De olho no Supremo

Sociedade debate forma de escolha de ministros do STF

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10 de dezembro de 2005, 10h40

Quem deve escolher os ministros do Supremo Tribunal Federal, a mais alta corte de Justiça do país? Uma coisa é certa: é inviável fazer uma escolha tão criteriosa e técnica pelo voto de 120 milhões de eleitores brasileiros. No outro extremo, questiona-se o sistema que é usado já há mais de um século. Nele, o privilégio da escolha é de um único eleitor — o presidente da República, que pode escolher qualquer cidadão, desde que obedeça às exigências constitucionais: que tenha entre 35 e 65 anos, seja senhor de notável saber jurídico e tenha reputação ilibada. Cabe ao Senado aprovar a escolha do presidente. Uma Proposta de Emenda Constitucional do senador Jefferson Peres, que pretende mudar esta disposição, reacendeu a discussão em torno do tema.

A primeira questão é definir se a suprema corte do Brasil tem de ser formada por escolha do Executivo e do Legislativo, deixando de fora justamente o Judiciário. Jefferson Peres, autor da PEC 68/05, que está na CCJ — Comissão de Constituição e Justiça do Senado, acredita que não. “Não é democrático a escolha daquele que vai ocupar uma cadeira no órgão mais alto do Judiciário ser feita por apenas uma pessoa: o presidente”, defende. Ele afirma que a sabatina no Senado é apenas burocrática: ninguém é recusado. “A sabatina é ilusão. Quem escolhe é o presidente e ponto,” diz o senador, um dos praticantes do ilusionismo.

Essa recusa é rara, mas já aconteceu. Alexandre de Moraes, conselheiro do Conselho Nacional de Justiça, conta que, em toda a história do Brasil, quatro indicados pelo presidente para a vaga de ministro do Supremo foram rejeitados. Todas as rejeições ocorreram no governo do marechal Floriano Peixoto e, segundo Moraes, o abuso nas indicações do marechal ficou evidente: um dos indicados era médico e os outros três, generais. Se o Senado abdicou do seu direito de participar da escolha dos ministros, esta é uma decisão que só os senadores podem explicar.

Por isso, Jefferson Peres propõe uma mudança radical. Pela sua idéia, Executivo e Legislativo deveriam ficar fora da escolha. Ao se abrir uma vaga no STF, a Ordem dos Advogados do Brasil, o Ministério Público e os órgãos que representam a magistratura elaborariam uma lista sêxtupla (cada entidade indicaria dois candidatos). A partir desta lista, os ministros do Supremo escolheriam um nome para ocupar a vaga. O presidente da República apenas nomearia o escolhido.

A mudança, ainda no papel e bem longe de se tornar real, é ousada. O sistema atual de escolha para ministros do Supremo é o mesmo desde a Constituição de 1891, a segunda do país. Mas, desde a primeira, publicada em 1824, o Executivo tem o poder de suspender o juiz. A interferência, portanto, sempre esteve presente.

O sistema brasileiro também é o mesmo utilizado nos Estados Unidos, com uma ressalva. No hemisfério norte, são famosos os casos em que o Senado rejeita a indicação do presidente. Ao contrário do Brasil, lá a sabatina e a aprovação do Senado têm caráter explicitamente político, como no caso da conselheira da Casa Branca Harriet Miers.

Ela foi indicada pelo presidente norte-americano, George W. Bush. Diante da resistência do Senado, Harriet renunciou à vaga antes mesmo de seu nome ser levado à apreciação dos senadores.

No Brasil, isso não acontece. Mas, o sistema, pelo menos aparentemente, tem funcionado. O Supremo Tribunal Federal é o guardião da Constituição e o mais respeitado tribunal brasileiro.

Nos Estados Unidos, a influência do presidente sobre a Suprema Corte é muito maior do que no Brasil. Lá também o presidente do tribunal é escolhido pelo presidente da República e só deixa o posto quando renuncia ou quando morre. Os cargos de ministro e de presidente da Suprema Corte americana são vitalícios. Já no Brasil, o presidente do STF é escolhido pelos próprios ministros e fica na função durante dois anos. Os ministros são forçados a deixar a corte ao atingirem a idade limite de 70 anos.

Política na Justiça

Apesar da tentativa envergonhada de alguns de dissimular o papel político do Supremo, ele existe e é legítimo. “O Supremo é um órgão político. Suas decisões são muito mais políticas do que jurídicas”, sustenta o secretário da Reforma do Judiciário, Pierpaolo Bottini. Ele entende que é necessário uma reavaliação do sistema de escolha de ministros do STF, mas afirma não ter encontrado nenhuma alternativa satisfatória. Para ele, o tribunal supremo não pode perder a heterogeneidade. Hoje, os ministros não precisam ser advogados, juízes nem promotores. O alvo do combate, para Bottini, deve ser a política partidária, e a não a politização.

