Impugnação por tabela

Advogado pede suspensão da inscrição de Dirceu na OAB

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12 de dezembro de 2005, 18h11

O advogado e assessor do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB, Claudio Castello de Campos Pereira entrou com representação no Tribunal de Ética da OAB São Paulo, nesta segunda-feira (12/12) contra o deputado cassado José Dirceu para pedir a suspensão preventiva da sua inscrição como advogado. Se o Tribunal aceitar o argumento de que Dirceu não é idôneo, ele pode ter sua inscrição excluída da OAB.

Pereira argumenta que a cassação por falta de decoro parlamentar com a perda de direitos políticos no dia 30 de novembro, seria um atestado de que ele não é idôneo moralmente. Alega também que como a idoneidade é requisito essencial ao inscritos na Ordem deveria haver a suspensão do direito de Dirceu advogar.

A cassação, para o advogado, “não deixa de ser a declaração de uma Casa Legislativa de que seu membro é indigno para compor seus quadros, tendo a natureza jurídica de um ato de declaração de inidoneidade moral.” Ao comprovar a inidoneidade, a manutenção do registro de Dirceu viola o artigo 8º do Estatuto da Advocacia que coloca a idoneidade como requisito indispensável para a inscrição do advogado.

Pereira decidiu entrar com a representação alegando estar preocupado com notícias divulgadas na imprensa de que Zé Dirceu irá advogar. O advogado argumenta que o deputado cassado não está apto para exercer o Direito, já que “ele ficou intimamente relacionado com a idéia de corrupção” e diz que ele sempre vai ser lembrado como “um dos chefes do esquema do mensalão.”

Procurado pela Consultor Jurídico, o advogado de José Dirceu, José Luís de Oliveira Lima disse que não poderia se manifestar antes de conhecer o teor da representação.

Leia a íntegra da representação:

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR PRESIDENTE DO EGRÉGIO TRIBUNAL DE ÉTICA E DISCIPLINA DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL – SECÇÃO DE SÃO PAULO.

CLÁUDIO CASTELLO DE CAMPOS PEREIRA, brasileiro, solteiro, advogado inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil – Secção São Paulo sob o número 204.408, com escritório localizado na Rua Senador Paulo Egídio, nº 34, 1º andar, Cj. 16, tel: (11) 3104-8414, endereço eletrônico [email protected], comparece perante Vossa Excelência, respeitosamente, para propor a presente

REPRESENTAÇÃO DISCIPLINAR

COM PEDIDO DE SUSPENSÃO PREVENTIVA (ART. 70, §3º, EAOAB)

contra o DOUTOR JOSÉ DIRCEU DE OLIVEIRA E SILVA, advogado inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil – Secção São Paulo sob o número 90.792, consubstanciada nos motivos de fato e de direito doravante expostos e articulados.

I – O REPRESENTANTE E O REPRESENTADO

O Representante subscritor é advogado militante nesta Capital, regularmente inscrito nos quadros desta Seccional e Assessor da Presidência da Terceira Turma deste Egrégio Tribunal, naturalmente zeloso, portanto, pelo aprimoramento ético e rigoroso cumprimento dos ditames deontológicos por todos os profissionais inscritos nos quadros desta Ordem e pela defesa intransigente da preservação da atividade, contribuindo para o prestígio da classe.

O Representado, como informa seu site pessoal, é “Advogado, formou-se pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) em 1983 e fez pós-graduação em Economia na mesma instituição. Foi Deputado Estadual de 1987 a 1991 (PT-SP), Deputado Federal de 1991 a 1995 (PT-SP), Deputado Federal de 1999 a 2003 (PT-SP) e reeleito Deputado Federal em 2003”.

Em 30 de novembro de 2005, o Representado teve seu mandato parlamentar cassado por falta de decoro parlamentar, após a aprovação, por 293 votos dos senhores deputados, do parecer do Sr. Relator Deputado Júlio Delgado, que concluiu pela procedência da Representação nº 38/2005, recomendando-se a aplicação da penalidade de perda de mandato, nos termos previstos no art. 55, II e § 1º da Constituição Federal, combinado com os arts. 240 e 244 do Regimento Interno da Câmara dos Deputados, e com o artigo 4º, IV da Resolução 25, do Código de Ética e Decoro Parlamentar.

