Medida de segurança

STJ impede construção de vidro sobre prédios tombados em SP

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9 de dezembro de 2005, 10h37

O Superior Tribunal de Justiça decidiu manter suspensa a construção de uma pirâmide de vidro sobre os prédios tombados da cidade de Paulínia, no interior de São Paulo. O presidente do STJ, ministro Edson Vidigal, não acolheu o pedido do município para cassar a liminar que impede a obra.

Segundo o projeto, o município pretende construir uma estrutura de aço e vidro em forma de pirâmide sobre a Igreja de São Bento e sobre o Museu Municipal (antiga Casa de Ferro), para resguardá-los da chuva, corrosão, do ar poluído e danos acidentais.

O município alegou que parar as obras é prejudicial à manutenção dos prédios tombados, o que configuraria “perigo da demora” e ameaça à segurança e à saúde pública. O ministro Edson Vidigal não acolheu os argumentos.

“Parece-me improvável, aliás, que da simples manutenção de duas edificações centenárias expostas ao ar livre, como sempre estiveram, ao longo dos anos, resultem diretamente ameaçadas a segurança e a saúde pública”, decidiu. O município ainda pode recorrer.

Leia a íntegra da decisão

SUSPENSÃO DE LIMINAR E DE SENTENÇA Nº 210 – SP (2005/0201994-8)

REQUERENTE: MUNICÍPIO DE PAULÍNIA

ADVOGADO: SÉRGIO FERRAZ E OUTROS

REQUERIDO: DESEMBARGADOR RELATOR DO AG NR 4298625 DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

INTERES.: AMAPAULÍNIA ASSOCIAÇÃO DOS MORADORES E AMIGOS DE PAULÍNIA

INTERES.: CARLOS ROBERTO CAPACLE

ADVOGADO: MÁRIO FERREIRA JUNIOR

DECISÃO

Em ação civil pública, a Associação dos Moradores e Amigos de Paulínia – AMAPAULÍNIA pediu fosse aquele Município imediatamente impedida de dar início à construção do projeto urbanístico denominado “Manto de Cristal”, bem como suspensos os trabalhos preliminares já em progresso, como a demolição de imóveis adjacentes ao sítio daquela obra. Para tanto, sustentou que a empreitada ofuscaria o patrimônio local, com a total descaracterização dos poucos imóveis históricos lá existentes, e grave e desnecessário dispêndio de dinheiro público.

O pedido urgente foi deferido pelo Juízo de primeiro grau, “permitindo-se que o requerido realize tão-somente obras necessárias a evitar a degradação de tais imóveis, tais como reparos nos alicerces, descupinização de madeiramento e reparos nos telhados dos imóveis já tombados. Em caso de descumprimento, incidirão nas penas de desobediência”.

Contra essa decisão foi interposto um Agravo, pelo Município, com efeito suspensivo indeferido pelo em. Relator. Veio o Regimental, então, já com provimento negado pelo colegiado.

Por isso o pedido de suspensão, agora, afirmando preliminarmente ofendidos o devido processo legal, porquanto deferida liminar em ação civil pública sem que previamente ouvida a pessoa jurídica de direito público, e a Lei nº 8437/92, art. 2º, já que promovida a ação por associação constituída com o exclusivo e artificial propósito de ajuizar a ação em debate, “com o claro intuito de obstar a realização de um dos projetos do governo mais relevantes para a cidade e a população de Paulínia” (fl. 08), já que instalada apenas três meses antes da propositura do embate. Por isso, e porque supostamente desmotivado o julgado que deferiu a liminar, afirma ofendidas a ordem pública e administrativa, a justificar o deferimento da medida extrema.

No mérito, insiste relevante e necessária a obra, “com o precípuo propósito de transformar Paulínia em pólo turístico” (fl. 10), com a revalorização de seus marcos históricos – a Igreja de São Bento e o Museu Municipal (antiga “Casa dos Ferro”) -, sobre os quais erigida seria gigantesca estrutura de aço e vidro a resguardá-los “das precipitações pluviais, corrosão de ar poluído, danos acidentais e descuídos dos vizinhos” (fl. 12).

A obra, propriamente dita, veio assim descrita na inicial: “escudo de defesa com forma arquitetônica moderna e de grande expressão artística, consistente numa pirâmide transparente (assim assegurando a visibilidade e a luminosidade do patrimônio histórico), que projetará efeito extraordinário sobre os referidos monumentos. Nesse complexo, implantar-se-ão, ademais, dentre outros melhoramentos, cinemas, elevadores e observatórios panorâmicos, chafarizes, espelhos d’água, salões para expressão de arte e artesanato, afora um painel em mármore contando a história de Paulínia, encimado por totens (esculturas) de grande apelo dramático” (fl. 13).

Diz tratar a hipótese de “uma obra de visão”, comparável à Pirâmide do Louvre, em Paris, dando como desnecessário, no caso, prévio assentimento do IPHAN, do CONDEPHAAT ou de elaboração de estudo de impacto ambiental, ressaltando perfeito, ademais, o contrato administrativo firmado, após cuidadosa licitação, para a sua execução.

Assim, conclui, “o retardamento, agora judicialmente decretado, mantém a exposição ruinosa do patrimônio histórico à erosão dos elementos naturais, das partículas químicas em suspensão e das chuvas ácidas – tudo em prol da destruição. Ou seja, já periculum in mora, isso sim, na paralisação das obras, inclusive com ameaças óbvias à segurança pública e à saúde da população” (fl. 14).