O atual presidente do STF, ministro Nelson Jobim, já foi deputado federal durante dois mandatos pelo PMDB e ministro da Justiça durante o primeiro governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Agora, é apontado como provável candidato à Presidência da República.

Jobim nega que seja candidato, mas já avisou que deve deixar os quadros do Supremo Tribunal Federal em março do próximo ano, embora seu mandato como presidente termine só em junho e o prazo para atingir a compulsória seja ainda de 11 anos. Coincidência ou não, se quiser concorrer às eleições de outubro, Jobim tem até o dia 3 de abril para se filiar a um partido político – coisa que só pode fazer como ex-ministro do STF.

A anunciada renúncia de Jobim dará ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva o privilégio de fazer maioria absoluta na bancada do Supremo. Dos 11 ministros em exercício, quatro foram nomeados por Lula: Eros Grau, Joaquim Barbosa, Carlos Ayres Britto e Cezar Peluso. Em janeiro, ele indica o substituto de Carlos Velloso, que completa 70 anos e se aposenta. Ao indicar o substituto de Jobim, provavelmente em abril, Lula terá escolhido metade mais um do total de ministros.

Esta situação, sem dúvida, pode trazer benefícios para o presidente. No entanto, não tem relação com a forma de escolha dos ministros. Com qualquer tipo de eleição que for aplicado, haverá sempre um grupo de poder para tirar proveito das circunstâncias.

Outros modelos de escolha já mostraram que também têm falhas. A escolha do representante da OAB para o quinto constitucional do Tribunal de Justiça de São Paulo, por exemplo, encontra-se num impasse. O chamado quinto constitucional reserva para a OAB e para o Ministério Público o direito de nomear um quinto dos membros dos Tribunais de Justiça estaduais. Fazem isso apresentando uma lista com seis nomes ao tribunal, que a reduz para três, de onde o governador tira o eleito.

Na última escolha em São Paulo, os desembargadores se recusaram a indicar um nome da lista apresentada pela OAB-SP. Fala-se pelos corredores do tribunal que a lista foi montada para favorecer protegidos da entidade. A questão está no STF.

Meio jurídico

Entre partes isentas na discussão, é consenso de que uma revisão na forma de escolha dos ministros seria bem-vinda. O consenso termina por aí. As propostas são tantas quanto os entrevistados.

O constitucionalista e professor de pós-graduação da Universidade Mackenzie João Antônio Wiegerinck classifica o projeto do senador Jefferson Peres de “sensacional”. Para ele, é importante tirar do Executivo o poder da escolha. Além disso, pela PEC, os indicados deveriam ter formação jurídica o que, para Wiegerinck, é favorável para o STF. “Todos os três órgãos da Justiça estariam representados no Supremo”, diz. Hoje, a legislação não exige sequer que o candidato a ministro seja bacharel.

Wiegerinck ressalta, no entanto, que a idéia do senador deveria ser aperfeiçoada. Deveriam ser estabelecidos critérios para a indicação pelos órgãos de classe e a escolha pelos ministros do Supremo deveria ser pública. “Se o Judiciário não interfere na escolha dos representantes dos outros poderes, porque os seus representantes têm de ser submetidos à interferência do Legislativo e Executivo?”, pergunta. Talvez porque os membros do Judiciário sejam os únicos que não são submetidos ao voto popular.

Para reduzir a politização, o advogado constitucionalista Ives Gandra Martins aposta numa mudança menos radical. Os ministros seriam nomeados da mesma forma como é feito no Superior Tribunal de Justiça: um terço dos ministros vem da Justiça Estadual, um terço da Federal e um terço do Ministério Público e da OAB. Cabe ao próprio STJ elaborar uma lista tríplice e encaminhar para o presidente escolher e o Senado aprovar. É esse o modelo que Gandra defende desde 1981. “A escolha tem de passar pelos três poderes.”

Politização necessária

O conselheiro do Conselho Nacional de Justiça Alexandre de Moraes propõe, para o Brasil, o sistema europeu. Nos países da Europa, cada um dos três poderes escolhe um terço dos ministros da suprema corte. Além disso, ele defende um mandato com prazo limitado para os ministros, o que possibilitaria uma maior renovação da jurisprudência. Segundo Moraes, a medida também reduziria a politização.

O conselheiro afirma que defendeu a aplicação do sistema europeu na sua tese de doutorado em 2000. “Sou contra o modelo atual. Por que ministros que não foram eleitos pelo povo podem declarar inconstitucional um ato do Parlamento, cujos membros foram eleitos pela população?”, questiona. Como é inviável fazer eleição direta para o Supremo, a idéia, segundo Moraes, é deixar que os escolhidos do povo possam escolher por eles os membros do Supremo.

Por enquanto, são só idéias, ainda carentes de amadurecimento. Entre elas, a do senador Jefferson Peres. Esta, colocada no papel, aguarda votação na CCJ — Comissão de Constituição e Justiça do Senado.

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