II – O PROCESSO

Apoiado nos depoimentos prestados pelos Srs. Marcos Valério Fernandes de Souza e Renilda Maria Santiago Fernandes de Souza ao Senhor Procurador-Geral da República e à Comissão Parlamentar Mista de Inquérito dos Correios, em 14 e 16 de julho p.p., o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), por meio de seu presidente em exercício, Dr. Flávio Martinez, encaminhou em 2 de agosto passado uma representação ao Conselho de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara dos Deputados, requerendo a instauração de processo disciplinar contra o ora Representado, por entender que determinadas condutas por ele tomadas, enquanto licenciado daquela Casa para exercer as funções de Ministro-Chefe da Casa Civil do Presidente da República, incorriam em quebra de decoro parlamentar. A Representação, autuada sob o número 38/2005, originou o processo número 4/2005, seguindo cópia (doc. 1).


A narrativa dos fatos daquela peça inaugural dá conta de que os Srs. Marcos Valério e Renilda noticiaram perante as autoridades que o ora Representado, em conluio com o Sr. Delúbio Soares (Secretário de Finanças do Partido dos Trabalhadores), levantou fundos junto ao Banco Rural e Banco Minas Gerais – BMG, tomados sob intervenção e responsabilidade do Sr. Marcos Valério, com a finalidade de fraudar o regular andamento dos trabalhos legislativos, objetivando a alteração do resultado das deliberações em favor do Governo por meio de pagamentos, a determinados parlamentares, de vultosas quantias em dinheiro, em troca de “apoio” nas votações dos projetos de interesse do Poder Executivo.

A representação afirma que “tais fundos, levantados como se empréstimos fossem, eram compensados pelo favorecimento aos Bancos mencionados – com cujos diretores, entre eles FLÁVIO GUIMARÃES (BMG) e KÁTIA RABELO (Rural) esteve reunido JOSÉ DIRCEU – e empresas de que participa MARCOS VALÉRIO, em contratos governamentais, de sua administração indireta ou autárquica, garantidos pela influência do Representado, de modo a que, embora tais mútuos não tenham sido honrados pelos tomadores, tampouco houvesse cobrança daquelas instituições financeiras de seu crédito”.

Em outras palavras, tais recursos (de origem ainda não comprovada) foram reputados como “empréstimos” das instituições bancárias ao Partido dos Trabalhadores, versão essa, aliás, já refutada em depoimento do ex-superintendente do Banco Rural, Sr. Carlos Godinho, prestado à Comissão Parlamentar de Inquérito dos Correios em 8 de dezembro de 2005 (doc. 2). Perante aquelas autoridades, o Sr. Godinho relatou ter sido obrigado a entrar num programa de demissão voluntária em razão da pressão que sofrera por haver elaborado diversos relatórios que produzira sobre esses negócios “suspeitos” feitos à SMPB, agência do Sr. Marcos Valério, concluindo que tais “empréstimos” eram negócios simulados e fraudulentos.

Seriam esses recursos (chamados popularmente de “valerioduto” e todos “não contabilizados” pelo Partido dos Trabalhadores) os mesmos que financiavam a “compra de convicção” de vários deputados da base aliada do Governo Federal – do qual era o Representado membro e identificado como “o capitão do time” – na votação de projetos de interesse do Poder Executivo.

Como prova da “notoriedade dos fatos imputados”, a Representação trouxe, no item “2.” de sua terceira lauda, diversos rotativos datados em 27 de julho de 2005, com as seguintes manchetes como sendo as principais:

“Dirceu sabia dos empréstimos, diz a mulher de Valério” (Folha de São Paulo).

“Dirceu sabia dos empréstimos ao PT, diz Renilda. Ele nega” (O Estado de São Paulo).

“Mulher de Valério liga Dirceu a empréstimos” (Correio Braziliense).

“Renilda envolve Dirceu e apressa sua convocação” (O Globo).

Instaurado o processo com as feitas de praxe, o Representado fora notificado por ordem do Sr. Presidente daquela Comissão, Deputado Ricardo Izar e apresentou sua defesa, cuja cópia segue (doc. 3).

Alegou, em sede preliminar, que o Conselho de Ética e Decoro Parlamentar seria incompetente para julgar os atos do Representado enquanto licenciado da Casa para exercer o cargo de ministro, uma vez que “somente quem estiver no exercício do mandato parlamentar poderá agir de forma a agredir a honorabilidade da casa”. Ademais, reputa inepta a peça inaugural por que lá não constassem os elementos mínimos que indiquem a conduta reputada indecorosa.