Observa proposta, também, ação popular com objeto idêntico àquele da ação civil pública, com antecipação de tutela igualmente deferida pelo mesmo juízo local para impedir tivesse início a execução da obra, pelo que pede, acaso deferida a medida, a extensão respectiva, de forma a abarcar também o julgado proferido nos autos da ação popular.

Decido.

Afasto, de início, a alegação de que ofendida a ordem pública administrativa porque em tese violadas disposições constitucionais e legais afetas à propriedade da ação civil pública, na forma em que proposta.

Neste particular, a argumentação trazida como sustentáculo do pedido de suspensão remonta exclusivamente ao debate de ofensa à ordem jurídica, e de lesão à ordem jurídica não se há falar na excepcional via da suspensão de liminar ou de sentença, cujo resguardo se acha assegurado na via recursal própria (Suspensões de Segurança nº 909, 917 e 924).

Na lição de Hely Lopes Meirelles (in Mandado de Segurança: Ação Popular, Ação Civil Pública, Mandado de Injução, ‘Habeas Data’, Malheiros, 16ª Ed., p. 64), “interpretando construtivamente e com largueza a ‘ordem pública’, o então Presidente do TFR e atual Ministro do STF José Néri da Silveira explicitou que nesse conceito se compreende a ordem administrativa em geral, ou seja, a normal execução do serviço público, o regular andamento das obras públicas, o devido exercício das funções da Administração pelas autoridades constituídas’. Realmente, assim há que ser entendido o conceito de ordem pública para que o Presidente do Tribunal competente possa resguardar os altos interesses administrativos, cassando liminar ou suspendendo os efeitos da sentença concessiva de segurança quando tal providência se lhe afigurar conveniente e oportuna”.

De tal passagem, possível inferir que o conceito de ordem pública, já numa leitura alargada e construtiva compreende, apenas, o conjunto de direitos cuja obediência o Estado impõe, executa e fiscaliza, em salvaguarda de interesses substanciais da sociedade. A tal não se equivale eventual ofensa à ordem jurídica, não havendo, aqui, espaço para a análise de eventuais error in procedendo e error in judicando, restrita às vias ordinárias. Evidencia-se nítida, aí, a pretensão do requerente de utilizar a excepcional via como sucedâneo recursal, para modificar decisão que lhe é desfavorável, o que não se admite.

No mérito, tenho como ausentes os pressupostos autorizadores da extrema medida requerida. De fato, a pretensão, aqui, resume-se à unilateral e genérica alegação de que, a permanecer o julgado atacado, malferidas estariam a ordem, a saúde e a segurança públicas. A real potencialidade lesiva da decisão, porém, não é manifesta, uma vez que em momento algum demonstrou o Município de que forma o retardamento da obra em questão – sequer iniciada, e de natureza eletiva e não emergencial – poderia, por si só, malferir ou ameaçar qualquer dos bens maiores tutelados pela norma de regência.

Parece-me improvável, aliás, que da simples manutenção de duas edificações centenárias expostas ao ar livre, como sempre estiveram, ao longo dos anos, resultem diretamente ameaçadas a segurança e a saúde pública. Nada há, seja nos autos ou no próprio senso lógico do julgador, a permitir chegue-se a tão despropositada conclusão.

E não é só. É certo, ademais, não caber, nesta via, examinar questões de fundo envolvidas na lide, devendo a análise cingir-se, somente, à potencialidade lesiva do decisório, em face das premissas estabelecidas na norma específica (RTJ 143/23). Tal orientação não deixa, porém, de admitir um exercício mínimo de deliberação do mérito, haja vista cuidar-se de contracautela, vinculada aos pressupostos da plausibilidade jurídica e do perigo na demora, exigidos para a concessão das liminares.

Com isto em mente, verifico presente risco inverso de dano ao interesse público, acaso permitido desde logo o início das obras. O projeto em questão constitui verdadeiro remanejamento do complexo histórico local, encerrado que ficaria sob uma pirâmide de degraus composta por toneladas de aço e vidro laminado – num complexo ao qual mesclados, ainda, elementos modernos diversos e contrastantes como cinemas, elevadores, observatórios panorâmicos, chafarizes e espelhos d’água. Uma pirâmide de 25 metros de altura, com área total de 4.125 metros quadrados, servidos por ar condicionado central, tudo, é claro, financiado com dinheiro público.

Não, parece-me infinitamente mais prudente aguardar o desenlace da controvérsia perante a origem, antes que autorizado, de inopino, o início dos trabalhos. Principalmente quando, muito embora tenha se dado ao trabalho de fazer juntar aos autos até mesmo material relativo à consagração eleitoral do Prefeito, deixou o Município de trazer cópias da decisão colegiada que lhe foi desfavorável, a permitir um exame mais completo da controvérsia. Em favor da parte requerente, diga-se possível que o julgado, por recente, não tenha ainda sido disponibilizado ou publicado; não obstante, sequer a data em que proferido foi informada, sem o que impossível reconhecer mesmo eventual periculum in mora a justificar a propositura deste pedido de suspensão.

Finalmente, registro que, ao contrário do que faz crer a parte requerente, da decisão que deferiu a liminar não resultam desprotegidas as edificações que ambas as partes afirmam pretender preservar, já que expressamente resguardada e permitida, naquele julgado, a realização das obras necessárias a evitar a degradação de tais imóveis.

Assim, à falta dos pressupostos justificadores da drástica medida de suspensão, indefiro o pedido.

Publique-se.

Brasília (DF), 02 de dezembro de 2005.

MINISTRO EDSON VIDIGAL

Presidente

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