alto.

Em matéria de cartéis – como de resto em qualquer contuda que constitua infração da ordem econômica – a investigação é feita pela SDE que, ao final, deve (i) arquivar o processo administrativo, recorrendo de ofício ao Cade ou (ii) enviar o processo administrativo ao Cade com recomendação de condenação. O Cade é o órgão que tem o poder de decidir sobre a existência ou não de um cartel, aplicando a pena que entender cabível. O Cade pode inclusive rejeitar a investigação da SDE, devolvendo-a para complementação ou até mesmo diligenciando diretamente.

Ao fazer um balanço da atuação do Cade, verificamos alguns dados reveladores. Com efeito, de 1999 a 2005, houve 45 condenações por prática de cartel, a maioria na categoria de fixação de preços. Destes 45 casos, cinco são do setor industrial (aços: 2; construção naval; medicamentos; e brita), oito são do setor comercial (postos de gasolina: 6 e distribuição de gás doméstico: 2) e 32 são do setor de serviços. Dentro do setor de serviços, 25 são do setor de saúde (associações de hospitais ou de médicos), sendo as demais de contadores (2), de agentes de viagem, transporte aéreo, transporte urbano, televisão a cabo e jornais.

Esses dados trazem algumas revelações, a começar pelo fato do setor de serviços (sobretudo serviços médicos e hospitalares) ser o mais encontrado. Pode-se pensar, à primeira vista, que o setor de serviços é o que congrega maior número de cartéis. Mas também é possível imaginar que é o setor de mais fácil investigação, já que não tem a sofisticação das grandes empresas; ou seja, suas ações geralmente não sofrem tentativas de dissimulação (um bom exemplo disso está nas tabelas de honorários médicos ou de procedimentos hospitalares).

Outra revelação dos dados é a inexistência, entre as condenações, dos grandes cartéis internacionais, bem conhecidos da literatura jurídico-econômica. Os participantes desses cartéis foram condenados em diversas jurisdições em decorrência da aplicação da teoria dos efeitos, pela qual cada jurisdição tem o direito de punir os cartéis que geram efeitos em seu território, independentemente dos locais onde as combinações ocorrem. Isso pode demonstrar a incapacidade de importar meios eficientes de prova (e, possivelmente, acentuar a comparação com os sistemas possivelmente bem mais eficientes na produção de prova dentro do devido processo legal).

Pode-se imaginar, igualmente, a preferência pelos casos mais fáceis ou que, pelo menos, não acentuem a comparação. A verdade é que os órgãos de defesa da concorrência lutam contra a permanente e já endêmica falta de recursos, sendo sabido que se faz necessária uma razoável provisão de recursos para que as investigações sejam feitas na quantidade e na qualidade que a aplicação do devido processo legal exige. Não existem dúvidas sobre a capacidade das pessoas que se encontram nos órgãos de defesa da concorrência; dúvida existe, todavia, quanto à existência dos recursos para uma boa investigação.

É possível que haja uma intensificação da luta contra os cartéis. Do ponto de vista estritamente econômico, faz todo o sentido investir nesta atividade governamental, até porque o dinheiro investido retornará multiplicado em decorrência do simples aumento do bem-estar social que a melhoria da economia acarreta. Isto é o que as autoridades prometem e garantem, inclusive em decorrência de sua maior integração com as autoridades de outros países. Isto é o que a sociedade espera, como forma de maior e mais completa inserção do Brasil no cenário internacional.

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