No mérito, negou participação em qualquer conluio com a finalidade de levantar recursos de molde a fraudar os trabalhos legislativos do Parlamento, em benefício do Governo Federal.

Sustentou que “o que existiu foi a realização de empréstimos junto a instituições bancárias para saldar obrigações de campanhas eleitorais” (fl. 120), a partir de fevereiro de 2003, quando estava formalmente afastado das atribuições diretivas do partido para compor o Governo Federal.

Refuta a defesa, ainda, que tenha de fato existido um sistema de pagamentos a parlamentares para a “alteração de convicções” dos Senhores Deputados Federais em votações que beneficiariam o Governo do qual fazia parte o Representado e, por fim, traz seu histórico de lutas e idéias políticas, bem como os motivos que não o faziam renunciar ao mandato. Arrolou testemunhas.

O processo seguiu seu trâmite em consonância com as normas regimentais aplicáveis à espécie, tendo como relator o nobre Deputado Dr. JÚLIO DELGADO que apresentou sólido e amplo relatório e voto (doc. 4), em 9 (nove) e 47 (quarenta e sete) laudas, respectivamente, para concluir, ao final, que:

“…pelos fatos e direito apresentados, concluímos nosso voto no sentido da procedência da Representação nº 38/2005, recomendando a aplicação da penalidade de perda de mandato, nos termos previstos no art. 55, II e §1º da Constituição Federal, combinado com os arts. 240 e 244 do Regimento Interno da Câmara dos Deputados, e com o art. 4º, IV da Resolução nº 25, do Código de Ética e Decoro Parlamentar, ao Deputado José Dirceu, nos termos do projeto de resolução ora anexados”.


Remete-se, a bem da economia da narrativa, ao teor do relatório e respectivo voto do Sr. Relator, de todo auto-explicativo.

Em 30 de novembro p.p., o plenário da Câmara votou e aprovou em plenário o parecer do Sr. Relator e, em 1º de dezembro, declarou-se a perda do mandato do Representado “por conduta incompatível com o decoro parlamentar”, através da publicação da Resolução nº 35, de 2005 (doc. 5).

No mesmo dia, o portal de notícias “UOL” já trazia a notícia (doc. 6) de que “Dirceu vai advogar e fazer política, mas sem participar do governo”.

Tais fatos protagonizaram um dos maiores escândalos da história recente do país, causando grande repercussão no seio da sociedade brasileira, decepcionada com a frustração de promessas firmadas pelo grupo político que se sagrou vitorioso nas eleições de 2002, como é fato notório.

O nome do Representado, assim, ficou intimamente relacionado com a idéia de corrupção, este que sempre foi lembrado como um dos “chefes” do esquema do “mensalão”, nome impróprio para um sistema de assalto ao Estado que de fato já está comprovado (embora ainda em fase de investigação de sua extensão), consistente no comércio de votos parlamentares já mencionado.

Inúmeras reportagens nesse sentido foram publicadas como, por pequeno exemplo, as que seguem (docs. 7, 8 e 9), que exemplificam o que foi a voz – quase uníssona – da imprensa, e que também é a voz corrente do povo brasileiro.

Queira-se, por gentileza, observar-se a revista Veja de 7 de dezembro de 2005 (doc. 10). A partir de sua quadragésima sexta página, há a notícia do desfecho do processo e seu significado para a sociedade brasileira.

Na página 50, ao final dessa reportagem, texto de colunista de escol, o Sr. Tales Alvarenga, intitulado “Santa Bengalada!”, dá conta do sentimento do povo brasileiro a respeito das condutas do Representado como político, que chegou a ser agredido a bengaladas pelo Sr. Yves Hublet, escritor que não teria contido seus sentimentos ao deparar-se com o Representado nos corredores da Câmara, ao acaso. Destaca o texto:

“As bengaladas de Yves Hublet foram bengaladas morais. Encarnados no escritor, os brasileiros olharam pelos olhos de Yves Hublet e agiram através de Yves Hublet” (g.n.).

Na verdade, a corrosão da reputação do Representado já vinha de longa data, tendo ele sido objeto de diversas reportagens como, por exemplo, a edição nº 1916 da revista Veja (doc. 11), de 3 de agosto de 2005, com sua fotografia estampada na capa. Com a metade esquerda de seu rosto às sombras, aquele veículo semanal traz os seguintes destaques:

“ O RISCO DIRCEU

Os recados ameaçadores que ele manda ao governo

Seu secretário particular foi autorizado a sacar dinheiro de uma conta de Valério”

Iniludivelmente, o Representado passou a ser muito mal visto pela sociedade, que se sentiu (e ainda sente) traída com notícias que, a cada dia, de cambulhada em cambulhada e aos borbotões, vêm surgindo da apuração de vários sistemas de corrupção instalados no Governo Federal.

O Representado é apontado como um dos mentores dessa rede de corrupção, tanto que, em razão disso, foi cassado por seus pares, como noticiado (fato que, por si só, torna-o uma pessoa moralmente inidônea).

Assim, esses são os fatos e breves considerações a respeito das repercussões afeitas ao rumorosíssimo processo de cassação do mandato parlamentar do Representado, que teve seus direitos políticos parcialmente suspensos, fatos esses de conhecimento público e de enorme repercussão social, que geram, na visão deste subscritor, implicações afetas às condições éticas da manutenção de sua inscrição nos quadros desta Ordem, consoante abaixo se discorrerá.

III – A ÉTICA

A Constituição da República Federativa do Brasil estabeleceu, em seu artigo 133, que “O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei”.

A lei complementadora da eficácia do vaticínio constitucional e que determina o que sejam os principais “limites da lei” é o Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil (EAOAB – Lei Nº 8.906, de 4 de julho de 1994), diploma que substituiu o antigo (Lei Nº 4.215 de, 27 de abril de 1963) e que constitui as infrações éticas e infrações disciplinares como violações a deveres legais, já que a deontologia profissional passou a ser alvo de tratamento legal em sentido estrito e de maneira global, estabelecendo-se, com maior rigor, o sistema de sanções aos infratores de tais deveres.

Deveres legais, por certo, uma vez que o EAOAB trouxe, em seu Capítulo VIII (“DA ÉTICA DO ADVOGADO”) as prescrições que tornam obrigatórias as observâncias dos preceitos éticos da profissão, o que não exclui (antes inclui, conforme art. 33), o acatamento disciplinador do Código de Ética e Disciplina da OAB (CED).


Em verdade, os preceitos éticos previstos no EAOAB e no CED nada mais são do que normas auxiliadoras dos vaticínios da Lei Maior (especificamente na matéria tratada pelo artigo 133, já transcrito), formando-se, assim, um complexo normativo deontológico provido de sanções específicas e que deve ser observado por todos os advogados.

Ademais, além da letra da Carta Magna e suas leis complementadoras, há de se ter por norte, na interpretação dos dispositivos constitucionais, a realidade política subjacente, como, aliás, dá-nos o magistério do mestre italiano TEMISTOCLE MARTINES em instruente lição:

“Particulare rilievo assume l’interpretazione delle dispositizioni costituzionali per la natura stessa di tali disposizioni nelle quali è presente, rispetto alle altre, una più elevata carica di politicità, atteso che esse valgono ad esprimere i valori ed i fini politici ritenuti fondamentali dalla comunità che si è organizzata in Stato”.

A observação é importante, uma vez que a tese a seguir sustentada trará a interpretação de uma convergência de conteúdos e princípios normativos de prescrições distintas: o conceito de idoneidade moral (ou, in casu, de inidoneidade moral) presente nos deveres legais e nos princípios informadores de dois munus publicos, quais sejam, as funções de parlamentar e de advogado.

Tudo o quê está relacionado com o PRINCÍPIO DA MORALIDADE, que deve nortear o proceder de todos aqueles que desempenham funções de munus publico.

“Princípios” são as idéias que balizam e fundamentam um sistema jurídico e conferem ao sistema normativo um sentido racional e harmonioso, de molde a compreender a sua organização . CARLOS ALBERTO BITTAR , por seu turno, assenta que “esses princípios legitimam o ordenamento jurídico, na medida em que representam os ideais primeiros de justiça, que se encontram ínsitos na consciência coletiva dos povos, através dos tempos e dos espaços”.

Nas palavras de J.J. GOMES CANOTILHO :

“Princípios são normas que exigem a realização de algo, da melhor forma possível, de acordo com as possibilidades fácticas e jurídicas. Os princípios não proíbem, permitem ou exigem algo em termos de tudo ou nada; impõem a optimização de um direito ou de um bem jurídico, tendo em conta a reserva do possível, fáctica ou jurídica”.

Nesse sentido, então, não há como deixar de analisar as implicações da perda de mandato do Representado para seu mister como advogado, uma vez que, como sustentaremos, a cassação por falta de decoro parlamentar com a perda de direitos políticos não deixa de ser uma declaração de sua inidoneidade moral, requisito essencial ao inscrito nos quadros desta Ordem.

É condição exigida a qualquer cidadão brasileiro que, para tornar-se candidato a qualquer mandato eletivo, deve ser moralmente idôneo, devendo manter tal requisito no desempenho de seu mandato, exercido com obrigatório decoro parlamentar, punindo-se o infrator com a perda do mandato, tal como prescrito no art. 55, II, da Carta Constitucional, o exato fundamento da cassação do mandato do Representado, como já se noticiou e comprovou-se documentalmente.

A falta de decoro parlamentar é apontada, pelo jurista MIGUEL REALE , como “a falta de decência no comportamento pessoal, capaz de desmerecer a Casa dos Representantes”, assim como a “falta de respeito à Dignidade do Poder Legislativo, de modo a expô-lo a críticas infundadas, injustas e irremediáveis, de forma inconveniente” e o valor abarcado pela Constituição é o de ser o parlamentar, mais que um homem comum, um virtuoso.

Se o bom do velho é sempre um clássico, é de se ir aos ensinamentos de um dos maiores pensadores do Estado Democrático de Direito, JAMES MADISON , que assinalara :

“O objetivo de qualquer constituição política é ou deve ser, primeiro, conseguir para governantes homens que possuam no mais alto grau a sabedoria para distinguir e a virtude para realizar o bem comum da sociedade, e, em segundo lugar, tomar as precauções mais eficazes para conservá-los virtuosos enquanto continuarem a exercer o cargo”.

Comentando as hipóteses de excepcional perda de mandato antes do término da legislatura, previstas no art. 55 da Constituição, o professor ALEXANDRE DE MORAES acentuou:

“Apesar do grande subjetivismo, o termo decoro parlamentar deve ser entendido como o conjunto de regras legais e morais que devem reger a conduta dos parlamentares, no sentido de dignificação da nobre atividade legislativa”.

Assim, indubitavelmente o vaticínio constitucional torna um dever legal o agir do parlamentar em conformidade com um princípio, qual seja, o PRINCÍPIO DA MORALIDADE, estabelecendo sanção própria para seu descumprimento, qual seja, a cassação do mandato, sendo precisamente essa a vontade objetiva do legislador constituinte .


A cassação do mandato de um parlamentar pela hipótese de quebra de decoro parlamentar (art. 55, II, hipótese presente), assim, não deixa de ser a declaração de uma Casa Legislativa de que seu membro é indigno para compor seus quadros, tendo a natureza jurídica de um ato de declaração de inidoneidade moral.

Nesse sentido, o ato de cassação revela-se um atestado público de falta de idoneidade moral do cassado não apenas perante o Parlamento, mas também perante a sociedade como um todo, uma vez que, em verdade, não deixa de ser o reconhecimento de que o cassado traiu o próprio povo brasileiro, desonrando os votos que lhe foram confiados.

Veja-se, pois, que a cassação do Representado deu-se nos termos previstos no art. 55, II e § 1º da Constituição Federal, combinado com os arts. 240 e 244 do Regimento Interno da Câmara dos Deputados, e com o artigo 4º, IV da Resolução 25, do Código de Ética e Decoro Parlamentar, ou seja, A FRAUDE À REGULARIDADE DOS TRABALHOS LEGISLATIVOS PARA ALTERAR O RESULTADO DE DELIBERAÇÃO, o que assaca contra os mais simples princípios do Estado Democrático de Direito.

Assim, agindo e sendo cassado, o Representado, na opinião particular deste advogado, perdeu o requisito de idoneidade moral obrigatória aos inscritos no quadro desta Ordem, devendo ser punido com o cancelamento de seu registro, conforme os ditames das normas deônticas que regem a advocacia.

O PRINCÍPIO DA MORALIDADE, já mencionado, também está a reger a advocacia, como não poderia ser diferente. Nesse sentido, o advogado deve ser absolutamente intransigente quanto ao acatamento desse princípio, como, aliás, já dizia MAURICE GARÇON , da Academia Francesa e seguramente um dos grandes doutrinadores ocidentais da matéria:

“L’exercise de la profession impose de grandes servitudes.

L’avocat règle seul as conduite. Il est le seul arbitre de son comportement, ce qui l’oblige à se montrer particulièrement scrupuleux. Il doit dominer non seulement ses propres passions mais encore celles de ceux qui l’entourent. Il ne doit jamais céder à des sollicitations suspectes qui peuvent être d’autant plus séduisantes, que son consentement ne derait pas sans profit. Son honnêteté, sa probité, sa sincerité, son indépendance et sa modération, qui n’exclut pás la fermeté, doivent demeurer à l’abri de tout soupçon et son autorité est d’autant plus assurée qu’il échappe à la critique.

C’est, em effet, par une moralité intraitable qu’il justifie l’autorité qu’on lui accorde et c’est seulement lorsque sa persone et son caractère sont inattaquables qu’il acquiert le respect et rende son role efficace. Il ne doit pas se contenter d’être honnête, il doit pousser le scrupule jusqu’a l’excés”.

E, duas páginas após, na mesma obra, citando um certo magistrado da Corte de Paris:

“Ce que les autres hommes appellent des qualités extraordinaries, lês avocats lês considèrent comme des devoirs indispensables”.

Compreendendo o legislador ordinário que os aspectos morais integram os limites constitucionais impostos pela letra do art. 133, o EAOAB trouxe, em seu artigo 8º, o rol de requisitos indispensáveis para a inscrição como advogado:

“Art. 8º. Para a inscrição como advogado é necessário:

(…)

IV – idoneidade moral”.

No mesmo esteio, o artigo 20, §2º, do Regulamento Geral do EAOAB.

Sendo a idoneidade moral condição sine qua non para qualquer candidato à inscrição nos quadros da Ordem dos Advogados, o legislador ordinário revelou a grande importância do conceito para os fundamentos éticos e morais da profissão.

Tanto assim que o artigo 11, do mesmo diploma, prescreve em seu inciso “V” que a inscrição do profissional deve ser cancelada se houver a perda de “qualquer um dos requisitos necessários para inscrição”, entre os quais o mencionado inciso “IV” do artigo 8º.

Por outro lado, o EAOAB retoma o importante conceito no Capítulo IX (“DAS INFRAÇÕES E SANÇÕES DISCIPLINARES”), quando determina, em seu artigo 34:

“Artigo 34 – Constitui infração ética:

(…)

XXVII – tornar-se moralmente inidôneo para o exercício da advocacia.”

O dever legal da observância de idoneidade moral tem norma sancionadora prevista a seu infrator no inciso II, do artigo 38, do mesmo texto legal, no mesmo capítulo, prescrevendo a pena de exclusão do profissional dos quadros da Ordem, prevista, por sua vez, no inciso III, do artigo 35.

Destarte, seja por ter perdido um dos requisitos essenciais de inscrição ou por ter-se tornado moralmente inidôneo para o exercício da profissão após ter sido cassado, o Representado deverá ser sancionado pela Ordem dos Advogados do Brasil, após haver a declaração, pela Câmara dos Deputados, de ter ele praticado condutas que quebraram o decoro parlamentar, com repercussão negativa à sua imagem, potencialmente lesiva à imagem da classe.


Na lição de GLADSON MAMEDE , “entre os requisitos para a inscrição do advogado, lista-se a exigência de que o bacharel seja moralmente idôneo (art. 8º, VI, EAOAB), vale dizer, que seja pessoa de bom caráter, de comportamento (e história pessoal) à altura da função social que pretende o bacharel ter o direito de exercer”.

Ou, como já disse PAULO LUIZ NETTO LÔBO , comentando o conceito de idoneidade moral do art. 8º do EAOAB:

“Idoneidade moral

O sexto requisito é a idoneidade moral. É um conceito indeterminado (porém determinável) ou cláusula geral, cujo conteúdo depende da mediação concretizadora do Conselho competente, em cada caso. Os parâmetros não são subjetivos, mas decorrem da aferição objetiva de standards ou topoi valorativos que se captam da comunidade profissional, no tempo e no espaço, e que contam com o máximo de consenso na consciência jurídica.

De maneira geral, não são compatíveis com a idoneidade moral atitudes e comportamentos imputáveis ao interessado, que contaminarão necessariamente sua atividade profissional, em desprestígio da advocacia”.

O excerto do monografista coloca questão que merece ser melhor refletida: o referido “desprestígio da advocacia”.

Essa preocupação também fora objeto das observações de outra importantíssima monografista no assunto, quem seja, a Dra. GISELDA GONDIM RAMOS , que já assentara:

“Não há dúvidas, pois, da importância do requisito da idoneidade moral, que, a par de interessar a cada um individualmente, destaca-se muito mais pelo interesse da classe como um todo, já que qualquer ato praticado em desrespeito a este reflete-se inexoravelmente em desprestígio da própria advocacia, e nos atinge a todos, indistintamente” (g.n.).

O que provocou, a princípio, a insurgência deste subscritor contra a permanência do Representado nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil é o sentir-se incomodado porquanto sabedor de que o Representado, com sua inidoneidade moral reconhecida pelo Parlamento e, também, pela opinião pública, macula indelevelmente a imagem da classe perante a sociedade brasileira, caso a Entidade venha a permitir que exerça nossa nobre profissão, dado que é fato que pretenda “advogar e fazer política” (doc. 6).

Nesse sentido, deve a Ordem zelar não apenas pelo Estado de Direito, mas também pela imagem de nossa profissão perante a opinião pública, impedindo que pessoa reputada moralmente inidônea para o exercício do munus publico parlamentar (cujas condutas como homem público causaram alta reprobabilidade social) venha a rebaixar a imagem classe, conclamando-se esta Corporação para que se posicione de maneira crítica sobre a possibilidade de continuidade, em seus quadros, de ex-parlamentar cassado por falta de decoro parlamentar, com ampla e notória repercussão social.

Em semelhante entendimento, GLADSON MAMEDE :

“A atuação da OAB é justificada quando a falta praticada transgredir preceito regular da própria atividade profissional ou quando acarretar repercussão negativa à imagem da advocacia” (g.n.).

Hão de ser lembradas, por oportunas, as palavras do insigne colega Dr. SÉRGIO FERRAZ , em artigo publicado em obra da qual é coordenador, a consignar que “o advogado, mais do que qualquer outro profissional, há de assumir o papel social indeclinável de verdadeiro crítico no contexto em que está encartado”.

Trata-se, assim, de uma atitude pro-ativa da Entidade em posicionar-se com relação às implicações jurídicas do ato de cassação de mandato parlamentar por falta de decoro de um de seus inscritos, não sendo complacente com a traição aos princípios basilares do Estado Democrático de Direito.

Não se trata, aqui, de apreciar o mérito sobre os critérios lançados pela Casa Legislativa no julgamento político lá operado, uma vez que fazer o contrário seria tornar este Tribunal um órgão reexaminador do mérito tomado pela Câmara dos Deputados, agindo-se, assim, de maneira desrespeitosa quanto àquele Parlamento. Nesse sentido, não será oportuno e conveniente (nem correto) traçar novas considerações e valorações sobre as provas que instruíram aquele processo, bem como os fundamentos que formaram a convicção dos nobres deputados.

Cuida-se, este caso, de examinar as implicações jurídicas que sobrevêm com o fato “decretação da cassação de deputado por falta de decoro parlamentar”, ou seja, o reconhecimento que o conteúdo jurídico daquele ato (cassação com base no art. 55, II, da Constituição) é exatamente o mesmo dos arts. 8º e 34, XXVII, do EAOAB, qual seja: a idoneidade (ou, melhor dizendo, a inidoneidade) moral do Representado.

Nem se argumente que a falta de condenação criminal (com a qual, cedo ou tarde, o Representado poderá ser confrontado) é molde a presumir-se sua inocência, porquanto não seja essa a única possibilidade de uma pessoa tornar-se moralmente inidônea. Anote-se, assim, que o Conselho Federal da OAB registra entendimento no sentido de que as esferas penal e disciplinar são independentes, sublinhando-se o seguinte julgado, mutatis mutandis:


“A DEMISSÃO DO SERVIDOR PÚBLICO A BEM DO SERVIÇO PÚBLICO INVIABILIZA A SUA INSCRIÇÃO COMO ADVOGADO NOS QUADROS DA OAB, PELA FALTA DE REQUISITO DA IDONEIDADE MORAL, SENDO IRRELEVANTE A REJEIÇÃO DA DENÚNCIA NA ESFERA CRIMINAL”.

(Conselho Federal – 1ª Câmara – Processo nº 004.603/PC, rel. Cons. José Paiva de Souza Filho (AM), DJ de 16.02.1995)

No mesmo sentido, relacionando outros precedentes da OAB: Conselho Federal – 1ª Câmara – Processo nº 005.042/97/PC, rel. Cons. Heitor Regina (SP), DJ de 11.07.1997.

Note-se, pois, que o caso destacado trata de uma simples demissão a bem do serviço público, situação que em muito se assemelha ao Representado em relação ao Parlamento, muito embora as repercussões e a reprobabilidade social das condutas do último sejam, in casu, muito mais acentuadas.

Tampouco se argumente que as atitudes pelas quais foi cassado não foram praticadas no exercício da advocacia, mas como membro do Congresso Nacional e/ou do Poder Executivo. Tal argumentação, de plano, deve ser afastada por dois motivos: por um lado, do mesmo modo que malogrou a argumentação de que os atos que tomara foram enquanto membro do Poder Executivo, e não do Legislativo, o Representado sempre esteve inscrito e ativo nos quadros da OAB/SP; a duas porque não poderá haver distinção entre a (in)idoneidade de um munus e outro, uma vez que ambas são funções públicas que tem como pressuposto serem exercidas por pessoas de reputação e história pessoal ilibadas.

Veja-se, pois, que o desrespeito do Representado pelas normas deônticas de nossa profissão parece ser uma marca que pauta suas condutas, uma vez que, durante o período (cerca de dois anos e meio) em que exercera o cargo de Ministro de Estado, estava ele impedido de exercer a advocacia, nos termos do artigo 28 do EAOAB. Contudo, já em agosto de 2005 este subscritor observava, no site da OAB/SP, que o Representado estava em atividade quando exercera suas funções no Executivo, bem como no Conselho Diretivo da Petrobrás, órgão de empresa pública em que chegou a compor seu corpo de diretores.

Assim, serve a presente para apontar, também, a infração a mais esse vaticínio, lembrando-se, contudo, que essa conduta reveste-se de menor gravidade que aquel’outra, qual seja a perda da sua idoneidade moral.

No mais, uma vez que é fato que “Dirceu vai advogar e fazer política, mas sem participar do governo” (doc. 6), entende este subscritor que permitir que o Representado desenvolva qualquer atividade advocatícia é colocar em risco a credibilidade da própria advocacia perante a sociedade brasileira, uma vez que seja notória a repercussão negativa do ato de cassação mencionado, de molde a haver a ameaça de a classe, como um todo, ser maculada por possuir em seus quadros pessoa moralmente inidônea, motivo pelo qual, invocando-se o artigo 70, §3º, requer este subscritor seja o Representado suspenso preventivamente.

PAULO LUIZ NETTO LÔBO, na página 88 da obra já citada, assim ensina:

“A suspensão preventiva, por envolver imediatas repercussões no exercício profissional, apenas é admissível em situações notórias e públicas, cujas repercussões ultrapassem as pessoas envolvidas e causem dano à dignidade coletiva da advocacia”.

IV – A CONCLUSÃO

Diante do exposto, o Representante sustenta que as condutas do Representado enquanto membro dos Poderes Executivo e Legislativo subsumem-se à hipótese da perda de requisito da idoneidade moral que deve ser condição basilar a qualquer inscrito no quadros da Ordem dos Advogados do Brasil, devendo, em razão disso, sofrer sanção disciplinar cabível à espécie.

Nesse sentido, acreditando este Representante subscritor agir em defesa da moralidade, do respeito, da independência, da verdade, da justiça, da honra, da nobreza e da dignidade da profissão de advogado, propõe a presente REPRESENTAÇÃO em face do Representado, a fim de que sejam apuradas as apontadas infrações disciplinares e éticas por ele cometidas, consoante os motivos de fato e de direito acima articulados.

Requer-se, outrossim, seja o Representado suspenso previamente do exercício da advocacia, nos exatos termos do art. 70 §3º, do EAOAB.

Termos em que,

Pede-se deferimento.

São Paulo, 12 de dezembro de 2005.

CLÁUDIO CASTELLO DE CAMPOS PEREIRA

OAB/SP Nº 204.408

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